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Decisão na ADI por omissão
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão pode ter em seu objeto as modalidades de omissão manifestadas tanto na vertente total quanto na parcial, por razão do atendimento da obrigação de legislar imperfeita ou ainda não evidenciada em sua plenitude. Reconhecida a inércia inconstitucional, deverá o órgão legislativo ser cientificado para adotar as providências necessárias à concretude do dispositivo constitucional.
Em análise à experiência constitucional brasileira, é possível identificar dois casos significativos em que ficou evidenciada a falta de efetividade de mandamentos constitucionais em razão de omissão total – a previsão de taxa de juros reais não superior a doze percentuais (artigo 193, § 3º, CF/88) e o direito de greve de servidores públicos (artigo 37, inciso VII, CF/88). Em ambas as hipóteses o Tribunal Constitucional declarou a inércia legislativa, mas entendeu, de forma preambular, pela impossibilidade de exercício do direito face à ausência de norma regulamentadora.
No primeiro caso a contenda restou solvida por decorrência da revogação do dispositivo constitucional pela edição da Emenda Constitucional nº 40/2003. A problemática relacionada ao direito de greve de servidores públicos foi ponderada, no âmbito de mandado de injunção, tendo o Pretório Excelso determinado a aplicação temporária da lei que disciplina o direito de greve na iniciativa privada.
Ocorre a omissão parcial em vista de atuação imperfeita ou não completa do dever de legislar. Exemplo categórico dessa situação se verifica em relação à lei de fixação do salário mínimo. Sendo o valor especificado em descompasso com os ditames constitucionais, mostra-se restrita a atuação judicial.
Há de se considerar que a decretação inconstitucionalidade da norma no cenário supracitado, ensejaria maior prejuízo do que sua conservação no ordenamento, uma vez que restaurar-se-ia valor pretérito inferior. Contudo, a determinação por ordem judicial do valor considerado pertinente encontra objeções como afronta à separação dos Poderes, bem como em princípios orçamentários e reserva do possível.
No plano doutrinário, chegou a se ponderar soluções como a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e a sem pronúncia de nulidade. Em nosso ordenamento, apresenta-se a denominação como declaração de inconstitucionalidade por omissão parcial com notificação ao Poder estatal competente.
Considerado que a suspensão da aplicabilidade da norma é consequência jurídica da determinação judicial no sentido de procedência da ação direta de inconstitucionalidade, nas hipóteses de omissão parcial, não se demonstra possível evitar o entendimento de que a ordem constitucional, por vezes, requer a utilização de direito anterior. Uma suspensão generalizada de aplicação da lei ensejaria maior densidade à violação constitucional.
Com a declaração da inconstitucionalidade por omissão, no âmbito do controle abstrato de normas, afigura-se defeso aos entes estatais, em decorrência do Estado de Direito e da vinculação dos Poderes aos direitos fundamentais, a adoção de qualquer medida com fundamento na lei desconforme à Constituição.
A pronúncia da inconstitucionalidade da lei, por incompletude, traduzida em omissão parcial, com eficácia erga omnes, faz cessar a obrigatoriedade de aplicação da lei. Nessa medida, aos órgãos do Estado não é possibilitado permanecer aplicando a lei considerada inconstitucional, uma vez que se encontram submetidos aos supramencionados fundamentos estatuídos da Carta Magna e propagados na ordem constitucional.
Procedente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, impugnado ato editado pelo órgão legiferante, o Pretório Excelso dará ciência a esse órgão acerca do vício omissivo. Esse é o posicionamento do próprio Supremo, referente ao controle abstrato da omissão, por considerar que uma decisão judicial proferida no sentido de colmatar o ato legislativo inacabado esbarraria no princípio da separação dos poderes estatais.
O aludido entendimento jurisprudencial apresenta sinais de inadequação, por ser demasiado restritivo. Faz-se preciso ter em vista que o seu fundamento é de natureza retórica (dogma da separação dos poderes) e decorrente de processo interpretativo da Corte.
A redação literal do artigo 103, § 2º, da Constituição, bem como a interpretação restritiva conferida pelo Tribunal Constitucional ao dispositivo, fundada na vedação de agir como legislador positivo, proporcionam diminuta efetividade e aplicação limitada à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Imperioso ressaltar que a falta de eficácia resultante da notificação ao órgão inerte atribui ao mecanismo efeito substancialmente político ou moral, reduzido a uma declaração de princípios, não satisfatória à proteção objetiva da ordem constitucional face à afronta à supremacia do texto da Lei Maior.
Seguido esse raciocínio limitativo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pode-se emergir a consequência de transmutação para a arguição de descumprimento de preceito fundamental da função de proporcionar o controle da omissão legislativa inconstitucional. Essa questão foi inclusive debatida na ADPF nº 4 (que teve o julgamento prejudicado por edição de lei).
A obrigação dos Poderes estatais ou das entidades administrativas em diligenciar, com celeridade, a correção da situação de inconstitucionalidade se revela como um dos pontos que requerem atenção, principalmente no que concerne à decisão declaratória da inconstitucionalidade por omissão, assim como em relação à efetivação da ordem constitucional.
O preceito do Estado de Direito, o dispositivo que impõe a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais e a tutela, via mandado de injunção, dos direitos e liberdades constitucionais – todos prescritos de forma expressa no texto constitucional, respectivamente, no artigo 1º e artigo 5º, § 1º e inciso LXXI, da Carta – impõem ao legislador ordinário o dever de atuação no sentido de concretização desses direitos, reclamando atuação imediata para sanar o vício de inconstitucionalidade.
A decisão judicial que declara a inconstitucionalidade por omissão deverá ser proferida por, pelo menos, oito Ministros presentes em sessão, com manifestação de no mínimo seis pela procedência do pedido. Dessa decisão não caberá recurso, exceto a oposição de embargos declaratórios, vedado, inclusive, o manejo de ação rescisória. A decisão apresentará eficácia erga omnes e efeito vinculante. Decretada a inconstitucionalidade por omissão, o Poder competente será notificado para providenciar o necessário à correção do vício. O órgão administrativo terá prazo para sanar a incorreção, que poderá ser atribuído pelo Tribunal, excepcionalmente, em período razoável.
É o que se depreende dos artigos 22, 26, 28, parágrafo único, 12-H e 12-H, §1º, respectivamente, todos da Lei nº 9.868/1999, com alterações introduzidas pela Lei 12.063/2009.
Examinada sob uma ótica objetiva, o reconhecimento da omissão inconstitucional não possui o condão de influir, exclusivamente por si, na ordem jurídica. Nessa linha, a mudança no ordenamento ocorrerá apenas quando editado o ato normativo pendente. Acaso o regramento constitucional demonstre espessura satisfatória à sua aplicação imediata, mesmo prevista a sua regulamentação, deverá ter incidência direta com potencialidade maximizada. Se auto-aplicável o dispositivo, desnecessária se configura a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Referente a um ponto de vista subjetivo, a declaração da inconstitucionalidade por omissão possui efeito erga omnes e natureza vinculante. No tocante aos efeitos de mensuração no tempo, não se verifica correlação exata com a inconstitucionalidade por ação (ex tunc), devendo ser aguardado certo período de tempo para sua configuração.
Como pressuposição apta a ensejar a inconstitucionalidade por omissão, vislumbra-se o transcurso de lapso temporal razoável para a produção da lei exigida pelo texto constitucional. Dessa forma, a decisão que declara a omissão inconstitucional tem o condão de constituir em mora o órgão inerte no dever constitucional de emanar o ato.
Resta evidente, por notoriedade, que, decorridos mais de vinte anos do advento da Constituição Federal de 1988, deflagra-se inquestionável a mora para com os comandos constitucionais pendentes de concretização, a ser implantada por meio de leis.
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Decisão no Mandado de Injunção
Os posicionamentos doutrinários são controvertidos sobre a natureza da decisão proferida em mandado de injunção. Para uns, o provimento seria declaratório, devendo ser notificado o órgão incumbido de sanar a omissão. Esse é o mesmo entendimento aplicado para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, a depender da essência da norma que necessita de regulamentação, o Judiciário poderá dispor o direito a ser aplicado no caso concreto, ou, ainda, estabelecer prazo para a produção do ato normativo, assegurando ao jurisdicionado o direito de reparação pelos prejuízos decorrentes da permanência da inércia.
O posicionamento supracitado vinha sendo a orientação escolhida com maior frequência pela Corte Suprema. Cientificado o órgão legiferante da mora e de sua recorrência, era reconhecido ao titular o direito de buscar indenização pelos danos provenientes da impossibilidade de exercício de direito constitucionalmente assegurado.
Atualmente, pode-se constatar a reconsideração dos efeitos declaratórios pela maioria dos ministros da Corte acerca da decisão em mandado de injunção. A mudança de entendimento jurisprudencial configura importante conquista para a cidadania pátria, principalmente se considerado o deficitário sentimento de compromisso com a Constituição por partes dos governantes e legisladores.
Em relação aos efeitos da decisão emanada em mandado de injunção, tendo-se em conta que o órgão judicial deve resolver o caso concreto, denota-se a proposição de que o julgado tenha efeitos erga omnes, evitando afronta ao preceito da isonomia. Há quem entenda essa possibilidade como interferência do Judiciário em atribuição do Legislativo, porquanto a atribuição de efeitos para todos seria característica da atividade legislativa.
Observe-se o que leciona J.J. Calmon de Passos acerca da decisão a ser prolatada no âmbito do mandado de injunção:
“Decidindo o mandado de injunção, o magistrado não se sensibiliza em função do caso concreto, ele o situa na generalidade de sua ocorrência e infere a norma mais adequada para disciplinar esse universo de casos concretos. Apenas para exemplificar: se o mandado de injunção versa sobre como ser exercitado o direito do trabalhador ao aviso prévio proporcional, o órgão competente para o mandado de injunção não pode apreciar a existência ou não de relação de emprego, a justiça ou injustiça da despedida, a existência ou não do direito ao aviso prévio etc., tudo isso já foi solucionado no processo próprio. O que se vai definir no mandado de injunção é o modo de proceder para que se atenda a prescrição constitucional, determinadora da proporcionalidade do aviso prévio. E, decidindo, o Supremo definirá a norma, que não é aplicável só a esse caso, mas a todos os casos iguais, dada a absoluta impossibilidade de se regulamentar um preceito constitucional sem atendimento ao princípio maior da igualdade de todos perante a lei, também presente na espécie.
Já dissemos que no mandado de injunção não há a certificação do direito subjetivo de natureza constitucional. Esse acertamento é prévio. Nem há condenação no mandado de injunção, que se limita a editar a norma regulamentadora, para aplicação no caso concreto. Temos, portanto, uma sentença de natureza constitutiva, positiva, que cria ou constitui a situação nova, inobtenível sem a decisão judicial: condição para o exercício do direito já certificado.”[2]
Há de se considerar que a equiparação dos efeitos das decisões emanadas no controle incidental (mandado de injunção) e no controle abstrato (ação direta inconstitucionalidade por omissão) consiste em importante passo desenvolvido no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, apenas a certificação de que a decisão judicial possui características obrigacionais para o legislador não legitima, como consequência inevitável, outros resultados como obrigação de suspender os processos que tramitam perante autoridades administrativas ou tribunais. Esses efeitos se tornam inteligíveis em virtude do entendimento de que a decisão proveniente do controle abstrato dever ter eficácia para todos.
A Corte Suprema tem apresentado como premissa a ideia de que o constituinte buscou conferir consequências jurídicas análogas aos processos de controle da inconstitucionalidade por omissão. Revela-se, por conseguinte, o posicionamento de que igualmente a decisão prolatada em mandado de injunção possui eficácia erga omnes. Assim, foram ampliados os efeitos da decisão proferida no âmbito do controle incidental da omissão.
Por fim, importante evidenciar que a postura mais incisiva do Supremo Tribunal Federal, no sentido de prolatar decisões com características ativas, aptas a conferir a adequada e necessária eficácia ao texto da Constituição, tem instigado o Legislativo a sair do estado de inércia e cumprir seu dever constitucional de produzir normas complementares aos mandamentos da Carta Republicana.
REFERÊNCIAS
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HAGE, Jorge. Omissão inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.
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PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
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SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.
Notas
[1] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Mandado de Segurança Coletivo, mandado de injunção, habeas data (constituição e processo). Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 97.
[2] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Mandado de Segurança Coletivo, mandado de injunção, habeas data (constituição e processo). Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 124.