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Uso de algemas: legalidade ou abuso de poder?

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Objetiva demonstrar os pontos positivos e negativos do uso de algemas em nosso país. Assim, se declina sobre o panorama jurídico, entre alguns princípios constitucionais, bem como, posicionamento firmado quanto a matéria pelo STF.

1 INTRODUÇÃO

            O presente estudo tem por escopo a demonstração dos aspectos favoráveis e negativos do uso de algemas no Estado Democrático de Direito Brasileiro, ainda pauta de muitas controvérsias, tendo em vista a inexistência, até o momento, de legislação especifica que pacifique a matéria.

            Para seu desenvolvimento, foi utilizada abordagem de pesquisa de cunho qualitativo, tendo por método dedutivo-elaborado, realizado através de pesquisa aquilatada em entendimentos doutrinários, normas, leis, princípios e jurisprudência. Dessa forma, se objetivou analisar os fundamentos legais e as reais necessidades de utilização de algemas, sem que isso infrinja desrespeito a dignidade da pessoa humana.

            Dessa forma, visando o melhor desenvolvimento da proposta, o trabalho é desdobrado em 04 capítulos, sendo eles:

            O primeiro capítulo se dedicou a conceitualização do artefato algema, buscando na etimologia sua definição, bem como nos primórdios e na atualidade a aplicação conforme preceitos normativos e o objetivo de sua utilização.

            Já no segundo capítulo, se buscou inicialmente analisar e entender a função de princípios de forma geral, desaguando em seguida, na seara constitucional. Dessa forma, se verificou o entendimento do uso de algemas sob o manto de alguns principais princípios constitucionais e da sua aplicabilidade conforme normas na atualidade.

            O terceiro capítulo trouxe a baila o conceito e entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e, principalmente, a Súmula Vinculante n° 11, apresentando alguns pontos favoráveis e desfavoráveis, sobre a utilização de algemas.

            Por derradeiro, o quarto capítulo se dedicou no que se diz respeito à opinião pública, em alguns setores da sociedade, sobre a utilização de algemas, especificamente em relação a menores, a prática policial e a mídia. Já em relação ao direito comparado, foi feita a análise do uso de algemas, tomando como referencial os Estados Unidos, por ser objeto de busca universal de aprimoramento no que tange aos aspectos segurança.  

Assim, ao realizar este trabalho, buscou-se principalmente, de forma geral, obter conhecimentos sobre o assunto tratado, com uma visão crítica, sem detenção em um único e específico ponto de vista; e tentar transmitir o resultado da pesquisa de forma clara e objetiva.

Procurou-se, deter especialmente, à realização de uma pesquisa que revelasse informações práticas e que nos possibilitasse uma visão mais abrangente do uso de algemas no Brasil. Também é importante observar que, com o advento da Súmula Vinculante 11, essa questão tornou-se de conteúdo ainda mais prático, presente no cotidiano e afetando a vida dos cidadãos brasileiros diretamente.

Por fim, insta salientar que ao elaborar este trabalho, por mais esforços tenham sido olvidados a sua realização, este não teve pretensão de esgotar totalmente o tema. Isto porque o objetivo não é exaurir a questão por si só, mas sim analisar e compreender o quanto a simples utilização do uso de algemas num cidadão toma proporções que ultrapassam a esfera do próprio ato em si, chegando à alta Corte Suprema do país. Isto vale pelo fato que todo entendimento jurisprudencial e doutrinário da matéria não é pacífica, necessitando de análise e de entendimento para que não se torne ato da administração pública, através de autoridades, banalizado e sem critérios, assim prejudicando e ferindo todo manto da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e, principalmente, da dignidade da pessoa humana, mais importante.

2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO do Uso de Algemas no brasil

2.1 Etimologia

A palavra algema proveniente do árabe al jamad significa a pulseira, e no sentido de aprisionar, apenas se torna de uso comum, no século XVI. O dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas refere-se como uma “pulseira de ferro empregada para manietar alguém a fim de dificultar sua fuga quando em transporte fora do lugar de confinamento”.

Manietar deriva do latim manus, atar ou prender as mãos. O nome grilhões vem do espanhol grillos. Grilhetas é um diminutivo de grilhões.

Já o dicionário de língua portuguesa Aurélio conceitua como “cada uma de um par de argolas de metal, com fechaduras, e ligadas entre si”. Ocorre que, em certas circunstâncias, a utilização do aparato é arbitrária, fazendo com que o uso seja de forma indiscriminada e sem qualquer critério para prender alguém pelo pulso. Embora se possa usar grilhões ou algemas indiferentemente, a figuração de cada termo diverge.

Pelos valores culturais a eles agregados, com base real em seu uso, os grilhões incorporaram uma imagem negativa de punição e suplicio, ausente nas algemas, já que eram mais usadas especificamente nos tornozelos. Para alguns, os grilhões eram usados para jungir os presos pelos tornozelos.

2.2 PRINCIPAIS FUNÇÕES LEGAIS DAS ALGEMAS

Eis aqui, algumas funções do uso de algemas no nosso cotidiano por parte dos agentes da Lei.

Em relação a proteção dos agentes da Lei temos o seguinte: muitos prisioneiros tentam agredir ou tomar a arma do agente responsável pela prisão ou escolta. Uma vez sem algemas e com as mãos livres os riscos para o agente são muito maiores do que se o preso estivesse devidamente algemado e com as mãos para trás. Assim, as algemas evitam em muito a violência contra os responsáveis pela prisão ou escolta.

Já em relação a proteção da população podemos verificar que, quando o prisioneiro está sendo preso ou escoltado pode representar um perigo enorme para a população, devido à possibilidade de ficar agressivo ou tentar fugir, situações que podem acarretar danos às pessoas próximas.

No sentido de proteção ao próprio preso, temos que no momento da sua prisão ou da sua escolta, este pode atentar contra a própria vida. Não obstante, pode tentar também agredir ou tomar a arma do agente da Lei, bem como empreender fuga. Sendo assim, existe a necessidade da devida reação do agente, gerando sérios riscos à integridade do preso, como por exemplo, ser baleado, dano este muito maior do que ser algemado.

Por fim, no que tange a evitar a fuga do preso, este estando devidamente algemado com as mãos para trás do corpo, fica quase impossível que consiga fugir, correndo dos agentes da Lei ou mesmo rendendo-os com as próprias armas. Estando devidamente algemado e se ainda assim conseguir fugir da equipe, a empreitada não terá o êxito esperado, pois como não é comum uma pessoa andar algemada sem ser notada, muito provavelmente será recapturado pelos mesmos ou outros agentes estatais.

Devido à falta de “hospitais prisionais”, muitas vezes presos são encaminhados para hospitais públicos, onde ficam por vezes internados, necessitando neste caso que o preso permaneça com uma das mãos algemada à cama do hospital enquanto perdurar a internação médica, evitando assim sua violência ou fuga. A situação é delicada, pois na grande maioria das vezes quando de internação hospitalar a escolta de preso é feita por um agente, e raríssimas vezes por dois, dependendo da periculosidade do preso a escolta é feita por mais agentes. Caso este preso enfermo fique sem as algemas, a possibilidade de fuga ou de violência é extremamente alta, devido à gana de se ver livre do cárcere, mesmo com a saúde debilitada. A necessidade de permanecer sempre algemado dentro de hospitais públicos é reforçada devido à enorme circulação de pessoas, bem como a grande quantidade de instrumentos hospitalares que podem ser usados como arma.

A violência por parte do preso, a sua fuga ou mesmo a possibilidade de ser resgatado por membros de sua quadrilha ocorrem costumeiramente no momento da prisão, do atendimento hospitalar, da audiência judicial e da transferência de unidade prisional, situações em que é inevitável o devido uso de algemas.

O uso de força pelo Estado está mais ligado à dispersão de energia, como por exemplo, o emprego de cassetete, “gás pimenta”, “gás lacrimogêneo”, “bomba de efeito moral”, “bala de borracha”, “tiro real”, entre outros meios empregados quando da necessidade de força pelo Estado. Já as algemas, desde que usadas apenas para imobilização preventiva do preso, estão mais atreladas à contenção de energia do preso e até mesmo do Estado, ou seja, havendo a prevenção evita-se a repressão contra atos do preso.

Certamente quem nunca teve de efetuar uma prisão em flagrante delito, um cumprimento de ordem de prisão ou uma escolta de preso não percebe a extrema necessidade de se usar algemas nessas situações. Em se tratando de pessoas presas, principalmente no momento da prisão, os sentimentos e atos impulsivos podem ser dos mais variados. Tais atos costumam aflorar no ser humano diante de situações extremas, como é o momento de uma pessoa se ver privada da liberdade, ainda que tenha feito algo que mereça tal atitude do Estado.

O fato de se usar algemas apenas quando for observado que algum preso está violento ou quando há risco de fuga é um tanto subjetivo. Caso ocorra violência ou tentativa de fuga, tais atos são extremamente perigosos para as partes envolvidas e a população, já que depois que se iniciar a violência ou fuga do preso o caso pode tomar rumos imprevisíveis, com certeza muito piores do que se as algemas forem empregadas.

Existem milhares de ocorrências em que mesmo estando devidamente algemados, sem demonstrar violência ou intenção de fugir, presos matam, agridem, fogem, ferem-se ou suicidam-se. Sendo assim, é fácil prever que essas ocorrências se multiplicariam extremamente e com muito mais violência caso as algemas fossem empregadas apenas quando houver prévia violência ou suspeita fundada de fuga, sendo assim, o Estado não estaria sendo preventivo, mas apenas repressor.

2.3 Primórdios da Normatividade

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do Brasil, no Capítulo VI, intitulado “Da ordem da prisão", dispunha no seu art. 180 que se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão; se obedecer, porém o uso da força é proibido. Surgia, assim, implicitamente, permitido o emprego de algemas, no instante da prisão.

A despeito disto, poderíamos citar, em caráter suplementar, a existência de um decreto datado do período do Império Brasileiro que preocupou-se com o tema. Revela em seu art. 28 do Decreto n° 4.824 de 22.11.1871 recomendando que “o preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo caso extremo de segurança, o que deverá ser justificado pelo condutor”.

Passados vinte anos, a Constituição de 1891 proporciona às unidades federativas competência para legislar sobre o processo penal, sendo que algumas delas limitaram adoção a legislação do Império e as demais exerceram competência legislativa. Com advento da Carta Maior de 1934 restabeleceu a competência privativa da União sobre a legislação penal, em data de 15 de agosto de 1935 o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Ráo, apresentou o Projeto de Código de Processo Penal e precisamente o artigo 32 vedava o emprego de algema, infelizmente tal projeto não vingou, motivado pela Constituição de 1937 promulgada com o golpe de Estado.

2.4 Aplicação de Normas na Atualidade

Conforme o Código de Processo Penal, Decreto-lei nº 3.689 de 3.10.1941, não será permitido o emprego de força, salvo em face de resistência ou tentativa do preso, in verbis:

Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

 

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.[1]

Especificamente, em relação ao uso de algemas, nos revela o parágrafo 3° do art. 474 do mesmo código alterado pela lei 11.689/08:

3º - Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.[2]

A Lei de Execução Penal, de n°.7.210 de 1984, reza, em seu artigo 199, que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"[3]. Entretanto, não restou elaborada. Na mesma lei em seu art. 40 fala que “impões-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados ou presos provisórios”[4]. Em outra passagem, precisamente no art. 199 da referida Lei, dispõe, com relação ao uso de algemas que o seu emprego será disciplinado por decreto federal. Entretanto, passados mais de 20 anos, a regulamentação, no âmbito da Administração Federal, ainda não foi editada, sendo necessário criação de uma lei.

No Código Processual Penal Militar, Decreto-lei nº 1.002, de 21.10.1969, em seu art. 234 do também regulamenta o uso da força, deixando patente que só pode ser empregada em casos extremos, in verbis:

Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga...(...) (omissis).[5]

Quanto ao emprego específico das algemas, o § 1º do mesmo artigo é categórico: 

 

 

§ 1º. O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.[6]

A Lei n° 9.537/97, que cuida da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, dispõe em seu art. 10 o seguinte:

Art. 10. O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode:

I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente;

II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa;

III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga.[7]

Igualmente no Estado de São Paulo, vige o Decreto n° 19.903/50, este pendente de regulamentação especifica por lei ordinária, que orienta os policiais a usarem as algemas nas tentativas de fuga ou resistência à prisão com violência, exigindo que as ocorrências dessa espécie sejam registradas em livro próprio nas repartições policiais, conforme estabelece:

Art. 1º. O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º. Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

 

2º. Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

 

3º. Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.[8]

O Departamento de Aviação Civil determinava, através de sua Portaria nº R-528/GC5 de 24 de setembro de 2003, que o transporte de presos em aeronaves civis seja efetuado por escolta, que poderá “ser realizada por apenas um acompanhante policial, de acordo com a periculosidade do passageiro, que o algemará ou não, conforme seu entendimento. Porém, o art. 3º da Portaria nº R-528/GC5[9] do mesmo Departamento revogou neste ano a portaria supracitada.

À míngua de uma lei, vigora no estado do Rio de Janeiro até os dias atuais, só no âmbito do sistema penitenciário, a Portaria nº 288/JSF/GDG de 10 de novembro de 1976[10] (DORJ, parte I, ano II, nº 421), que considera a utilização de algemas importante meio de segurança “ao serviço policial de escolta, para impedir fugas de internos de reconhecida periculosidade”.

Ademais, a norma fluminense obriga “os servidores que de alguma forma tiverem necessidade de empregar algemas a apresentarem, após a diligência, ao chefe de Serviço de Segurança, relatório explicativo sobre o fato, sujeita sua não observância a penalidades administrativas”[11]

Mediante a interpretação e a análise dos princípios e garantias individuais vigentes, poderíamos dizer que o uso das algemas ou outra espécie de constrição física se faz necessário, como garantia de segurança pública, nas hipóteses de resistência  à prisão, tentativa de fuga, de condução de pessoa presa, condenada ou custodiada  à presença de autoridade ou no transporte para estabelecimento penal quando houver ameaça a segurança coletiva ou individual do próprio preso, do policial ou de terceiros.

Em se tratando de audiência pública, a manutenção das algemas ficará a critério da autoridade judicial ou administrativa.

Frise-se que as pesadas algemas de ferro não mais existem e foram abolidas há muito tempo, substituídas por materiais leves, modernos e resistentes, de tamanho reduzido.

Percebe-se que com a evolução do Processo Penal restringiu o uso de ferros, ou seja, algemas, impondo às autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios conforme preceitua o art. 5°, XLIX da Constituição Federal, ao revelar que:

 

 

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...) (omissis).

 

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”;

 

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (...) (omissis)[12].

Por fim, com a edição da Súmula n° 11 pelo Supremo Tribunal Federal pacificou-se, em princípio, o tema do uso de algemas e sua real fundamentação.

3 Princípios Constitucionais E o Uso de Algemas

3.1 Conceito de Princípio

De inicio, princípio significa o começo ou causa de algum fenômeno. Também pode ser definido como a causa primária, o momento, o local ou trecho em que algo, uma ação ou um conhecimento tem origem.

O conceito de princípio constitucional não pode ser tratado sem correlação com a idéia de princípio no Direito, posto que o princípio constitucional, além de princípio jurídico, é um princípio que haure a sua força teórica e normativa do Direito enquanto ciência e ordem jurídica.

            Para se analisar de forma eficaz faz mister comentar sobre o conceito de princípio no Direito. Inicialmente veremos as significações de princípio fora do âmbito do saber jurídico para depois adentrar-se nesta área.

            Princípio sm [do lat principiu]. Ato de principiar; momento em que uma coisa tem origem; começo ou início. É o Ponto de partida.[13]

            O dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira[14] define princípio em várias acepções:

Princípio: 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem [...] 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe [...]. 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. São princípios os axiomas, os postulados, os teoremas etc.

            Adiante, em outra passagem do referido dicionário, registra-se o significado de princípios, no plural, como sendo proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado.

            No princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e direcionadores do sistema.

            A idéia de um princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra e por um pensamento chave, de onde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se conduzem e se subordinam.

            Em qualquer ciência é o começo, o ponto de partida. É a pedra angular de qualquer sistema. Para De Plácido e Silva[15]:

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa [...] revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica [...] mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Afirma Miguel Reale[16] que princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

            Pode-se afirmar que os princípios constituem verdadeiras proposições lógicas, sendo embasamentos do sistema jurídico.

            Nos princípios se encontrará as diretrizes valorativas válidas, aplicáveis à interpretação constitucional.

            Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica.

            Nos princípios constitucionais, condensam-se bens e valores considerados fundamentos de validade de todo o sistema jurídico.

Os princípios constitucionais possuem atuação determinante na efetivação de todo o ordenamento jurídico, uma vez que atuam como ponto de partida para a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais.

3.2 O princípio da dignidade da pessoa humana

            O cerne da questão que envolve a utilização de algemas tem por gênese a seguinte questão: o emprego deste artefato infringe os preceitos que fundamentam a dignidade humana?

            Segundo Alexandre de Moraes,[17] a dignidade da pessoa humana é definida como sendo um valor espiritual e moral inerente à pessoa, se manifestando de forma singular na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

            Assim, o único requisito para a titularidade de direitos é a personalidade humana. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de nenhum outro critério, senão ser humano.

            O princípio da dignidade é à base dentre dos demais direitos fundamentais arraigados na norma constitucional. Isto porque através do reconhecimento da pessoa humana é que se materializa as demais tutelas, que são intrínsecas a natureza do indivíduo. Desse modo, seu reconhecimento e a positivação na Carta Magna de 1988 consagram o anseio do legislador constituinte da busca de uma ordem social mais justa, equânime, tendo por objetivo principal o respeito à integridade moral de todo ser humano, independentemente de sua condição social, raça, cor, credo ou origem.

            Tendo em vista o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, a utilização de algemas pelos profissionais da área de segurança pública com o fim de contenção daquele que transgrediu uma norma do ordenamento jurídico e para se preservar os direitos dos demais integrantes da sociedade, é legítimo e, por si só, não avilta a dignidade. Seguindo a mesma tônica, tem-se como também legitima a constrição física, mediante o uso do referido artefato, quando da realização de atos oficiais de instrução processual, tais como audiências e demais atividades de estilo, como forma de garantir não apenas e incolumidade do agente, mas, em iguais termos da equipe judiciária.

            Seguindo esse entendimento Herotides da Silva Lima leciona a respeito da utilização e algemas, nos seguintes termos:

(...) atentam contra a dignidade do homem pacto, legitimam-se contra o preso insubmisso; e a insurreição e a violência do preso atentam também contra a autoridade e a lei; a si mesmo ele deve imputar as conseqüências dos seus excessos; já não há a preservar nenhuma dignidade quando a lei já esta sendo ofendida e desprezada a decisão de autoridades, incentivando a desordem generalizada.[18]

            Não sendo usada como forma de impor sofrimento, castigo, humilhação ou de antecipação de pena a quem quer que seja e demonstrando-se a necessidade de sua utilização, as algemas desempenham uma função meramente instrumental, não tendo o condão de atentar contra a dignidade humana. Magalhães Noronha finaliza esse debate ao sustentar que “não há de se falar em humilhação ou ofensa à dignidade humana, visto não se tratar de ‘castigo’, mas de medida acauteladora dos interesses sociais e do próprio detento”.[19]

3.3 O princípio da presunção de inocência

            Um dos princípios norteadores, de outros que regem que regem o uso de algemas, merece ser observado, a bem da legalidade de sua utilização, conforme estabelece os mandamentos normativos pátrios, o principio da Presunção de Inocência. Nele, segundo o artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal, refere que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

            Esse princípio impede, portanto, que o investigado ou denunciado sofra as conseqüências jurídicas da condenação antes do trânsito em julgado da sentença criminal. Trata-se de garantia processual penal que tem por fim tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente, cabendo ao Estado, no caso de ação penal pública ou à parte acusadora, na hipótese de ação penal privada, comprovar a sua culpabilidade.

            Todavia, a fim de permitir o êxito da persecução criminal, admite-se a decretação de prisão cautelar e de medidas restritivas de liberdade, como o uso de algemas, mesmo antes da condenação, desde que se mostre necessário e que estas não tenham qualquer propósito de antecipação de pena ou da execução penal. Do mesmo modo, aceitam-se como legítimas as medidas cautelares concernentes ao processo, com a adoção de determinadas medidas de caráter investigatório, tais como a interceptação telefônica por exemplo.

            Assim, o princípio da Presunção de Inocência não obsta a adoção de determinadas medidas de caráter cautelar, seja em relação à própria liberdade do eventual investigado ou denunciado, seja em relação aos seus bens. O que não se admite é a que a providência a ser tomada importe em antecipação da condenação ou de sua execução, principalmente se levar em conta que o acusado ou o réu foram e/ou estejam ou imobilizados por algemas.

3.4 PrincípiOS da PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

O princípio da proporcionalidade, por ser um princípio que pode ser empregado em sentido amplo, possui intrínseca relação com os demais, dentre os quais se destaca os princípios da isonomia, da razoabilidade e o da legalidade.

A vinculação do princípio da proporcionalidade por via dos direitos fundamentais justifica o entendimento de que qualquer manifestação do poder público deve render-lhe obediência, pois se modera pela necessidade que o operador jurídico tem de analisar o caso concreto em cotejo com a norma aplicável, e, ao utilizá-la, deverá adequá-la à realidade vigente em determinado período e para determinada realidade. Por meio deste princípio verifica-se se os fatores de restrição tomados em consideração são adequados à realização ótima dos direitos colidentes ou concorrentes e, em razão desse motivo que o princípio da proporcionalidade aufere um grande prestígio. Afinal, o que se almeja é a garantia aos indivíduos de direitos fundamentais que não podem ser menosprezados a qualquer titulo.

            Apesar de não haver consenso na doutrina, pode-se salientar a existência de três corolários, elementos, conteúdos parciais ou subprincípios da proporcionalidade: a) adequação de meios, pertinência, aptidão, idoneidade ou conformidade; b) necessidade, exigibilidade ou menor ingerência possível; c) proporcionalidade em sentido estrito ou restrito.

            A idoneidade pressupõe uma adequação entre fim pretendido e meio escolhido para tanto. Analisa-se a possibilidade de se atingir o objetivo perseguido. A necessidade exige a verificação, para a obtenção do fim, da utilização do meio menos oneroso para o cidadão.

            Deve-se analisar, concomitantemente, a menor restrição ao direito e a maior eficácia de resultado.

            Então, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária.

            A proporcionalidade em sentido estrito é a “justa medida”, devendo-se perquirir “se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma”

Já em relação ao principio da Razoabilidade, este se trata, portanto, de um princípio que veda o excesso e as atitudes incongruentes das autoridades públicas no exercício da função estatal.

A razoabilidade é um conceito jurídico indeterminado, elástico e variável no tempo e no espaço. Consiste em agir com bom senso, prudência, moderação, tomar atitudes adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que envolvem a prática do ato.

Atitudes inadequadas, incoerentes, desequilibradas e desprovidas de fundamentação não podem estar amparadas pelo princípio em análise, pois então vejamos, para exemplificar, o entendimento do Pretório Excelso conforme o caso:

Ementa. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE. VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 11/STF. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE OBSERVADOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. A questão de direito tratada no presente recurso diz respeito à suposta nulidade da prisão em flagrante do recorrente, decorrente da utilização de algemas, o que, segundo argumenta, teria violado a Súmula Vinculante 11/STF. 2. A razão pela qual esta Suprema Corte foi levada a editar a Súmula Vinculante 11/STF se deu para estabelecer que o uso de algemas deve ser excepcional e observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Uma vez que a necessidade do uso de algemas na transferência do recorrente da delegacia para o presídio foi devidamente justificada por escrito para assegurar a integridade física dos agentes de polícia e do próprio autuado, também se justifica o uso de algemas por ocasião quando da efetuação do flagrante. 4. Com efeito, não se mostra desarrazoada ou desproporcional a utilização de algemas na efetuação da prisão em flagrante do recorrente. 5. Se a utilização das algemas na transferência do recorrente da delegacia para o presídio, ocasião em que as autoridades policiais já possuíam algum conhecimento acerca da pessoa com quem estavam lidando, se mostrou válida, com muito maior razão se justifica sua utilização no flagrante, momento em que os policiais ainda não sabiam exatamente quem estavam enfrentando.6. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (RHC 102962 MG, rel.(a) Min. Ellen Gracie Julgamento em 14/12/2010 pela Segunda Turma do STF)[20]

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3.5 A Liberdade como Princípio

A liberdade da pessoa física foi à primeira forma de liberdade que o homem teve de conquistar, sendo que ela se opõe a situação de prisão de modo geral. A liberdade consiste em ser a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhoras de sua própria vontade e de locomoverem-se livremente dentro do território nacional, portanto, essa expressão de liberdade da pessoa física assemelha-se na liberdade de locomoção e na liberdade de circulação.

Ao se instaurar o Estado formal, por meio da Constituição Federal de 1988, procurou-se delimitar o que podem ou não podem fazer os órgãos que exercem o poder público, estabelecendo-se, daí, barreiras para a tutela e garantia dos nominados direitos fundamentais do homem. Nesta condição, sendo a liberdade um dos direitos fundamentais do homem, procurou a Constituição preservá-la. Nesse sentido, consideramos que a liberdade não é o direito de alguém fazer o que bem quiser e entender, e sim o de fazer o que não é defeso em lei. Com a falta de normatização da conduta da vida em sociedade, ou seja, sem os freios, limites da lei, a liberdade sem controle, desenfreada, poderia conduzir à anarquia, ao caos, enfim. Por isso que é permitido na Lei Maior, a restrição da liberdade em situações extraordinárias, feita com prudência e comedimento, precisamente dentro dos limites do imprescindível, do necessário e, assim mesmo, cercada de reais garantias para que se evitem extrapolações e abusos feitos por parcela do poder público, devendo sempre ser observados os limites assinalados pela lei.

Basta que haja, de forma indevida, o uso de algemas a alguém indiscriminadamente, existirá in loco desrespeito ao direito à liberdade, este sendo um dos bens mais importantes do ser humano e tutelados pelo Estado, por si só pela sua importância, configura como sendo um principio a ser preservado.

Neste contexto, o legislador constituinte procurou asseverar como garantia fundamental do homem a liberdade. Contudo, para mantê-la, mister observar os limites da lei, podendo-se fazer o que a lei não proíbe, sob pena de perder a liberdade, temporária ou definitivamente.

A Constituição Federal, conforme os preceitos referidos, no inciso II do artigo 5º, decretou que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Considerando que o princípio da legalidade é fundamental no Estado Democrático de Direito, é da essência do seu conceito submeter-se à Constituição e se fundar na legalidade democrática. Portanto, a lei é efetivamente o feito oficial de mais alto realce na vida política. É através dela que o poder estatal proporciona ao viver social maneiras predeterminadas de conduta, como condição para que os membros da coletividade saibam, de com antecipação, como se guiar no cumprimento de seus interesses.

Através da presunção de inocência, que é uma das mais importantes garantias constitucionais, o acusado deixa de ser um mero objeto do processo, tornando-se sujeito de direitos, no interior da relação processual.

É uma prerrogativa outorgada constitucionalmente ao implicado, de não ser tido como culpado até que a decisão penal condenatória transite em julgado, impedindo, assim, qualquer resultado que a lei prevê como sanção punitiva antes da decisão final.

O acusado de ato ilícito tem o direito de ser tratado com dignidade enquanto não se solidificam as acusações, já que se pode chegar a uma conclusão de que o mesmo é inocente, de acordo com o texto da Constituição Brasileira em seu artigo 5.°, inciso LVII ao fala que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Desta forma, facilmente se pode notar que a presunção de inocência se encontra implícita, sendo que o texto constitucional não coloca visivelmente o pressuposto de ser o réu inocente, porém tão somente que este não leva consigo a culpa pelo fato que lhe é atribuído pela acusação, mesmo que esteja ele algemado.

Surgem deste princípio outros de mesma importância, como o direito de recorrer em liberdade, o direito à ampla defesa, o contraditório; o duplo grau de jurisdição, entre outros.

3.6 O Direito à Liberdade

O indivíduo é livre, tem liberdade, desde que não faça o que a lei não permite; destarte, a vontade estatal de impor conduta ou comportamento social encontra limites na lei.

Assim sendo, conforme disposição constitucional impositiva de que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime militar, definidos em lei, todas as modalidades de prisão são presididas pelo princípio da legalidade, também denominado princípio da reserva legal, e do órgão legal,

À lei ordinária cabe dizer quais são as autoridades judiciárias competentes, as condições, requisitos e cabimentos da prisão em flagrante, as hipóteses em que se permite a prisão, as formalidades da ordem escrita e a necessariedade do fundamento. Proíbe categoricamente, por outro lado, a Carta Magna, qualquer prisão que, excetuando-se o estado de flagrância, que possui contornos bem definidos, qualquer prisão que não provenha de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária. Assim sendo, a prisão há de ser conforme a lei, bem como a utilização de algemas.

3.7 O direito à integridade física e moral

Outra questão a ser investigada é se o uso de algemas viola o direito fundamental à integridade física e moral daquele que está sendo preso, amparado pelo artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição. No âmbito legal, esse mesmo direito encontra proteção no artigo 40 da Lei de Execução Penal ao dispor que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios”[21].

A integridade física consiste, como o próprio nome refere o direito de o cidadão não ter o seu corpo violado fisicamente, danificado, agredido ou ferido. Vale frisar que esse direito é inclusive tutelado pelo Direito Penal, que tipificou criminalmente como lesão corporal leve (artigo 88 da Lei 9099/95 – Lei dos Juizados Especiais Criminais), grave ou gravíssima (artigo 129 do Código Penal). Já a integridade moral é o direito de o preso ter resguardada a sua incolumidade psíquica, sem ser humilhado, insultado ou menosprezado. Caso esse direito seja desrespeitado a Constituição garante à vítima o direito de resposta proporcional ao agravo, cumulado ou não com uma indenização por dano moral, nos termos do artigo 5°, inciso V.[22]

Desse modo, impõe-se ao Estado o dever constitucional e legal de vigilância para evitar que qualquer preso que esteja sob sua custódia venha a sofrer danos pessoais. É incumbência dos agentes públicos resguardar as pessoas recolhidas a prisões, buscando evitar que auto-lesões ou agressões praticadas por terceiros venham a ocorrer. Em decorrência desse direito Julio Fabbrini Mirabete assevera que:

(...) estão proibidos os maus-tratos e castigos que, por sua crueldade ou conteúdo desumano, degradante, vexatório e humilhante, atentam contra a dignidade da pessoa, sua vida, sua integridade física e moral. Ainda que seja difícil desligar esses direitos dos demais, pois dada sua natureza eles se encontram compreendidos entre os restantes, é possível admiti-los isoladamente, estabelecendo, como faz a lei, as condições para que não sejam afetados. Em todas as dependências penitenciárias, e em todos os momentos e situações, devem ser satisfeitas as necessidades de higiene e segurança de ordem material, bem como as relativas ao tratamento digno da pessoa humana que é o preso.[23]

Entretanto, Gilmar Ferreira Mendes observa que “a exigência de respeito à integridade física e moral do preso não impede o padecimento moral ou físico experimentado pelo condenado, inerentes às penas supressivas da liberdade”[24]. De igual modo, o preso deve se submeter como consectário natural da prisão ao uso de algemas, havendo necessidade de contê-lo ou de transportá-lo, sem que isso ofenda a sua integridade.

3.8 A proibição à tortura e ao tratamento desumano ou degradante

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5° uma série de direitos e garantias fundamentais que devem ser observados pelos agentes estatais no manejo de algemas. Dentre esses direitos do artigo 5°, o inciso III garante que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”[25] e o inciso XLIII prevê que a lei considerará crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática da tortura, por essa respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem.[26]

Por se tratar de norma constitucional de eficácia limitada, o artigo 5°, inciso XLIII depende da atuação do legislador infraconstitucional para produzir efeitos no mundo jurídico. Em razão disso, quanto à inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia, foi editada a Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, a conhecida lei dos crimes hediondos.[27] Ainda em atenção à determinação constitucional, foi necessária a edição de uma lei infraconstitucional, de competência da União,61 para tipificar os crimes de tortura, surgindo assim a Lei n° 9.455, de 07 de abril de 1997.[28]

A tortura é um conjunto de procedimentos destinados a forçar, a constranger alguém, mediante coerção física e moral, causando-lhe dor, pavor e sofrimento. “Tal expediente caracteriza-se pela sua finalidade torpe: obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, com o objetivo de provocar ação ou omissão criminosa, em razão de discriminação racial ou religiosa”.[29] Por isso mesmo é considerado um crime inafiançável.

José Afonso da Silva salienta que “a tortura não é só um crime contra o direito à vida. É uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a humanidade como um todo”.[30]

Nesse sentido a tortura seria um tipo agravado de tratamento desumano, atribuído a alguém com finalidade específica (ex: conseguir uma confissão). Já o tratamento desumano é o tratamento degradante que provoca grande sofrimento mental ou físico e que na situação específica é injustificável, impondo esforços que vão além dos limites razoáveis (humanos) exigíveis. Assim, o tratamento desumano, engloba o degradante. Por sua vez, o tratamento degradante ocorre quando há humilhação de alguém perante si mesmo e perante os outros, ou leva a pessoa a agir contra sua vontade ou consciência.

Nesse ponto também, desde que devidamente colocadas para que nenhuma lesão seja ocasionada ao detido ou ao preso, as algemas não constituem instrumento de tortura ou de tratamento desumano ou degradante. Ao contrário, as algemas servem como forma de acautelamento do preso.

3.9 Legislação sobre Algemas

            A Constituição de 1988 torna-se base de todo o ordenamento pátrio, constituindo princípio elementar. Revela, ao evidenciar respeito aos direitos ao cidadão, trazido em seu artigo primeiro, que a República Federativa do Brasil é constituída pela união indissolúvel dos seus Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado democrático de direito possuindo fundamentos, entre os quais, podemos citar a da dignidade da pessoa humana.

            Em seu art. 5.º e incisos, dentre outros, afirma que todos são iguais perante a lei garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, e que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

O ordenamento jurídico pátrio buscou também ser norteado pela Declaração dos Direitos Humanos, adotada e proclamada em Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabelecendo em seu artigo IX, dentre demais importantes ao respeito e conservação dos direitos do homem, que ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado, desta forma não indo de encontro ao direito a dignidade da pessoa humana. 

Existem legislações infraconstitucionais que impõe sanções a quem desrespeita direitos e princípios aludidos na Carta Magna, como a lei que dispõe sobre o abuso de autoridade (Lei Federal nº 4.898/1965) que em seu art. 4º, alínea “b”, fala que constitui também abuso de autoridade submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; a Lei de Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/1984) em seu art. 40, alínea “b” mostrando que impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Continua a lei a expor em seu art. 41, inciso VIII que constituem direitos do preso proteção contra qualquer forma de sensacionalismo.

Em âmbito internacional tem-se o Pacto de São José de Costa Rica que revela em seu artigo 5º que ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Demonstra ainda que toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

No que pese no efetivo e necessário uso de algemas pela autoridade policial ou semelhante, o Código de Processo Penal brasileiro faz alusão às situações que seria possível. Em seus art. 284 e art. 292, respectivamente expõe que não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso e se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto-subscrito também por duas testemunhas.

Todavia, existe exceção no uso de algemas. Esta é normatizada e consubstancianda em imunidade do uso das mesmas, conforme o preceito do art. 242 do Código de Processo Penal Militar, que enumera as autoridades que não devem ser submetidas ao seu uso. São elas: os Ministros de Estado, Governantes ou Interventores, o Prefeito do Distrito Federal, seus respectivos Secretários e Chefes de polícia, Membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados, os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei, os Magistrados, os Oficiais das Forças Armadas, das Polícias e do Corpo de Bombeiros, Militares, inclusive da reserva, remunerada ou não, e os reformados, os Oficiais da Marinha Mercante Nacional, os Diplomados por faculdade ou instituto de ensino nacional, os Ministros do Tribunal de Contas, os Ministros de confissão religiosa.

Em relação à regulamentação de uma lei disciplinando o uso de algemas tem-se em análise pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei 185/04 detalhando situações em que poderão ser usadas algemas, como no caso de flagrante delito e no transporte, condução e transferência de presos. O uso fica proibido, no entanto, quando o investigado se apresentar à autoridade policial ou judicial de forma espontânea.

Antes da elaboração deste projeto, havia o modo autoritário com o qual se utilizava o par de argolas tendo como objetivo ferir a imagem da pessoa que estava sendo detida ou presa.

Com sua aprovação tal projeto pretende disciplinar o emprego de algemas, ainda não consolidado como Lei, prever em seu artigo 2º as hipóteses de uso que são:

I – durante o deslocamento do preso, quando oferecer resistência ou houver fundado receio de tentativa de fuga; II – quando o preso em flagrante delito oferecer resistência ou tentar fugir; III – durante audiência perante autoridade judiciária ou administrativa, se houver fundado receio, com base em elementos concretos demonstrativos da periculosidade do preso, de que possa perturbar a ordem dos trabalhos, tentar fugir ou ameaçar a segurança e a integridade física dos presentes; IV – em circunstâncias excepcionais, quando julgado indispensável pela autoridade competente; V – quando não houver outros meios idôneos para atingir o fim a que se destinam.[31]

Pelo exposto no projeto o emprego de algemas deve ser evitado, só podendo ser levado a efeito em casos singulares, quando houver inquestionável necessidade, podendo a necessidade ser deduzida a partir da gravidade dos crimes e da presunção de periculosidade do réu, evidentemente, com seus devidos fundamentos, neste contexto há maior liberdade quanto à discricionariedade do policial.

Com a prisão do banqueiro Daniel Dantas em julho de 2008, desencadeou uma discussão intensa sobre o uso das algemas. Ainda mais quando seus advogados na petição de remédio constitucional de habeas corpus[32] alegaram como uma das justificativas ao constrangimento ilegal em que seu cliente em tela havia sido submetido. Tal alegação foi por situação similar a uma decisão do tribunal do júri onde um pedreiro de Laranjal Paulista permanecera algemado durante seu julgamento e esta tribuna reconheceu o constrangimento deste e tornou nulo aquele, remarcando o plenário para outra data.

Não obstante a este diapasão, existe uma regulamentação específica atual que trata, dentre vários outros aspectos, sobre a utilização das algemas durante o plenário do Tribunal do Júri. Aqui encontramos a Lei Federal Nº 11.689, de 09 de junho de 2008 que altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941, o Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri dando outras providências. De sorte analisa também sobre o uso de algemas em seus artigos 474 e 478.

Cumpre esclarecer que as regras para o bom e moderado uso das algemas foram inferidas da interpretação doutrinária de esparsos institutos em vigor e de princípios do direito, como por exemplo, da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da proporcionalidade, entre outros.

Evidentemente a intenção de estabelecer a devida distinção entre o fato típico e antijurídico praticado pelo paciente e a utilização das algemas, seja esta lícita ou não, tendo em vista que o fato do acusado ser algemado não deve influenciar o Júri, nem como benefício, tampouco como malefício.

A Constituição Brasileira de 1988 consagrou um espaço especial à dignidade da pessoa humana, colocando-a entre os princípios fundamentais, no art. 1º, inc. III do Título I. A definição de dignidade da pessoa humana não é ficção tampouco meditação das teorias jurídicas.

Sabe-se, contudo, que são perceptíveis os momentos em que há agressão à dignidade humana, como, por exemplo, na existência de preconceitos de raça, de cor, de idade e de condição econômico- social.

Ao se algemar o investigado de maneira desnecessária e indevida, figura a violação deste princípio. Principalmente, em relação à sua honra, à sua moral e ao seu caráter, visto que sua dignidade é manchada.

A humilhação sofrida por quem é algemado da maneira supracitada é um rebaixamento moral inexplicável. O ser sente-se inferiorizado e menosprezado perante a opinião pública, já que o ato vexatório de ser manietado indevidamente provoca o sentimento de impotência.

Portanto, sempre que estiver presente o excesso, isto é, a desnecessária colocação de algemas, defende-se que há o abuso de autoridade em consonância ao artigo 3º, alínea “i” ao atentar contra a incolumidade do indivíduo - e 4º, alínea “b” ao submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado lei. (Lei n. 4.898/65 - Lei de Abuso de Autoridade).

Para Nestor Távora[33] a autoridade policial deve garantir o cumprimento do mandado de prisão, ou a efetivação da prisão em flagrante. Continua a afirmar que o uso da força deve ser evitado, salvo quando indispensável no caso de resistência no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso (art. 284 CPP). O uso desnecessário da força, ou os excessos, pode caracterizar abuso da autoridade, lesões corporais, etc.

Já quanto ao preso, pode incorrer em resistência (art. 329, CP), desobediência (art. 330) ou até mesmo evasão mediante violência contra a pessoa (art. 353, CP).

Távora adverte que as algemas só podem ser utilizadas quando estritamente necessárias pelas circunstancias, não podendo simbolizar verdadeiras pulseiras de prata para desmoralizar aqueles que são presos, principalmente quando em transito perante as câmeras ou nas audiências, dando ensejo à caracterização do abuso de autoridade.

O princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência está previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que assim dispõe: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Consagrando-se um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal.

Para Paulo Rangel, “uma coisa é a certeza da culpa, outra, bem diferente é a presunção da culpa”[34]. Apesar de o promotor discordar da expressão “presunção de inocência”, deixa claro que o réu não pode ser considerado culpado apenas no campo da “presunção”. É necessário que o juiz analise com sabedoria todas as formalidades previstas em lei para que haja o cerceamento da liberdade ou para que alguém seja privada dos seus bens. Defende o doutrinador Paulo Rangel que devem ser respeitadas nos autos do processo para que aja a aplicação correta e justa da lei.

Reitera-se que o prévio julgamento de quem é algemado marca negativamente sua imagem. O acusado tem o direito de ser ouvido, de ter acesso à defesa técnica competente, de se manifestar depois da acusação e de ter as decisões desfavoráveis revisadas nas situações previstas em lei- duplo grau de jurisdição.

Se a liberdade, na sua forma mais ampla, é garantida nesse princípio e, se a justiça garante ao acusado o devido processo legal, a garantia estabelecida pelo PLS 185/04 ao investigado de se apresentar à autoridade policial ou judicial de forma espontânea protege o princípio da inocência de transgressões.

A Constituição Republicana de 1988, no artigo 5.º, inciso LV, considerou op. cit. de extrema importância o princípio do contraditório, em que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes.

O princípio, em tela, garante ao acusado o direito de contrariar os fatos que a ele estão sendo imputados, impedindo-o, desta maneira, de que o mesmo possa ser condenado sem ser ouvido previamente.

O Professor Tourinho Filho[35] defende a idéia de que enquanto não definitivamente condenado, presume-se inocente o réu. Sábio foi o doutrinador ao expor esse pensamento, pois desta forma soluciona as críticas para a interpretação literal feita por muitos da expressão “presunção de inocência”.

Logo, ao se algemar de forma indevida um acusado, passa-se a imagem para toda a sociedade de que aquele cidadão é o verdadeiro culpado de um crime. O julgamento da sociedade forma-se, principalmente, por meio dos aspectos televisivos, da imagem a qual é passada. A autoridade estigmatiza o indivíduo como culpado.

A Lei Maior garante, por meio do princípio da inocência, que não se pode fazer prévio julgamento de um acusado considerando-o culpado. É preciso permitir, por meio de outro princípio, o da ampla defesa e do contraditório, que o acusado defenda-se do fato criminoso que lhe foi imputado. A violação aos princípios não é excludente. Ao contrário, quando se viola o princípio da presunção da inocência, fere-se também o da ampla defesa e o do contraditório e assim sucessivamente.

A presunção de inocência proíbe que as medidas cautelares, como a prisão preventiva, sejam utilizadas como castigo, ou seja, muito além de sua finalidade de assegurar o escopo processual. A idéia da presunção serve para impedir que o réu seja tratado como se já estivesse condenado, desta maneira sofrendo restrições de direito que não sejam necessárias à apuração dos fatos e ao cumprimento da lei penal.

Ressalta-se que o acusado não deve ser tratado como mero objeto de investigações, mas sim como sujeito de direitos, gozando de todas as garantias comuns ao devido processo legal, sobretudo as garantias da plena defesa e do contraditório.

A violação de forma explícita ao princípio da presunção de inocência acontece, por exemplo, quando a imprensa sensacionalista utiliza-se de sua ampla liberdade ao transmitir a imagem de um acusado algemado. O imputado deveria ser preservado de qualquer tipo de constrangimento, evitando que sua imagem fosse divulgada durante o processo que incorre contra ele, pois ao contrário é evidente que comece a ocorrer uma formação de opinião negativa contra a pessoa que está sendo acusada e, desta maneira, prejudicando-a de forma incalculável.

O princípio ensina que toda pessoa tem o direito de não ser privada de sua liberdade e nem de seus bens sem que aja um processo desenvolvido na forma estabelecida por lei. É encontrado no artigo 5º, inciso LIV, do texto constitucional de que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal.

De acordo com os ensinamentos de Fernando Capez:

O princípio garante ao acusado o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter a oportunidade de se manifestar sempre depois das acusações e em todas as oportunidades. [36]

O acusado tem o direito de produzir e de manifestar-se sobre as provas apresentadas contra ele. Se ele é possuidor de tal direito, conclui-se que pode provar sua inocência e deixar claro que as provas contra eles produzidas são falsas ou são insuficientes para considerá-lo como culpado.

Na visão do doutrinador Capez, o princípio do contraditório existe quando “o réu conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido”[37]. Se existe o direito de o acusado se defender dos atos a ele atribuídos, as algemas quando utilizadas de forma indevida passam a ter a característica de meio punitivo, desrespeitando de forma evidente tal princípio, já que não se pode punir um acusado sem antes conceder a oportunidade de ele contrariar os fatos que lhe foram imputados. Por isso, é importante colocar em patamar de igualdade os direito de acusar e o de contrariar.

A ampla defesa é prevista no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal, afirmando que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Sua concepção possui fundamento legal no direito ao contraditório, segundo o qual ninguém pode ser condenado sem antes ser ouvido. Fernando Capez ensina que a Ampla Defesa consiste:

 

 

No dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada por defensor), e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em último lugar. [38]

O Professor Lopes Junior ressalta que a defesa técnica:

 

 

Supõe a assistência de uma pessoa com conhecimentos teóricos do Direito, um profissional, que será tratado como advogado de defesa, defensor ou simplesmente advogado” e a defesa pessoal é “a atuação do sujeito passivo no sentido de resistir pessoalmente á pretensão estatal.[39]

Percebe-se que a ampla defesa trata de um direito que o acusado tem de provar por meios legais e idôneos sua inocência. Ao cidadão, que está sendo acusado, dá-se o direito de alegar sua inocência e provar o que está sustentando.

Como o investigado que esta sendo preso pode, por exemplo, realizar sua autodefesa perante a imprensa se ele está algemado? É bem verdade que este não tem para si o equilíbrio, a mesma linha de igualdade de realizar sua defesa em relação a outro acusado que não está algemado. Isto porque as algemas transmitem a forte idéia de que aquela pessoa que está sendo acusada é uma pessoa culpada. Contudo, ninguém pode ser considerado culpado sem antes ser-lhe dado o direito de defesa e as demais prerrogativas processuais de estilo.

Aqui se vislumbra a incidência do princípio da proporcionalidade, que encontra lastro no artigo 5º, XLVI, caput, do texto constitucional. O princípio aqui referido será infringido, quando se algema alguém que não oferece nenhuma resistência nem perigo iminente. Importa reiterar que não havendo necessidade, é evidente que fica inadequado e desproporcional a utilização das algemas.

Portanto, a proporcionalidade é a exigência de que aja a adequação, necessidade e prudência na prática de manietar alguém a fim de dificultar sua fuga quando em transporte fora do lugar de confinamento, pois exceder esses justos limites é permitir que ocorra abusos por parte das autoridades que praticam o ato, como os previstos no artigo. 3º, "i" (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e artigo 4º, "b" (submeter sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898/65 (lei de abuso de autoridade).

Entende-se que a adequação seja a compatibilidade entre o fim pretendido e o meio utilizado. Logo, utilizar as algemas de forma inadequada (meio) para praticar um ato que não seja o de conter a resistência da pessoa (finalidade) é uma prática totalmente inadequada.

A necessidade, pois, é a medida indispensável para se obter o sucesso na realização de um ato. Assenta-se o entendimento que, manietar alguém quando as algemas podem ser dispensáveis para o êxito do procedimento que está sendo adotado, é concluir que existe o abuso por parte da autoridade que pratica o ato. Portanto, ter prudência é estar imbuído da vontade de evitar o erro em algemar quando não houver necessidade e ao mesmo tempo impedir que seja provocado dano irreparável a pessoa que poderá ser algemada.

Todo preso, conduzido, ou melhor, toda pessoa tem direito a fazer jus dos princípios constitucionais e utilizá-los nos momentos oportunos. Esses não podem ser violados por interpretação subjetiva dos agentes que realizam as prisões. As algemas são instrumentos que devem ser utilizados de forma correta e não com o objetivo de humilhar o preso.

Acredita-se que o ato de manietar de forma indevida um ser humano é uma injustiça, só sendo possível o uso do par de argolas caso seja obedecido os princípios constitucionais da dignidade humana, da presunção da inocência, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da proporcionalidade e o texto estabelecido no PLS 185/04.

Pelo já aquilatado, tem-se que embora devidamente prevista sua criação, ainda, não restou até o momento disciplinado, jurídica e especificamente, o tão esperado decreto federal afeito a matéria que se dedique ao uso de algemas em nosso país. Enquanto isto, tal questão, cotidianamente enfrentada pela sociedade, ainda é objeto de dúvidas, impasses, questionamentos, fomentando inclusive inenarráveis controvérsias jurídicas, sem, contudo, vislumbrar-se resolução ou foco norteador especifico há curto prazo.

            Se por um lado a restrição ao uso de algemas visa contemplar a singularidade do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, compelindo excessos, arbitrariedades ou qualquer forma de atentado as sólidas bases protetivas do individuo, por outro, gera muitas vezes, coibição ao melhor exercício da atividade de estado, perpetrada por seus agentes (os quais podem vir a ser responsabilizados civil e penalmente se constatado excesso, firmados em parâmetros interpretativos em bases normativas sensíveis), a equipe judicial e ao melhor resguardo da segurança pública ante aquele que a corrompe e resiste fisicamente à eficácia da constrição do ato lesivo.

            Na mesma senda, se vista por alguns como grilhões vexatórios e atentatórios a dignidade da pessoa, por outros, as algemas são consideradas ferramentas indispensáveis e garantes, muitas vezes, ao melhor e seguro exercício da atividade policial, por exemplo, quiçá judicial. Dessa forma, a constrição física, em alguns casos, denota não apenas a cessação da perpetração ilegal, mas, em iguais termos, resguardo a ordem social, integridade física e moral do “suspeito/acusado”, bem como dos agentes públicos envolvidos na situação. Sob essa perspectiva, crível considerar que sopesadas a proporcionalidade e urgência da ação, o uso de algemas poderá/deverá ser encarado como superveniência do interesse público sobre o interesse privado, justificando assim seu emprego.

            Há que se ressaltar que o uso de algemas não se restringe, exclusivamente, a imediata coibição de flagrante delito ou ato lesivo, mas, em iguais termos, é rotineiramente utilizado para deslocamento e/ou condução de aprisionados/apenados/detidos/conduzidos, bem como no curso dos atos processuais de estilo. Tais medidas encontram guarida na já mencionada Súmula Vinculante nº 11, do Egrégio Superior Tribunal Federal, que preconiza o uso de algemas em situações que importem casos especiais em que haja resistência do agente, fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia. Porém, como é possível constatar, o firmado na previsão sumulada favorece um verdadeiro leque interpretativo, tocando ao julgador, quando provocado jurisdicionalmente, posicionar-se de acordo com suas convicções. Ou seja, a cada Magistrado, quando suscitado, caberá imprimir seu juízo de valor ao caso concreto, podendo assim favorecer situação de intemperança jurídica.

A complexidade quanto à pauta do uso de algemas é por demais relevante, haja vista a orientação lançada pelo Superior Tribunal Federal, na já mencionada Súmula nº 11. Seguindo sua tônica, em não sendo justificada a excepcionalidade da medida, firmada por escrito, poderá ocasionar responsabilidade civil e criminal do agente ou da autoridade que a empregar, pode gerar nulidade da prisão ou ato processual a que se refere bem como buscada responsabilização civil do Estado.

Em outras palavras, reside no foco em comento uma linha tênue a melhor interpretação do emprego de algemas: conforme as peculiaridades do caso concreto, uma mesma situação que importe o emprego de algemas como exercício regular do direito, pode ser considerado crime de constrangimento ilegal, ferindo o princípio constitucional da presunção de inocência.

            Há que se esclarecer que o uso de algemas não deve ser associado ao emprego de força. Esse é um equivoco costumeiro. As algemas são utilizadas como forma de neutralização da força e da imobilização do delinqüente. É incontroversamente menos traumático, doloroso e arriscado imobilizar o indivíduo com emprego de algemas, que utilizar técnicas de imobilização mais drásticas.

            Somente a título de registro, tendo em vista não se tratar a questão objeto do presente estudo, o uso de algemas em situações que envolvem menores infratores também realça controvérsias a questão. Não obstante, a matéria urge por atenção legislativa, a bem seja consolidada necessária segurança jurídica a pauta. Em outras palavras, por mais singela que a questão do uso de algemas possa parecer, esta se não bem forjada, pode trazer embaraços que vão desde uma discussão principiológica, a afronta a direitos humanos consagrados, chegando inclusive, de motivo para pugnar nulidade de toda instrução processual. Diante tais circunstancias meramente exemplificativas, repisasse a necessidade de melhor resguardo das elementares ao uso de algemas no sistema jurídico brasileiro, como forma garantir o devido cumprimento dos aspectos legais quanto a legitimidade do uso de algemas.

            Contudo, praticamente, o que se tem é fummus boni iuris[40], aquilatada de forma esparsa na legislação vigente, que tímida e insuficientemente assenta que o uso de algemas é permitido (para não dizer, tolerável) e indicado em situações supostamente pontuais, mas que na pratica são abrangentes, as quais não ofendam o colorário protetivo a dignidade da pessoa humana, firmado na Constituição Federal como causa mater.

            Com efeito, a dualidade da matéria denota que a positivação quanto ao uso de algemas é questão de interesse público, importando sua célere consagração normativa, especialmente considerando o fato de que o sistema pátrio tem como tradição o sistema da civil Law[41], em que todo o Direito é exteriorizado na forma escrita. Dessa forma, inescusável haja solidificado entendimento jurídico a respeito da pauta em exame.

Todavia, as circunstâncias cabíveis ao emprego de algemas é assunto que permanece na zona de conforto, isto é, sobrestado, até seja trazido à baila pela mídia e veículos de comunicação, geralmente, quando publicizados episódios em que são utilizadas junto a pessoas notórias ou personalidades. É dessa forma que se reascende (e se apaga na medida em que o fato perde fôlego) o debate quanto a sua legalidade e legitimidade.

4 o Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

4.1 CONSIDERAÇÕES ACERCA A SÚMULA VINCULANTE

Antes adentrar ao mérito da Súmula Vinculante nº 11, cumpre pontuar algumas elementares a cerca do instituto propriamente dito, para melhor compreensão a respeito da matéria.

Para tanto, há que se ressaltar que o parâmetro fundamental de organização política de nosso país encontrou guarida na divisão clássica de Poderes, lapidada por Montesquieu[42], a qual está consagrada na previsão do artigo 2º, da Constituição Federal. Assim, o Estado de Direito Brasileiro, pelo sistema tripartido de Poderes, atribuiu competências especificas e determinadas aos Poderes Executivo (a quem incumbe á tarefa administrativa), Legislativo (a quem compete á edição e regras gerais das leis) e Judiciário (aplicação da lei ao caso concreto, quando devidamente motivado, para assim solucionar controvérsias e, exercendo assim a chamada jurisdição).

Assim, a forma tripartida de exercício do poder estatal, que é uma, muito embora bem fixadas constitucionalmente suas competências, de modo específico e precípuo, permite que tais Poderes exerçam além de suas funções típicas, outras além destas genuinamente atribuídas, desde que não sejam inferidos os critérios de independência e harmonia que deve prevalecer entre si. Tal articulação permite vislumbrar o equilíbrio (balança) estabelecido entre os Poderes, na medida em que devidamente divididos e individualizados (inclusive seus órgãos), permitindo, inclusive, a inferência entre si, sem, contudo, isso suscite a idéia de prevalência de um sobre o outro. Desse modo, toma fôlego a compreensão de controle e vigilância recíprocos entre os Poderes de Estado, no que tange aos deveres constitucionais atribuídos a cada qual, incidindo a chamada Teoria de Freios e Contrapesos (Checks and Balances)[43].

Contudo, mesmo diante a delimitação constitucional, não raras vezes, a inércia, lacuna ou omissão de enseja a elevação de importância de outro Poder em relação aos demais, o que jamais se poderia cogitar ou admitir. Nesta senda, ensina Renato Marcão:

Na prática, vivemos em um “Estado de Direito” em que o Poder Executivo “legisla”; o Poder Legislativo abre mão de suas competências e, ver por outra, insurge-se e atua casuisticamente em detrimento de decisões do Poder Judiciário que, a seu turno, algumas vezes vem extrapolando limites de suas competências para ingressar em critérios administrativos, de oportunidade e conveniência, e forma a evidenciar descabida ingerência nas atividades do Poder Executivo.

A realidade revela uma inegável crise de identidade do Estado que, ora pela abdicação de suas funções, ora por extrapolá-las, ainda não encontrou o caminho da independência e harmonia que deve reinar entre os “Poderes”, não sendo demais lembrar que a estabilidade social depende da estabilidade das Instituições democráticas, sendo que estas devem conhecer as molduras que cercam os limites de suas atuações, como medida primeira na busca do fortalecimento do próprio Estado.[44]

A súmula vinculante foi inserida no nosso sistema jurídico pela Emenda n° 45/2002 que acrescentou o art. 103-A à Constituição Federal de 1988, estabelecendo que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a meteria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direita e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Dessa forma, se faz necessário o significado do termo súmula para melhor entendimento e análise da matéria, foco desde trabalho. Assim, traz a baila, conforme De Plácido e Silva em Vocabulário Jurídico 27ª Edição, Editora Forense, Ano 2007, procurar esclarecer àqueles que desconhecem as letras jurídicas o verdadeiro significado daquele termo. Pois vejamos:

SUMULA – Do latim summula (resumo, epítome breve) tem o sentido de sumário ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo ou a própria ementa da sentença ou do acórdão. (Grifo nosso)[45]

Na seara jurisprudencial, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persuasivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios.   

Cumpre pontuar que o instituto da Súmula Vinculante, criado pela Emenda Constitucional (EC) 45/04 em seu art. 2°[46], tem o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário.

Não por outro motivo a Emenda Constitucional 45/04 trouxe a lume, no mesmo art. 2°em § 1º, que a súmula terá como foco principal validar, interpretar e a tornar eficaz normas determinadas, “acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.” [47]

Não obstante, a Emenda Constitucional 45 norteia também, qual o órgão jurisdicional competente para analisar atos administrativos ou decisões judiciais, que por ventura possa “contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente se a aplicar, aqui cabendo reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”[48]

Após sua aprovação – por no mínimo oito ministros e a publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), a Súmula Vinculante permite que agentes públicos – tanto do poder Judiciário quanto do Executivo, passem a adotar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal.

A aplicação desse entendimento tem por objetivo ajudar à  diminuir o número de recursos que chegam às instâncias superiores e ao Supremo Tribunal Federal, permitindo que sejam resolvidos já na primeira instância. A medida pretende dar mais celeridade aos processos judiciais, uma vez que podem ser solucionados de maneira definitiva os casos repetitivos que tramitam na Justiça, permitindo que o cidadão conheça o seu direito de forma mais breve e célere. O então Ministro do STF, Marco Aurélio, destacou o papel do Estado na preservação da integridade física e moral das pessoas que estão sob custódia, ao salientar que o preso um dia, mesmo condenado, voltará ao convívio dos concidadãos, voltará à sociedade.

4.2 A SÚMULA VINCULANTE Nº 11

            A edição da Súmula Vinculante nº 11, segundo Flávio Gomes, foi editada após a anulação do julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista, do Estado de São Paulo, por ter havido abuso na utilização de algemas (HC 91.952-SP, rel Min. Marco Aurélio, j. 07.08.08)[49].

A partir desse julgamento, o Plenário do STF decidiu em 13 de agosto de 2008 editar uma súmula vinculante para deixar claro que o uso de algemas somente deve ocorrer em casos excepcionalíssimos. Entenderam que o uso desnecessário das algemas fere o princípio da dignidade humana, bem como direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Ademais, também realçou o STF não pode ser a deficiência estrutural do Estado, tal como por exemplo, a falta de policiais, não permite qualquer desrespeito à dignidade do envolvido.

Além de firmar restrições sobre o uso de algemas e de editar Súmula Vinculante sobre o tema, o Plenário do Pretório Excelso também determinou o encaminhamento da decisão ao Ministro da Justiça e aos secretários de Segurança Pública dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Após essa decisão, a Corte Suprema passou a receber inúmeros processos de habeas corpus e reclamações que contestam o uso de algemas.

Aqui está o teor da Súmula Vinculante n° 11 do STF: 

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.[50]

Saliente-se que na legislação pátria, até o momento não havia nenhuma legislação regulamentando de modo esclarecedor a matéria. Note-se que o artigo 199 da Lei de Execução Penal preconiza que "o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal". Frise-se que a lei mencionada foi sancionada em 1984, e decorridos vinte e quatro anos de sua edição, somente em 2008, o uso de algemas recebeu regulamentação.

Dando aporte ao posicionamento adotado, a Excelsa Corte invocou preceitos constitucionais como sustentáculos de sua decisão, dentre os quais se realça a dignidade da pessoa humana, um dos balisadores principais do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Assim, pugnou salvaguardar direitos fundamentais, proibindo tratamento degradante do indivíduo, a violação da imagem das pessoas e o que assegura ao preso o respeito à sua integridade física e moral (CF – art. 1º, III e art. 5º, III, X e XLIX).

Sob a égide da legislação infraconstitucional o Supremo Tribunal Federal aquilatou seu posicionamento, tendo por escopo, dentre outros dispositivos, o artigo 284, do Código de Processo Penal (evidenciando que não será permitido o emprego de força, salvo indispensável caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso)[51]; no artigo 350, do Código Penal, que se dedica do crime de exercício arbitrário ou de abuso de poder (Ordenar ou executar medida privativa de liberdade, sem as formalidades legais ou abuso de poder)[52]; e na Lei 4.898/65, que trata de abuso de autoridade (Art. 4º. Constituiu também abuso de autoridade: a) – ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou abuso de poder)[53].

Todavia, merece destaque que até o advento da Súmula, a utilização da algema se constituía ato discricionário do agente encarregado da missão, tendo em vista que a lacuna legislativa não proibia ou restringia tal conduta aos integrantes das forças policiais. A partir da súmula, a vedação da prática do ato de prevenção e contenção constitui regra.

Segundo Luiz Flávio Gomes refere que fator determinante para edição da citada súmula a preocupação da Egrégia Corte para com a falta de invocação de um motivo concreto justificante do uso de algemas. Destaca o autor que seu emprego não foi proibido, mas sim, limitado, buscando assim a incidência de abusos de autoridade, o que não ocorrerá caso seja devidamente fundamentada sua necessidade pelo agente público. Refere ainda que:

Além da configuração do delito de abuso de autoridade, importante sublinhar que, agora, depois da Súmula Vinculante 11, a prisão em flagrante torna-se ilegal (e abusiva) justamente quando o uso de algemas não for adequado. A prisão ilegal deve ser relaxada, por força de mandamento constitucional[54].

Nesse contexto, a referida Súmula veio ao encontro do anseio daqueles que consideram que a utilização de algemas, quando a pessoa não oferece resistência, se caracteriza crime de constrangimento ilegal, ferindo assim o princípio constitucional da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana.

Dada sua polêmica, o uso de algemas atingiu grandes proporções, tomando especial fôlego após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. A partir dela, se não for justificada a excepcionalidade fundamentada da medida e, por escrito, ocasionará a responsabilidade civil e criminal do agente ou da autoridade, nulidade da prisão ou ato processual a que se refere, bem como a responsabilidade civil do Estado.

Muitas críticas foram levantadas a respeito da Súmula Vinculante n° 11. Há aqueles que afirmam que a Súmula somente foi editada devido aos erros cometidos pela Polícia Federal, que utilizam seus serviços como espetáculos, avisando a imprensa previamente, com o intuito de auto promoção. A este respeito, Ricardo Vergueiro Figueiredo refere que:

O assunto ganhou bastante destaque em virtude de algumas prisões efetuadas por órgãos policiais, que então ganharam as páginas da imprensa escrita e viraram noticia nos principais telejornais do nosso país. Tais fatos ressuscitaram um assunto tanto quanto polêmico, qual seja, a discussão acerca da legalidade na utilização de algemas, quando do momento da prisão de pessoas que, ao menos de forma aparente, sequer chegaram a oferecer resistência ou sequer esboçaram atitude concludente de inicio de fuga[55].

Na mesma guiza, Paulo Fernando Silveira refere que:

Coincidência ou não, a Súmula Vinculante nº 11, de agosto de 200, foi editada logo após a prisão de um banqueiro e de um ex-prefeito da capital paulista, em que ambos foram algemados. Foram ignorados os surdos clamores e uma sociedade saturada de injustiças no sentido de ser implementado já, de modo sério, para valer para todos, indistintamente, o princípio constitucional da igualdade. Ao contrário, optou-se nos moldes dos tempos imperiais, por uma igualdade negativa, de difícil, senão, impossível realização que, por isso mesmo, continua privilegiando os poderosos[56].

Contudo, merece relevo que a aludida Súmula não obedeceu ao aspecto procedimental do artigo 103-A da Constituição Federal, que preconiza que uma súmula somente poderá ser editada depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Note-se que esse fator não foi respeitado.

Insta salientar que a Súmula Vinculante traz em seu cerne um conflito entre princípios constitucionais relevantes. Se por um lado deu guarida aos princípios constitucionais da presunção de inocência e dignidade da pessoa humana, a Súmula Vinculante nº 11, deixou de melhor observar o princípio da razoabilidade, que prediz que a norma tem que ser razoável desde sua criação, interpretação e aplicação. Tal dicotomia coloca em cheque a constitucionalidade do postulado em exame.

Isto porque se depara o seguinte divisor: se por um lado se dedicou a salvaguarda do preso, detido ou conduzido, por outro, restringe e muitas vezes, desampara a atuação da força policial quando do legitimo exercício do dever legal. Sob esse aspecto, dentre outras circunstâncias merece realce o fato de que se o “preso não for algemado e acontecer danos a terceiros, o policial responderá civil e criminalmente por negligência e o Estado por danos materiais.[57]

Observados tais entraves, a constitucionalidade da Súmula Vinculante nº 11 é questionável, justamente, frente a tais dicotomias que envolvem preceitos magnos.

Pelo que é sensivelmente perceptível, o entendimento sumulado em destaque delimitou-se a salvaguarda das tutelas conduzido, do preso e/ou investigado. Contudo, aliada proteção da vida, da dignidade do agente, também, merecia observar as prerrogativas de terceiros, potenciais vítimas caso perigo eminente se perfectibilize, bem como das equipes policiais e judiciais envolvidas.

Contudo, louvável a iniciativa do Supremo Tribunal Federal na busca da pacificação e uniformização da matéria acerca do uso de algemas em nosso país, diante a lacuna legislativa que ainda perdura. A discussão acerca do emprego de algemas é bastante calorosa, por envolver a colisão de interesses fundamentais para a sociedade, o que dificulta a chegada a um consenso sobre o tema. Todavia, diante ao sensível desequilíbrio de princípios constitucionais tuteláveis, a pauta ainda se mantém em latente controvérsia, merecendo seja discutida, estudada, melhor lapidada, especialmente pelos poderes instituídos e responsáveis, para que a questão deixe e ser alvo de incertezas, a bem da segurança jurídica tão preconizada pelo Estado Democrático e Social de Direito Brasileiro.

5 Avaliar o Uso de Algemas para a Sociedade

No ano de 2004, um episódio envolvendo a prisão de personalidades públicas e particulares, em operação deflagrada pela Polícia Federal (denominada Satiagraha[58]), e concomitantemente acompanhada pela mídia televisiva, reacendeu o debate em torno da legitimidade do uso de algemas. A discussão acerca de sua utilização é bastante calorosa, tendo em vista a colisão de interesses fundamentais dela decorrentes. Em outras palavras, o consenso sobre o tema ainda está longe de ser atingido.

Sob este prisma, as opiniões são divergentes, imbuídas de fortes argumentos, o que contribuem a riqueza de embasamentos para a discussão do tema e ao arcabouço jurídico necessário para finalmente, ser pacificada a controvérsia.

De um lado, deparamo-nos com o comando constitucional que determina ser a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos órgãos policiais conforme a Constituição Federal em seu art. 144[59]; de outro lado, do Texto Constitucional emanam princípios de enorme magnitude para a estrutura democrática, tais como o da dignidade humana e presunção de inocência, os quais não podem ser sobrepujados quando o Estado exerce a atividade policial.

A controvérsia a respeito do uso de algemas se mantém hígida mesmo após o advento da Súmula Vinculante nº 11, frente à ausência da legislação pertinente, bem como da ausência de pacificação de entendimento que congratule as controvérsias que a matéria ainda enseja. Os valores e princípios constitucionais que envolvem o cerne da questão são por demais relevantes, carecendo seja melhor aprofunda e, finalmente, sanada.

Tais dicotomias dividem opiniões trazendo a baila argumentos favoráveis e contrários quanto ao uso de algemas, seja quando do ato de prisão, seja quanto sua necessidade quanto a sua utilização no curso das instruções processuais penais e julgamentos.

Luiz Flávio Gomes leciona que a justificativa para a aplicação de força física no ato da prisão e, conseqüentemente o uso de algemas, por se tratar de atuação estatal que infere direitos fundamentais, está sujeita a incidência de três exigências: indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica (“para” a defesa, “para” vencer a resistência). Do contrário, o uso de algemas configurará abuso de autoridade e consistirá em tratamento indevido para com o acusado, ferindo princípios básicos, tais como o da presunção de inocência, dignidade humana. A este respeito, refere o autor:

E por toda essa preocupação em não haver abuso no uso de algemas: (a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. 5º, inc. LVII, da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é principio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de Direito[60].

Já o entendimento firmado por Pedro Fernando Figueiredo preconiza a prisão, seja ela em flagrante ou por ordem judicial, como sendo, por si só, o único fato constrangedor a que é submetido o indivíduo. Refere o autor que a constrição de liberdade, devidamente autorizada, é ato legal único que atenta contra a liberdade, a dignidade, a integridade moral e imagem pública do agente. Para ele, o uso de algemas causa muito menos constrangimento, tratando-se intrusão de menor proporção a privacidade individual que o próprio ato da prisão. Sobre este prisma, defende que:

 

 

O interesse do Estado (agindo publicae utilitaris causa) de evitar risco de vida, ou de danos pessoais, de seus agentes policiais ou de terceiros – que autoriza o uso de algema – sobrepuja, de muito, o individual ( jus libertatis), e mais ainda relativamente à pretensa ofensa – pelo só fato do emprego de algema – à dignidade e imagem daquele que é preso[61].

Por sua vez, Ricardo Vergueiro Figueiredo, refere-se que o simples uso de algemas numa pessoa, por sua vez, reflete em alguns casos o despreparo da autoridade policial. Isto que integrantes de órgãos policiais encarregados de prevenir a reprimir a criminalidade atual, deixando-se levar ora por pressão da mídia, ora por excesso de vaidade, ou ainda, por absoluto despreparo técnico-juridico, extrapolam na utilização de algemas, empregando-as contra pessoas que não oferecem a mínima resistência quando do momento da prisão, bem como ainda não demonstram a menor vontade em empreender fuga, mesmo por que muitas destas pessoas desconhecem por completo naquele momento o teor das acusações que pesam contra si. Desta forma, fato este configura total desrespeito ao cidadão, mesmo por que a Constituição Federal de 1988 tem como um dos fundamentos, a dignidade da pessoa humana, o qual está normatizado em seu art. primeiro.

Somado a esta questão, outro ponto a ser levado em conta, segundo Figueiredo, é em relação ao uso de algemas pelo réu durante o seu interrogatório judicial ou durante a Sessão de Julgamento pelo Tribunal do Júri. Primeiramente, o acusado responde preso ao processo, deve ser mantido algemado durante o seu interrogatório judicial. Assim, vai de encontro ao anseio pela liberdade, sendo este inerente humano. Não obstante cabe ao magistrado prevenir uma eventual possibilidade de fuga, resguardando assim, a ordem dos trabalhos e a segurança de todos os presentes, inclusive a do próprio acusado.

Ainda sim, o entendimento, em questão, é que não há necessidade de o acusado manter-se sem algemas para exercer sua ampla defesa. Isto sim que o acusado poderá exercer sua autodefesa, através de sua narrativa, sendo que ao juiz caberá estar bem atento para a sua melhor compreensão. Tanto assim, já foi decidido pelo Pretório Excelso que “não constitui constrangimento ilegal o uso de algemas por parte do acusado, durante a instrução criminal, se necessário à ordem dos trabalhos e à segurança das testemunhas e como meio de prevenir a fuga do preso.”[62]

Posição esta com partilhada pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se pode verificar no voto consignado in verbis:

No que se refere `a manutenção de algemas durante o interrogatório do paciente, não há que se falar em constrangimento ilegal, pois, nos termo do artigo 251 do CPP, ao juiz incumbirá prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar força pública. Desta forma, se o magistrado reputou necessária a manutenção das algemas para melhor regularidade do ato, não há nulidade. (Habeas Corpus n°25.856-PR, rel. min. Gilson Dipp, julgado em 17 de junho de 2003).[63]

Exemplos são encontrados na jurisprudência nacional, em que a utilização de algemas no curso da instrução processual não fora visto como afronta a dignidade do agente, embora devidamente suscitada pela defesa técnica. Merece destaque a posição adotada pelo Excelso Pretório Gaúcho, quando do enfrentamento da matéria:

Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME DE ESTELIONATO. DIVERSAS VEZES. PRISÃO PREVENTIVA. 1. USO DE ALGEMAS. SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO E. STF. O uso de algemas foi apenas restringindo e não terminantemente vedado, através do comando sumular. A situação excepcional deve ser devidamente justificada pelo coator. Hipótese na qual a defesa não trouxe aos autos qualquer elemento probatório que comprovasse as circunstâncias da prisão levada a efeito, sobremodo a própria utilização das algemas pelos agentes de segurança, quiçá os motivos que os levaram à contenção física, através de tal instrumento, o que inviabiliza a análise concreta da alegação trazida. 2. PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. Decreto de prisão preventiva suficientemente fundamentado, lastreado em requisito constante do art. 312 do CPP, a garantia da ordem pública, francamente ameaçada pelo perfil do agente, extraído da gravidade concreta do crime prraticado. Conforme consta, fazendo-se passar por advogado, ludibriou dezenas de pessoas (39 vítimas conhecidas), na sua maioria idosos, com o pretexto de ingressar com ações judiciais, falsificando documentos oficiais e assinaturas de autoridades judiciais, pelo menos em mais 3 comarcas diversas, Tupanciretã, São Vicente do Sul e Santana do Livramento. Circunstâncias concretas demonstradoras da periculosidade do acusado, sendo aptas a gerarem intranquilidade social, caso obtivesse a liberdade. Garantir a ordem pública também significa evitar a reiteração delitiva, funcionando como requisito bastante e suficiente a dar ensejo à prisão cautelar. Precedente do E. STF. 3. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. As condições pessoais do paciente de ser pessoa interditada judicialmente (questionável a incapacidade respeitante ao âmbito criminal) e possuir residência fixa, esta última não comprovada, e a tanto não basta tenha sido preso em "casa", não se erigem como óbice à decretação da custódia preventiva, desde que esta se revele necessária, como ao concreto, em que, sob ameaça, a ordem pública. ORDEM DENEGADA. LIMINAR CASSADA. (Habeas Corpus Nº 70040628349, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 26/01/2011)[64]

     

Já em relação a defesa pelo não uso de algemas pelo acusado durante o seu interrogatório judicial, em particular, durante a Sessão de Julgamento no Tribunal do Júri fica sobreposto em que nestes julgamentos não é possível reconstruir a elaboração mental que levou o julgador à decisão, uma vez que não há o dever de motivar, é ainda mais forte a exigência de que se evitem situações em que se possam vislumbrar antecipações, ainda que simbólicas, do reconhecimento da culpabilidade, predispondo psicologicamente os jurados a uma decisão desfavorável ao acusado.

Neste raciocínio, sendo posicionamento jurídico minoritário, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme a ementa do julgado em questão:

Júri - Nulidade – Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser perigoso – inadmissibilidade – fato com interferência no animo dos jurados e, conseqüentemente, no resultado – Constrangimento ilegal, caracterizado – Novo julgamento ordenamento - Aplicação do art. 593, III, “a”, do CPP.Írrito o julgamento do Júri se o réu permanece algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstancia interfere no espírito dos jurados e, consequentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a nulidade. (Apelação n°74.542-3, 2ª Câmara, rel. des. Renato Talli, julgado em 08 de maio de 1989 – RT 643/285)[65]

Por fim, porém, neste prisma tornar-se notório que o posicionamento jurídico majoritário pátrio é que, via de regra se faz necessário e oportuno o uso de algemas pelo acusado durante seu interrogatório judicial ou durante a Sessão de Julgamento pelo Tribunal do Júri, para melhor otimização da instrução processual e para resguardo das partes e do próprio acusado sem que haja constrangimento a este.

5.1 uso de algemas em menores incapazes

Já no que diz respeito aos menores de 18 anos, o estatuto da criança e do adolescente (ECA) previsto pela Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990 não faz proibições quanto ao uso das algemas para conter resistência do adolescente infrator. A única proibição está normatizado em seu art. 178 que veta a condução do adolescente em compartimento fechado de viatura policial, com vistas a evitar o atentado à sua dignidade.

Contudo, a jurisprudência pátria tem permitido o uso das algemas quando imprescindível a segurança dos policiais, desde que observados alguns requisitos como: periculosidade do adolescente; porte físico; comportamento durante a prisão. Assim, cabe ao policial militar avaliar a conveniência ou não do emprego das algemas, respeitados os limites legais, de modo a não expor o menor a constrangimento não autorizado, conforme se segue a seguinte jurisprudência:

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – HABEAS CORPUS – MENOR INFRATOR – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA INTERNAÇÃO PROVISORIA – INOCORRENCIA, CUMPRIMENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL- FALTA DE ILUMINAÇÃO – VIOLAÇÃO DE INTEGRIDADE MORAL E INTELECTUAL INEXISTENTE. INABDMISSIBILIDADE ATUAÇÃO INTERNA CORPORIS, UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS. POSSIBILIDADE EM SE TRATANDO DE CONTENÇÃO E SEGURANÇA. I – Não há falar-se em falta de motivação ou nulidade processual, por ofensa aos princípios da culpabilidade, ampla defesa e devido processo legal, se a decretação da internação provisória do paciente, ao qual são imputados atos infracionais, foi editada por autoridade competente e decorre da garantia da ordem pública e segurança do próprio adolescente, seja pela gravidade do ato infracional ou pela repercussão social, observados, portanto, requisitos impostos nos art.(s). 108, 122, 174 e 183 do Estatuto da Criança e Adolescente. II – Admite-se internação provisória em estabelecimento prisional de adultos, inclusive delegacias de policia, desde que em local apropriado e isolado dos maiores. A falta de iluminação numa das celas não implica em ofensa a integridade moral e intelectual do paciente, especialmente em face de viabilidade da solução do problema via administrativa, inadmissível ao Judiciário, atuação interna corporis (11). III – A utilização de algemas é autorizada nas hipóteses em que se configure como meio necessário de contenção e segurança, pelo que inadmissível a invocação de arbitrariedade, se não demonstrada pela defesa situação indicativa da sua não ocorrência. Writ (12) indeferido.[66]

Dessa forma, as algemas só poderão ser utilizadas se o adolescente oferecer resistência à prisão ou tenha porte físico compatível com adulto ou tente empreender fuga, desde que a sua conduta ofereça risco à integridade física dos executores da lei. Usar as algemas “por usar” não será uma conduta legal e profissional, mas ilegal e amadora, haja vista que do policial exige-se tirocínio, conhecimento e o respeito à lei.

Por fim, é de salientar que em relação às crianças, não cabe, o uso das algemas, pois o “estrito cumprimento do dever legal” é conduzi-las à Delegacia Especial da Criança e do Adolescente, para, deste modo, iniciar o procedimento cabível. A Jurisprudência não concebe que um menor criança seja capaz de fazer frente a um policial treinado.

5.2 A PRÁTICA POLICIAL

Tendo em vista o cotidiano policial, em qualquer órgão relacionado à Segurança Pública, como Polícias Civis, Militares, Federal, Rodoviária Federal e Guardas Municipais, percebe-se o uso diário das algemas, pelos seus agentes profissionais.

Essa prática deve-se ao fato de que as algemas são carregadas para o seu ‘pronto-uso’, eis que a sua utilização não possui um momento pré-definido, pois à qualquer momento o agente poderá utiliza-la, em qualquer tipo de ocorrência, como à fim de imobilizar um autor preso em flagrante delito; controlar um indivíduo alcoolizado ou que tenha utilizado substâncias entorpecentes, ou até mesmo para conter um indivíduo alterado, por diversos fatores, podendo ser familiares, pessoais, afetivos, psicológicos, enfim, por inúmeras situações.

Todas as academias de formação dos profissionais da Segurança Pública promovem cursos onde os agentes têm contato com as técnicas de algemações mais apropriadas, sempre levando em consideração a preservação da integridade física e de todos os direitos do indivíduo algemado.

O intuito de algemar é só para manter o conduzido controlado, permitindo, assim, que a sua integridade física seja mantida, pois sem a sua utilização, tendo em vista a situação em que se encontra, e o seu estado psico-emocional alterado, poderá tomar atitudes inesperadas, como passar a desferir golpes em si mesmo e nos outros à sua volta, atirar-se em qualquer objeto, obstáculo, chão, parede, etc.

O uso de algemas também promove a segurança do agente policial, pois este, com esta atitude, terá a plena certeza de onde estão as mãos do conduzido, minimizando, assim, as possibilidades de uma reação violenta por parte daquele.

Existem técnicas de imobilização com o uso de algemas, onde poderão ser conduzidos somente um ou vários indivíduos, sendo que este procedimento também poderá ser complementado com outros objetos, como cintos, cadarços e outros objetos improvisados, na ausência de outras algemas, tudo isto no intuito de manter incólume a integridade física do conduzido.

Há que se salientar que após a colocação das algemas, há um dispositivo que tranca o sistema de fechamento delas, ou seja, por mais que o conduzido se debata, as algemas não mais fecharão, e consequentemente não ferirão os seus pulsos.

A utilização das algemas é importante em deslocamentos dos conduzidos até as viaturas, nas saídas delas, em conduções às penitenciárias, fóruns, delegacias, e etc., ou seja, à todos os locais em que legalmente devam ser transportados os infratores, sempre com o intuito de preservação da integridade física e segurança de todos os envolvidos na ação, assim como de transeuntes e outras pessoas que possam eventualmente passar nas imediações dos locais onde estão sendo promovidas essas conduções.

5.3 A atuação da mídia acerca do uso de algemas

Pelo já exposto, se verifica que as algemas, tidas como sinônimo de repressivos e de humilhação, são objeto de polêmica acerca de sua utilização indiscriminada, sempre que utilizadas pela polícia e o judiciário quando da prisão de importantes personalidades do cenário político e social brasileiro. Contudo, em circunstâncias que geralmente envolvem o “cidadão anônimo”, são tidas como fundamentais na segurança tanto do conduzido quanto do condutor. Esta dicotomia e total desequilíbrio quanto ao tratamento e utilização de algemas, em muitas vezes, rechaça os princípios constitucionalmente consagrados, desfavorecendo a igualdade entre cidadãos tão preconizada na Carta Política de 1988.

O clamor da utilização de algemas utilizado em relação a um acusado de um furto de uma carteira, por exemplo, não é o mesmo percebido quando integrantes das mais altas classes sociais, acusados de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, são igualmente presos. Qual das condutas ilícitas dispõe de maior potencial ofensivo para sociedade? Certamente daquele que prejudica o erário, uma vez que prejudica a coletividade, ao contrário daquele que infere o patrimônio particular de outrem.

Contudo, é justamente quando estes mais abastados são constritos é que as manifestações mais acaloradas da imprensa é que se questiona a utilização de algemas.

Na mesma perspectiva, se sabe que o Estado, dentre suas funções, trouxe para si o monopólio do jus puniendi, sendo ele o único detentor do dever/poder de apurar e punir condutas consideradas ilícitas ao cabo da instrução de estilo. Deve este então também preconizar não somente a devida aplicação da lei e da ordem, mas, em iguais termos, pugnar pelo tratamento equânime entre os cidadãos, sem qualquer distinção de raça, credo ou condição social.

Todavia, o argumento sustentado para repudiar a utilização do uso de algemas nos casos que envolvem personalidades sociais encontra fôlego no “suposto” baixo risco de periculosidade e possibilidade de resistência à prisão ou tentativa de fuga, ao contrário do que ocorre com ladrões, traficantes, seqüestradores, homicidas, etc.

Neste condão, tem-se como preponderante a atuação da imprensa e da mídia que dão repercussão aos casos, fazendo parecer que o potencial ofensivo oferecido a sociedade, em termos de risco potencial aparente, especialmente no que tange a violência física, deve ser parâmetro para a utilização de algemas.

Porém, crítica encontra cerne nestas circunstâncias, visto que diante os preceitos constitucionais e legislativos que regem o ordenamento pátrio, todos são iguais perante a lei, merecendo os mesmos tratamentos e prerrogativas. Dessa forma, não se pode admitir como critério a natureza do crime para se definir se há perigo de fuga ou à integridade física de outrem. Em outras palavras, não se pode garantir ou afirmar que um ladrão venha buscar se evadir do ato de prisão, assim não há como saber se um criminoso do colarinho branco incontestavelmente se conformará com sua constrição, sem tentar adotar alguma medida violenta. Presumir como crível tais circunstâncias é admitir a incidência de discriminação, ato abominado por nossa Carta Magna, reforçando o preconceito de classes.

Mas a realidade cotidiana denota que as noticias veiculadas, muitas vezes de forma sensacionalistas, revertem à presunção de inocência para transformar o simples suspeito ou mero indiciado em criminoso, seja ele de que classe for.

Muitas vezes, a imprensa, sobretudo, a mídia televisiva, por desconhecimento dos procedimentos ou intenção sensacionalista, se utiliza das fontes iniciais ou atos inaugurais dos procedimentos de prisão tomados pela Polícia, Ministério Público e Judiciário, não se dedicando a cognição as peculiaridades do caso concreto. Notadamente, muitas vezes, se verifica a construção de presunção de culpa, quando na realidade deveria pugnada, a presunção de inocência.

Dada a forte influência que os veículos de comunicação geram socialmente, insta a criação de um juízo paralelo, afastado, muitas vezes da realidade legal. Isto viabiliza, muitas vezes, a capacidade da sociedade pressionar indevidamente os órgãos jurisdicionais. Exemplo disso se dá quando rotineiramente vimos Delegados de Polícia extrapolando nos comentários dados em entrevistas, comprometendo a respeitabilidade e confiabilidade no trabalho da polícia.

Com efeito, o uso de algemas, indiscriminado ou arbitrário é inadmissível. Contudo, ainda mais inadmissível que sua utilização seja muitas vezes sopesada dada a influencia da mídia, como se observa em alguns casos.

5.4 ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS

            No que se refere ao Direito comparado, tomemos por parâmetro quanto ao uso de algemas o exemplo dos Estados Unidos da América, paradigma no cenário mundial quanto aos aspectos mais modernos de segurança.

Diferentemente do Brasil, naquele país, a regra adotada é a seguinte: qualquer pessoa que for presa é algemada, independente do perigo que o indivíduo represente para a sociedade, neste caso, todos são tratados do mesmo jeito. Tem se a idéia de que algemado a pessoa não ocorrerá problemas com a autoridade policial em se tratando de segurança e principalmente da integridade física do preso, pois imobilizado este não terá meios de se auto-lesionar e de lesionar terceiros.

O uso de algemas naquele país é praticamente obrigatório em todas as operações policiais. A diferença com a realidade brasileira é que aqui elas são usadas para uns e outros não, sem se contar que em casos de repercussão nacional o ocorrido é, geralmente, veiculado pelos meios de comunicação, em desrespeito à imagem das pessoas que estão sob custódia policial no momento da prisão. 

Outro fator que chama atenção em relação aos americanos, é a conduta da autoridade policial. Lá, por exemplo, numa simples perseguição policial, principalmente em via pública (nas autopistas), quando do acompanhamento ao infrator em fuga, ao conseguir êxito quando da localização e de sua mobilização, os possíveis danos gerados com a aquela ação policial não puni-se os policiais envolvidos, segundo leis federais daquele país, (aqui vislumbra-se o momento também de quando se algema o preso). Entende-se assim que o beneficio gerado com a captura do meliante numa perseguição policial é bem maior do que os seus prejuízos gerados, pelo fato de que os danos materiais e pessoais serem esperados, previsíveis e aceitáveis, mesmo quando ocorre morte, sendo passível de discussões e criticas por certos setores da sociedade americana.

Em determinados países a interpretação dos direitos constitucionais dos indivíduos é bem mais restritiva. Especificamente no Estado americano da Califórnia a Corte Suprema, revertendo uma decisão do 9° Circuito de Apelações, decidiu que: 

A polícia tem o direito constitucional de algemar os suspeitos durante uma busca (…) O uso da força pela polícia, representado pelo uso de algemas para efetuar a prisão de Mena na garagem, bem como a detenção de três outros ocupantes, foi razoável porque os interesses da sociedade pesam mais do que essa intrusão marginal[67]

O uso de algemas é comumente aceito por Cortes Supremas em muitos outros países. Em particular, a Corte Suprema da Flórida, outro Estado americano, declarou em julgamento que:

Se um policial acredita razoavelmente que essa detenção só pode ser conduzida dessa maneira (com algemas) não cabe à Corte substituir pelo seu o julgamento do policial.[68] Dessa maneira respondemos a primeira questão com uma qualificada afirmativa, isso é, que um policial pode algemar uma pessoa que esteja detendo temporariamente se as circustâncias justificarem razoavelmente essa constrição.[69]

Nos Estados Unidos, sobre o uso de algemas por policiais, a U.S Supreme Court, ao julgar o caso Muehler v. Mena (2005) considerou constitucional o uso de algemas numa simples busca e apreensão domiciliar determinada pela justiça, sem especificação dos nomes dos eventuais ocupantes de uma casa, que foi indicada com precisão apenas pelo endereço.

Iris Mena foi algemada numa garagem por aproximadamente três horas, durante o curso da diligencia, enquanto policiais, autorizados por ordem judicial, faziam a busca de armas letais e procuravam por evidências de formação de quadrilha na residência ocupada por ela e mais quatro elementos, todos não identificados previamente.

Os julgamentos nos Estados Unidos são sempre feitos pelo plenário, de modo a tornar única e indiscutível, sem divergências de turmas, a decisão do tribunal e anunciadas como “Acórdãos da Corte”, ou seja, a posição final da Corte, e não como voto de determinado ministro, fato que valoriza muito, politicamente, o Poder Judiciário. Sendo assim, enfatizou o Chief Justice Rehnquist que:

A jurisprudência firmada sob a quarta emenda (a que autoriza a busca domiciliar ou pessoal, semelhante à prevista nos arts. 242 a 250 do Código de Processo Penal brasileiro, também condicionada à existência de fundadas razões que a autorizem), há muito reconhece que o direito de se fazer uma prisão ou uma parada investigatória carrega consigo o direito do uso de algum grau de coerção física ou a ameaça de efetivá-la.”(...) e que “não obstante o risco de perigo, inerente à execução de um mandado de busca por arma, ter sido suficiente para justificar o uso de algemas, a necessidade de deter múltiplos ocupantes tornaram o uso de algemas muito mais razoável.[70]

Por fim, esclareceu que “os interesses governamentais não só de deter pessoas, mas o de usar algemas, alcançam o seu zênite quando, como aqui, um mandado judicial autoriza a busca de armas e quando um procurado membro da quadrilha reside no local. Nessa situação inerentemente perigosa, o uso de algemas minimiza o risco de danos tanto para os agentes como para os ocupantes.”[71]

6 CONCLUSÃO

Diante de tudo que fora exposto, a luz dos preceitos constitucionais e legais, sobretudo observadas as premissas da dignidade da pessoa humana, tem-se que o uso de algemas deve para sua aplicabilidade, observar as peculiaridades do caso concreto, rechaçando, veementemente, as condições pessoais do constrito ou conduzido, sobretudo, os aspectos de condição social.

            Em ótica particular, a realização deste trabalho contribuiu de forma significativa a minha experiência profissional enquanto Oficial da Polícia Militar do Estado da Bahia, uma vez que de forma efetiva despertou meu posicionamento quanto à necessidade de que seja a matéria melhor debatida e uniformizada junto aos órgãos de segurança pública. Isto porque em muitas vezes, o exercício regular do direito praticado pelos agentes, se não bem sopesados a luz da legislação vigente, poderá ensejar importante responsabilidade do Estado por práticas abusivas perpetradas em nome deste. Por isso, necessário sejam melhor informados e preparados os integrantes das forças policiais, a bem do melhor desenvolvimento de suas atividades profissionais, as quais devem primar, precipuamente, o compromisso para com interesse coletivo, mas, em iguais termos, terem garantidas suas incolumidades quando de suas atividades profissionais. 

            Contudo, para se chegar a este estágio, necessário legislativamente seja consolidada a tão esperada lei que pacifique o uso de algemas, a bem que se perfectibilize a segurança jurídica necessária quanto a seu uso, sem que isso suscite questionamentos quanto à desconsideração da dignidade da pessoa humana, medida de excesso ou vexame. É bem verdade que a legislação vigente dispõe indicativos norteadores quanto à utilização do artefato, vista, por exemplo, no Código Penal Militar, mas, ainda pouco elucidadoras e pouco efetivas.

            A dicotomia entre princípios, tais como dignidade da pessoa humana e exercício regular do direito, por exemplo, ainda conflitam quando a pauta é o uso de algemas. Assim, muito ainda se depende da vontade política de nossos legisladores o interesse quanto à matéria especificamente, que diante a omissão, questões quanto a sua melhor aplicação ainda batem as portas do judiciário, sem que haja melhor pacificação.

            De outra banda, embora reconhecido o esforço do Supremo Tribunal Federal quanto a seu posicionamento firmado na Súmula Vinculante nº 11, esta ainda não trouxe a termo a discussão acerca do uso de algemas. Ainda, permanece a lacuna, deixando ao arbítrio interpretativo do caso concreto a avaliação da legalidade de seu uso. Todavia, um Estado que pugna pela igualdade como finalidade de sua própria existência, não pode permitir que iguais sejam tratados de forma desigual.

            Estamos longe do momento da abolição total e completa do uso de algemas para a efetivação de prisão e conduções. Por tanto, a aplicação de tal artefato ainda insta nossa realidade imediata, tratando-se de item, muitas vezes indispensável à melhor aplicação do legalmente constituído. Na medida em que em nosso país, a despeito de outras realidades mundiais, não se dispõe de outros meios ou equipamentos de constrição física, as algemas são ainda necessárias.

Há sim, dignidade no uso de algemas, quando se constata a necessidade de garantia da integridade física dos agentes, transeuntes e do próprio preso; quando é utilizada como apetrecho eficiente de contenção e recurso preventivo e não repressivo para garantir bens jurídicos tão valiosos como a própria vida dos envolvidos no ato prisional. O que não se admite é a exploração popularesca da mídia em relação à imagem das pessoas

Particularmente, mediante a realização deste estudo se verificou a necessidade de se observar que as algemas não devem ser tidas como instrumentos de humilhação ou depreciação da imagem do indivíduo. Na verdade, trata-se de medida necessária. Portanto, urge uma medida legal definitiva, que determine o uso racional desse importante equipamento de preservação da integridade física de vários envolvidos na ação policial, e também de suas vidas, para que não ocorram abusos, em condutas delituosas desenvolvidas por agentes públicos, e também que não permitam reações fatais dos conduzidos, onde acreditamos ser imprescindível a sua utilização.

Por derradeiro, o bem maior que deve ser incondicionalmente defendido é a vida, do conduzido/preso e iguais termos dos agentes de segurança, dos profissionais do judiciário e da população em geral. Necessário, portanto, seja perfectibilizado um justo equilíbrio quanto ao interesse e segurança destes dois seguimentos, apartados dada as circunstâncias, mas que se encontram sob a égide dos preceitos regentes do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Por tanto, a bem desses interesses, por ora divergentes, que deve se pautar à atenção da atividade estatal, visando precipuamente o alcance de um estágio de bem-estar social. Contudo, para atingir esse desiderato, dentre outras pautas relevantes, o uso de algemas é matéria que também urge e anseia por atenção.

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Sobre o autor
Fabrício Carlos Pichite dos Santos Simões

Capitão da Polícia Militar do Estado da Bahia, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Pós-graduando em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estacio de Sá (UNESA). Instrutor de Direito Penal Militar da Academia de Polícia Militar da Bahia. Atualmente integra a Polícia Judiciária Militar junto a Corregedoria Geral da Polícia Militar da Bahia, na função de Oficial Encarregado e ministra palestras e instruções para policiais militares que atuam em Corregedorias Setoriais na Corporação.

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