5. Análise crítica. Possibilidade de extensão do acúmulo a todos os servidores
Vamos polemizar.
A Constituição estabeleceu que: “é vedada a acumulação remunerada de cargo público, exceto quanto houver compatibilidade de horário”. Primeiramente, a Constituição não utilizou o conectivo “e” depois de referido período para considerar taxativo o rol do inciso XVI do art. 37. Além disso, ao falarmos de cargos técnicos e científicos as porteiras estariam abertas para nos posicionamos no sentido da abertura a todos os cargos e empregos públicos, pois ou são técnicos, ou são científicos.
Se assim pensarmos, a Constituição teria tão somente exemplificado profissões que, em princípio, a legislação permite a jornada de 20 (vinte) e 30 (trinta) horas semanais e, logo, presumir-se-ia a compatibilidade de horário.
Vejamos que o permissivo constitucional de dois cargos de professor; de um cargo de professor com outro técnico ou científico; a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, pela natureza das profissões (desgastantes, por sinal), foi elencado ciente que nos casos referidos haveria legalmente compatibilidade de horário.
Se aceitássemos a ideia, a regra e a exceção do acúmulo se encontrariam tão somente no seguinte período: “É vedada a acumulação remunerada de cargo público, exceto quanto houver compatibilidade de horário” ou “É permitido o acúmulo remunerado de cargo, emprego ou função pública, desde que haja compatibilidade de horário e as atribuições sejam compatíveis juridicamente”. Diríamos que o rol elencado no inciso XVI do art. 37 da CF/88 seria meramente exemplificativo.
Como sabido, o êxito em concurso público, apesar de democrático, restringe-se aos interessados que preencham parte de suas vidas dedicada aos estudos. A dedicação em si não é para qualquer um, demanda interesse, vontade e perseverança. Se a pessoa tiver interesse e houver possibilidade psíquica e física, além de jornada compatível para o exercício de outro cargo, emprego ou função pública, não há o porquê da negativa, tendo em vista que o Estado, por meio do concurso público, busca os mais eficientes e preparados para o exercício das atribuições públicas.
Indagamos: se o servidor não se encontrar nesse rol constitucional e possuir jornada de trabalho de vinte ou trinta horas semanais ele não poderá exercer função, cargo ou emprego público remunerado com jornada de trabalho entre 20 (vinte) e 30 (trinta) horas, tendo em vista que a jornada semanal (ao menos administrativamente) é limitada à sessenta horas? Não se estaria ferindo o princípio da isonomia entre os agentes públicos, e proibindo o exercício do labor? A questão seria mesmo de moralidade administrativa?
Não vemos assim, tendo em vista que o procedimento do concurso público é meritório.
Por isso que pensamos: não haveria proibição para a acumulação de dois cargos ou empregos públicos, desde que houvesse compatibilidade de horário, ou a lei permitisse redução da jornada com proporcional redução remuneratória. Obviamente que as atribuições devem possuir compatibilidade jurídica.
A Nota Técnica nº 41/2010 da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão enfatiza a impossibilidade de acumulação de dois cargos atrelados aos profissionais de saúde, ao se considerar a extrapolação das 60 (sessenta) horas semanais. Assim, haveria necessidade desses servidores exercerem o direito de opção pela redução da jornada de trabalho, na forma das disposições exaradas na Medida Provisória n° 2.174-28, de 24 de agosto de 2001.
Vejamos que apesar de a Nota Técnica se referir aos “profissionais de saúde”, o seu objeto principal foi a incompatibilidade da jornada de trabalho (máxima de sessenta horas). Dessa forma, a NT foi clara de que haveria necessidade de os servidores exercerem redução da jornada de trabalho. Significa que poderiam permanecer em exercício em dois cargos ou empregos públicos, desde que a jornada semanal não ultrapassasse 60 (sessenta) horas. No caso, ficou claro não bastar a adjetivação “profissionais de saúde”, pois o requisito “jornada compatível” é a principal condição de existência dos dois vínculos. Inclusive, adotamos posicionamento distinto, excluindo o requisito objeto da jornada máxima de sessenta horas e incluindo tão somente a compatibilidade saudável. Este, inclusive é o posicionamento dos Tribunais Federal, como o da 1ª e 2ª Região.
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – MANDADO DE SEGURANÇA – ACUMULAÇÃO DE CARGOS – LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA TOTAL – FUNDAMENTO – PARECER DA AGU – IMPOSSIBILIDADE – ART. 37, XVI, DA CF/88 E ART. 118, § 2º, DA LEI Nº 8.112/90 – EXEGESE. I – O ato impugnado admite a acumulação, determinando apenas – com base no Parecer AGU nº 145 – que a carga horária de um dos cargos seja reduzida, a fim de que a jornada de trabalho total seja limitada a 60 (sessenta) horas. II – Dessume-se, portanto, que não está em discussão, na presente ação, se os cargos são ou não acumuláveis, mas se é lícita a determinação de redução da carga horária. III – Tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, como a Lei nº 8.112/90, em seu art. 118, § 2º, condicionam a acumulação à compatibilidade de horários, não fazendo qualquer referência à carga horária. IV – Sendo assim, desde que comprovada a compatibilidade de horários, como, de fato, ocorreu no caso em análise, fls. 24 e 26, não há que se falar em limitação da jornada de trabalho. V – Remessa e apelação desprovidas.” (TRF 2ª Região, AMS 20065101001220-5, Rel. Des. Sérgio Schwaitzer, Sétima Turma, DJ 26.10.2006, p.207).
Apenas para ilustrar, os profissionais de saúde possuem um desgaste físico e psíquico ainda maior do que qualquer outro servidor público de natureza administrativa, que executa as suas atribuições de forma rotineira, sem riscos à saúde na maioria das vezes.
Em verdade, a Constituição não está tutelando o saúde do profissional ao permitir, por exemplo, dois vínculos de vinte horas do técnico em radiologia, exposto à radiação.
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO EM RADIOLOGIA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS COMPROVADA. 1. O mandado de segurança é destinado a garantir direito líquido e certo, ou seja, aquele que pode ser provado de plano.2. A impetrante comprovou, pelas provas juntadas com a inicial, a existência do direito líquido e certo invocado de compatibilidade de horários (CR/88, art. 37, XVI), relativamente aos dois cargos públicos que exerce cumulativamente como técnico em radiologia, com jornada de trabalho total de 48 horas semanais. 3. A Lei 7.394/85, que regula o exercício da profissão de Técnico em Radiologia, não pode criar óbice ao exercício de dois cargos, se a única exigência constitucional para a acumulação na área de saúde é a existência de compatibilidade de horário, demonstrada de plano na presente hipótese. Precedentes. 4. Apelação e remessa oficial não providas.”
O médico que labora quarenta horas em um vínculo e vinte horas em outro está sujeito a doenças das mais variadas, bem mais que servidores outros das demais searas das ciências. Não estamos defendendo a proibição de acumulo dos profissionais de saúde, mas a extensão do direito ao acúmulo aos cargos e empregos que possibilitam a compatibilidade de horário.
O art. 19 da Lei nº 8.112/90 estabelece que os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.
Quer-se dizer que para a determinação da jornada de trabalho de dado cargo público deve-se ater às atribuições pertinentes aos respectivos cargos. Ressaltamos que a jornada variará, conforme o caso entre seis (mínima) e oito (máxima) horas diárias. O § 2º do art. 19 da Lei nº 8.112/90 é bastante claro ao estabelecer não se aplicar a duração do trabalho referida quando houver leis especiais. Quais seriam essas leis?
Obviamente que seriam as leis específicas que regulamentam as profissões. Não poderia haver uma lei dirigida aos servidores públicos e outra lei privada para a regulamentação. Feriria de forma gritante o princípio da isonomia. Como duas leis tratariam diferentemente a mesma profissão pelo mero fato de uma pessoa ser provida em cargo público e outra em emprego público ou provado?
Por isso, deve-se adotar a jornada estabelecida pelas normas especiais que tratam especificamente das profissões. Os profissionais não poderiam exercer, em princípio, atribuições distintas na seara pública e privada para nortear possível distinção de jornadas.
A determinação da jornada, estabelecida pelas normas especiais, estão municiadas por estudos da capacidade psíquica e física do profissional.
Nossa concepção anda de acordo com a isonomia ao defender a abertura do acumulo de cargos a todos servidores públicos que seja possibilitada a redução da jornada de trabalho ou que já possuam tal redução em lei especial, conforme a profissão. Observemos a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região:
“TRF 1ª. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS DO IBAMA. ESPECIFICAÇÃO DOS CARGOS PREVISTOS NO ART 9º DA LEI N. 10.410, DE 11.01.2002. ADMINISTRATIVO. ODONTÓLOGO. AUSÊNCIA DE PROVA DAS ATIVIDADES EXERCIDAS. PREMISSA EQUIVOCADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. CARGO E ATRIBUIÇÕES: FATO INCONTROVERSO. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. QUESTÃO EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. JORNADA DE TRABALHO DIFERENCIADA. POSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA .
1. (...).
3. Apesar da previsão legal de que "os ocupantes dos cargos da Carreira de Especialista em Meio Ambiente cumprirão jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas", a própria Lei n. 10.410/2002 possibilitou a "flexibilização" da jornada de acordo com as especialidades profissionais. É clara a intenção do legislador em propiciar instrumento legal ao Administrador para observância das peculiaridades de alguns cargos genericamente criados/transformados em analista, técnico ou auxiliar administrativo da carreira especialista em meio ambiente.
4. Especificamente, para os dentistas, a jornada de 30 (trinta) horas semanais restou garantida pela Lei n. 3.999/61 (arts. 8º e 22), bem como pelo Decreto-lei n. 2.140/84 (art. 6º), que, por se harmonizarem com o art. 19 da Lei n. 8.112/90 e não terem sido modificados por lei especial, permanecem em pleno vigor.
5. Dispondo a Lei n. 10.410/2002 genericamente a respeito de criação de cargos e a imputação de remunerações, com menção à possibilidade de especificação de atribuições, em óbvia observância à peculiaridade de algumas "profissões", incabível serem afastadas as prerrogativas inerentes ao cargo de profissional de saúde, no caso, odontólogas, quais sejam, a jornada diferenciada de trabalho e a possibilidade de acumulação de cargos públicos, desde que preenchidos os demais requisitos constitucionais e legais.
6. Incabível, no entanto, o pedido de especificação do cargo ocupado pelas impetrantes para fins de preservação do direito à aposentadoria especial. Isto porque, nos termos da legislação previdenciária aplicável ao caso por analogia (ex vi Mandado de Injunção n. 1.841 AgR/DF, Relator Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 13-03-2013 PUBLIC 14-03-2013), o simples enquadramento por categoria profissional não é suficiente à contagem diferenciada do tempo de serviço. Ressalva-se, a todo modo, às impetrantes as vias ordinárias para a discussão deste pleito.
7. Embargos de declaração acolhidos parcialmente para, reformando em parte a sentença monocrática, conceder parcialmente a segurança.”
O Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais. O Decreto referido regulamenta o art. 19 da Lei nº 8.112/90.
Primeiramente, trata-se de Decreto e não de lei. Assim, lei especial que regulamente uma profissão e imponha jornada específica de trabalho prevalece sobre o Decreto. Além disso, o art. 19 da Lei nº 8.112/90 possibilita a análise em cada caso da jornada diária de cada profissão, que variará entre seis e oito horas diárias.
O Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995 estabelece, em regra, que a jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, será de oito horas diárias e carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo.
Vejamos que para os serviços que exigirem atividades contínuas de 24 (vinte e quatro) horas, é facultada a adoção do regime de turno ininterrupto de revezamento. Assim, quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições.
Entendamos: além das possibilidades constitucionais de compatibilidade de horário com acumulação de vínculo, defendemos que todo e qualquer servidor público possa acumular cargo público quando houver compatibilidade de horário. No caso de turno ininterrupto, o igualaríamos à possibilidade de o servidor solicitar redução da jornada de trabalho, o que viabilizaria o acumulo de cargo, desde que não ultrapassasse sessenta horas semanais.
Quando o dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprirem jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, entendemos que abrirá caminho para o acúmulo de cargo. Porém, se o dirigente retornar às oito horas, o servidor terá que optar por um ou outro ou reduzir a jornada em sessenta horas semanais quando somadas.
No âmbito do Poder Executivo Federal, os Ministros de Estado e os dirigentes máximos de autarquias e fundações públicas federais fixarão o horário de funcionamento dos órgãos e entidades sob cuja supervisão se encontrem. Os horários de início e de término da jornada de trabalho e dos intervalos de refeição e descanso, observado o interesse do serviço, deverão ser estabelecidos previamente e adequados às conveniências e às peculiaridades de cada órgão ou entidade, unidade administrativa ou atividade, respeitada a carga horária correspondente aos cargos.
Quanto à redução da jornada pelo servidor com redução proporcional da remuneração, a Medida Provisória nº 2.174, de 24 de agosto de 2001, institui, no âmbito do Poder Executivo da União a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional.
Conforme o art. 5º do Decreto nº 2.174/01, é facultado ao servidor da administração pública direta, autárquica e fundacional, ocupante exclusivamente de cargo de provimento efetivo, requerer a redução da jornada de trabalho de oito horas diárias e quarenta semanais para seis ou quatro horas diárias e trinta ou vinte horas semanais, respectivamente, com remuneração proporcional, calculada sobre a totalidade da remuneração. Inclui o vencimento básico e as gratificações. As verbas indenizatórias ficam de fora da contabilidade.
Solicitada a redução pelo servidor, observado o interesse da administração, a jornada reduzida com remuneração proporcional poderá ser concedida a critério da autoridade máxima do órgão ou da entidade a que se vincula o servidor, vedada a delegação de competência. A jornada reduzida poderá ser revertida em integral, a qualquer tempo, de ofício ou a pedido do servidor, de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade da administração.
Vejamos que não se aplica aos servidores públicos cujas profissões tenha jornada especificada em lei especial. Conforme o Decreto, é vedada a concessão de jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional ao servidor sujeito à duração de trabalho estabelecida em leis especiais ou ocupante de cargo efetivo submetido à dedicação exclusiva.
A redução da jornada não implica perda de vantagens permanentes inerentes ao cargo efetivo ocupado, ainda que concedidas em virtude de leis que estabeleçam o cumprimento de quarenta horas semanais, hipóteses em que serão pagas com a redução proporcional à jornada de trabalho reduzida.
Se há dois vínculos, se é descontada a contribuição previdenciária em cada um deles, ainda que sob o mesmo regime, obviamente que o servidor, legalmente, poderá aposentar-se em ambos os vínculos, ter dupla aposentadoria.