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Análise de caso: a utilização do instituto comodato pelas empresas de telefonia celular

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Agenda 02/12/2014 às 13:37

Este trabalho tem o objetivo analisar a utilização do instituto do direito civil comodato pelas empresas operadoras de telefonia móvel, como forma de fidelização de usuário cliente.

RESUMO: Este trabalho tem o objetivo analisar a utilização do instituto do direito civil comodato pelas empresas operadoras de telefonia móvel, como forma de fidelização de usuário cliente. Será exposto o conceito de comodato, assim  como os seus requisitos essenciais, as obrigações do comodante e do comodatário, o prazo, as formas de extinção, o comodato modal e o entendimento jurisprudencial. A seguir, adentrar-se-á na seara do Direito tributário, onde se abordará o conceito de tributo, o dever de pagar tributos, a justiça tributária, o princípio da igualdade, a fraude fiscal, a diferenciação entre elisão fiscal e evasão fiscal. Mais adiante, será abordado o caso em concreto, analisar-se-á a real natureza jurídica dos contratos de comodato utilizados pelas empresas prestadoras de telefonia móvel, a isenção fiscal dos contratos de comodato, a possível ocorrência de fraude fiscal, a possibilidade da aplicação da Lei Complementar 104 de 2001, que possibilita ao fisco, através de seus agentes, desconhecer a fraude fiscal e lançar de ofício o tributo encoberto pela simulação. Ao final serão expostas as conseqüências de tal prática, para Estado, e principalmente para a sociedade. O presente trabalho está baseado em pesquisa bibliográfica em livros, revistas, sítios da internet e em consulta jurisprudencial.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato, Comodato, Tributo, Fraude Fiscal, Evasão Fiscal, Empresa Operadora Telefonia, Celular, Empregados. Desconsideração.

ABSTRACT

This work is intended to analyze the use of the institute of civil law, lending by the operators of enterprises mobile's telephony, as a form of customer loyalty of the user client. It's going to be exposed the conception of lending and their essential requirements, as well; the obligations of the lessor and lessonier, the deadline, the types of extinction, the modal lending, and jurisprudential understanding. Next, it will step into the vineyard of the Tax Law, where it will tackle the concept of a tribute, the duty of paying taxes, the tax justice, the principle of equality, the taxes' fraud, and finally the differentiation between elisions of taxes and taxes' evasion. Later on,  the specific case in question shall be discussed and it will analyze the truthful certainty of the legal nature of the contracts of lending used by the enterprises of mobile telephony,  the exemption of taxes from the lending' contracts, the possible occurrence of fiscal fraud, and the possibility of the implementation of the Supplementary Law 104 of 2001, which allows to the taxes' authorities - through their agents - the  unknowledge about the fraud of taxes, and  the releasement of the tribute, clouded by a simulation trough the craft. By the end it shall be exposed the consequences of such practice; for the State, and especially to the society. The present study is based on bibliographic research on books, magazines, web sites and jurisprudential consultation.

KEYWORDS: Contract Lending, Tribute, Tax Fraud, Tax Evasion, Operating Company Telephony, Mobile, Employee, Disregard.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O contrato de comodato. 1.1 O contrato. 1.1.1 Evolução histórica do contrato. 1.1.2 As várias formas de contrato. 1.2 O Contrato de Comodato. 1.2.1 Características essenciais. 1.2.2 Requisitos. 1.3 O Comodato Modal. 2. O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. 2.1 O Tributo. 2.2 Evasão Fiscal ou Elisão Fiscal. 2.3 A Elisão Fiscal. 3. A UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO COMODATO NOS CONTRATOS DAS EMPRESAS OPERADORAS DE TELEFONIA MÓVEL. 3.1 O caso em  concreto .3.2 A isenção fiscal. 3.3 A utilização do instituto Comodato nos contratos pelas empresas operadoras de telefonia móvel. 3.4 O planejamento tributário. 3.4.1 Da não restituibilidade. 3.6 Considerações finais. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Esta pesquisa acadêmica discorrerá sobre a utilização do instituto civil comodato pelas empresas operadoras de telefonia móvel, analisando-a sob o prisma do ordenamento jurídico pátrio, bem como considerando as consequências de tal prática para a sociedade brasileira.

A pesquisa levanta as relações entre os consumidores e as operadoras de telefonia móvel, e apura a real natureza jurídica dos contratos de comodato de aparelhos de celular oferecidos em contrapartida à assinatura de um contrato de fornecimento de serviços por prazo determinado. A insistência na utilização da nomenclatura “comodato” nestes contratos é o motivo da pesquisa, pois como será demonstrado a seguir, o contrato de comodato, que é uma das espécies de contrato previsto no Código Civil de 2002, não é adequado para tal finalidade.

O comodato é tipificado no Art. 579 do Código Civil “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis . Perfaz-se coma tradição do objeto.” A palavra Comodato tem origem no latim, “commodatum”, empréstimo e do verbo “commodare”: emprestar, assim chamado, pois a coisa era oferecida ao cômodo e utilidade daquele que a tinha.

Pode-se encontrar a figura do Comodato com facilidade no dia-a-dia da nossa sociedade. A aplicação correta do contrato de comodato é notada quando as pessoas entregam alguma coisa, a título de empréstimo, a alguém para que este a use temporariamente e depois a devolva. Por exemplo: o empréstimo, pela empresa, de um carro para um vendedor externo; o empréstimo, pela empresa, de um imóvel para um executivo; o empréstimo pela empresa de um celular para uma secretária; o empréstimo de uma casa do sogro para o genro; e o empréstimo de um carro para um amigo. Em todos os casos supramencionados, constatam-se as três características essenciais do comodato: a gratuidade ("gratuitum debet esse commodatum"), a infungibilidade do objeto e o aperfeiçoamento com a tradição.

O instituto comodato foi usado de forma massiva, pelas empresas operadoras de telefonia celular, na luta pelo mercado, como forma de fidelizar o cliente. O usuário, para ter o aparelho celular em comodato, deveria assinar um contrato oneroso de prestação de serviço, por um tempo determinado, com cláusulas que estabeleciam a cessação do comodato no caso de descumprimento. E mais, poucas pessoas de fato devolveram o aparelho, e não se tem notícia de empresa de telefonia móvel que tenha exigido a devolução, da coisa emprestada em comodato após o fim do contrato de comodato. Ora, se não existe a gratuidade e não ocorre a devolução da coisa, então não se trata de empréstimo.

Se o contrato em tela não é de comodato, por que a insistência do uso da nomenclatura comodato nos contratos? Ora, o ordenamento jurídico pátrio não proíbe os contratos atípicos ou inominados. A atual pesquisa nasceu da pergunta do porque de tal prática.


CAPÍTULO 1 – O CONTRATO DE COMODATO

1.1 O Contrato

A figura jurídica do Contrato é considerada a mais importante de todo o Direito civil, vez que é a espécie de negócio jurídico mais relevante e difundido.

Nos primórdios da civilização, tendo o homem abandonado a barbárie e a simples subsistência, o contrato passa a servir, enquanto instrumento por excelência de circulação de riquezas, como justa medida dos interesses contrapostos, pois, ao invés de utilizar a violência para perseguir os seus fins, o homem passou a recorrer às formas de contratação, objetivando imprimir estabilidade às relações que pactuava. Isto serviu, em último plano, como o instrumento por excelência do direito de propriedade, e consequentemente da atual sociedade neoliberal[1].

1.1.1 Breve evolução histórica e conceito do contrato

O direito romano distinguia contrato de convenção, sendo esta o gênero e aquela a espécie, mas a primeira grande codificação moderna ocorre somente com o Código de Napoleão, idealizado em 1789, que disciplinou o Contrato como mero instrumento para aquisição de propriedade. O acordo de vontades representava apenas uma garantia para os burgueses e para as classes proprietárias. O Código Civil alemão, no entanto, promulgado muito tempo depois, considera o contrato uma espécie de negócio jurídico, que por si só não transfere a propriedade, como sucede com o novo Código Civil brasileiro[2].    

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Para o doutrinador Pablo Stolze Gagliano[3], “[...] Contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades”. Por sua vez, o mestre Carlos Roberto Gonçalves[4] entende que “o Contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico”. Por fim, a professora Maria Helena Diniz[5] ensina que “o Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial”.

1.1.2 As várias formas de contrato

Hodiernamente, o contrato é disciplinado pelo Código Civil Brasileiro, em 20 capítulos, 23 espécies de contratos nominados (arts. 481 a 853), 5 declarações unilaterais de vontade (arts. 854 a 886 e 904 a 909), além dos títulos de crédito, tratados separadamente (arts. 887 a 926), e um título referente às obrigações por atos ilícitos (arts. 927 a 954), sendo as expressões convenção, contrato e pacto, aplicadas como sinônimas.

No presente trabalho será abordado apenas o Contrato de Comodato.

1.2 O Contrato de Comodato

O empréstimo é a entrega de um bem, dinheiro ou outra coisa, a uma pessoa, mediante pagamento ou gratuitamente, para que esta consuma ou faça uso durante certo tempo, restituindo o mesmo bem, em caso de coisa não fungível, ou bem equivalente, na hipótese de coisa fungível.

O Comodato é espécie do gênero contratual empréstimo na qual o comodante empresta alguma coisa para o comodatário, de forma gratuita, unilateral, de coisa infungível, destinada a ser posteriormente restituída, ou quando decorrer o prazo contratual ou quando cessar a utilidade para a qual estava destinada.

A figura do Comodato, uma das várias espécies de contrato nominadas do capítulo VI do Código Civil de 2002, está prevista no Art. 579, “O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto”. A palavra Comodato tem origem no latim, “commodum datum”, empréstimo e do verbo “commodare”: emprestar, assim chamado, pois a coisa era dada ao cômodo e utilidade daquele que a recebia. Sendo empréstimo de uso, distingue-se do mútuo por ser este empréstimo de consumo[6].

Para Pontes de Miranda[7]:

O contrato de comodatum (commodare, utendum dare) concluía-se com a entrega do bem ao comodatário, que se vinculava a restituir ao comodante o bem que recebera. Durante o tempo entre a conclusão e a restituição, o comodatário ficava com a coisa, como simples detentor. A propriedade e a posse só as tinha o comodante. Ao comodante nascia a adio commodati directa, com que exigia a restituição. Se eventualmente ao comodatário tocava algum direito, ou alguns direitos, em judicium contrariunt tinha a tutela jurídica.

O Código Civil classifica o contrato de empréstimo como o Comodato e o Mútuo. Ambos tendo por objeto a entrega de uma coisa, para ser usada e depois restituída. No qual o comodato é empréstimo para uso apenas e o mútuo para consumo.

Pontes de Miranda[8] ensina: “O comodato é empréstimo gratuito. Se se transfere o direito de propriedade, ou algum direito real limitado, e não só o direito pessoal ao uso, não há pensar-se em comodato”.

Pablo Stolze[9] conceitua: “Comodato é o negócio jurídico unilateral e gratuito, por meio do qual uma das partes (comodante) transfere à outra (comodatário) a posse de um determinado bem, móvel ou imóvel, com a obrigação de restituir”.

Conclui-se que o Comodato, precursora da compra e venda, é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, para uso durante certo prazo e posterior devolução da coisa emprestada, findo o prazo do empréstimo. O comodato se completa com a tradição do objeto. Aquele que empresta a coisa é denominado comodante, e aquele que a toma a coisa emprestada é denominado comodatário.

1.2.1 Características essenciais

Do conceito de contrato de comodato trazido pelo Código Civil pode ser retirado três características  essenciais: a gratuidade, a infungibilidade do objeto e o aperfeiçoamento com a Tradição

1- Gratuidade

A gratuidade do comodato “Gratuitum debet esse commodatum” é indispensável, pois se houvesse ônus ou pagamento seria classificado como contrato de locação da coisa. Isso porque a prestação do comodante não corresponde qualquer contraprestação do comodatário.

O comodato é contrato gratuito. Não há vantagem, do lado do comodante, que permita pensar-se em onerosidade. Se o contrato se fez oneroso, deixou de ser de comodato[10].

Comenta Carlos Roberto Gonçalves[11]:

A gratuidade decorre da própria natureza do comodato, pois confundir-se-ia com a locação, se fosse oneroso. Não o desnatura, porém, o fato de o comodatário de um apartamento responsabilizar-se pelo pagamento das despesas condominiais e dos impostos. Se, no entanto, o empréstimo é feito mediante alguma compensação, não existe comodato, contrato inominado.

2- Infungibilidade do objeto

A infugibilidade do objeto implica a devolução da mesma coisa recebida em empréstimo. Se o objeto for fungível ou consumível, existirá contrato de Mútuo. O Comodato pode ser móvel ou imóvel, no entanto não poderá ser substituível por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade. A mesma coisa cedida deve ser restituída.

Ressalta Carlos Roberto Gonçalves[12]:

O Comodato de bens fungíveis ou consumíveis só e admitido quando são emprestados para ser exibidos numa exposição ou quando destinado à ornamentação, como o de uma cesta de frutas, por exemplo, (comodatum ad pompam vel ostentationem). Os bens incorpóreos, suscetíveis de uso e posse, como o direito autoral, a patente de invenção, o nome, ou marca comercial, a linha telefônica, e outros, também podem ser dados em comodato.   

3- Aperfeiçoamento com a Tradição

Faz-se necessária a tradição da coisa, para tornar-lo um contrato real (iure condito), pois só é considerado celebrado e perfeito o contrato após a entrega do bem (traditio res).

O contrato de comodato só se completa com a tradição do objeto quando, com a entrega do bem, o comodante passa a ter a posse indireta e o comodatário, a posse direta. Tanto um como o outro podem pode invocar a proteção possessória contra terceiro, se acharem ameaçados.

Logo, o comodatário tem apenas a posse simples e precária, que é de natureza instável, sem animus domini, e sem a possibilidade de se consumir a pretensão aquisitiva oriunda da prescrição[13].

Outras características do Comodato

Além das características essenciais acima citadas, o Comodato tem outras características, quais sejam: contrato unilateral, temporário, não solene, típico ou puro, pré-estimado ou negociável, intuitu personae, de execução futura e de restituibilidade.

1.2.2 Requisitos

Requisitos subjetivos

Para que venha existir o comodato, as partes devem ser genericamente capazes, no entanto duas situações soam importantes de serem observadas:

Primeiro, os tutores, curadores e administradores de bens alheios, não podem utilizar o comodato, a não ser com autorização especial  do dono, no caso pessoa maior e capaz, e do juiz, ouvido o Ministério Público, se for um incapaz, nos termos do artigo 580 do Código Civil. Fundamenta-se na gratuidade do contrato, pois o comodato não é um ato de administração normal, uma vez que diminui o patrimônio de outrem sem compensação não ocasionando nenhuma vantagem ao administrado.

Segundo, não é necessário que o comodante seja proprietário da coisa, podendo ser mero possuidor, como é o caso do locatário, do usufrutuário etc.

Requisitos Objetivos

A coisa dada em comodato deve ser infungível (insubstituível por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade), e inconsumível, podendo ser móvel ou imóvel.

Eventualmente, pode recair sobre bens fungíveis (coisas consumíveis), mas a restituição deve ser da própria coisa emprestada, sem que haja substituição, ou seja, o comodatário terá que restituir especificamente a coisa recebida.

1.3 O Comodato Modal

Obrigação modal é aquela onerosa, com encargos. Não há como se evitar perceber a contradição que existe em tal modalidade de comodato, que é contrato essencialmente gratuito.

Os defensores do comodato modal buscam seu embasamento, para tanto, em um outro contrato intimamente ligado pelas suas semelhanças ao comodato em geral: a doação.

A doação guarda fortes laços de semelhança com o comodato. Assim como o último, a doação é contrato unilateral e gratuito. Diferem os dois pelo fato da doação ser contrato consensual (efetiva-se com a mera vontade das partes) ao contrário da doação que é real (concretiza-se apenas com a real entrega da coisa) e por na primeira não haver, em regra, a restituição da coisa, enquanto no último, esta é necessária para sua caracterização.

Por tais motivos, alguns doutrinadores e vertentes jurisprudenciais defendem a existência do comodato modal, assim como existe a doação modal. A doação modal está prevista no artigo 1.167 do antigo Código Civil de 1916, que reproduzo ipisis litteris:

"Art. 1.167 - A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como o não perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados, ou ao encargo imposto".

O novo Código Civil repete o mesmo conteúdo em seu artigo 540 ao dispor e atestar sobre a existência da doação modal.

Carlos Roberto Gonçalves[14] entende que não desnatura o comodato, o empréstimo de bens com a obrigação, do comodatário, de revender apenas bens de fabricação do comodante, como sucede comas distribuidoras de petróleo quando estas fornecem equipamentos, bombas, elevadores, etc. O mesmo ocorre no caso das distribuidoras de bebidas quando estas fornecem, graciosamente, a título de empréstimo: placas, cadeiras, geladeiras, e outros equipamentos para estabelecimentos comerciais. Isto porque, “a obrigação de revenda exclusiva não representa remuneração ao comodato”.

Mas, Carlos Roberto Gonçalves[15] ressalta:

Tem-se admitido hodiernamente, todavia, a coexistência do empréstimo de uso e de encargo imposto ao comodatário, configurando-se, no caso, o comodato modal, desde que naturalmente, o ônus não se transforme em contraprestação.

No entanto, Pontes de Miranda[16], entende que:

O comodato é contrato gratuito. Não há vantagem, do lado do comodante, que permita pensar-se em onerosidade. Se o contrato se fez oneroso, deixou de ser de comodato. Ai, a história e a letra da lei não permitem discordâncias teóricas, O interesse do comodante em comodar, esse, se existe e é forte, apenas se há de ter como motivo, mesmo se o comodante somente emprestou o cavalo, gratuitamente, porque o uso pelo comodatário melhoraria o passo e outras habilidades do animal. Se o que seria motivo se fez causa, então o contrato não é de comodato, é de locação (“dou-lhe o uso do cavalo, mas tem de ensinar-lhe a saltar à altura tal”). Quando se entrega a alguém o uso da casa de campo, mesmo ficando ao outorgado as despesas e por haver interesse em não a deixar sem alguém que a habite, há comodato. Se o dono ou locatário da casa da cidade ou de campo, entrega por dois ou três anos, gratuitamente, a pessoa amiga a posse do imóvel, há comodato. Se, em vez disso, deu em comodato a fazenda, por longo tempo, mesmo sem que a gentileza se justificasse por não contar com outros meios de vida, ou por não ter muitas rendas o comodatário, pode configurar-se a chamada doação indireta. Entre a doação e o comodato há o elemento comum da gratuidade. Mas, no comodato, o objeto, que se dá, não sai do patrimônio do comodante. Apenas se outorga o uso, sem que se limite o direito de propriedade ou se exclua a posse do comodante. O comodante continua com a posse mediata. Se A outorga, gratuitamente, a E, por exemplo, para ir, todos os dias de duas horas às cinco, trabalhar com a sua máquina de tirar cópias, há comodato, entregando-lhe a chave do escritório; pois que E é possuidor imediato durante aquelas horas. No momento de restituir o bem comodado, B tem de devolver a chave.

Por seu lado, a jurisprudência pátria tem reconhecido a existência do comodato modal, vez que não afronta o ordenamento jurídico, desde que as cláusulas convencionadas sejam legítimas e de conformidade com a lei, podendo ter ocorrer em alguns casos, a transubstanciação em contrato atípico ou inominado, como se pode desprender da leitura da ementa das decisões abaixo relacionadas.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NATUREZA DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. COMODATO MODAL. - Embora a gratuidade seja elemento essencial do contrato de comodato (art. 579, CC), a assunção de encargos pelo comodatário não afetam o caráter gratuito, mas tão somente excedem à normalidade do comodato puro, configurando-se em comodato modal. - Apesar de não haver qualquer menção legal específica sobre a existência do comodato modal, seja no Código Civil de 1916, seja no Novo Código Civil, a jurisprudência vem reconhecendo sua existência. - Com efeito, depreende-se da leitura do contrato que os encargos assumidos pela comodatária buscam dar ao imóvel uma finalidade à area cedida (a instalação de de Clube de Recreação e Lazer). A vontade do comodante era incontroversa: buscava dar ao imóvel uma destinação que lhe aprouvesse, sendo previamente conhecida do comodatário e não considerada onerosa a ponto de desvirtuar a avença. - Por outro lado, a questão acerca da descaracterização do contrato pouco importa para o desfecho da ação. É bem verdade que a interpretação literal das cláusulas não pode ser tomada de forma absoluta a fim de se verificar a vontade das partes, mas também não se pode desconsiderar que servem de importante parâmetro ao julgador. - Nesse contexto, tenho que as cláusulas contratuais revelam-se suficientemente claras, sem qualquer obscuridade que viesse a impedir o pleno conhecimento ou interpretação equivocada dos contratantes. Desconsiderar o que foi convencionado pelas partes ofenderia princípios basilares da teoria geral dos contratos, tais como o princípio da obrigatoriedade contratual (pacta sunt servanda) e da autonomia da vontade. As cláusulas convencionadas reputam-se legítimas e em conformidade com a lei. Ademais, não se cogita de qualquer vício de vontade na sua formação. AC 200070020018681 AC - APELAÇÃO CIVEL. TRF4. TERCEIRA TURMA. DJ 30/11/2005 PÁGINA: 758

COMODATO MODAL - MULTA. 1. NÃO REPUGNA AO DIREITO BRASILEIRO O COMODATO MODAL EM QUE O INSTRUMENTO RESPECTIVO PACTUOU CONTRAPRESTAÇÕES A FAVOR DO COMODANTE; 2. JUNGIDO A UMA PROMESSA DE COMPRA DE MERCADORIAS DO COMODANTE, CELEBRADO POR OUTRO INSTRUMENTO NO MESMO DIA, O COMODATO NÃO PODE SER CINDIDO, PORQUE AMBOS OS CONTRATOS INTEGRAM UM NEGÓCIO JURÍDICO COMPLEXO, LEGITIMO, EM FACE DA AUTODETERMINAÇÃO INDIVIDUAL DE AMBOS OS CONTRATANTES. 3. NA PIOR HIPÓTESE, EM TAIS CIRCUNSTANCIAS, O COMODATO TER-SE-A TRANSUBSTANCIADO EM CONTRATO INOMINADO OU ATIPICO, MAS LICITO E EFICAZ. AI 62684. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIOMAR BALEEIRO. STF. DOCUMENTO INCLUIDO SEM REVISÃO DO STF ANO: 1975 AUD:23-04-1975. DSC_PROCEDENCIA_GEOGRAFICA: PR – PARANÁ.

Logo, como não existe legislação pertinente em relação ao comodato modal, presume-se que quando o legislador quer excepcionar, ele o faz claramente. Caso tal fato não ocorra, e o tempo e os costumes mudem a ponto de tornar anacrônica a norma, cabe à jurisprudência e a doutrina pacificar o tema. No momento atual, imprimir um caráter oneroso ao comodato é ir contra toda a conceituação do instituto.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHING, Hsu Chun. Análise de caso: a utilização do instituto comodato pelas empresas de telefonia celular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4171, 2 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30156. Acesso em: 22 dez. 2024.

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