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Medo em série.

As reflexões impostas pelos assassinatos de Goiânia.

Agenda 14/08/2014 às 11:00

É difícil dizer o que move a sanha assassina de um criminoso em série, quase sempre permeada por um grave distúrbio psíquico. Porém, é simples identificar um elemento que facilita sua ação: a fragilização da sociedade.

Goiânia, capital do estado de Goiás, se tornou destaque na mídia brasileira e internacional. A ocorrência de assassinatos em série na cidade, vitimando mulheres, vem repercutindo constantemente nos principais jornais do país, chegando às páginas do The New York Times, nos Estados Unidos, e ao portal HLN.be. Desde o início dos ataques, foram mortas 15 mulheres, com ao menos mais duas investidas frustradas. São números relevantes, que recrudescem a já preocupante tendência de alta de homicídios na cidade, cujas taxas aumentaram mais de 45% em uma década, como apontou a edição 2014 do Mapa da Violência.

Diferentemente dos crimes ditos comuns, que têm a motivação patrimonial como elemento característico, os ataques intencionalmente letais, dissociados de outros objetivos, são um fator significativamente potencializador do medo na sociedade. Afinal, ao contrário daqueles em que o criminoso é movido pelo desejo de subtrair algo de valor de suas vítimas, ou mesmo daqueles em que busca saciar um impulso sexual, nos assassinatos em série o que se objetiva é puramente a morte. E, se a morte é o objetivo do criminoso, não há receita para diminuir os riscos de ser vitimado, a não ser se esconder. Contra alguém movido por uma psicopatia homicida, a proteção se resume a não se expor a nada, nem a ninguém.

Os crimes de Goiânia bem demonstram a sensação de impotência da sociedade, pois foram registrados sob as mais diversas situações. A qualquer hora, sem áreas de risco pré-definidas, um indivíduo numa motocicleta se aproxima e atira – ao que se apurou, sem nem mesmo estabelecer um contato com sua vítima. Para quem precisa andar pelas ruas, como se defender?

Contar com a polícia para esclarecer a autoria dos ataques e prender o criminoso é, claramente, insuficiente. Depois do primeiro assassinato, mais 14 mulheres perderam a vida até que surgissem os iniciais indícios de um suspeito. Para elas e suas famílias, nada do que acontecer depois tem a possibilidade de recompor suas perdas ou amenizar a dor.

É difícil dizer o que move a sanha assassina de um criminoso em série, quase sempre permeada por um grave distúrbio psíquico. Porém, é simples identificar um elemento que facilita sua ação: a fragilização da sociedade, da qual foram retirados os meios de autodefesa. Ações destemidas e reiteradas, como as do assassino serial de Goiânia, só são possíveis porque não há, para ele, o risco de ser confrontado por suas vítimas ou, principalmente, por alguém que testemunhe o ataque.

Sempre que acontece um assassinato em massa nos Estados Unidos, nos acostumamos a ver surgir por aqui requentadas discussões sobre um maior controle de armas, ainda que, invariavelmente, isso não possa ter o mais ínfimo efeito para conter as ações. Com ataques de assassinos em série, impõe-se a discussão em outro sentido, dessa vez com uma propriedade muito maior, relativa à permissão de que potenciais vítimas possam se defender ou ser defendidas por quem testemunha uma agressão.

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Não se trata, como muitos insistem em resumir, de estimular que se reaja indistintamente, tampouco de distribuir armas sem critério a uma população. A abordagem precisa ser técnica, relativa ao efeito inibidor que a mera possibilidade de haver vítima ou testemunhas armadas representa para o agressor, algo muito comum aos que se aprofundam no estudo da segurança pública, nele conhecido como Halo Effect – ou “efeito auréola”, em livre tradução. Trata-se, apenas, de se reconhecer a substancial importância de não dar a criminosos a certeza da ausência de reação, seja por suas vítimas, seja por qualquer outro cidadão que presencie a ação.

Nos Estados Unidos, país com 200 vezes mais armas legalizadas do que o Brasil e uma taxa de homicídios sete vezes inferior à nossa (29/100mil aqui contra 4,2/100mil lá), assassinos em série e maníacos sexuais são mote frequente em campanhas publicitárias para estímulo à autodefesa, especialmente de mulheres, suas vítimas preferidas. Há até modelos de armas especiais para o público feminino, com empunhaduras mais delicadas e até cores diferenciadas, como o rosa. Por aqui, notícias sobre a ação de um criminoso serial só escancaram o quão indefesos estamos, fazendo-nos buscar ainda mais refúgio e, paulatinamente, abrir mão de atitudes simples do cotidiano social.

Não é para menos. Para quem não vê o Estado capaz de conter a escalada de homicídios em que estamos atolados e não tem como se proteger, um exemplo como o do assassino de Goiânia difunde não apenas mortes, mas também um enorme medo em série.

Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

Informações sobre o texto

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