RESUMO: O presente trabalho tem por escopo o estudo do reconhecimento de famílias simultâneas para fins de direito sucessório no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. Isso porque a lei é omissa quanto ao assunto, sendo tratado apenas pela doutrina (em poucos casos) e pela jurisprudência. Desta forma, nosso estudo versa sobre a sucessão das famílias simultâneas, sejam aquelas formadas entre um casamento e uma união estável, sejam as formadas por duas (ou mais) uniões estáveis, analisando o entendimento de julgados favoráveis e também julgados contrários acerca do assunto, observando sempre o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio basilar da Constituição Federal de nosso país.
Palavras-chave: casamento; união estável; simultaneidade familiar; direito sucessório; dignidade da pessoa humana.
INTRODUÇÃO
O reconhecimento de famílias simultâneas ainda é um tema muito polêmico em nossa sociedade. Apesar de ser algo muito comum de acontecer, quando o assunto é tratado nos tribunais vira um grande problema, onde o que se discute são princípios já banalizados pela sociedade e um pseudo moralismo que, de fato, já não existem mais. Acerca do assunto, muito se discute, porém poucos são os favoráveis a esse reconhecimento, conforme será demonstrado ao longo deste trabalho.
As relações sociais, incluindo as relações familiares, são complexas. Com o avançar da sociedade e a evolução do conceito de família, surgiram novas situações não previstas pela legislação, como por exemplo, as famílias simultâneas.
Mesmo que a situação não seja vista com bons olhos pela sociedade, o fato é que essa realidade existe e precisa ser protegida pelo sistema jurídico brasileiro. Sobre o assunto, Buche[1]:
As famílias simultâneas são resultado desse caminho aberto e pluralizado, trilhado com base no respeito à diversidade e que ainda carecem da devida proteção do Estado. Segundo Ruzyk, o fenômeno da simultaneidade familiar é resultado desse sistema jurídico poroso que hoje se encontra em vigor e desafia os operadores do direito a encontrar soluções para estas novas demandas.
A simultaneidade familiar acontece quando o cônjuge - no casamento - ou companheiro - na união estável - mantém, paralelamente à sua família constituída nos parâmetros legais, outra família.
A situação geralmente é vista pela sociedade como um triângulo amoroso ou simplesmente como adultério. As pessoas não percebem que não se trata de apenas um “caso” passageiro, sendo na realidade uma nova família, uma relação duradoura e pública, muitas vezes com filhos. A situação é mal vista pela sociedade devido ao preceito legal da monogamia que vigora em nosso país.
Sobre a questão, Maria Berenice Dias[2] traz entendimento interessante a respeito do tema:
Pelo jeito, infringir o dogma da monogamia assegura privilégios. A mantença de duplo relacionamento gera total irresponsabilidade. Uniões que persistem por toda uma existência, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsas da tutela jurídica. A essa “amante” somente se reconhecem direitos se ela alegar que não sabia da infidelidade do parceiro. Para ser amparada pelo direito precisa valer-se de uma inverdade, pois, se confessa desconfiar ou saber da traição, recebe um solene: bem feito! É condenada por cumplicidade, “punida” pelo adultério que não é dela, enquanto o responsável é “absolvido”. Quem mantém relacionamento concomitante com duas pessoas sai premiado. O infiel, aquele que foi desleal permanece com a titularidade patrimonal, além de ser desonerado da obrigação de sustento para com quem lhe dedicou a vida, mesmo sabendo da desonestidade do parceiro. Paradoxalmente, se o varão foi fiel e leal a uma única pessoa, é reconhecida união estável, e imposta tanto a divisão de bens como a obrigação alimentar. A conclusão é uma só: a justiça está favorecendo e incentivando a infidelidade e o adultério!
Ainda segundo a autora[3], “negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade”. Coloca ainda que a justiça acaba cometendo enormes injustiças. Realmente, não se pode condenar uma família, deixar de reconhecer os seus direitos, devido à forma como se constituiu. Atualmente, muito se fala em famílias monoparentais e em famílias homoafetivas, reconhecendo-se perante o universo jurídico. Não há razão para tanta resistência ao reconhecimento das famílias simultâneas.
1 Problematização jurídica da simultaneidade familiar
Diante a ausência de previsão legal acerca do tema, a simultaneidade familiar é definida apenas como situação de fato, possuindo apenas poucas discussões pela jurisprudência, mesmo com a relevância do assunto para a sociedade, conforme entendimento de Ferrarini[4]:
A simultaneidade, levando-se em conta a ausência de um a priori normativo que a defina, é caracterizada como situação de fato. Por não ser identificada no sistema jurídico positivado, está no assim denominado âmbito do “não direito”. Ocorre que isso não tem o condão de significar irrelevância para o Direito. A partir da abertura operada pelos princípios, que fazem a mediação entre a exterioridade do sistema (de onde emerge a simultaneidade familiar) e as regras a ele interiores, a simultaneidade familiar adquire relevância jurídica pela possibilidade de seu ingresso na porosidade do sistema jurídico aberto.
Ora, a simultaneidade familiar é uma situação relevante para o Direito, por tratar-se de relação entre pessoas, que necessita de regulamentação a ser esculpida pelos liames jurídicos, diante das consequências que podem ser trazidas aos particulares. Não há justificativa para ausência de regulamentação jurídica diante da situação apresentada, visto tratar-se de situação de fato. Questionável a omissão do Estado em regular tais direitos, que podem ser entendidos como fundamentais, por tratar-se de direitos da pessoa humana.
1.1Monogamia – breves considerações
A palavra monogamia é assim definida pelo dicionário Michaelis[5]: “sf 1 Estado conjugal em que um homem desposa com uma única mulher, ou uma mulher, um só marido. 2 União exclusiva de um macho com uma só fêmea.”
Observado o significado da palavra, observa-se que a monogamia é um preceito cultural, um padrão de conduta social, considerada uma “característica histórico-sociológica reconhecida como padrão médio da família ocidental”, conforme Ferrarini[6].
Apesar de ser defendida calorosamente pelo ordenamento jurídico brasileiro, a monogamia não está expressa na Constituição Federal ou mesmo em qualquer outra lei referente ao Direito de Família, assim como nos ensina Anderson Eugênio de Oliveira[7]:
Com efeito, a monogamia não representa um principio jurídico, mas mera regra moral chancelada pelo direito, tendo em vista não a encontramos nem na Constituição Federal nem em qualquer outro diploma infraconstitucional. Princípios são os da dignidade da pessoa humana, liberdade para escolher o arranjo familiar mais adequado aos anseios pessoais e o da pluralidade de entidades familiares, que são violados ao não se reconhecer como entidade familiar as relações revestidas das características a estas inerentes.
Mas se a monogamia não está prevista expressamente na lei, porque tão defendida pelo ordenamento jurídico? Entende-se que seja pela vedação da bigamia, o que acarreta na defesa do instituto da monogamia. Acerca do assunto, interessante posicionamento de Ferrarini[8]:
Assim, sob a égide de um juízo de reprovabilidade jurídica, está apenas a bigamia como simultaneidade de dois casamentos, ao seu turno, as demais formas de multiplicidade de conjugalidade situam-se apenas no âmbito de juízos morais. Alheias a qualificações de ilicitude, não cabe, nessas situações, a imposição da monogamia como “dever ser” estatal.
De acordo com a autora, a imposição da monogamia não é cabível pelo poder estatal, visto a proibição legal ser relativa à simultaneidade de dois casamentos, não se aplicando às demais formas de multiplicidade de conjugalidade, tratando-se apenas de um juízo moral e nada mais.
A questão é delicada diante da situação de fato em que está posicionada a sociedade atualmente, em tempos de relacionamentos abertos e traições conjugais. Afinal, a monogamia ainda existe? Sobre o assunto, a psicóloga Noely Montes Moraes, entrevistada por Yannik D´Elboux[9] entende que:
Pelo que a gente vê, na prática, a monogamia já foi superada. É muito difícil que se encontre hoje relacionamentos monogâmicos o tempo todo. Não digo que não tenham fases monogâmicas, mas por tudo que a gente observa, no consultório e entre amigos, é que na prática ela não existe.
Bem, se a sociedade vive uma nova fase, com relacionamentos mais abertos e com aspectos bígamos, a legislação brasileira ainda não a acompanhou, o que gera cada vez mais controvérsias e discussões acerca do assunto. A questão é que a lei dispõe expressamente apenas acerca da proibição da existência de dois casamentos simultâneos. Todos os entendimentos acerca de uniões estáveis simultâneas ou quaisquer outros tipos de relacionamentos simultâneos são apenas levantamentos feitos pela sociedade oriundos da proibição de dois ou mais casamentos concomitantes. Enquanto a lei continuar omissa sob esse ponto, as discussões vão continuar existindo e vão continuar lotando o Judiciário de processos discutindo a legalidade disso, a inconstitucionalidade daquilo, que é contrário ou não ao princípio da monogamia (se é que ele existe mesmo).
1.2Simultaneidade familiar na perspectiva de conjugalidade
Sobre a simultaneidade familiar, é importante observar que estas existem sob a perspectiva de filiação e de conjugalidade. De filiação, pode ser verificada quando os filhos de pais separados passam a conviver em uma nova família formada pelo genitor que adquiriu novas núpcias e o padrasto ou madrasta que passa a considerar como pai ou mãe. O filho acaba inserido muitas vezes em dois núcleos familiares, formados por cada um de seus pais, o que caracteriza uma simultaneidade familiar. Estas, geralmente, não sofrem preconceitos sociais, como nos mostra Ferrarini[10]:
A simultaneidade caracterizada na perspectiva da filiação não enfrenta os estigmas do preconceito. As famílias recompostas, na atualidade, são reconhecidas e aceitas pela sociedade. E não poderia ser diferente. Os filhos de pais separados, outrora excluídos pelos padrões impostos pela família institucional, com vínculos indissolúveis, hoje, diante da clara percepção de que o fim da conjugalidade entre os genitores não exclui a parentalidade, acabam por se inserir novos núcleos familiares formados pelos pais.
Realmente, assim como diz a autora, o preconceito referente a esta perspectiva de simultaneidade familiar é praticamente inexistente, pois já é considerado algo comum pela sociedade há certo tempo. Agora, quando analisamos a simultaneidade familiar numa perspectiva de conjugalidade, o tratamento dado pela sociedade é outro, surgindo um grande preconceito e polêmica sobre a legitimidade de seu reconhecimento. O primeiro ponto que geralmente é levantado ao se discutir o assunto é sobre o princípio da monogamia – já tratado anteriormente.
A sociedade e o Judiciário insistem na questão da monogamia. Da moralidade. A simultaneidade familiar é moralmente reprovada pela sociedade, sendo generalizadas e tratadas como se fossem todas relações meramente adulterinas, inseridas todas num único contexto. Existem grandes diferenças entre relações adulterinas eventuais e as famílias formadas simultaneamente numa perspectiva de continuidade, afetividade e até mesmo respeito. O problema é que estas são estigmatizadas pela sociedade, o que dificulta ainda mais a possibilidade de um reconhecimento como união formal.
2Distinção entre simultaneidade familiar e relações adulterinas eventuais – reconhecimento do status de entidade familiar
Importante salientar que para o reconhecimento como família, dentre os diferentes relacionamentos paralelos ao casamento, devem ser cumpridos requisitos mínimos para sua caracterização, diante de sua relevância para o Direito. Não deve qualquer envolvimento afetivo ser caracterizado como entidade familiar, sendo de fundamental importância diferenciar a entidade familiar das simples relações adulterinas eventuais.
Ferrarini[11] elenca alguns elementos necessários para que seja realizada tal distinção:
Cabe, desde logo, afastar as situações de simultaneidade de conjugalidades que se restrinjam a relacionamento sexual extraconjugal esporádico e clandestino. Essa forma de simultaneidade nada mais é que um adultério eventual, o que não se confunde com relações que, embora paralelas a um casamento formal, constituam coexistências familiares, não podendo, por isso, ser reputadas de antemão como mutuamente excludentes.
Para que seja realizada tal distinção, deve ser observada a expectativa de constituição de família, a intenção de construírem um futuro juntos, havendo uma estabilidade e a existência de boa-fé objetiva. “A boa-fé objetiva tem seu conceito ligado à noção de lealdade e ao respeito à expectativa alheia, impões, portanto, respeito à confiança recíproca entre às partes”, explica Ferrarini[12].
Dessa forma, fica claro que nem toda relação extraconjugal será considerada uma família e terá seu reconhecimento perante o ordenamento jurídico declarado. Somente poderá ser reconhecido como família aquele relacionamento que tenha característica familiar, coexistência, afetividade e que desta forma seja constituído.
A estabilidade e a durabilidade do relacionamento também são aspectos que devem ser levados em consideração para o reconhecimento da simultaneidade familiar. Não existe um prazo determinado para que, depois de percorrido tanto tempo, possa ser verificado o status familiar. Essa característica pode ser observada levando-se em consideração a ostentabilidade, o conhecimento, ao menos pelas pessoas mais próximas, da existência da entidade familiar.
2.1 Boa-fé, afetividade, coexistência e estabilidade
Conforme já citado anteriormente, devem ser observados alguns requisitos para diferenciar os relacionamentos simultâneos eventuais, meramente paralelos ao casamento, das famílias simultâneas, as quais merecem o status de entidade familiar.
O princípio da boa-fé é citado pela autora Ferrarini[13] como item preliminar ao reconhecimento de tais entidades familiares:
Questão preliminar no reconhecimento de critérios vetores a identificar certa relação simultânea como entidade familiar é a análise do princípio da boa-fé, que se aplica a duas situações distintas, embora não excludentes. A primeira, boa-fé subjetiva, denota a idéia de ignorância de determinada situação, sendo que, para sua aplicação, é considerada a intenção do sujeito da relação jurídica; a segunda, boa-fé objetiva, determina certos deveres de conduta fundados na retidão e na lealdade.
Da leitura do texto citado, já se entende porque a questão é tão polêmica: ao falar sobre a boa-fé objetiva, cita a idéia de ignorância, de desconhecimento de determinada situação – no caso, do outro relacionamento. Esse aspecto é um dos mais questionados, pois se analisarmos que a segunda companheira não sabe da existência da outra família é porque o companheiro bígamo (pode-se assim dizer) omitiu essa informação, faltando com o dever de lealdade com a companheira, que é determinante ao falarmos de boa-fé objetiva. E ainda, ao tratarmos da boa-fé objetiva, da lealdade e da retidão de um companheiro ao outro, entende-se que a segunda companheira, ao saber da existência da primeira família, é conhecedora da situação em que vive, o que descaracteriza a questão da boa-fé subjetiva, do desconhecimento. Realmente, a questão é bem delicada.
Continuando a analisar os demais elementos, a afetividade, no novo modelo de família que a Constituição Federal trouxe, é a própria razão de ser da família, de onde se constitui. E a afetividade é o principal elemento caracterizador da família paralela, assim como disposto por Ferrarini[14]:
Nessa dimensão, pressuposto essencial a caracterizar como entidade familiar determinada união conjugal paralela a um casamento formal é a afetividade, entendida como fundamento e finalidade da relação. Ressalta-se que a possibilidade de manifestação de afeto se dá através da convivência, que está no sentido de familiaridade, com ou sem coabitação, com ou sem relações íntimas, bastando a convivência.
A coexistência e a estabilidade são outros elementos que completam os requisitos que se presumem necessários para que se reconheça uma entidade familiar. São itens que diferenciam relacionamentos esporádicos de uma família. Não se pode reconhecer um relacionamento momentâneo como entidade familiar. Por isso, a afetividade, a boa-fé, a coexistência e a estabilidade, além de conhecimento, por pelo menos pessoas mais próximas ao casal, são critérios que diferenciam relacionamentos meramente adulterinos de uma entidade familiar.
3 O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicação ao Direito de Família
A Constituição Federal de 1988, conhecida também como “Constituição Cidadã” estabelece, logo em seu artigo 1º, os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, princípios estes que devem reger todas as normas constitucionais e infraconstitucionais em nosso ordenamento jurídico. Em seu inciso III está a dignidade da pessoa humana como um desses princípios.
Assim sendo, a partir desse princípio, nosso ordenamento jurídico foi se adaptando à nossa realidade, passando a evidenciar a afetividade como fundamento para a constituição de famílias, que atualmente não se formam somente pelo casamento. Hoje, a felicidade do indivíduo é um fator muito importante que é levado em consideração para a determinação de direitos pessoais do indivíduo. Os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[15] trazem que “o princípio constitucional da busca da felicidade decorre, implicitamente, do postulado da dignidade da pessoa humana”.
Ora, a previsão legal de outras formas de constituição de famílias, trazidos pela CF/88, são devidas ao princípio da dignidade da pessoa humana. Hoje, o ser humano é o centro de todo o ordenamento, valorizando-se, por isto, o seu bem estar, o afeto e sua realização pessoal.
Desta forma, as normas jurídicas devem ser voltadas para atender suas necessidades e viabilizar sua realização pessoal, garantindo, portanto, sua dignidade. O professor Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho[16], sobre o tema, esclarece que:
Portanto, um Estado que se quer democrático, onde a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de fundamento da república, não pode, sob pena de contrariar frontalmente o ordenamento constitucional, partir de uma perspectiva de exclusão de arranjos familiares, entenda-se, tecnicamente, entidades familiares não mencionadas expressamente pela CF.
Por este motivo já existem julgados favoráveis a este entendimento de pluralidade familiar, devido à dignidade da pessoa. Dignidade em se reconhecer os direitos e necessidades que a segunda família também tem.
Porém, também existem entendimentos contrários às entidades familiares simultâneas em razão do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, assim como o faz Regina Beatriz Tavares da Silva[17], ao estabelecer que o princípio da dignidade da pessoa humana não é individualizado, mas sim de uma sociedade em geral. Vejamos:
A dignidade não é um conceito próprio de cada um, mas, sim, um conceito social, daquilo que a sociedade considera digno ou não. É de evidência solar que a sociedade não considera digno quem participa de união paralela a um casamento ou a uma união estável. Portanto, a natureza monogâmica das relações de casamento e de união estável também tem apoio no art. 1º, III da Constituição Federal, pelo qual é fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.
Entendemos que o princípio da dignidade da pessoa humana, ao contrário do que foi apresentado pela autora, tem sua aplicação individualizada, principalmente quando se trata da busca pela felicidade, que é uma questão muito particular e depende sim de um conceito próprio de cada indivíduo. A dignidade da pessoa humana é princípio norteador de nosso ordenamento jurídico, devendo ser observando sempre que se tratar de relações jurídicas que envolvam o ser humano e suas relações pessoais.
Nestes termos, temos que o reconhecimento de uniões simultâneas como entidades familiares atende ao disposto na CF/88 no tocante às disposições acerca da família, que é constituída com base na afetividade, atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana. O desamparo legal dado a esses relacionamentos é contrário ao princípio constitucional, assim como entende Luciana Najan Silva da Cruz[18]:
Há, ainda, violação à Dignidade da Pessoa Humana por esse desamparo assumir verdadeiro caráter punitivo e de julgamento moral, em detrimento das escolhas individuais. Quando o legislador opta por tratar as relações simultâneas como se não existissem, relega tais relações à invisibilidade, deixa os companheiros juridicamente desprotegidos e enseja injustiças, dando margem, por exemplo, ao enriquecimento sem causa. Acaba por punir o indivíduo que, por razões que não cabe ao Direito ou ao legislador o julgamento, mantém relação estável, duradoura, pública e familiar com pessoa impedida legalmente de casar ou de constituir união estável.