Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A transmissibilidade do direito à indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro

Exibindo página 1 de 2
Agenda 18/10/2014 às 15:38

Abordam-se as três correntes relativas à transmissibilidade do dano moral, analisando o entendimento de parte dos doutrinadores e Tribunais do Brasil.

No tocante à transmissibilidade do dano moral, a doutrina e a jurisprudência brasileira atualmente se dividem em três correntes: a) a intransmissibilidade, na qual o direito à indenização por dano moral não se transmite aos herdeiros; b) a transmissibilidade condicionada, em que somente irá transmitir o direito à reparação do dano extrapatrimonial caso a vítima tenha ingressado com a ação em vida; c) transmissibilidade, sendo o direito à indenização por dano moral transmissível aos herdeiros, mesmo que a vítima não tenha entrado com a ação devida quando ainda estava viva.

A questão da transmissibilidade da indenização por dano moral vem sendo muito discutida nos tribunais brasileiros. É difícil identificar uma corrente unânime sobre o assunto, havendo muita divergência entre tribunais. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de já ter entendido que o dano moral é intransmissível, atualmente firmou entendimento de que o dano extrapatrimonial é transmissível aos herdeiros da vítima, independente da propositura da ação por esta quando viva.


Intransmissibilidade

A corrente da intransmissibilidade entende que pelo fato do dano moral ser decorrente dos direitos da personalidade, aplica-se o previsto no artigo 11 do Código Civil de 2002: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Essa teoria é a menos adotada pelos doutrinadores e juízes brasileiros, tendo em vista seu posicionamento de que mesmo que a vítima do dano ingresse com ação indenizatória antes de seu falecimento, os herdeiros não poderão suceda-la, quanto menos se não o fizesse em vida.

O doutrinador Silva (1999, p. 648-649) afirmava que o dano moral, tendo em vista seu caráter subjetivo, nunca poderia ser transferido ativamente a terceiros, tanto pela cessão comum, quanto pelo "jus haereditatis". Os bens morais são inerentes à pessoa e desaparecem com esta, visto que são ligados ao seu foro íntimo. Não é cabível que a vítima possa transferir suas dores e angústias para terceiros, somente é possível que terceiros possam compartilhar da dor sofrida pela vítima e buscarem reparação de direito próprio e não do ofendido em si.

Explica Coelho (2010, p. 437) que os doutrinadores que entendem pela intransmissibilidade do dano moral, apegam-se à idéia de que o sentimento psíquico da dor não integra o patrimônio da vítima, e desaparece completamente com o falecimento desta, bem como que o direito à indenização por dano moral é personalíssimo, sendo intransmissível aos herdeiros do de cujus. Todavia, não é o seu caso, eis que entende pela transmissibilidade.

Segundo Ripert (1999, p. 342-343) a ação possui caráter pessoal, assim o prejuízo sendo puramente moral desaparece com a pessoa que o sofreu, caracterizando a intransmissibilidade desse direito. Acrescenta que tendo em vista o caráter punitivo da indenização por dano moral, esta seria intransmissível à medida que “em todo o caso qualquer reparação por prejuízo moral, desde que não foi liquidada, desaparece com a vítima; é uma prova de que a vítima tem menos em vista a reparação dum prejuízo, do que exercer um direito de punição”.

O Superior Tribunal de Justiça, apesar de não ser o entendimento majoritário, já entendeu que se aplica a intransmissibilidade do dano moral (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ):

Recurso Especial. Processual civil. Acórdão. Omissão. Invalidade. Inexistência. Divergência jurisprudencial. Comprovação. Dano moral. Ação de indenização. Herdeiro da vítima. Legitimidade ativa ad causam. Inexistência de invalidade do acórdão recorrido, o qual, de forma clara e precisa, pronunciou-se acerca dos fundamentos suficientes à prestação jurisdicional invocada. Não se conhece o Recurso Especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica dos julgados. Na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam.

A Relatora Ministra Nancy Andrighi (STJ, 2001, REsp n. 302.29/RJ), em seu voto, afirmou que “em se tratando de direito personalíssimo, tal como o direito à honra, o direito de exigir a reparação do dano e o dever de indenizar os prejuízos são intransmissíveis”. Salienta que somente a vítima, direta ou indireta, dos danos morais é que pode ingressar com a respectiva ação de indenização.

Depreende-se do voto da Relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ):

A presente ação não foi proposta iure proprio, tendo em vista que a indenização que se pretende não se refere aos danos morais indiretos sofridos pelas autoras, ora recorrentes, em razão da morte de seu genitor, mas diz respeito aos danos sofridos por este último em decorrência de prática de calúnia pelo ora recorrido, tendo sido a presente ação proposta iure hereditatis.Não se justifica que aquele que não sofreu qualquer dano, seja direto ou indireto, venha pleitear indenização, pois não se atingiu qualquer bem jurídico, patrimonial ou moral a ele pertencente. Reconhece-se, assim, que carecem as recorrentes de legitimidade ativa ad causam para pleitear a indenização dos danos morais sofridos por seu genitor.

Acrescenta a relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) que ao considerar que a reparação por danos morais possui caráter sancionador e compensatório, caso se admitisse que na respectiva ação os herdeiros da vítima possuem legitimidade ativa ad causam, estar-se-ia tão-somente analisando o caráter sancionatório da indenização, vez que obriga o ofensor ao ressarcimento dos danos morais a despeito do falecimento da vítima. Entretanto, não se alcançaria o caráter compensatório da reparação, eis que a prestação pecuniária deixaria de proporcionar à vítima uma satisfação material e sentimental de maneira a diminuir os danos morais sofridos.

A eminente relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) afirma que caso se adote a patrimonialização dos danos morais, em relação à transmissibilidade, importará na equiparação a reparação de dano moral ao patrimonial, de maneira a negar o caráter compensatório da indenização e, consequentemente, desconsiderar as diferenças essenciais entre as reparações em questão.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Conclui em seu voto a relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ)  alegando que caso se permita que  as pessoas que não sofreram qualquer dano moral, direto ou indireto, busquem a indenização pela simples natureza patrimonial desta, implicará na admissão que o dano moral pode se comercializar, o que no é inadmissível e reprovável.

Em voto-vista concedido ao Ministro Ari Pargendler (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ), este seguiu o entendimento adotado pela relatora, no sentido de que o de cujus nunca se manifestou sobre a dor sofrida em decorrência da violação de sua honra ou reputação, sequer aos seus parentes, assim não podem os sucessores agirem como vítimas do crime de calúnia, para reivindicar, como herdeiros, a reparação do dano moral em questão.

A respeito do tema:

APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - COBRANÇA DE VERBAS REMUNERATÓRIAS - PRESCRIÇÃO BIENAL DO ART. 7º, XXIX, DA CF/88 - INAPLICABILIDADE - ART. 39, § 3º, DA CF/88 - APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DO ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32 - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

DANOS MORAIS - LEGITIMAÇÃO - CARÊNCIA DE AÇÃO RECONHECIDA EX OFFICIO - INTRANSMISSIBILIDADE DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS - EXTINÇÃO DO PROCESSO QUANTO AO REFERIDO PEDIDO INDENIZATÓRIO.

O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em direito personalíssimo, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, marido da autora, a qual não possui legitimidade ativa para requerer indenização dessa natureza, pois o falecimento ocorreu antes de o ofendido ter ajuizado a competente ação para reconhecer-lhe tal direito. (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2)

Entendeu o eminente relator Desembargador Rui Fortes (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) que o pedido de indenização por danos morais constitui direito personalíssimo, não sendo possível sua transmissão, nos termos do artigo 11 do CC/2002. Como tal direito veio a se extinguir juntamente com a morte da vítima, eis que trata de violação à honra subjetiva da pessoa.

Para o relator (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2), tendo efeito diferente do dano patrimonial, o dano moral, dado o seu caráter subjetivo, não se transfere a terceiros, tanto pela cessão comum quanto pelo direito hereditário, visto que é direito personalíssimo daquele que o experimentou. É ligado diretamente ao foro íntimo da vítima, “porque os bens morais são inerentes à pessoa – incapazes, por isto, de substituir sozinhos – patrimônio individual, cujo campo de incidência é o mundo interior de cada um, de modo a desaparecer com o próprio indivíduo”.

Explana o relator Rui Fortes (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) que não existe direito hereditário relativo ao dano moral, sendo o direito à indenização apenas da própria vítima, isto é, personalíssimo. Em caso de morte deste, não é cabível o reconhecimento do interesse de agir para, em ação, ser postulado o direito de reparação de dano moral, como parcela autônoma, por seus herdeiros.

Finaliza (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) relatando que é incabível a substituição na dor e no sentimento, eventualmente sofrido pelo de cujus, e a posterior substituição na titularidade da pretensão por dano moral, quando havia, naquela época, apenas a pretensão ou a expectativa de direito.

Ainda sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se posicionou no sentido de que o dano moral é intransmissível (TJRS, 2009, AC n. 70032013427):

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUE COM ASSINATURA FALSIFICADA. FRAUDE QUALIFICADA. INDIFERENÇA. RISCO DO EMPREENDIMENTO. RESPONSABILIDADE DO BANCO INDEPENDENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA. DANOS MORAIS VERIFICADOS. Deve responder civilmente o banco que efetuou a compensação do cheque não emitido pelo correntista, porquanto sua responsabilidade por danos decorrentes de sua atividade é objetiva. Aplicação da teoria do risco do negócio. DANOS MORAIS. INTRANSMISSIBILIDADE DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS. ILEGITIMIDADE DO ESPÓLIO, NESSE CASO, DE PLEITEAR A REPARAÇÃO PELOS DANOS MORAIS. O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara. APELOS DESPROVIDOS. UNÂNIME. (grifo nosso)

A Relatora Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira (TJRS, 2009, AC n. 70032013427), em seu voto, afirmou que “o dano moral é personalíssimo e o espólio não pode substituir o titular nesse direito, sendo ilegítimo para postular dita reparação”. Assim, não é possível que se admita que os herdeiros do de cujus sucedam nos transtornos e aborrecimentos sofridos em relação à conduta lesiva do réu.

Acrescenta a relatora (TJRS, 2009, AC n. 70032013427) que, o pedido de reparação relativo ao dano moral trata-se de um direito personalíssimo da pessoa, sendo inexequível sua transmissão aos herdeiros, nos termos do artigo 11 do Código Civil de 2002. No caso em tela, o direito a indenização se extinguiu juntamente com a morte da vítima, visto que se trata de violação à honra subjetiva da pessoa.

Ainda nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Argüição recursal de insuficiência do patamar adotado em primeiro grau em favor do patrono dos requerentes. Majoração da verba, de forma a remunerar adequadamente o trabalho do profissional. Incidência do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJRS, 2007, AC n. 70019145242) (grifo nosso)

Entendeu o Desembargador Relator Ubirajara Mach de Oliveira (TJRS, 2007, AC n. 70019145242) que o pedido de indenização a título de danos morais trata-se de um direito personalíssimo, sendo infactível a transmissão aos seus herdeiros, com base no artigo 11 do CC/2002. Acrescenta que tal direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, tendo em vista que trata a respeito de uma violação à honra subjetiva da pessoa.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN, 2011, AC n. 2010.014988-4), ao analisar a questão da possibilidade de transmissão do dano moral aos herdeiros da vítima, vem decidindo que há intransmissibilidade:

DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS PROPOSTA PELO AUTOR QUE VEIO À ÓBITO NO DECORRER DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO CORRETAMENTE APLICADA. PERDA SUPERVENIENTE DE SEU OBJETO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. DIREITO PERSONALÍSSIMO E INTRANSFERÍVEL. ÓBITO DEVIDAMENTE COMPROVADO. INTRANSMISSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DO POSSÍVEL DANO MORAL AOS HERDEIROS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL.

O Relator Desembargador Aderson Silvino (TJRN, 2011, AC n. 2010.014988-4) alegou que o artigo 11 do CC/2002 prevê que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não sendo possível o seu exercício sofrer limitação voluntária, isto é, quando se trata de direito personalíssimo, a morte da vítima, em data anterior à prolatação da sentença, implica na impossibilidade do julgamento do mérito do feito.


Transmissibilidade condicionada

A corrente da transmissibilidade condicionada utiliza como embasamento jurídico o artigo 943 do Código Civil de 2002, que prevê: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”.

Segundo Rizzardo (2007, p. 275), o dano moral é foro íntimo da vítima, eis que inerente à pessoa. Assim, há a impossibilidade de transmissão hereditária dos direitos ao dano moral. Não se pode reconhecer aos herdeiros da vítima que demandem a reparação pelas tristezas, ofensas, angústias, dores, sensações de ausência e outros estados interiores deprimentes que sentiu, vivenciou ou experimentou, visto que são inerentes à sua personalidade e dependente da iniciativa do direito à sua individualidade.

Caso a vítima não pretendeu a recompensa pelo mal sofrido, nada existe para ser transmitido aos herdeiros. Entretanto, se o ofendido já exercitou o seu direito, ou promoveu a competente lide, opera-se a sucessão hereditária, visto concretizada a expectativa do direito (RIZZARDO, 2007, p. 275).

Não há o que se falar na incidência do artigo 943 do CC/2002 sobre a possibilidade de transmissão, considerando que o conceito da ofensa moral é subjetivo, cabendo unicamente ao ofendido propor a ação competente, somente sendo possível a transmissão do direito em caso deste ter manifestado o direito à reparação quando em vida (RIZZARDO, 2007, p. 275).

Entende Rizzardo (2007, p. 276) que o herdeiro não sucede o sofrimento da vítima, não sendo razoável se admitir que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo a dor do morto, demandasse como responsável, com o intuito de ser indenizado por dor alheia. Todavia, é indiscutível que o herdeiro sucede ao direito de ação que o de cujus, quando ainda estava vivo, tinha contra o ofensor.

Deve-se levar em conta que se a possibilidade jurídica de obter dinheiro pela dor já existia no patrimônio do de cujus, constituindo um elemento do mesmo, não é justo que fique de fora da sucessão. O ressarcimento trata do dano moral experimentado pelo morto e sofrido pelos parentes próximos. Não se confunde, pois, quando a ofensa atingiu os parentes, que sofreram com a morte do de cujus. Neste caso, os herdeiros promovem a exigibilidade da reparação por direito próprio, visto que neles incidiu o sentimento de perda e ausência (RIZZARDO, 2007, p. 277).

Andrade (out./nov.2004, p. 32) explica que na teoria em questão, adota-se o entendimento de que antes de exercida, a pretensão de reparação é de natureza personalíssima e, assim, intransmissível, mas que com o ajuizamento da demanda assume um caráter patrimonial. A falta de ajuizamento da ação indenizatória pode significar que a vítima não se sentiu ofendida; ou que não tivesse a intenção de pleitear reparação pelo dano sofrido; ou, ainda, que renunciou à pretensão ou perdoou o ofensor.

Assim, o ajuizamento da demanda indenizatória pela própria vítima demonstraria não apenas a existência do dano moral, como também a disposição desta em obter a reparação, que poderia, a partir de então, ser transmitida aos seus herdeiros (ANDRADE, out./nov.2004, p. 32).

Afirma Cavalieri Filho (2010, p. 94) que se a vítima do dano moral falece no curso da ação de reparação, é indiscutível que o herdeiro suceda o de cujus no processo, eis que se trata de ação de natureza patrimonial. Diante disto, exercido o direito de ação pela vítima, o conteúdo econômico da indenização por dano moral fica configurado, transmitindo-se aos herdeiros.

Bittar (1999, p. 157) explana que é perfeitamente aceitável a transmissão do direito à indenização, de modo a se operar a substituição processual com a habilitação incidente, em caso da vítima vir a falecer no curso do processo, “como, de resto, ocorre com os demais direitos suscetíveis de translação”.

A respeito da transmissibilidade condicionada do dano moral, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu (TJRS, 2010, 70035178987):

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE DAR C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXTINÇÃO EM RELAÇÃO AO PEDIDO INDENIZATÓRIO TENDO EM VISTA O FALECIMENTO DO AUTOR NO CURSO DO PROCESSO. TRANSMISSIBILIDADE DOS DANOS MORAIS PARA OS HERDEIROS DA VÍTIMA RECONHECIDA. NÃO É O DIREITO PERSONALÍSSIMO QUE SE TRANSFERE, MAS OS GANHOS PATRIMONIAIS DE SUA VIOLAÇÃO, MORMENTE NO CASO CONCRETO, EM QUE A DEMANDA FOI PROPOSTA PELA PRÓPRIA VÍTIMA E OS SEUS HERDEIROS ATUAM COMO SUCESSORES. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO STJ. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL COMO FONTE DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO ACOLHIDO. POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (grifo nosso)

Afirma o Desembargador Relator Angelo Maraninchi Giannakos (TJRS, 2010, 70035178987), que apesar do artigo 11 do CC/2002 regulamentar que os direitos da personalidade são intransmissíveis, essa “não atinge os reflexos patrimoniais advindos dos prejuízos morais experimentados, que são perfeitamente transmissíveis aos herdeiros”, tendo em vista que a própria vítima ingressou com a ação de indenização, vindo a falecer no curso do processo.

Acrescenta o relator (TJRS, 2010, 70035178987) que o artigo 943 do CC/2002 determina a transmissibilidade do direito à reparação, não fazendo qualquer distinção entre dano moral e patrimonial, sendo ambos espécies do gênero dano indenizável, o que afasta a alegação que de não são transmissíveis. Não havendo o que se falar, assim, em intransmissibilidade da indenização a título de danos morais aos herdeiros do de cujus.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também a se posicionou sobre o assunto (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000):

RESPONSABILIDADE CIVIL – Indenização por dano moral – Morte do autor após o ajuizamento da ação respectiva, ainda não julgada – Intransmissibilidade do direito à indenização aos herdeiros, segundo a sentença; que, em função disso, extinguiu o feito à égide do artigo 267, I, do CPC – Verba que se destinaria a reparar o sofrimento do de cujus e não dos parentes – Entendimento jurisprudencial em sentido contrário, todavia, inclusive na esfera do STJ – Apelo provido, para permitir o prosseguimento da demanda.

Segundo o relator (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000), “é razoável o entendimento segundo o qual, se a vítima não chegou a propor ação para reparar o dano moral sofrido, seus herdeiros não terão como fazê-lo”. Como no caso em questão a vítima ingressou com a referida ação quando ainda em vida, deve-se levar em consideração que caso a vítima já tivesse recebido a indenização, esta faria parte de seu patrimônio, por conseguinte, se transmitiria aos herdeiros.

Assim, em se tratando de direito personalíssimo, o princípio geral será sempre de que somente o titular pode exercer tal direito. Entretanto, desde que proponha efetivamente a ação de ressarcimento, a morte no curso do processo da vítima não impedirá que seu espólio, ou seus respectivos herdeiros, prossigam na demanda, como se pretendia no caso supracitado (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000).

Sobre a autora
Camila Matos

Assessora da Presidência do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. Mestranda em Direito de Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Especialista em Direito Processual Civil, com ênfase no Novo CPC, e Graduada em Direito pela CESUSC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Camila. A transmissibilidade do direito à indenização por dano moral no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4126, 18 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30024. Acesso em: 15 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!