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Análise de caso: a utilização do instituto comodato pelas empresas de telefonia celular

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02/12/2014 às 13:37
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CAPÍTULO 2 – O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

2.1 O Tributo

O surgimento do Estado se confunde com o dos tributos. Enquanto o Estado, em qualquer de suas formas, surge de uma necessidade da sociedade de se organizar, os tributos surgem como a forma de financiar o próprio Estado que, numa concepção moderna, precisa de uma fonte de recursos financeiros para atingir seus objetivos. E, para tanto, no exercício da sua soberania, através do poder de tributar, institui e exige os tributos.

O verbo tributar vem de tribuere, que significa dividir por tribos, repartir, atribuir, com designativo de ação estatal, e o tributo, tributum seria o resultado dessa ação estatal, indicando que o ônus a ser distribuído entre os súditos.

Explica Luciano Amaro[17]  

[...] tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecadada pelo Estado ou pelo monarca, com vistas a atender aos gastos públicos e ás despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e que abrangeu desde os pagamentos, em dinheiro ou bens, exigidos pelos vencedores aos povos vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança perante os próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como dever ou obrigação.  

A relação de tributação não é uma simples relação de poder, e sim uma relação jurídica, como explica o mestre Hugo de Brito Machado[18], com fundamento na soberania do Estado, cuja origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido, ou seja, o poder de tributo é apenas um aspecto, ou uma parcela, do exercício da soberania estatal.

Com o tempo, o poder de tributar do Estado evoluiu juntamente com a própria concepção de Estado, passando dos Estados Absolutistas para o nosso Estado democrático de Direito.

Ensina Luciano Amaro[19], “O tributo, portanto, resulta de uma exigência do Estado, que, nos primórdios da história fiscal, decorria da vontade do soberano, então, identificada com a lei, e hoje se funda na lei, como expressão da vontade coletiva”.

Hodiernamente, as atividades de um Estado moderno são financiadas pelas receitas públicas, que podem ser originárias e derivadas. As receitas públicas originárias são aquelas oriundas do próprio patrimônio do estado pela alienação de bens e serviços, ou seja, através da exploração de atividade econômica pelo Estado, como as rendas do patrimônio imobiliário, as tarifas de ingresso comerciais ou de serviços, e atuação direta do Estado na exploração na compra e venda de bens e serviços. Esta forma de financiamento da máquina estatal é muito utilizada em países com vastos recursos naturais que, em certos casos, podem, até mesmo, prescindir da contribuição das receitas públicas derivadas, como é o caso dos países com vastas reservas de petróleo. As receitas públicas derivadas, em regra, são decorrentes da exploração compulsória do patrimônio do particular pelo Estado, que podem ser divididas em: reparações de guerra, penalidades e tributos.

No Brasil, os tributos são as principais formas de financiamento do Estado, que exerce o poder soberano de tributar que, como ensina o mestre Celso Antônio bandeira de Mello, é não somente um poder, mas um poder-dever, plenamente vinculado e limitado pela própria carta magna no seu art. 150, e definida no art. 3º do CTN como: “[...] toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”. 

O artigo 145 da carta magna e o art. 5º do CTN têm a previsão de 3 espécies de tributos: impostos, taxas e contribuição de melhoria, mas a mesma Constituição Federal de 1988 prevê no art. 148, o empréstimo compulsório e no art. 149, a contribuição social. O Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema, com entendimento de que são cinco as espécies de tributos no Brasil, quais sejam: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios.[20]

2.2 Evasão Fiscal ou Elisão Fiscal

A interpretação das leis tributárias, segundo ilustre professor Alfredo augusto Becker[21], deve ser sempre restritiva, e analisa a regra jurídica e o fato em si, confronta-os para constatar se houve, ou não, a realização da hipótese de incidência. Havendo a realização da hipótese de incidência (concretização dos fatos hipotéticos), conclui-se que houve a incidência da norma sobre o suporte fático, e passa-se a analisar os efeitos jurídicos resultantes desta e a observar se os mesmos foram respeitados. No entanto, o intérprete não deve apenas extrair a regra jurídica contida na lei, deve também relacionar-la com o ordenamento jurídico vigente e antecedente, vez que a norma jurídica isolada não existe (Cânone da hermenêutica da totalidade do sistema jurídico[22]). A legislação tributária não deforma ou transforma os princípios, conceitos, categorias ou institutos originários de outros ramos do Direito, como o Constitucional, o Civil, o Penal, e o Empresarial, pois todos são partes de um mesmo ordenamento jurídico.

O operador do direito deve, portanto, considerar a homogeneidade sistemática do ordenamento jurídico e, através da analogia por compreensão, captar a resultante desta interpretação. Esta análise pode identificar alternativas legais aplicáveis ou mesmo lacunas legais, que possibilitem uma tributação menos onerosa possível para o contribuinte, sem contrariar a lei. A adoção destas alternativas legais, autorizados ou não proibidos pela lei, lícita, com intuito de evitar a incidência da norma tributária ou diminuir o tributo, antes do surgimento da situação definida em lei, através do planejamento tributário, denomina-se “Elisão fiscal”.  Portanto, a Elisão fiscal, que atua antes da ocorrência do fato gerador e de acordo com o ordenamento jurídico, é legítima e lícita.

No entanto, esta nomenclatura é controversa, uma vez que alguns doutrinadores preferem a denominação “evasão fiscal”, e outros a denominação “elisão fiscal”. O termo “evasão” tem o significado de desviar, evitar, escapar, fugir e elidir (evitar ou escapar com destreza; furtar-se com habilidade ou astúcia). No presente trabalho, será adotado o termo “evasão fiscal” para o ato ilegítimo, um artifício doloso, com a finalidade de evitar a tributação, que suprime, reduz ou retarda a obrigação tributária, através do soerguimento de estruturas fraudulentas que violam a regra jurídica ou a sua eficácia jurídica. Logo, a evasão fiscal é ilícita, e sujeita a nulidade, anulação ou ineficácia da estrutura fraudulenta.   

2.3 A Elisão Fiscal           

Os tributos, dentro do ordenamento jurídico pátrio, realizam-se por meio das normas jurídicas tributárias, que são objetos de, naturalmente, rejeição social. É absolutamente normal, e até natural, que o contribuinte ao perseguir um determinado resultado econômico, o faça com a maior economia possível, inclusive tributariamente. Logo, nada mais lógico do que o contribuinte tente se defender contra o avanço do Estado sobre o seu patrimônio. Quando este se utiliza, legalmente, de instituto ou conceito de outros ramos do Direito (como o Direito Civil) com a finalidade de se esquivar da tributação, o intérprete da lei deve aceitar e respeitar a estrutura jurídica levantada. É o chamado planejamento tributário ou elisão fiscal.

No entanto, se o contribuinte ergueu a sua estrutura de defesa violando regra jurídica ou desprezando eficácia jurídica resultante da incidência de regra jurídica sobre a sua hipótese de incidência, trata-se evasão fiscal, ou seja, é fraude fiscal.

Ora, o comando “tu deves pagar o imposto” está sempre condicionado à realização da hipótese de incidência, ou seja, a regra jurídica tributária incidirá sobre a sua hipótese de incidência somente quando esta se realizar.

Esclarece o professor Alfredo Becker[23]:

Se determinado efeito econômico não é elemento  componente ou integrante da hipótese de incidência daquela regra jurídica, o fato de se atingir este efeito econômico não determina a incidência daquela regra jurídica tributária. De modo que o indivíduo poderá, sem violar regra jurídica ou eficácia jurídica, atingir aquele efeito econômico, escolhendo um outro caminho (outros atos, fatos, estados de fato) que não seja integrante de hipótese de incidência de regra jurídica tributária ou, então, que seja elemento integrante de hipótese de incidência de outra regra jurídica tributária mais favorável (menor tributo).

Se, para atingir o efeito econômico desejado, houve a violação de regra jurídica ou eficácia jurídica, então se praticou a fraude fiscal. Um critério seguro de se aferir se houve elisão fiscal ou fraude fiscal é o momento da prática dos atos praticados pelo contribuinte para evitar, retardar ou reduzir o pagamento do tributo. Se este agiu antes da ocorrência do fato gerador, quando a obrigação tributária específica ainda não tinha surgido e o direito do fisco ainda estava no campo da hipótese, e este nada poderá objetar, vez que o contribuinte consegue, por meios lícitos, evitar, ou postergar, a ocorrência do fato gerador. No entanto, se o contribuinte agiu depois da ocorrência do fato gerador, já tendo surgido a obrigação tributária específica, com a consequente situação jurídica a favor do fisco, caracteriza-se a fraude fiscal.   

Uma forma de fraude fiscal é o chamado negócio jurídico simulado, A simulação é prevista no art. 167, §1º do código civil:

É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Não há porque distinguir a simulação civil, da fiscal. O terceiro prejudicado por este defeito do negócio jurídico é a fazenda pública. No entanto, não se pode dizer que houve simulação se: o negócio jurídico foi ou é desejado pelas partes, que por sua vez se sujeitaram às regras jurídicas que disciplinam aquele negócio e, também, à sua eficácia jurídica (efeitos jurídicos e econômicos)[24]. Existe a fraude, a evasão fiscal, quando o contribuinte ergue estrutura jurídica de seus negócios violando regra jurídica, ou desprezando a eficácia jurídica (efeitos), resultante da incidência de regra jurídica sobre sua hipótese de incidência.

Havendo fraude fiscal, o intérprete deverá observar, em virtude daquela violação de regra jurídica ou daquele desprezo de eficácia jurídica, se a estrutura jurídica erguida pelo contribuinte é inexistente, nula, anulável ou ineficaz. E se essa inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia, influiu ou não, a incidência ou não da regra jurídica tributária.


CAPÍTULO 3 – A UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO COMODATO PELAS EMPRESAS OPERADORAS DE TELEFONIA MÓVEL

3.1 O caso em concreto

A telefonia móvel foi introduzida no Brasil em 1990, com o Sistema Móvel Celular (SMC) na cidade do Rio de Janeiro. Em 1997, com a privatização do sistema Telebrás, abriu-se para o mercado a exploração da banda B, cujas empresas iniciaram as operações em 1998. De lá para cá, o mercado de telefonia celular apresentou uma taxa de crescimento e penetração que superou todas as expectativas das empresas do segmento. Grande parte deste sucesso se deve à adesão à telefonia celular das camadas de renda baixa da população, ou seja, uma verdadeira inclusão digital, na qual o aparelho celular deixou de ser um artigo de luxo para se tornar um item de necessidade, para a comunicação e informação.

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Hoje, segundo a Anatel[25] (Agência Nacional de Telecomunicações), o Brasil tem 265,7 milhões de assinantes de telefonia móvel (junho de 2013), números que superam a população do Brasil que é de 185,7 milhões de habitantes[26]. A telefonia móvel tornou-se um item essencial e básico no dia a dia da população brasileira, sendo comum a pessoa possuir mais de um aparelho e mais de um número de celular. Esta popularização do telefone celular não foi natural, e sim fruto da estratégia das grandes empresas de telefonia móvel que, no afã de conquistar o mercado, frente à concorrência, disseminaram o uso da telefonia móvel, através da facilitação do acesso ao aparelho celular à população.

Esta realidade é o resultado de luta entre as grandes empresas de telefonia móvel por fatias do mercado, que, para atrair usuários, oferecem vantagens como preço menor, serviços adicionais, qualidade, atendimento, desconto na aquisição do aparelho, e até mesmo a gratuidade do aparelho.  

Uma das formas de captação de clientela é a fidelização. Nesta, através de um contrato de adesão, o usuário, em troca do comodato de um aparelho celular, se obriga à contratação dos serviços da empresa de telefonia móvel por um determinado período de tempo. Como já elucidado, a natureza jurídica deste contrato de comodato, que é acessório ao contrato principal de prestação de serviços, firmado entre o usuário e a empresa de telefonia móvel, é o tema do presente artigo.

3.2 A isenção fiscal

Diferentemente da imunidade fiscal, que é prevista no art. 150, VI da CF, a isenção fiscal é decorrente de lei, é disciplinada pelo artigo 150, §6º, da CF, in verbis:

Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII.

E, também, pelo artigo 97, VI, e pelos artigos de nº 175 a 179, todos do CTN. Toda esta legislação impede o sujeito ativo de constituir o crédito tributário, ou seja, a isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário, pois, mesmo ocorrendo o fato gerador e a consequente obrigação tributária, impede os efeitos do crédito tributário.

No estado de São Paulo, a isenção fiscal, contida no art. 7º, incisos IX e XIV do RICMS/SP - Decreto nº 45490/2000, determina que o imposto não incida sobre saídas de bens em razão de empréstimo ou locação e na saída do bem do ativo permanente.

No Estado de Alagoas, o Decreto nº 2539/2005, anexo 01, disciplina a isenção fiscal para casos de contratos de comodato e de arrendamento mercantil que não importem em efetiva desincorporação de bens destinados ao ativo imobilizado.

Estas legislações estaduais são replicadas em todos os outros estados da federação, vez que o contrato de comodato, por sua natureza jurídica de empréstimo, não oneroso, e de coisa não fungível, afasta a tributação, pois a coisa não saiu do âmbito patrimonial do proprietário, que continua com a posse indireta. Não há a desincorporação do bem do ativo permanente do comodante, pois sequer é transferido seu domínio ao comodatário. Tal entendimento está pacificado no STF, pela Súmula 573, publicado em 03/01/1977 e, ainda, vigente, “não constitui fato gerador do ICMS a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato".

De toda forma, seja como hipótese de não incidência da norma jurídica do tributo ICMS (entendimento do STF), seja pela isenção fiscal prevista pelas legislações estaduais, a resultante é a tributação zero sobre o contrato de comodato.    

3.3 A utilização do instituto Comodato nos contratos pelas empresas operadoras de telefonia móvel.

As empresas operadoras de telefonia móvel estão sempre em constante e contínua luta por uma fatia do mercado. A concorrência feroz faz com que, competindo uma com as outras, cada qual use do que esteja à mão, para conquistar a preferência do cliente. Esta conquista de preferência pode ser feita de várias formas, como, por exemplo: oferecimento de menor preço, melhor qualidade do serviço e atendimento, premiação, gratuidade temporária, oferecimento de brindes etc.

No presente artigo, analisaremos uma das formas de “fidelização” do usuário, utilizada pelas empresas operadoras de telefonia móvel, qual seja, o oferecimento do comodato de aparelho celular, vinculado à contratação de prestação de serviços de telefonia móvel pela empresa comodante.

Esta forma de utilização do contrato de comodato é, atualmente, reconhecida pelo ordenamento jurídico pátrio. É o que se pode abstrair da decisão da 3ª turma do STJ, que, em sede de recurso especial (anexo 2), a ministra relatora, Nancy Andrighi entendeu que, no caso de perda ou furto do aparelho móvel, cedido sob contrato de comodato, por caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovado. A empresa de telefonia móvel, a TIM, deve fornecer gratuitamente outro aparelho pelo restante do período de carência ou, alternativamente, reduzir pela metade o valor da multa a ser paga pela rescisão do contrato, ipsis litteris:

[...] A perda de aparelho celular (vinculado a contrato de prestação de serviço de telefonia móvel pessoal com prazo mínimo de vigência), decorrente de caso fortuito ou força maior, ocasiona onerosidade excessiva para o consumidor, que, além de arcar com a perda do aparelho, pagará por um serviço que não poderá usufruir. Por outro lado, não há como negar que o prazo de carência fixado no contrato de prestação de serviços tem origem no fato de que a aquisição do aparelho é subsidiada pela operadora, de modo que a fidelização do cliente visa a garantir um mínimo de retorno do investimento feito. Tal circunstância exige a compatibilização dos direitos, obrigações e interesses das partes contratantes à nova realidade surgida após a ocorrência de evento inesperado e imprevisível, para o qual nenhuma delas contribuiu, dando ensejo à revisão do contrato, abrindo-se duas alternativas, a critério da operadora: (i) dar em comodato um aparelho ao cliente, durante o restante do período de carência, a fim de possibilitar a continuidade na prestação do serviço e, por conseguinte, a manutenção do contrato; ou (ii) aceitar a resolução do contrato, mediante redução, pela metade, do valor da multa devida, naquele momento, pela rescisão. - Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório. Súmula 98/STJ. Recurso especial parcialmente provido. RESP - RECURSO ESPECIAL – 1087783. Ministra NANCY ANDRIGHI. 01/09/2009. 

A ministra relatora concluiu ser possível a revisão contratual, vez que a operadora de telefonia móvel cedeu o aparelho para o consumidor na expectativa de que ele usasse os serviços durante um tempo, e o consumidor se vê frente a um possível prejuízo por não poder utilizar o serviço. Neste caso, sendo fornecido outro aparelho ao cliente, ele deverá cumprir o contrato de prestação de serviço, sob pena de pagar a multa rescisória em seu valor integral.

3.4 O Planejamento Tributário

No entanto, apesar do reconhecimento pelo ordenamento jurídico pátrio da legalidade na utilização de contratos de comodato pelas empresas de telefonia móvel, deve-se analisar detalhadamente o caso em questão.

O contrato de comodato tem 3 características essenciais, quais sejam: a infungibilidade, a tradição, e a não onerosidade. E mais, por ter natureza jurídica de empréstimo intuitu personae, o comodato exige a devolução da coisa ao final do contrato.

Ora, no caso em tela, podemos certamente constatar a infungibilidade e a tradição da coisa. No entanto, as demais características deverão ser analisadas com cautela, senão vejamos:

Ao analisar, por exemplo, o contrato “termo de contratação – GSM” da operadora de telefonia móvel TIM nordeste telecomunicações S.A., constata-se que este contém o “instrumento particular de contrato de comodato”.

Mais adiante, as cláusulas 5.1 e 5.3 prevêem que no caso de rescisão, não cumprimento de obrigações ou diminuição no pagamento mensal previsto no contrato de prestação de serviço; o comodatário deverá devolver o aparelho, e pagar, ao comodante, o valor constante na nota fiscal dividido pelo número de meses do contrato de prestação de serviço, e multiplicado pelo número de meses restantes para o final do contrato. 

A exigência contratual da assinatura de um contrato oneroso de prestação de serviços, como condição “sine qua non” para a concessão do comodato do aparelho celular, impediria de plano o uso de tal instituto.

3.4.1 Da não restituibilidade

Apesar de prever a devolução ao comodante do aparelho celular ao final do contrato, esta cláusula de fato é pouco aplicada. Na pesquisa, por amostragem, constatou-se que a quase totalidade dos usuários não devolveu o aparelho celular ao final do contrato, e que a empresa comodante não cobrou a restituição. A exceção foram os planos corporativos da Justiça Federal e do Ministério Público de Alagoas.

Ora, se o contrato é oneroso e existe a transferência patrimonial, então não pode ser um contrato de comodato. Pode ser um contrato de compra e venda, ou mesmo uma doação onerosa, ou mesmo um contrato atípico.

Então, por que o comodato é utilizado pelas empresas de telefonia móvel? A pesquisa documental trouxe as notas fiscais das empresas Embratel e TIM, na qual se percebe que, em todas elas, o valor dos tributos é R$ 0,00 (zero), vez que não houve nem locação nem transferência patrimonial. Este é o motivo na insistência, das empresas operadoras de telefonia móvel, no uso da nomenclatura comodato nos contratos, ainda que o ordenamento jurídico pátrio permita os contratos atípicos ou inominados  

O erguimento desta estrutura jurídica, no caso o instituto do comodato, pelas empresas, com o objetivo de impedir a incidência da norma jurídica tributária sobre a sua hipótese de incidência, configura, de forma clara, o Elisão Fiscal, fruto de Planejamento Tributário. No entanto, não se pode deixar de registrar o risco, a possibilidade de tal planejamento ser interpretado como simulação de negócio jurídico, nos termos do art. 167, §1º, do código civil, que, segundo o professor Roque Carrazza[27], é a “divergência entre a vontade e a declaração, fruto de acordo celebrado com o fito de enganar terceiros”, e, portanto nulo.

Em maio de 2011, a empresa de telefonia móvel Oi lançou uma grande campanha publicitária[28] que diz literalmente, em vídeo:

Não se engane. Aparelho grátis não existe. Quando uma operadora lhe oferece o aparelho grátis, pode ter certeza, você paga por ele sem perceber. Na verdade o valor do aparelho é dividido na conta todo mês. É por isso que as operadoras cobram multas se você quiser sair. Ou seja, o grátis sai caro, muito caro.

Em outra peça publicitária, da mesma empresa Oi, diz textualmente:

O cliente compra um aparelho pensando que foi grátis. E fica feliz da vida. Na verdade o valor do aparelho é dividido na conta dele. Todo mês, sem falta. Por isso, se o cliente pensa em sair, paga uma multa. E adivinha? Essa multa é o valor do aparelho. O cliente vai pagando. E nem percebe. Ainda acha que fez um grande negócio.

Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho[29]

Fraude à lei, por outro lado, é a produção de norma ilícita, com feições de ato jurídico lícito, para fins de fugir à incidência normativa. A localização de um ou outro ilícito exige, como requisito essencial, norma válida no sistema, que, em termos objetivos, fundamenta a figura da ilicitude no Direito

As peças publicitárias supracitadas explicitaram a prática que era comum entre as empresas de telefonia móvel, inclusive pela empresa Oi, patrocinadora da campanha publicitária, qual seja, a simulação de uma doação de aparelho celular. Por analogia, pode-se concluir que o mesmo se aplicava ao contrato de comodato. Toda esta estrutura erguida tinha por objetivo evitar a ocorrência do fato gerador, qual seja, um contrato de compra e venda.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHING, Hsu Chun. Análise de caso: a utilização do instituto comodato pelas empresas de telefonia celular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4171, 2 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30156. Acesso em: 2 nov. 2024.

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