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Desconstruindo a impossibilidade de criação de direitos e deveres pela regulação infralegal

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Agenda 08/05/2014 às 13:59

Os regulamentos das agências reguladoras podem inovar na ordem jurídica, trazendo novos direitos e deveres aos administrados e regulados, desde que não contrariem a legislação ordinária e a Constituição Federal.

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Relação entre a função legislativa e a atuação dos Poderes Executivo e Judiciário à luz da especialização dos campos de conhecimento. 3. Regulação e princípio da legalidade. 4. Critérios para atuação da regulação infralegal. 5. Casos concretos de regulação infralegal. 6. Considerações finais. 7. Bibliografia.

RESUMO: No contexto de interligação das funções precípuas do Estado, a ideia do presente trabalho é especificamente demonstrar a possibilidade de criação de direitos e deveres pela regulação infralegal, a fim de desconstruir o dogma reproduzido por boa parte da doutrina, capitaneada especialmente por Maria Sylvia Zanella di Pietro, de que direitos só podem ser criados por lei em sentido estrito. Para tanto, será analisada a regulamentação das agências reguladoras à luz dos princípios da legalidade e da separação de poderes, especificamente em cotejo com as lacunas deixadas pelo Poder Legislativo.

PALAVRAS-CHAVE: Administrativo – Regulação – Separação de poderes – Legalidade – poder normativo.


 

1. Considerações iniciais.

Montesquieu pensou na divisão das funções estatais como forma de equilibrar a organização do Estado, de modo a conferir a independência necessária ao bom funcionamento de cada um dos Poderes. Assegura-se, dessa forma, que o elaborador das normas seja distinto de seu executor e também distinto do julgador. Têm-se, aí, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, cada um exercendo, com independência, suas funções.

Como sabido, cada um dos Poderes tem uma função precípua, mas não exclusiva. O Poder legislativo legisla, mas também administra e julga; o Poder Executivo administra, mas também legisla e julga; o Poder Judiciário julga, mas também administra e legisla. É nesse contexto que as funções de administrar, legislar e julgar se entrelaçam e convivem harmonicamente entre si, respeitando a independência de cada um dos Poderes.

A referida independência, contudo, não é absoluta em decorrência do sistema de freios e contrapesos, baseado no sistema americano dos checks and balances, que permite a influência dos Poderes uns nos outros por meio de mecanismos específicos. Trata-se de espécie de controle mútuo, na tentativa até mesmo de estimular o diálogo entre os Poderes e concretizar o princípio da coordenação, cada vez mais necessário ao funcionamento do Estado.

Assim, por exemplo, os Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF são nomeados pelo Presidente da República (participação do Poder Executivo), após aprovação pelo Senado Federal (participação do Poder Legislativo).

As leis, após aprovadas pelo Congresso Nacional, dependem de sanção do Presidente da República, ou seja, o chefe do Poder Executivo tem um enorme poder, qual seja, o de vetar a aprovação das leis, mesmo que regularmente aprovadas no âmbito do Poder Legislativo. Contudo, uma vez vetada a lei pelo Presidente da República, pode o Congresso Nacional derrubar o veto e fazer prevalecer a vontade do parlamento.

Se o Poder Legislativo aprova uma lei inconstitucional, pode o Poder Executivo de ofício sustar sua aplicação no âmbito da Administração Pública, e o Poder Judiciário, mediante provocação, declarar sua inconstitucionalidade, retirando-a, abstrata ou concretamente, do ordenamento jurídico. Na mesma linha, cabe ao Poder Legislativo sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Ao Poder Judiciário, por sua vez, sempre mediante provocação, compete declarar sua ilegalidade, se for o caso.

Sobre as funções atípicas, vale registrar que compete ao Senado Federal processar e julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, julgamento que escapa, portanto, da alçada do Poder Judiciário. O controle de constitucionalidade, da mesma forma, também é realizado pelo Poder Executivo e Legislativo, seja de forma preventiva, por meio das comissões de constituição e justiça (CCJ) e do veto jurídico da Presidência da República, seja de forma repressivo, como no caso da referida sustação.

Nesse contexto de interligação das funções precípuas do Estado, a ideia do presente trabalho é especificamente demonstrar a possibilidade de criação de direitos e deveres pela regulação infralegal, a fim de desconstruir o dogma reproduzido por boa parte da doutrina, capitaneada especialmente por Maria Sylvia Zanella di Pietro, de que direitos só podem ser criados por lei em sentido estrito. Para tanto, será analisada a regulamentação das agências reguladoras à luz dos princípios da legalidade e da separação de poderes, especificamente em cotejo com as lacunas deixadas pelo Poder Legislativo.


2. Relação entre a função legislativa e a atuação dos Poderes Executivo e Judiciário à luz da especialização dos campos de conhecimento.

Como dito, a função legislativa é exercida de forma típica pelo Poder Legislativo e de forma atípica pelos Poderes Executivo e Judiciário. O Poder Legislativo, como se sabe, discute as leis em sentido estrito (leis ordinárias, complementares, delegadas e emendas à constituição) com a sociedade – ou ao menos com seus representantes eleitos – e as aprova. Com relação a tais leis em sentido estrito, sua aprovação depende da sanção do Presidente da República, ocasião em que o Poder Executivo avalia sua constitucionalidade e sua conveniência e oportunidade, podendo daí resultar a sanção (concordância com o texto legal aprovado no Congresso Nacional), como os vetos jurídico e político.

A aprovação da lei seguida da sanção do Poder Executivo não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário apreciar sua constitucionalidade nos casos que chegam ao seu conhecimento, seja num caso concreto (controle difuso) ou num caso abstrato (controle concentrado). A preocupação com a constitucionalidade é tanta que nem a sanção do Poder Executivo à lei impede que o próprio Presidente da República que a sancionou ajuíze ação direta de inconstitucionalidade perante o STF.

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Tecidas essas considerações acerca das funções que cercam a edição das leis em sentido estrito, convém registrar o papel dos Poderes na edição das leis em sentido amplo, que incluem as chamadas normas infralegais, como resoluções, regulamentos, etc.

Pois bem.

Se o Poder Legislativo edita as leis em sentido estrito, também edita as resoluções, instrumentos dotados de generalidade e abstração, em regra com efeitos internos, mas que não deixam, por isso, de possuir natureza normativa. O mesmo raciocínio se aplica ao Poder Executivo e ao Judiciário, que também editam atos normativos com efeitos internos, exercitando, assim, a função legislativa atípica.

Quanto ao Poder Executivo, ele ainda exerce, com mais intensidade, a função legislativa atípica com efeitos externos, ou seja, direcionada não à própria Administração Pública e seus servidores, mas aos administrados que, direta ou indiretamente, se relacionam com o Estado. Essa função legislativa se dá tanto no campo legal (medidas provisórias) quanto no infralegal (regulamentos).

Além disso, também existe a figura dos decretos, que podem servir tanto à regulamentação das leis em sentido estrito como à organização e funcionamento da administração federal, constituindo-se no chamado decreto autônomo, com força inclusive para alterar leis, no caso de estas também tratarem de organização e funcionamento da administração federal. Afora a celeuma doutrinária que envolve o decreto autônomo, o fato é que ele existe e é utilizado na prática, sem repreensão judicial. Como exemplo, cita-se o Decreto nº 3.995/2001, que alterou a Lei nº 6.385/76 em aspectos relativos à organização e funcionamento da administração federal1.

Como se observa, está-se diante da ampliação da função legislativa do Poder Executivo, o que se deve em boa parte à especialização dos campos de conhecimento, que se multiplicaram ao longo dos anos, muito em função da evolução tecnológica e dos meios de comunicação e interação entre os Municípios, Estados e países. Assim, com o surgimento do Estado regulador, necessita-se de órgãos que apresentem repostas normativas com a velocidade e expertise necessárias para acompanhar o rápido desenvolvimento dos setores regulados.


3. Regulação e princípio da legalidade.

Difundiu-se na doutrina que o princípio da legalidade possuía duas vertentes, uma direcionada aos particulares e outra direcionada à Administração Pública ou ao Estado em geral.

Assim, convencionou-se dizer que o princípio da legalidade, para os particulares, significava que eles poderiam fazer tudo aquilo que não tivesse proibido pela lei, consubstanciando, assim, uma visão negativa de tal princípio. Por outro lado, para o Estado, significava que ele só poderia fazer aquilo que a lei dissesse que era possível, corroborando uma acepção positiva. Alguns doutrinadores ainda diziam (ou dizem) que o Estado só pode fazer aquilo que expressamente a lei determina que seja feito.

Tal concepção é atualmente questionada e realmente precisa ser repensada, pois a atuação da Administração Pública deve estar de acordo com a lei, mas não restrita a comandos legais específicos. É possível, então, fazer aquilo que não está especificamente determinado na lei, desde que esteja em consonância com a lei. Por tal razão é que José dos Santos Carvalho Filho2 afirma que o princípio da legalidade “significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei”, no sentido, obviamente, de que seja respaldada por lei, e não no sentido de que ela deve estar especifica e expressamente determinada por lei. Se assim não fosse, o Poder Legislativo iria se confundir com o Poder Executivo. Este seria um mero executor de tarefas predeterminadas, sem qualquer juízo de valor ou poder discricionário de conduzir as políticas públicas do país.

Ademais, observa-se uma aproximação entre o público e o privado, no sentido de que, por um lado, as atividades privadas estão tendo um papel cada vez maior na consecução de objetivos públicos e, por outro, os serviços públicos vêm sendo executados, mediante delegação estatal, pelos particulares. Odete Medauar3, destacando os movimentos de publicização do privado e de privatização do público, afirma que “a distinção entre as esfera pública e a privada perde sensivelmente em nitidez, o que traz consequências de relevo em muitos institutos jurídicos delineados no século XIX, quando a ideia de separação predominava”. Elisenda Marlaret I. Garcia4, no mesmo sentido, afirma que a crise de aproximação dicotômica entre o público e o privada conduz a fronteiras vaporosas e contornos incertos.

Nesse contexto, é possível dizer que, na verdade, o espírito do princípio da legalidade impõe que as questões sejam primeiramente analisadas à luz das normas constitucionais, sobretudo diante de uma constituição tão prolixa quanto a do Brasil. Falar-se-ia, assim, em princípio da legalidade constitucional.

O princípio da legalidade pode ser encarado do ponto de vista estrito, ou seja, da legislação ordinária ou complementar, bem como do ponto de vista amplo, ou seja, das normas em geral. Segundo a Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Essa lei, no atual contexto, deve ser entendida como normas em geral, inclusive aquelas dispostas na regulamentação das agências reguladoras.

Ora, a sociedade moderna apresenta necessidades sociais, de interesse coletivo, cada vez mais complexas e específicas, que demandam regulamentação também complexa e específica e que acompanhe a velocidade das transformações cotidianas em decorrência dos constantes avanços tecnológicos. O Poder Legislativo, por sua vez, não parece ter a expertise e a velocidade necessárias para editar tais regulamentações, de modo que, na prática, pode-se dizer que sua atuação nesse ponto vem sendo paulatinamente substituída ou complementada pela atuação das agências reguladoras e também do próprio Poder Executivo, por meio da edição de medidas provisórias e decretos, regulamentares ou autônomos.

Quanto às medidas provisórias e decretos, regulamentares ou autônomos, estão regularmente previstos na Constituição. Quanto às normas de regulação dos diversos setores da sociedade, têm fundamento na constituição e na legislação ordinária. São traçados os parâmetros gerais a fim de que os órgãos reguladores editem a regulamentação específica. De fato, considerando as especificidades do mundo contemporâneo, é natural que a legislação estrita seja composta de conceitos jurídicos indeterminados, plurissignificativos ou vagos, de modo a possibilitar a atuação dos órgãos reguladores.

Diz-se, então, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Constituição, da legislação ordinária ou complementar, dos decretos ou da regulamentação editada pelos órgãos reguladores, esta última que encontra respaldo nas normas anteriores, ainda que indiretamente. Ora, se o ordenamento jurídico admite as chamadas normas penais em branco, num ramo do direito bastante rigoroso, onde o princípio da legalidade é bastante significativo, é perfeitamente válida a edição de normas pelos órgãos reguladores que efetivamente inovem a ordem jurídica, criando direitos e deveres com regras específicas, visando à regulação dos vários setores sociais, porquanto fundadas em normas de hierarquia superiores.

Ademais, num Estado Democrático de Direito, em que, além dos direitos de primeira e segunda geração, ainda há preocupação com os direitos difusos e individuais homogêneos, a serem assegurados por meio da formulação e execução democrática e legítima de políticas públicas, o ordenamento jurídico não pode e nem mais é estanque e eminentemente objetivo.

Tem-se, aí, uma nova concepção do princípio da legalidade, aplicado literal e irrestritamente na época do Estado Liberal. Numa época de grandes complexidades, o ordenamento jurídico precisa consagrar poros axiológicos que deem fluidez e perenidade às normas jurídicas, a fim de que elas não tenham que ser modificadas, por exemplo, sempre que a realidade sofre impactos de uma nova tecnologia. Por tal razão que ao princípio da legalidade deve ser agregada uma feição mais subjetiva, em determinados casos. Assim é que as normas atuais são formadas por diversos conceitos jurídicos indeterminados, vagos ou plurissignificativos, a serem preenchidos no caso concreto, dadas as suas peculiaridades. Há respeito ao princípio da legalidade, Sua eventual fluidez, tão necessária em alguns casos ou ramos direito, não o desnatura.

Nesse contexto, os princípios assumem feição de verdadeiras normas jurídicas, com efetiva aplicabilidade, além de servirem à integração e ao próprio norteamento interpretativo do ordenamento jurídico. Os princípios, apesar de poderem ser contrários uns aos outros, podem coexistir no ordenamento jurídico, diferente das regras, que não podem conviver se forem contraditórias. Os princípios, então, se afiguram como instrumentos de grande utilidade para conferir perenidade e fluidez ao ordenamento jurídico, dando, com isso, essa nova feição ao princípio da legalidade.

Em razão dessa necessária falta de objetividade puramente literal, mister que as normas sejam construídas democraticamente, não apenas do ponto de vista formal, mas, sobretudo, do ponto de vista material. Assim, ao Estado Democrático de Direito cabe aceitar a participação dos cidadãos na elaboração das normas e das políticas públicas, seja no âmbito do Poder Legislativo e do Executivo, e, além disso, estimular tal participação. É aumentando o grau de legitimidade das normas e das políticas públicas que elas terão mais segurança e efetividade, no sentido de melhor refletir o interesse público.

A importância desse processo de legitimação é ainda mais premente quando se trata dos direitos fundamentais típicos do Estado Democrático de Direito e do Estado Regulador, atrelados em parte ao valor “fraternidade” defendido pela Revolução Francesa. É que tais direitos de terceira geração, vinculados aos direitos difusos, têm mais apelo à coletividade em si e são mais difíceis de serem materializados na prática, dada sua amplitude, abstração e universalidade. A fim de melhor promover sua proteção é que, portanto, o Estado deve intimamente interagir com a sociedade civil.

Além disso, cabe ao Estado, inclusive para fins de conferir legitimidade às suas ações, promovê-las de forma democrática, ou seja, ouvindo a sociedade antes, durante e depois da execução das políticas públicas. Essa democratização das políticas públicas, além de legitimar a atuação estatal, permite que elas sejam melhor formuladas, de modo a bem atender às reais necessidades da população.


4. Critérios para atuação da regulação infralegal.

Maria Silvia Zanella Di Pietro5 defende a impossibilidade de os regulamentos editados pelas agências reguladoras criarem direitos:

Ele não pode inovar na ordem jurídica, criando direito, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme o artigo 5°, II, da Constituição; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração.

Ora, como dito, é natural que, considerando as especificidades do mundo contemporâneo, a legislação ordinária seja composta de conceitos jurídicos indeterminados, plurissignificativos ou vagos. Afora regras específicas, que não podem ser contrariadas pelas normas infralegais, a legislação ordinária também consagra diversos valores os vetores axiológicos a serem observados, como a prestação de um serviço público adequado, assim definido, consoante art. 1º, §1º, da Lei nº 8.987/95, como aquele que “satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.

Ora, todos esses elementos legais nada mais são do que valores a serem viabilizados pela regulação infralegal. Assim, dentro do setor de sua competência, cabe às agências reguladoras concretizá-los por meio da criação de direitos e deveres específicos.

De fato, se a legislação ordinária conferiu ao órgão regulador a competência para garantir um serviço adequado à população, também conferiu os meios para atingir tais finalidades públicas. Trata-se, em certa medida, da aplicação da teoria dos poderes implícitos, segundo o qual às autoridades devem ser conferidos os poderes necessários para instrumentalizar as responsabilidades legais que lhe foram atribuídas Nesse sentido, cita-se a lição de Carlos Maximiliano6:

Bem antiga é a obra de Thibaut, de 1799, e já prescrevia o hermeneuta ao considerar o fim colimado pelas expressões de Direito, como elemento fundamental para descobrir o sentido e o alcance das mesmas.

Não se compreenderia preceito algum sem ascender à respectiva série causal; mas não haveria necessidade de compreendê-lo, se o seu destino não for atuar sobre a vida e correr uma linha fecunda de efeitos.

Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim se não procedia, construíram a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical.

Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei; o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida. [grifo nosso]

No mesmo sentido, explicando a teoria dos poderes implícitos ou implied powers, Marshall7, juiz da Suprema Corte Americana, afirma que “legítimo o fim e, dentro da esfera da Constituição, todos os meios que sejam convenientes, que plenamente se adaptem a este fim e que não estejam proibidos, mas que sejam compatíveis com a letra e o espírito da Constituição, são constitucionais”.

O próprio STF, no julgamento do Recurso Extraordinário – RE nº 76.629/RS, aduziu, consoante manifestação do Ministro Aliomar Baleeiro, que “se o legislador quer os fins, concede os meios (...) se a L. 4.862 expressamente autorizasse o regulamento a estabelecer condições outras, além das que ela estatuir, aí não seria delegação proibida de atribuições, mas flexibilidade na fixação de standards jurídicos de caráter técnico, a que se refere Stati”.

Dessa forma, o que é vedado à regulação infralegal é modificação da legislação ordinária, sendo plenamente lícito que as agências reguladoras atuem, por meio do seu poder normativo, nas lacunas deixadas pelo Poder Legislativo para, sim, criar direitos e deveres específicos dentro de sua esfera de competências legais, ou seja, relativos aos respectivos setores de atuação, desde que em consonância com os valores trazidos pela legislação ordinária.

Sobre o autor
Paulo Firmeza Soares

Procurador Federal em Brasília (DF). Pós-graduado em Regulação de Telecomunicações. Pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Paulo Firmeza. Desconstruindo a impossibilidade de criação de direitos e deveres pela regulação infralegal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3963, 8 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28041. Acesso em: 25 dez. 2024.

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