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Controle judicial das políticas públicas

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Agenda 11/08/2014 às 15:23

 

  1. Introdução

As Políticas Públicas, de início, conhecidas por comporem o ramo da Ciência Política, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que atribuiu força normativa ao texto constitucional, passaram a ser, também, objeto de estudo da Ciência do Direito, como consequência receberam uma definição jurídica.

De tal sorte, que o ingresso da Política Pública no ramo jurídico acarretou seu controle pelo Poder Judiciário, o que inexoravelmente implicou em um choque entre o Direito e a Política, sendo necessária a delimitação de cada área e a definição do papel a ser exercido dentro do Estado Democrático de Direito por cada ramo.

Com efeito, o presente artigo, em síntese, trará o conceito jurídico da Política Pública, descrevendo a relação da Política com o Direito, tentando desvendar o mito da separação de poderes, imprestável para o Estado Democrático de Direito (Social), afirmando a possibilidade de controle judicial das Políticas Públicas, alertando para alguns riscos dessa atividade, por fim, explicitando o procedimento que deve ser adotado pelo o Judiciário, que por razões democráticas também é fiscalizado pelo campo político.

  1. Política Pública sob a conceituação do sistema jurídico
    1. Conceito utilizado no presente artigo

Prima facie, importante destacar que a incorporação da Política Pública ao mundo jurídico é um fenômeno relativamente recente, marcado pela promulgação da Constituição Federal que, por um lado, atribuiu força normativa ao texto constitucional, por outro, possibilitou a autonomia do Judiciário o que ensejou a possibilidade de um controle mais efetivo. Desta feita, é de suma importância conceituar em termos jurídicos o que se entende por Política Pública.

Pois bem, o conceito adotado, no presente artigo, se pautará na definição da professora Maria Paula Dallari Bucci[1], qual seja:

Política Pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.

Como tipo ideal, a Política Pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.

  1. Programa

Dessa forma, Política Pública, segundo o conceito acima destacado é “Programa”, isto é, um conjunto de normas que os governos adotam para a consecução de objetivos, por meio de planos de ação e por uma regulamentação administrativa dos grupos alvos[2], em outras palavras, é, senão, o delineamento geral da Política Pública.

Nesse diapasão, Bucci vale-se da expressão programa, pois entende que sua utilidade é “individualizar unidades de ação administrativa, relacionadas aos resultados que se pretende alcançar[3]

Portanto, por um viés mais prático, programa é fruto do resultado das propostas do governo apresentadas perante o parlamento, de maneira individualizada, buscando atingir aos fins constitucionais, tendentes a alterar a realidade social. Por isso que a “dimensão material da Política Pública está contida no programa. É nele que se devem especificar os objetivos a atingir e os meios correspondentes”[4].

Nesse ponto, o programa é essencial, posto que por intermédio dele permite-se que o Judiciário controle a Política Pública sempre tendo em vista da realidade fática, isto porque, o programa é um instrumento que possibilita, não só, a verificação dos objetivos, mas também, os meios a serem utilizados e a forma de ação estatal.

  1. Ação Coordenada

Historicamente, a “Ação” estatal é fruto da passagem do Estado Liberal abstencionista, para o Estado Social intervencionista, de maneira que em razão dessa transformação compete ao Estado agir, atuar, ser positivo, ou seja, por meio de atos próprios deve ter o condão de alterar a realidade social, em busca dos fins constitucionais, mas não somente de maneira formal, que se mostrou insuficiente, porém sim, sobretudo, de forma substancial.

Pois bem, a ação é fundamental para que a Política Pública seja concretizada, ou seja, por meio da ação estatal é que a Política Pública torna-se dinâmica, vale dizer, é posta em movimento, sendo capaz de atingir a finalidade insculpida no programa para alcançar a realidade fática e alterá-la.

Por conseguinte, a ação é fundamentalmente governamental, devendo o governo se preocupar com a coordenação da aplicação da Política Pública, tanto em relação aos outros poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, quanto em relação aos entes federados, União, Estado, Municípios e Distrito Federal, com efeito, não basta apenas agir, a atuação deve ser coordenada.

Sob esse prisma, ao judiciário, em sua área de atuação de controle, competirá verificar se a ação governamental corresponde ao programa, bem como se não ferirá a coordenação de outras políticas públicas.

Desta feita, comporta esclarecer, em que pese a ação seja fundamentalmente do governo, como dito alhures, a mesma depende, em um Estado Democrático de Direito, da participação ativa dos cidadãos que, por meio jurídicos ou não, podem corrigir as políticas públicas.

Impera esclarecer que no presente artigo não cabe elencar todas as formas participativas, de qualquer forma, a Constituição Federal possibilitou, ao cidadão, o ajuizamento da Ação Popular, para de maneira isolada, combater os eventuais vícios da Política Pública, acresce-se, ainda, que o cidadão pode agir em grupo por meio de associação, sindicatos ou até mesmo representados pelo Ministério Público, ajuizando Ações Coletivas.

Nesse sentido, a título de exemplo pode-se citar as Ações Coletivas, previstas no Código de Defesa do Consumidor, ou a própria Ação Civil Pública, ou ainda a Ação de Improbidade Administrativa, entre outras modalidades jurídicas. Nota-se que, por intermédio das Ações Coletivas, o Judiciário novamente volta a ser palco do debate e resolução da política.

Em síntese, não só o programa que estabelece a Política Pública pode ser controlado pelo Judiciário, mas também o programa posto em dinâmica, em movimento, vale dizer, a ação governamental pode ser corrigida e adequada conforme a realidade fática e os fins constitucionais, pelo órgão judicante.

  1. Processo

Por fim, ainda dentro do conceito adotado de Política Pública, no artigo em tela, encontra-se o elemento processo, nesse sentido, o “processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição dos interesses públicos reconhecidos pelo direito[5].

Ou seja, o processo é um conjunto de atos regulados juridicamente, daí o porquê a possibilidade de seu controle pelo Judiciário, seja no próprio processo eleitoral, de planejamento, orçamentário, legislativo, administrativo.

Enfim, somente pelo conceito teórico-jurídico de Política Pública já é possível concluir-se pela sua correção pro intermédio da atuação do Judiciário, seja em razão do programa, da ação coordenada ou do processo, contudo, na prática, existem rusgas entre o campo Político e Jurídico, já que o tema Política Pública é de intersecção das duas ciências.

  1. Relações entre Política e Direito

A Política Pública era originária e exclusiva da área afetada ao campo da ciência política, contudo, hodiernamente, também passou a ser objeto da ciência jurídica, notadamente pelo ganho de força normativa da Constituição, isto porque, essa deixou de ser mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, passando a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata pelo Judiciário[6].

Nesse ponto, reitera-se, a própria Constituição aumentou a zona de contato da Política com o Direito, seja por regular as duas áreas, seja porque ganhou força normativa, seja porque atribuiu competência ao Judiciário para fiscalizar e regular os atos do Legislativo e Executivo, seja porque atribuiu autonomia ao órgão judicante.

Pois bem, da relação necessária entre Política e Direito, este último aparecerá como solução para o problema político, atuando como um limite ao abuso e à restrição de liberdade[7], desde que de forma razoável, em respeito ao Estado Democrático.

Por outro lado, o Direito internamente teve que lidar com um aparente paradoxo, qual seja, o fato de que a origem de seu principal objeto de estudo, a norma jurídica, ou mais propriamente a regra jurídica advém da campo político[8], o que, aliás, ocorre com a Política Pública também.

Entrementes, o referido paradoxo ou conflito é apenas aparente, pois esse sistema faz parte da democracia, sendo salutar, como forma de controle de pesos e contrapesos, ou seja, o “povo” (maioria) escolhe seus representantes, para elaborar a regra de seu interesse, que depois, no caso concreto será analisada pelo Judiciário, na qualidade de guardião da Constituição, de maneira contra-majoritária, com o escopo de assegurar direitos fundamentais previstos na própria Lei Maior, sem se perder de vista a complexidade da sociedade.

Nesse passo, caberá à ciência jurídica integrar, interpretar e até construir o Direito, (frisa-se, o Direito, e não a regra), por meio de seu entendimento sobre a regra elaborada pelo campo político, por conseguinte, a atividade jurídica também é criacionista, pois diante do caso concreto será proferida uma sentença fundamentada de acordo com o sistema jurídico (o Direito), esse pressupondo não só a regra, mas também os princípios.

De qualquer forma, a metodologia jurídica e a política não podem ser separadas, por completo, ou seja, a atividade jurídica é uma atividade política guiada por normas jurídicas[9]. Embora sejam ciências autônomas é evidente a interação dessas áreas, sem que haja preponderância de uma sobre a outra, mas um enlace de funções que se complementa (tópico 4).

O Estado contemporâneo, como dito alhures, é dirigente, intervencionista e gestionário, na visão de Patrícia Helena Massa-Arzabe, necessita de um modelo jurídico próprio, denominado por “direito das políticas públicas”[10], ou seja, um ramo jurídico específico para tratar de Política Pública.

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Certo é que o Estado deve promover os direitos sociais, fundamentais, seja por meio do direito das políticas públicas como novo ramo do direito, seja em razão do direito público tradicional, seja em razão da ordem constitucional, ou por sua natureza social de segunda dimensão.

Particularmente, no Brasil, a atual Constituição Federal instituiu a República Federativa a constituindo em um Estado Democrático de Direito, porém, mais que isso, pelo seu conteúdo material, o Estado é também Social, vale dizer, o Estado Social pressupõe uma ação do Estado (tópico 2.1.2), o que, aliás, também pressupõe o próprio conceito de Política Pública, não mais um abstencionismo como o Estado Liberal Burguês.

Nesse passo, os objetivos fundamentais da República são: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação; nos termos do art. 3º da CF.

Para alcançar tais objetivos, além de outros, o governo, na figura do Executivo ou Legislativo (Política), age por intermédio das políticas públicas, que têm distintas formas jurídicas (Direito) podendo ser oriunda da Constituição Federal (que tem força normativa), de Leis, normas infralegais, ou até mesmo em contratos de concessão de serviços públicos, todos sob a égide do Direito.

Em síntese, inolvidável que as Políticas Públicas tem razão de ser, qual seja, atingir aos fins essenciais para a promoção de direitos fundamentais, ocorre que para alcançar os objetivos fixados na Constituição há um dispêndio econômico, tendo em vista que os recursos são limitados, como consequência a Lei Maior vincula as escolhas em matérias de políticas públicas e distribuição dos recursos[11].

Desta feita, fica clara a relação entre a Política e o Direito, criada pela Constituição, pois o primeiro campo faz as escolhas de sua competência, porém, por meio do segundo campo as formalizam, sem prejuízo de ser fiscalizado, em razão do próprio programa, da ação coordenada, ou do processo, tanto em sua forma, quanto em seu conteúdo, pelo sistema jurídico.

  1. O mito da separação dos poderes

De plano, em se tratado da relação entre Política e Direito, de controle simultâneo, descrita no tópico anterior (tópico 3), não há como não mencionar a Teoria da Separação de Poderes de Montesquieu[12].

Como é cediço, a referida teoria divide o poder (entendido hodiernamente como função) em três partes estanques, Legislativo que teria o papel de criar as regras, Executivo que teria a função de cumprir as regras, e, Judiciário que teria a incumbência de julgar casos concretos em face das regras.

Pois bem, segundo esse modelo os órgãos eram separados e não poderiam ingerir nas funções dos outros, o que poderia até fazer algum sentido à época do Estado Liberal observado por Montesquieu, como dito, notadamente abstencionista, negativo.

Nesse diapasão, Louis Althusser, crítica esse modelo escrevendo sobre o mito da separação dos poderes[13], citando Eisenmann, afirma que não existe a separação pura das funções expondo uma série de exemplos, toma-se a liberdade de adaptar ao caso brasileiro, desta forma, nota-se que o Executivo ingere no Legislativo ao exercer o direito de veto; o Legislativo ingere no Executivo ao fiscalizá-lo, controlando a aplicação da lei votada, derrubando o veto, solicitando contas aos ministros; o Legislativo usurpa função do Judiciário ao julgar o Presidente da República em casos especiais e nas Comissões Parlamentares de Inquérito[14].

Por conseguinte, as referidas ingerências na verdade revelam um sistema de controle recíproco que é salutar para a democracia, haja vista que não há um poder soberano, apenas repartição de competências e funções, sendo que o poder, na realidade, emana do povo.

Acresce-se, ainda no Brasil, que o sistema adotado é o presidencialista pautado pelo princípio da separação e independência entre os poderes, entretanto, o referido sistema estimula o conflito, haja vista que a Constituição fortaleceu o Legislativo, ampliando sua capacidade de fiscalizar e controlar o Executivo e ao mesmo tempo facultou ao Executivo a possibilidade de legislar por meio de medidas provisórias, desta forma aumentou-se, sobremaneira, a responsabilidade do Judiciário, em exercer a mediação política entre os dois outros poderes, bem como no controle constitucional dos atos legislativos e de governo[15].

Ademais, tentando afirmar a inexistência da separação pura, ainda pautado em Eisenmann, Althusser[16] conclui que, na prática, para Montesquieu, o Judiciário não era um poder em si, mas apenas competente para decidir casos concretos, sendo o juiz a “boca da lei”.

Com efeito, conclui-se que, na verdade, não há uma simples separação estanque dos poderes, como acreditava Montesquieu ao vislumbrar o Estado Liberal, mas sim, sobretudo, um enlace, uma combinação, dessas atribuições.

Portanto, o “mito da separação” é matéria mais afetada ao campo político do que o campo jurídico, pois nesse último há a repartição de competências entre as funções, bem como a possibilidade de fiscalização recíproca, uma controlando a outra.

Y que se trata ante de todo de um problema político de relación de fuerza, em vez de um problema jurídico que concierne a la definición de la legalidade y sus esferas[17].

Indeclinável que o papel do Direito é fixar até que ponto a atuação se dá em razão do enlace e até que ponto houve usurpação de função, por óbvio, tal atividade é mais complexa na sociedade atual do que na época de Montesquieu, como dito alhures, em que o Estado era Liberal, com o contemporâneo Estado Social fixaram-se objetivos na Constituição, para todos os órgãos que por formas jurídicas lançam políticas públicas.

Deste modo, não há óbices ao controle das políticas públicas, por parte do Judiciário, ante a Teoria da Separação de Poderes, pois essa não representa mais os objetivos do Estado Social, entretanto é óbvio que as funções típicas de cada órgão devem ser respeitadas, o que não quer dizer que não serão controladas, dentro dos parâmetros constitucionais.

  1. Controle das políticas públicas pelo judiciário

Como efeito, se as políticas públicas se instrumentalizam, por meio de formas jurídicas, se seu conteúdo material, vale dizer, sua finalidade, está descrito no bojo da Constituição Federal, que tem como seu guardião o Supremo Tribunal Federal (art. 102, CF), como consequência direta haverá um controle judicial sobre elas.

A princípio, aparentemente, não há maiores controvérsias sobre o controle formal das políticas públicas, nessa órbita, cabe ao Direito verificar se foram observados os requisitos legais no processo de elaboração de uma determinada política, sem adentrar na finalidade e no mérito da escolha política.

Contudo, menos pacifico é o controle material da Política Pública, ou seja, a controvérsia se instaurará quando o Judiciário decide sobre o conteúdo da Política Pública, isto é, sobre a opção política feita pelo governante para atingir aos fins colimados na Constituição.

Sob esse aspecto, o controle material da Política Pública passou a ser possível em razão da judicialização da política, ocasionada por três fatores, primeiro a redemocratização do Brasil, em segundo lugar pela constitucionalização abrangente e em terceiro pelo sistema de controle de constitucionalidade brasileiro[18].

Indiscutivelmente a Constituição Federal de 1998 criou um “novo” Estado com “novos” princípios necessitando de um “novo” direito, em resposta ao regime militar a democracia foi amplamente difundida, por consequência, a Lei maior, no dizer de Barroso[19], representou uma mudança substancial no perfil do Judiciário, o trazendo para o centro da vida pública, com um papel de protagonista, in verbis:

No caso brasileiro, a Constituição de 1988, seguindo estas tendências, redefiniu profundamente o papel do Judiciário no que diz respeito à sua posição e à sua identidade na organização tripartite de poderes e, conseqüentemente, ampliou o seu papel político. Sua margem de atuação foi ainda alargada com a extensa constitucionalização de direitos e liberdades individuais e coletivos, em uma medida que não guarda proporção com textos legais anteriores. Dessa forma, a Constituição de 1988 pode ser vista como um ponto de inflexão, representando uma mudança substancial no perfil do Poder Judiciário, alçando-o para o centro da vida pública e conferindo-lhe um papel de protagonista de primeira grandeza.

Com a promulgação da atual Constituição, o Brasil passou, pelo menos formalmente, a vislumbrar liberdade, igualdade, recuperando algumas garantias de órgãos institucionais como o Ministério Público, Judiciário, ou seja, “a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira[20].

Pois bem, com a redemocratização o Judiciário passou a ser um órgão autônomo com liberdade para tomar decisões, inclusive contra o próprio governo, possibilitando-se assim controlar as políticas públicas.

O segundo ponto foi a abrangência da Constituição que transformou parte da matéria Política em matéria de Direito, ou seja, a constituição agasalhou uma série de direitos anteriormente vistos como infraconstitucionais os constitucionalizando, de maneira que alguns direitos passaram a ter feição constitucionais.

Desta forma, inarredável que novos direitos foram incorporados no seio da Constituição, o que ocasionou uma maior complexidade para o sistema político que teve que fomentar mais políticas públicas e para o jurídico que teve seu papel de fiscalizador alargado, e, portanto, na medida em que as políticas públicas também aumentaram quantitativamente, sua atuação aumentou.

O terceiro fator é o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro que é conhecido por ser misto, uma mescla do sistema americano e europeu, com controle difuso e concentrado das regras e atos administrativos, portanto, a própria Constituição Federal fixou os limites de atuação do Poder Judiciário, atribuindo-lhe competência para verificar de maneira difusa ou concentrada se houve inconstitucionalidade ou então se uma determinada Política Pública atingiu a finalidade constitucional.

Nessa órbita, o controle de constitucionalidade das políticas públicas pelo Judiciário, não tem razão de ser apenas pelo descumprimento da Constituição Federal, mas também por intermédio do cotejo do ato com os fins do Estado[21].

Sobre o conteúdo material e formal, Fábio Konder Comparato entende que uma lei atinente a uma Política Pública pode ser inconstitucional, sem que a própria política o seja, por outro lado, a finalidade almejada por uma Política Pública pode ser inconstitucional, sem que a lei instituidora o seja[22].

De qualquer maneira, a conclusão que se chega é que a Política Pública, tanto em sua forma, o que não tem qualquer discordância, mas também quanto a sua finalidade, pode ser controlada pelo Poder Judiciário se em desconformidade com a Constituição.

  1. Limites ao controle jurídico

Impera destacar que o controle pelo judiciário da Política Pública deve obedecer a certos limites, impostos pela própria Constituição, visto que ela deve ser elaborada pelo âmbito político, e tão somente controlada pelo Judiciário, não podendo o julgador criar a Política Pública por meio de suas decisões. Nessa linha, impera destacar a posição de Barroso[23], senão veja-se:

O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.

Em síntese, o Judiciário não pode mais ser um órgão passivo, quando chamado a julgar inconstitucionalidades, como foi na época da ditadura militar, em que não controlava os excessos do Executivo e do Legislativo, para a defesa dos direitos fundamentais, por outro lado, não pode, com suas decisões, passar a criar a Política Pública, de forma discricionária, ao seu alvitre, seu papel é o de corretor dos atos administrativos, sempre tendo em vista a realidade fática em confronto com o determinado pela Constituição.

Nessa senda, ressalva-se, como o faz Barcellos[24], que não significa dizer que a Constituição possa invadir o espaço da deliberação majoritária a despeito das políticas públicas ou do destino a ser dado pela verba pública, mas o contrário, in verbis:

Em um Estado Democrático, não se pode pretender que a Constituição invada o espaço da política em uma versão de substancialismo radical e elitista, em que as decisões políticas transferidas, do povo e de seus representantes, para os reis filósofos da atualidade: os juristas e operadores do direito em geral. A definição dos gastos públicos é, por certo, um momento típico da deliberação político-majoritária; salvo que essa deliberação não estará livre de alguns condicionantes jurídico-constitucionais.

Ademais, ao analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, notadamente a ADPF 45-9, Ada Pellegrine Grinover[25], concluí que são necessários certos requisitos para que o Judiciário possa intervir no controle de políticas públicas, quais sejam, o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido pelo cidadão; a razoabilidade da pretensão deduzida em juízo; e, a existência de disponibilidade financeira do Estado para tomar efetivas as prestações positivas reclamadas.

Nesse ponto, é tormentoso o papel da definição do que é o mínimo existencial e o significado de dignidade da pessoa humana, por isso, será adotado o posicionamento doutrinário acima, deste modo, quando houver o descumprimento desse núcleo central, ou seja, descumprimento do mínimo existencial, será cabível a intervenção do Judiciário, na correção e implementação da Política Pública.

Insta salienta que essa intervenção deverá ser feita sob o fio condutos instrumental da razoabilidade e proporcionalidade, ou seja, com a busca do justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados, isto é, quando o julgador tiver que analisar o mérito da Política Pública, deverá se valer dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para saber se o administrador pautou sua conduta de acordo com o estabelecido na Constituição e nas leis[26].

Em outras palavras, deverá verificar se a finalidade da Política Pública alcançou os objetivos constitucionais, em respeito à proporcionalidade, bem como se o modo utilizado pelo político está dentro do esperado, se ele é moderado para atingir tais fins, cumprindo-se assim a razoabilidade.

A razoabilidade é utilizada quando: a) houver adequação entre o fim almejado e o instrumento utilizado; b) não houver meios alternativos, menos gravosos, para se chegar ao mesmo resultado; e, c) houver proporcionalidade, ou seja, o que se perde com a ato é de maior relevo do que aquilo que se possa ganhar eventualmente com sua validade.

Em síntese, por força do espírito democrático, a atuação do Judiciário é subsidiária a do Poder Político, ou seja, a escolha dos valores e interesses prevalentes, prima facie, repousa sobre o Executivo e Legislativo, destarte, o Judiciário, ordinariamente, deve acatar as ponderações de interesse realizadas pelo legislador, contudo, deverá desconsiderá-las ou invalidá-las, excepcionalmente, se forem desarrazoadas ou se contrariarem a pauta axiológica subjacente do texto constitucional[27].

Por fim, mas não menos importante, a concretização das políticas públicas depende da disponibilidade financeira, a chamada reserva do possível, que, aliás, é a justificativa mais utilizada pelo poder público na via judicial[28].

Portanto, cabe ao judiciário verificar os motivos pelos quais a Política Pública não foi exitosa, pois pode ser que não haja disponibilidade financeira para que a política possa ser posta em prática.

Nesse caso, deve o Judiciário, segundo o entendimento de Ada Pellegrine Grinover, ao decidir, impor ao governo que na proposta orçamentária faça constar à verba necessária para a implementação da Política Pública no próximo ano, e em caso do descumprimento do orçamento, deverá o órgão judicante apurar a responsabilização do chefe do Executivo por improbidade administrativa e a intervenção federal ou estadual, e em âmbito mais limitado imputar ao governante o crime de responsabilidade[29].

Outrossim, existem outras sanções para as omissões, como a imposição ao pagamento de multa (astreinte) em razão do descumprimento, total ou parcial, de determinações judiciais, antecipatórias ou finais, em montante a ser fixado com vistas à gravidade da conduta, não superior a 20% sobre o valor da causa, sob pena de inscrição do valor como dívida ativa, nos termos do art. 14, V, do CPC cumulado com a Lei nº10.358/2001[30].

Ainda, acresce-se, entendimento extremado, no qual prevê a possibilidade, como forma de coação pelo desrespeito a implementação da Política Pública, em caso específicos, a prisão civil, por ato atentatório ao exercício da jurisdição, por ordem fundamentada da autoridade competente[31].

Somam-se, a responsabilidade administrativa, calcada na Lei nº 1.079/50 e Decreto-Lei nº 201/67, responsabilidade criminal, com fulcro no art. 319, do Código Penal, e responsabilidade civil, por inquérito civil ou termo de ajuste de conduta, ações coletivas, mandado de segurança coletivo, ação civil pública[32].

Posto isto, pode-se concluir que o Judiciário poderá atuar na correção das Políticas Públicas, a) quando não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, ou seja, na omissão; b) havendo o descumprimento de lei e atos administrativos que macule a Constituição procedimentalmente; c) havendo lei e atos administrativos regularmente aplicados, eventual atuação jurisdicional deverá ser parcimoniosa com a marca da autocontenção[33].

Se o presente trabalho concluiu pela possibilidade de atuação do judiciário para o controle das políticas públicas, tanto de maneira formal como finalística, importante se alertar sobre alguns supostos riscos de tais intervenções em face da análise da doutrina.

  1. Supostos riscos do controle judiciário

Nessa seara, Luís Roberto Barroso[34] destaca os supostos riscos da judicialização da política, vale dizer, do controle indevido das Políticas Públicas, fora das hipóteses previstas acima (tópico 6), o primeiro risco seria à legitimidade democrática, segundo a politização indevida da justiça[35].

Sob a legitimidade da democracia, essa sofreria riscos, uma vez que membros do Judiciário estariam decidindo sobre Políticas Públicas, sem serem eleitos para tanto, a indagação seria como poderia uma pessoa, sem receber qualquer voto, decidir sobre a finalidade de uma Política Pública, em substituição a um político escolhido pela maioria?

De início, impera esclarecer que esse aparente conflito, tem como fundo o Estado Democrático de Direito, estabelecido no art. 1º da Constituição Federal, explica-se, por democrático, a grosso modo, entende-se a soberania popular e o governo da maioria, já por Constitucionalismo, derivado do Estado de Direito, entende-se limitação de poder e supremacia da lei.

Desta feita, constitucionalismo pressupõe respeito aos direitos fundamentais, democracia pressupõe maioria, todavia, pode ocorrer de a maioria política vulnerar direitos fundamentais, logo, quando isso ocorrer, insofismavelmente, o Judiciário será chamado a agir[36].

Ocorre que, foi a própria Constituição Federal que atribuiu expressamente ao Judiciário, notadamente ao Supremo Tribunal Federal, poderes para rever as políticas pública[37], se essas não observarem os parâmetros (materiais e formais) descritos na Lei Maior, não seria razoável presumir que o Poder Político, somente porque é representativo, tudo pode, agindo em contrariedade à norma constitucional.

A possibilidade de revisão da Política Pública pelo Judiciário é um fato na maioria dos países democráticos ocidentais que atribuem poderes a pessoas não eleitas, a decidirem de maneira técnica e imparcial, de forma contramajoritária[38], com o fito de que não haja uma imposição da maioria sobre direitos fundamentais de uma minoria.

Isto porque, nem sempre o que a maioria decide está de acordo com os direitos fundamentais, o Judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal, não pode permitir que uma lei, a despeito de ter sido votada pelos representantes do povo de forma a representar a maioria, a título de exemplo, determine a castração de homossexuais, por entender ser a homossexualidade uma patológica.

De mais a mais, o outro aspecto é o risco de politização da justiça, no presente trabalho já se escreveu em tópico separado as relações de Direito e Política (tópico 3). Sem volver ao que já foi aduzido na parte inicial, cabe destacar o pensamento de Luís Roberto Barroso[39] sobre o tema:

Direito é política em sentido de que (i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, consequentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que formula.

Portanto, o julgador estará mergulhado na realidade social a qual deverá analisar, não sendo fácil fazer essa cisão entre política e direito, contudo, como dito alhures (tópico 6) a decisão terá de ser fundamentada conforme uma lógica jurídica.

Desta feita, percebe-se a imbricada relação entre a política e o direito, por meio de uma visão que supere a separação de poderes vista como estanque, reconhecendo-se que em que pese haja funções distintas, há um enlace entre os órgãos competentes por tais atividades[40].

Contudo, resta esclarecer que se o Judiciário controla as políticas públicas e aparentemente está se imiscuindo na política, o campo político também fiscaliza o Judiciário, situação que corrobora o Estado Democrático, reforçando a teoria do controle dos atos administrativos.

  1. Conclusão

Sem volver as conclusões de cada parte do texto, o importante é deixar claro que a passagem do Estado Liberal para o Estado Social fez com que o governo se movimentasse no sentido de buscar a igualdade material entre seus cidadãos, portanto, foi obrigado a lançar mão das Políticas Públicas.

O Estado Social, no Brasil, é inferido do texto constitucional, que ganhou força normativa, trazendo em seu bojo um extenso rol de direitos fundamentais a serem cumpridos pelo Estado, sendo um verdadeiro elo entre o ramo da Política e o Direito, bem como trouxe uma maior autonomia ao Judiciário, possibilitando sua atuação no descumprimento das normas constitucionais.

Destarte, de maneira reflexa houve a jurisdicização das Políticas Públicas, sendo trazida para o mundo jurídico, de maneira que seu controle pode ser justificado pelo seu próprio conceito jurídico que prevê programa calcado em normas jurídicas, ação coordenada estatal por meio de instrumentos jurídicos e processo que deve obedecer a parâmetros legais.

Em outras palavras, compete o controle das políticas públicas ao Judiciário, primeiro, em relação ao programa para verificar se o conjunto de normas que o governo adotou se coadunam com o sistema jurídico, vale dizer, se são formalmente válidas, depois, se o conteúdo do programa, em sua dimensão material, especificou corretamente os objetivos e os meios a serem alcançados; segundo, em relação à coordenação da ação, se de fato há uma correspondência entre o programa e a ação, se a ação não ferirá outras Políticas Públicas de outros entes, bem como se ambos são capazes de atingir a finalidade; por último, se o processo está em conformidade com a regulação jurídica.

Ademais, o mito da separação estanque dos Poderes não é mais fator que justifique a inércia do Judiciário, que não pode ser um órgão passivo, quando chamado a atuar, como foi na época da ditadura militar, no Brasil, para a defesa dos direitos fundamentais, contudo, também não está habilita, por meio de suas decisões, a criar a Política Pública, de forma discricionária, ao seu alvitre, seu papel é o de corretor dos atos administrativos, sempre tendo em vista a realidade fática em confronto com o determinado pela Constituição.

Nesse passo, concluí-se que são necessários certos requisitos para que o Judiciário possa intervir no controle de políticas públicas, como o respeito ao mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; a razoabilidade da pretensão deduzida em juízo; e, a existência de disponibilidade financeira do Estado para tomar efetivas as prestações positivas reclamadas.

Acresce-se que a falta de representatividade do Judiciário não pode implicar na ausência de correção das políticas públicas, posto que nem sempre o que a maioria decide está de acordo com os direitos fundamentais, o Judiciário não pode permitir que uma Política Pública, a despeito de ter sido elaborada pelos representantes do povo, seja contrária à Constituição.

Ante o exposto, diante desses casos difíceis o Judiciário é chamado a intervir devendo apresentar uma resposta dentro dos parâmetros jurídicos, pelo método da ponderação, cuja técnica consiste em sobrepesar qual princípio deve prevalecer no caso em concreto, sob o fio condutor da razoabilidade. 

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Sobre o autor
Gabriel Barreira Bressan

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui graduação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor de Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Santo Amaro - UNISA.

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