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A nova dinâmica resolutiva do Ministério Público

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Agenda 09/02/2015 às 10:31

7- Causas que levam ao MP Resolutivo

7.1- Amadurecimento democrático da sociedade (expansão do princípio democrático)

Vivemos um novo movimento, uma nova onda, que poderíamos denominar de a segunda onda da era contemporânea do Ministério Público. É o movimento da eficiência, da busca por resultados e legitimidade social, de um novo perfil institucional mais adequado à quadra histórica de aprofundamento e amadurecimento democrático.

Esse movimento é simbolizado pela Emenda Constitucional n. 19 de 1998 que, dentre outras medidas, guindou a eficiência a princípio constitucional da Administração Pública, ao lado da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Se uma lição segura pode ser extraída da história política é a seguinte: o povo é impelido por vários sentimentos e impulsos conflitivos, tendo necessidades e exigências que variam de tempos e tempos (MacIver, 1965, p. 08). Por isso, o ambiente democrático gera demandas com muita rapidez, mas se revela lento em atendê-las. Ou como diz N. Bobbio (1986, p. 36), a democracia tem a demanda fácil e a resposta difícil. E essa tendência reivindicativa da sociedade aprofunda-se com o processo de amadurecimento democrático, com a sociedade tornando-se cada vez mais cônscia de seus direitos, exigente e participativa.

O desenvolvimento pessoal (e coletivo) que alguns autores atribuem à cidadania numa ordem democrática é, em grande parte, um desenvolvimento moral (Dahl, 2012, p. 163): a aquisição de um senso mais maduro de responsabilidade pelos próprios atos, uma consciência mais ampla dos efeitos dos próprios atos sobre outrem, uma disposição maior para refletir sobre as consequências desses atos para os outros e também para levá-las em consideração e assim por diante. É provável que poucas pessoas venham a contestar a premissa normativa de que é desejável promover o crescimento dessas qualidades.

O ímpeto ascensional da cidadania democrática sempre foi um fator atuante nas incessantes transformações do Estado. Toda a estrutura de poder, em consequência, sofre um processo contínuo de mudança. Todo avanço ou conquista social aumenta o ímpeto por novas conquistas.

Forças novas penetram em nossa sociedade como o largo desenvolvimento tecnológico com suas repercussões sociais e econômicas, o incremento da industrialização, especialização e alto nível de urbanização, uma grande diversidade ocupacional, ampla alfabetização, a organização de poderosos grupos industriais e financeiros, de organismos internos e externos, a facilidade das comunicações e um ritmo avassalador de mudanças. Tudo isso revoluciona os encargos e as responsabilidades do Estado e de suas instituições.

À medida que a sociedade democrática evolui, bem como se intensificam o sentimento democrático e os instrumentos postos à sua disposição, cresce também seu nível de exigência em relação ao Ministério Público. Se a instituição deixa de responder eficazmente às contínuas e cada vez mais complexas demandas sociais (Júnior, 2005, p. 714), corre o risco de, cedo ou tarde, ter sua legitimidade de defensora da sociedade questionada.

7.2- Crise do Poder Judiciário

O Judiciário sempre se notabilizou por ser uma instituição extremamente conservadora. De acordo com Wollkmer (2000, p. 186), os magistrados são homens de mentalidade conservadora em relação a todos os grandes problemas econômicos, sociais e políticos de sua sociedade. As autoridades governamentais, responsáveis pela nomeação e promoção dos juízes, buscam, quase sempre, favorecer aqueles que justamente possuam tais concepções reacionárias.

No cenário pré-88 (e até nos poucos anos seguintes à promulgação da Constituição), bem ou mal, o Judiciário respondia às demandas da sociedade e do MP (ainda não tornadas complexas pela expansão do princípio democrático). E como o Ministério Público (demandista) retirava seus dividendos de reconhecimento da atuação perante o Judiciário, esse modelo atendia plenamente às expectativas institucionais.

No momento em que o Judiciário se mostrou ineficiente em atender às novas demandas de novos tempos (interesses coletivos, difusos e metaindividuais)[21], e sendo o Ministério Público o agente mais importante na defesa de direitos coletivos pela via judicial, a instituição se ressentiu (afinal sua sorte estava atrelada à do Judiciário e não gozava do status de “Poder”). E essa inoperância coincidiu com uma maior exigência da sociedade por eficiência de suas instituições. A partir daí, o Ministério Público se viu obrigado a buscar novas alternativas de fortalecimento institucional, visto que o puro demandismo era modelo esgotado ou, no mínimo, em profunda crise.


8- Exigências e desafios trazidos pelo novo modelo resolutivo

8.1- Nova leitura do postulado da independência funcional

Como já dissemos acima, a Constituição ao dotar o Ministério Público de unidade e indivisibilidade (art. 127, § 1º, CF), possibilitou a qualquer agente ministerial que, ao atuar (com base no Direito e em sua consciência), impute sua vontade funcional à instituição (Carneiro, 1995, pp. 43-44). Qualquer ato praticado por um promotor ou procurador de justiça, no exercício de suas funções, automaticamente é atribuído ao Ministério Público. Não há dualidade de pessoas (ente curador dos direitos ou interesses – MP – e a pessoa que os exerce – membro) como na representação, legal ou voluntária. Há unidade: é uma só pessoa – a pessoa coletiva, a instituição – que persegue o seu interesse, mas mediante pessoas físicas – as que formam a vontade, as que são suportes ou titulares dos órgãos.

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Diante disso, seria extremamente traumática para a instituição a existência de tantos interesses ou vontades quantos fossem o número de membros a compô-la. Ou ainda, a justaposição de promotorias mais ou menos especializadas, sem diálogo e sem cooperação entre si. Não haveria convergência de energias, mas o caos anárquico e improdutivo conducente a uma espécie de anomia institucional, comprometendo todo o esforço coletivo antes que, pelo seu desenvolvimento necessário, tenha sequer a oportunidade de exercer-se. Os múltiplos agentes independentes devem repousar suas individualidades e idiossincrasias sobre um núcleo irredutível que confira uma base segura para o desempenho linear das funções da instituição e não sobre fatores irracionais que interferem no curso da ação individual.

Todas as atividades desenvolvidas pelo Ministério Público obedecem a uma série de atos organizados de tal forma que conduz a um fim previamente traçado. É o que se chama de racionalidade funcional. Todavia, no caso específico do MP, agrega-se a racionalidade substancial, pois todos os atos, embora previamente traçados pelo legislador (racionalidade funcional), também devem ser pensados durante sua realização pelos agentes (racionalidade substancial), atentos à finalidade última, ao valor funcional de cada ato em relação ao todo e dotados da faculdade de atuar em situações dadas com capacidade de juízo reflexivo, construindo uma própria inteligência das conexões. E é neste ponto que entra a independência funcional com sua carga valorativa.

A independência funcional colocada diante da racionalidade funcional/substancial leva, necessariamente, ao fenômeno da autorracionalização. E por autorracionalização entende-se o controle sistemático dos impulsos que o indivíduo se impõe de antemão quando quer realizar ou ser inserido numa estrutura objetiva de atividade funcional-racional (Mannheim, 1969, p. 42). O objetivo do todo exige que sentimentos, impulsos e traços idiossincráticos sejam, senão sacrificados, pelo menos regulados em níveis razoáveis, o que restringe a independência funcional, relativizando-a.

Um promotor do meio ambiente busca na sua atividade um aspecto específico do bem comum, mas há, ao lado dele, um corpo institucional que transcende a divisão de trabalho e tem como objeto próprio o bem comum geral, do qual diferentes aspectos constituem outros tantos objetivos próprios de cada um de seus membros, quando estes não se reúnem nem atuam como um corpo. Reunidos todos os agentes, o promotor do meio ambiente, por exemplo, não é mais apenas um membro cuja ação está dedicada exclusivamente ao meio ambiente; é, na circunstância apontada, um membro da instituição dedicado aos fins institucionais gerais, compreendidos e desejados em sua integridade, com todas as relações de prioridade e intercambialidade que implica o bem comum de uma sociedade. É uma tarefa árdua, todavia, abstrair do exercício de uma função ministerial específica para ressaltar o zelo pelos fins gerais da instituição. Aqui nos defrontamos com o maior dos inimigos: os hábitos mentais dos especialistas.

É certo que os membros de uma estrutura administrativa e funcional (a exemplo do Ministério Público), com frequência, não compreendem, de modo suficientemente claro, o que, coletivamente, estão fazendo e nem sempre desejam, com igual entusiasmo, o efeito de sua ação comum. Isso indica que na medida em que há falta de conhecimento ou de engajamento afetivo (vontade, devotamento e elevado senso de dever), relativamente ao objeto de ação comum, a instituição acaba sendo precariamente integrada, insuficientemente organizada e com um padrão incerto de eficiência.

Fortemente influenciada por antigos princípios doutrinários hauridos da tradição francesa, diz Mazzilli (2002), a Constituição brasileira de 1988 consagrou como princípios institucionais do Ministério Público a unidade e a indivisibilidade, mas, em vez de a eles acrescentar o princípio hierárquico do Parquet francês, ao lado dos primeiros somou o princípio da independência funcional.

Carvalho/Leitão (2010, p. 403) em estudo sobre o novo desenho institucional do Ministério Público e o processo de judicialização da política concluem que a independência funcional dos promotores e a consequente falta de uma estrutura hierárquica criam uma barreira à formação de políticas institucionais uniformes. Por um lado, existe alguma vantagem, já que os promotores e procuradores têm mais liberdade para se adaptar às realidades específicas, “podendo tomar medidas inovadoras que seriam dificultadas se fosse necessário esperar uma ordem da cúpula do Ministério Público” (Kerche, 2003, p. 119)[22]. Por outro lado, esse desenho diminui a garantia de que todos os cidadãos devem ter seus direitos defendidos de forma isônoma.

De fato, como diz Yves Simon (1955, p. 27), a unidade de ação depende da unidade de juízo, e esta se obtém por via da unanimidade ou por via da autoridade; terceira hipótese não é concebível. Ou bem julgamos todos que devemos agir de um determinado modo, ou damos por entendido, entre nós, que, sejam quais forem nossas preferências, assentiremos em uma só decisão e seguiremos a linha de ação que ela prescreve. Pode o juízo em questão ser formulado por uma pessoa com função dirigente, pela maioria, ou por uma maioria dentro de uma minoria dirigente: no caso, a diferença é mínima. Mas submeter-me a um juízo que não exprime, ou pelo menos pode não exprimir, o meu ponto de vista próprio, a respeito de algo a se fazer, é obedecer a uma autoridade. Logo, se é incerta a unanimidade, e só quando o é, torna-se necessária a autoridade para assegurar a unidade de ação. O ponto está em saber se haverá um modo melhor que o casual de estabelecer unanimidade entre agentes independentes.

Se não podemos formatar a unidade de ação sobre o requisito da autoridade pelo fato da instituição não possuir e nem aceitar (constitucionalmente) uma estrutura hierarquizada (no viés funcional), sempre é possível que haja unanimidade ou assentimento majoritário em torno de propostas de ação, basta que sua demonstração se evidencie a todos (com inteligências científica e institucionalmente bem preparadas). Além disso, num meio funcional constituído de agentes perfeitamente inteligentes, bem informados e com a virtuose do Direito, haverá seguramente acordo entre eles, relativamente a juízos prudenciais que se refiram à melhor forma de alcançar e preservar o interesse público da comunidade – acordo que não é devido a nenhuma demonstração, mas à retidão comum de suas aspirações jurídicas e institucionais para o fim público.

É óbvio que a problemática da situação não reside no fim, mas nos meios para alcançar o fim. Se existe mais de um meio para obter o bem comum, nenhum deles goza de superioridade e não há fundamento de espécie alguma para a unanimidade. Qualquer divergência é permitida, sem que importe em erro de vontade ou de inteligência. No caso do Ministério Público, o único meio disponível para atingir o fim comum é o Direito, sendo tanto possível a unidade de ação (por unanimidade ou assentimento majoritário) quanto a exclusão da autoridade para a ação uniforme. Todavia, a independência funcional fundada na consciência de cada agente é um elemento que gera indeterminação dos meios para alcançar o fim. Variáveis como a falta de cultura, espírito de rotina, deficiência de intercambialidade e posições político-ideológicas fazem surgir uma pluralidade de meios onde, na realidade, existiria um meio só.

Como destaca Fiona Macaulay (2005, p. 20), a estrutura do Ministério Público com as suas unidades especializadas e de alto grau de autonomia, resulta em “células” ativistas relativamente isoladas de seus colegas e superiores e de outras instituições de justiça. Além disso, pulveriza as suas ações de acordo com as visões pessoais de seus agentes (ressentindo-se de uma certa homogeneidade de ação).

É por isso que o princípio da independência funcional deve ser pensado e operacionalizado sobre novas bases, de modo a impedir que a atuação da instituição disperse-se em múltiplas atuações individualistas e fragmentadas, sem obedecer a um somatório organizado de esforços tendente ao cumprimento das metas e atingimento dos objetivos estratégicos traçados institucionalmente.

8.2- Insuficiência de recursos materiais e humanos

A assunção e a implantação consciente desse novo modelo resolutivo não podem ficar limitadas às iniciativas individuais de membros à frente de seu tempo, mas deve ser fruto de um planejamento estratégico da própria instituição. Como objeto de uma ação coletiva e institucional, o novo método de atuação vai exigir um maior aporte de recursos materiais e humanos.

O atual modelo demandista requer da instituição para funcionar um espaço físico mínimo (muitas vezes não pertence à instituição, mas é cedido nas dependências dos fóruns e tribunais), material de escritório e tempo. Já o perfil resolutivo, por implicar num projeto identitário, exigirá, além de uma profunda (e permanente) capacitação dos membros, novos serviços auxiliares (como equipe técnica pericial e multidisciplinar – contadores, técnicos ambientais, especialistas em saúde, educação etc.), programas de aperfeiçoamento contínuo dos servidores etc.

8.3- Novo regime de capacitação e mobilização dos agentes ministeriais

Com a ineficiência do modelo puramente demandista em responder às demandas ou aos conflitos sociais, surge no horizonte institucional meios alternativos de resolução de conflitos. Esses meios, entretanto, pressupõem que a instituição esteja devidamente aparelhada, tanto em estrutura física quanto humana, para fazer frente aos novos desafios.

Como esse novo momento institucional implica numa quebra de paradigma, é necessário que os agentes ministeriais estejam devidamente capacitados para exercer as novas funções que se espera deles. Mediação, negociação, transação e conciliação são alguns mecanismos que, doravante, farão parte do manual de atuação do Ministério Público. Portanto, técnicas de persuasão, de diálogo e de articulação deverão, necessariamente, fazer parte de seu aperfeiçoamento funcional.

Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. A nova dinâmica resolutiva do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4240, 9 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30584. Acesso em: 22 nov. 2024.

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