INTRODUÇÃO
A dignidade da pessoa humana traduz postulado fundamental construído por um movimento histórico que teve como principal característica a consagração de valores máximos de respeito à individualidade e subjetividade do ser humano, possuindo, via de consequência, força vinculante e unificadora de todos os direitos fundamentais.
A Constituição de 1988 erigiu o princípio a fundamento do Estado Democrático de Direito, o que significa dizer que, por imperativo constitucional, todo e qualquer instituto de Direito deve ser interpretado e aplicado à luz de sua força imperativa, porquanto tradutor de atributos intrínsecos e supremos do ser humano.
Agindo como verdadeiro macroprincípio, que anuncia a soberania de valores fundamentais diante de quaisquer outros institutos de Direito, a dignidade traz, sob seu pálio, os parâmetros orientadores de validade de todos os demais princípios, como a legalidade, a isonomia e a liberdade, não se sujeitando, nesta condição, a qualquer investida que vise, ainda que indiretamente, a abreviar sua abrangência ou a minguar sua força cogente.
No campo intrínseco dos valores e dos direitos da personalidade, o ser humano é livre para decidir sobre seus propósitos individuais de felicidade e de autodeterminação. Sua individualidade é construída e assimilada de acordo com convicções íntimas e a liberdade de escolha, elemento condutor da definição de sua personalidade, constitui, dentre diversas outras, prerrogativa que gravita em torno da noção de dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a orientação sexual, como uma das manifestações mais íntimas e invioláveis de preferência e liberdade autodeterminantes, constitui um dos pilares da noção pura de liberdade, sendo, por tal razão, uma das formas pelas quais a dignidade da pessoa humana se exterioriza e se faz presente.
Nesse diapasão, a dignidade só pode ser concebida como fundamento do Estado se, independentemente de qualquer outra fonte normativa, possui normatividade suficiente para, de per se, repudiar toda e qualquer forma de discriminação em virtude da orientação sexual de cada indivíduo.
Portanto, ao passo que a Constituição Federal empresta à dignidade valor jurídico-axiológico verdadeiramente supremo dentro do contexto normativo pátrio, não seria exagero admitir-se que toda forma discriminatória da sexualidade traduz comportamento direta e inevitavelmente inconstitucional.
É sob esse panorama que o presente trabalho se propõe a investigar se seria legítimo e jurídico, do ponto de vista da ciência constitucional, impedir-se o casamento de pessoas do mesmo sexo.
SOBRE O CASAMENTO: ORIGEM E EVOLUÇÃO DO CONCEITO
É de conhecimento notório que o casamento, como instituição, assenta suas origens na religião. É certo dizer, por outro lado, que seu conceito e seus contornos sempre foram esculpidos de acordo com o contexto social de cada época, exprimindo-se, invariavelmente, como o resultado de transformações culturais que aquele grupo, maior ou menor em número ou em representatividade, elegeu como relevantes como exteriorização da vontade coletiva.
Justamente por tal razão o conceito de casamento não é único, não é hermético nem imutável.
Em contrapartida, elemento comum de cada um deles é o fato de invariavelmente encontrarem-se impregnados de valores de ordem filosófica e religiosa. A sacralização do casamento, por identificar-se com a própria concepção de direito divino, fazia-se presente na impossibilidade de se fazer cessar por vontade dos cônjuges, podendo-se dissolver tão-somente com a morte.
E essa concepção monolítica de um instituto socialmente tão relevante e que projeta efeitos de ordem tão sensível na ordem particular de cada indivíduo também se estendia à concepção de família, a qual deveria, por verdadeiro imperativo estatal, assumir contornos ideais e “moralmente adequados”, não se admitindo, desta feita, desenhos estruturais que não se espelhassem no patriarcado e na dicotomia entre macho e fêmea no seio do lar.
É de se destacar, ainda, a relevância conferida à consumação sexual entre o casal, o que veio a ser incorporado por diversos códigos em inúmeros países como condição de validade do matrimônio, o qual tinha por fundamento o propósito da reprodução e da preservação da sociedade.
A evolução da sociedade, contudo, fez com que concepções arcaicas e idealizadas a respeito do casamento e da própria família viessem a sofrer o assoreamento que naturalmente ocorre com institutos sedimentados em paradigmas sem solidez ou que refletem em substanciosa parcela pré-concepções e verdades minimamente questionáveis. A religiosidade começou a dar espaço às novas realidade sociais e a contratualidade passou a ganhar espaço no corpo normativo como manifestação de um anseio social à proteção do patrimônio e de outros direitos civis.
No entanto, a desconstrução de um conceito milenarmente difundido também haveria de demandar considerável lapso temporal. Inúmeros ainda são, em Doutrina, os conceitos que se fundamentam no propósito de constituir prole, o que obviamente haveria de afastar a incorporação da unicidade de gêneros como uma das possibilidades jurídicas do matrimônio.
Ocorre que, desde tempos bastante remotos, a intenção ou a possibilidade de procriação nunca assumiram a relevância que naturalmente se esperaria de um elemento que – até então, de forma incontornável – integrava o fundamento teleológico do instituto do matrimônio.
A realidade atual em certa parte reflete o que já ocorria em diversos ordenamentos jurídicos. No Estado moderno a procriação – salvo raras exceções – não era requisito de validade ou de manutenção do matrimônio, uma vez que além dos casais que optavam por não ter descendentes, sempre existiram os que simplesmente não o podiam, seja por questões fisiológicas, seja em decorrência da elevada faixa etária.
Regina Beatriz Tavares da Silva (2011, p. 48) percucientemente define o matrimônio como “a comunhão de vidas entre dois seres humanos, que tem em vista a realização de cada qual, baseada no afeto, com direitos e deveres recíprocos, pessoais e materiais”.
Essa definição de casamento, mais aberta e menos “fundamentalista” do que as que facilmente encontramos em obras doutrinárias nacionais, traduz com maior precisão e fidedignidade o contexto social pelo qual atualmente passamos.
Além de não se fazer referência à procriação como finalidade última do casamento, enaltece a reciprocidade de direitos e obrigações, a importância da sentimentalidade como fundamento do ato e, por fim, extirpa a expressão “entre homem e mulher”, que se fazia invariavelmente presente em conceitos até hoje consagrados.
No entanto, como já sinalizado em linhas anteriores, a superação do conceito hermético e arcaico do laço matrimonial não é suficiente para que se prepare o arcabouço ontológico necessário à evolução jurídica do instituto a ponto de admitir-se o casamento entre dois homens ou entre duas mulheres. É preciso enfrentar, ainda o conceito de família, e, por que não dizer, reconstruí-lo.
A CONCEPÇÃO CONSTITUCIONALIZADA DA FAMÍLIA
Como já visto em linhas anteriores, o objetivo principal do casamento sempre foi a constituição de família. Na verdade, o propósito de constituição da unidade familiar ainda hoje acompanha a compreensão dos institutos do casamento e da união estável.
A dificuldade que se apresenta, no entanto, diz respeito à concepção da entidade familiar em si mesma considerada. A noção tradicional de família apenas admitia o modelo construído sobre os pilares do patriarcado e da hierarquia. Prova disso era a regra trazida no art. 229 do Código Civil de 1916, segundo o qual:
“Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (arts. 352 a 354)”.
Da mesma maneira, o casamento era instituição indissolúvel. A única opção para que se finalizasse a convivência era o desquite, que não desfazia o vínculo matrimonial e, portanto, não autorizava a contração de novas núpcias.
Da mesma forma, relações afetivas exteriores ao casamento eram consideradas desmerecedoras de tutela do Estado, recebendo a alcunha de concubinato, dando origem a famílias tidas por legítimas e das quais só poderiam advir filhos espúrios, bastardos e adulterinos.
A evolução da sociedade felizmente ocasionou a superação de paradigmas nefastos, ao ponto de fazer com que atualmente a adjetivação de certas situações jurídicas reflita percepções dignas de reprovação e até repulsa.
Diferentemente do que ocorrera com as Constituições que lhe antecederam, a Constituição de 1988
Carlos Roberto Gonçalves (2010) alertou para o fato de que a solução dos conflitos pessoais e patrimoniais verificados entre o casal que se encontrava “em concubinato” geralmente se resolviam fora do âmbito do direito de família. Observe-se:
“A mulher abandonada fazia jus a uma indenização por serviços prestados, baseada no princípio que veda o enriquecimento sem causa. Muitas décadas foram necessárias para que se vencessem os focos de resistência e prevalecesse uma visão mais socializadora e humana do direito, até se alcançar o reconhecimento da própria sociedade concubinária como fato apto a gerar direitos, ainda que fora do âmbito familiar [...]” (GONÇALVES, 2010, p. 29).
Os filhos, por seu turno, eram tidos por bastardos e o reconhecimento de sua ascendência era expressamente rechaçado pelo ordenamento. Eis o que prepugnava o art. 358 do Código Civil de 1916:
Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.
A Constituição Federal de 1988, de seu turno, encerrou a celeuma quanto à injustificável segmentação dos descendentes entre legítimos e ilegítimos, puros e expúreos, estabelecendo de forma clara, objetiva e insofismável a equivalência de direitos entre os descendentes, independentemente de originarem-se de uma relação matrimonial ou não. É o que diz o art. 227, §6o, da Constituição:
§ 6o - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
O que se percebe, até esse ponto, é que a dinâmica das relações interpessoais, aliada à quebra de concepções arraigadas em fundamentos essencialmente fundados na moral religiosa, acabou por fazer surgir um movimento de mutação conceitual tanto no que se refere ao casamento quanto no que se refere á família.
Não há mais um significado singular e hermético da unidade familiar, assim como o casamento passou a assumir novas formas, novos contornos, a começar pela ruptura de um de seus principais pilares: a indissolubilidade.
A UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Quando tratou da família, o legislador Constituinte não trouxe quaisquer amarras circunstanciais, procedimentais ou legais para o reconhecimento dessa célula-mãe da sociedade. Nesse compasso, acabou por admitir mesmo a heterogeneidade do corpo social como a união harmonizada de núcleos com características diversas, sem destoar, contudo, da principal delas, a união de afeto com objetivos comuns de cuidado e responsabilidade mútuos.
A entidade familiar, como elemento relevante e integrante do Estado e da sociedade, não merece interpretação reducionista e limitativa. Desta feita, sob este aspecto, não há como negar que a Constituição não proíbe a formação de família por pessoas do mesmo sexo nem a descaracteriza como mera sociedade de fato.
Com fundamento nessa ideia, o Supremo Tribunal Federal acabou por reconhecer, em decisão histórica, a união estável entre casais homoafetivos, ao julgar conjuntamente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI no 4.277-DF e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF no 132-RJ, ajuizadas, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Esse julgamento ganhou repercussão nacional e representou, no campo do direito civil, um divisor de águas na concepção da parentalidade e da conjugalidade.
O Ministro Carlos Ayres Brito, relator, houve por bem sedimentar em seu voto que o artigo 1.723 do Código Civil deve guardar interpretação constitucional conforme, de sorte a excluir qualquer significado que obste o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
A título ilustrativo, transcreve-se a seguir a ementa do julgado:
EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF no 132-RJ pela ADI no 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3o da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto- estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5o). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3o do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2o do art. 5o da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
Marianna Chaves (2011) pondera que “talvez nunca se tenha visto a Suprema Corte brasileira com um posicionamento tão homogêneo e consensual, ao menos no que diz respeito ao resultado, ao considerar que a união homoafetiva é, sim, um modelo familiar e a necessidade de repressão a todo e qualquer tipo de discriminação”.