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Crise do processo civil no paradigma neoconstitucionalista

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Agenda 07/10/2014 às 08:08

CONCLUSÃO

O modelo de Estado e de Direito assumido com a Constituição Federal de 1988 não mais é Liberal ou Social (embora as características assumidas pelo Direito em tais moldes tenham sido agregadas ao novo paradigma, e não superadas), mas, sim Democrático de Direito.

Isso implica – ou deveria! – a necessidade de uma modificação de postura em face da sociedade, cujas demandas assumem lindes diversos daqueles dos tempos passados, exatamente em razão da complexidade instalada cada vez mais no cotidiano social.

Todavia, a postura do direito processual civil é ainda alheia a tais reclames, e alheia também aos compromissos inerentes a um Estado que é Democrático de Direito.

O plus comumente agregado a esse modelo de Estado (e de Direito), em comparação aos precedentes, não foi absorvido pelo processo civil, que segue firme em suas origens liberais-individualistas.

Preocupa-se ainda com os direitos individuais (simples), de natureza real ou patrimonial, com como os tratar judicialmente, sem se dar conta de que a teia social encontra-se de tal modo complexizada que os litígios não mais dizem respeito apenas a reintegrações de posse de Caio contra Tício, relativamente a uma gleba de terras.

Emergem da sociedade interesses e direitos transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), os quais, ansiosos e esperançosos por proteção e concretização, continuam à margem do Código de Processo Civil. E, embora ocupem a atenção de algumas leis esparsas no ordenamento jurídico, esse espaço – visivelmente – ainda não é suficiente.

Urge a necessidade de uma filtragem constitucional das normas do processo civil brasileiro, adequando-as e remodelando-as, assim, ao novo paradigma Democrático instituído em 1988.

Além disso, há que se curar a surdez do “legislador”, para que ouça os gritos das novas demandas sociais e efetive seu labor no sentido de criar condições de possibilidade para o desenvolvimento e proteção desses interesses e direitos transindividuais, característicos de uma terceira dimensão de direitos, desvencilhando-se das correntes dos ideais liberalistas e Iluministas dos séculos passados.

A omissão/deformação constatada no ordenamento processual civil, que relega à periferia interesses e direitos tão relevantes no complexo social estabelecido pela atual quadra histórica, não pode resistir aos moldes de um Estado Democrático de Direito, sob pena de se esvair até mesmo sua legitimidade, e de comprometer o que a duras penas foi alcançado até os dias presentes.


REFERÊNCIAS

BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos humanos e globalização. In Direitos humanos em evolução. Org.: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; BARRETO, Vicente de Paulo. Joaçaba: Editora Unoesc, 2007, pp 13-33.

BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In Boletim de Ciências Económicas. Almedina, 2003.

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MACEDO, Elaine Harzheim. Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

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PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A tutela coletiva no Brasil e a sistemática dos novos direitos.http://www.humbertodalla.pro.br/arquivos/a_tutela_coletiva_e_os_novos_direitos.pdf

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

______ A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Org.: Leonel Severo Rocha e Lenio Luiz Streck. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2005, p. 153-185.

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WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. 2. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.


Notas

[1] Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 126.

[2] Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1135.

[3] Utiliza-se o termo dimensão e não geração, à vista da idéia de complementaridade que se sucedeu em tal evolução. Ver em: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 54.

[4] Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 114.

[5] Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, trad. Ellen Gracie Northfleet, p. 09/11.

[6] A idéia de Direito Social: O Pluralismo Jurídico de Georges Gurvitch. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 33.

[7] Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 384.

[8] Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 145.

[9] Segundo Lenio Streck (Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 85): “O Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito. Registre-se que os direitos coletivos, transindividuais, por exemplo, surgem, no plano normativo, como conseqüência ou fazendo parte da própria crise do Estado Providência. Desse modo, se na Constituição se coloca o modo, é dizer, os instrumentos para buscar/resgatar os direitos de segunda e terceira gerações, via institutos como substituição processual, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção (individual e coletivo) e tantas outras formas, é porque no contrato social – do qual a Constituição é a explicitação – há uma confissão de que as promessas da realização da função social do Estado não foram (ainda) cumpridas.” (grifos no original)

[10] Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 86.

[11] Lenio Luiz Streck. A hermenêutica filosófica e as possibilidades de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Org.: Leonel Severo Rocha e Lenio Luiz Streck. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2005, p. 153-185.

[12] Art. 81, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor: “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

[13] Art. 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor: “interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

[14] Art. 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor: “interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

[15] Embora dentro da temática de acesso à justiça, de extrema valia a observação de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, trad. Ellen Gracie Northfleet, p. 13): “Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. Eles precisam, conseqüentemente, ampliar sua pesquisa para mais além dos tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas.”

[16] Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 83.

[17] Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 82.

[18] Em outra perspectiva, há que se dizer mais: objetificado, o Direito não responde satisfatoriamente a situações – essas, desde sempre existentes, em qualquer fase histórica – vinculadas a características inerentes ao ser humano. Nas palavras de Adalberto Narciso Hommerding (Fundamentos para uma compreensão hermenêutica do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 101): “O processo é técnico. O afeto, o desejo, o amor – também o ódio, a raiva, a saudade, a melancolia –, enfim, sentimentos que existem em qualquer relação familiar, não são e não podem ser objeto da técnica. Para esse tipo de situação, o processo parece nada resolver.”

[19] Fundamentos para uma compreensão hermenêutica do processo civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 101-2.

[20] Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 318.

[21] Consultar Humberto Dalla Bernardina de Pinho (A tutela coletiva no Brasil e a sistemática dos novos direitos. http://www.humbertodalla.pro.br/arquivos/a_tutela_coletiva_e_os_novos_direitos.pdf). Não é outro o apontamento realizado por Lenio Streck (Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 311): “Daí a ocorrência de uma espécie de fusão/imbricação entre o paradigma (neo)liberal-individualista e o paradigma da filosofia da consciência, que têm um terreno fértil para se concretizarem, mormente em uma sociedade como a brasileira, em que: a) o Código Civil é proveniente de uma sociedade pré-liberal e urbana; b) o Código Penal é produto de uma sociedade que há pouco ingressara no liberalismo, voltado a uma (nova) clientela fruto da mudança da economia ocorrida a partir da revolução liberal de 1930; c) o Código Comercial é do século passado; e, d) o Código de Processo Civil, na mesma linha dos demais Códigos, estabelece mecanismo que protegem explicitamente os direitos reais em detrimento dos direitos pessoais. A (dupla) crise se instala, pois, na emergência de novos conflitos e novos mecanismos de resolução de conflitos e no papel que o Direito assume no interior de um novo modelo de Estado.” (grifos no original)

[22] Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 302.

[23] Um dos locais de (re)produção do senso comum teórico encontra-se no dogmatismo, sobre cuja superação asseverava Ovídio Araújo Baptista da Silva (Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 306-7): “A compatibilidade entre democracia e individualismo é problema crucial que deve ser tratado quando se pretende um direito processual que supere o dogmatismo, porquanto (...) o dogmatismo é expressão de um regime autoritário. É, em última análise, a expressão jurisdicional do ‘pensamento único’ neoliberal. O acesso hermenêutico às realidades jurídicas contingentes fica, conseqüentemente, vedado ao pensamento dogmático.” (grifos do autor) Mais adiante, o processualista reitera: “Devemos buscar alternativas, sem no entanto perder de vista o problema fundamental enfrentado pela jurisdição estatal. Como dissemos, o pensamento dogmático é incapaz de fornecer esse diagnóstico. Assim como se mostrará sempre disposto a realizar reformas sem antes investigar as causas que a tornem indispensáveis, também não terá remorso em sepultar o moribundo, mesmo que ele ainda tenha cura.” (p. 319)

[24] A ciência jurídica e seus dois maridos. 2. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p. 27. A fim de aclarar o que o autor compreende por “lado masculino”, valho-me de suas palavras: “Vejo o masculino como o limite que nos aparece para viver de acordo com o potencial próprio; ter habilidades que permitam sentir-se contente; estar aberto a experiências novas; viver na temporalidade, o presente como novidade; enfrentar e superar os próprios medos e superar as insatisfações de nossa criança interior. O masculino não deixa de ser uma forma melodramática de ver a vida em branco e preto. Uma incapacidade de fertilizar o novo.” (p. 26-7)

Sobre o autor
Rochele Vanzin Bigolin

Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá<br>Procuradora Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGOLIN, Rochele Vanzin. Crise do processo civil no paradigma neoconstitucionalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4115, 7 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29764. Acesso em: 5 nov. 2024.

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