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Uniformização da jurisprudência sobre a legislação especial de segurança privada que versa sobre antecedentes criminais de vigilantes

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Agenda 09/12/2014 às 12:15

2 A UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

2.1 O Incidente da Uniformização da Jurisprudência                                                                                                                                               

O incidente da Uniformização da Jurisprudência está previsto no art. 476 e seguintes do CPC, e concede ao Juiz ou às partes a oportunidade de requererem, antes do julgamento da lide por Turma, Câmara ou Grupo de Câmaras do Tribunal, que a matéria divergente seja submetida ao pronunciamento prévio pelo Plenário do Tribunal.

Tal incidente substituiu o Recurso de Revista, abolido pelo atual Código de 1973, mantendo a mesma função anterior, que é a de uniformizar a jurisprudência dos tribunais.

Alexandre Freitas Câmara leciona que a uniformização é “um instituto destinado a diminuir os efeitos maléficos das divergências jurisprudenciais, fazendo com que determinado tribunal se adote sempre uma mesma interpretação da lei”.[24]

Não basta que o julgamento pendente esteja no tribunal, pois somente é cabível a argüição de tal incidente quando o julgamento se processar perante “turma, câmara ou grupo de câmaras”[25].

Tanto os Juízes ou as partes podem provocar a análise prévia do Tribunal por meio do incidente processual da uniformização.

Segundo o art. 476, incisos I e II, do CPC, a solicitação de pronunciamento prévio do tribunal pode ser feita quando:

I-verificar que a seu respeito ocorre divergência;

II- no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras cíveis reunidas.

Alexandre Freitas Câmara entende ainda que o momento considerado adequado para que seja suscitado o incidente da uniformização por qualquer das partes é por meio de “petição ou quando da sustentação oral de suas razões durante a sessão de julgamento”.[26]

Além da divergência ser sobre a questão de mérito ou não, sempre poderá ser sobre “teses jurídicas ou interpretação do direito, de cuja solução dependa o julgamento da causa”[27].

Segundo a doutrina citada, o inciso I do art. 476 é muito amplo e o código sequer indica quais as decisões a confrontar para cogitar da divergência na interpretação do direito.

A esse respeito, entende-se necessária a demonstração da divergência no âmbito do próprio Tribunal, para que seja desde logo reconhecida a divergência e para que seja logo submetida à interpretação do Plenário do Tribunal ou ao Órgão regimental competente (art. 478, CPC).

Reconhecida a divergência, o Tribunal indicará qual a interpretação do direito a ser observada, sendo-lhe vedado apreciar outras questões jurídicas estranhas à controvérsia, devendo apenas dizer qual a tese jurídica que deve prevalecer, ou seja, indicar qual entendimento passará ser dominante no Tribunal sobre o direito controvertido.

É importante ressaltar que “a turma, a câmara ou os grupos ficarão vinculados ao pronunciamento do Tribunal proclamado no incidente da uniformização de jurisprudência”[28].

Por esse motivo é que entendemos pela extrema importância de se provocar o incidente nas causas que versem sobre a aplicação da Lei nº 7.102/83 à segurança desarmada e/ou não ostensiva.

A decisão do Tribunal será irrecorrível, podendo o vencido interpor recurso somente após o órgão suscitante completar o julgamento, mesmo diante da jurisprudência firmada pelo Tribunal[29].

Há outro tipo de incidente, previsto no §1º do art. 555, do CPC, que não deve ser confundido com o da uniformização.

Nesse, há o deslocamento da competência para julgar o próprio recurso para outro órgão mais numeroso indicado pelo regimento interno do tribunal, e só é aplicável à apelação e ao agravo, enquanto o incidente da uniformização é aplicável a qualquer recurso ou processo que esteja sob julgamento dos tribunais, e enquanto ainda não tiver sido encerrado.

Outra grande importância que pode decorrer do julgamento do incidente, e que é de interesse deste trabalho, é que se o julgamento for tomado por votação da maioria simples valerá apenas para a solução do caso concreto, mas, se for tomado pela “maioria absoluta dos membros que integram o Tribunal, será objeto de súmula, e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”[30].

Nesse mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara entende que “havendo tese jurídica que seja adotada pela maioria absoluta dos participantes do julgamento, esta será incluída na súmula da jurisprudência dominante do tribunal, constituindo precedente na uniformização”.[31]

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2.2 A aplicação do instituto da Uniformização de Jurisprudência nos casos da Lei 7.102/83

Após a análise de um dos principais institutos processuais que pode ser utilizado para uniformizar a interpretação da Lei Federal pelos Tribunais Regionais Federais, passaremos a demonstrar como é possível aplicar o incidente da uniformização da jurisprudência com o intuito final de eliminar as divergências de entendimento acerca da interpretação e aplicação da lei de segurança privada.

As decisões judiciais demonstram que a uniformização da jurisprudência no âmbito dos Tribunais Federais pode ser feita por meio do instituto processual da Uniformização da Jurisprudência, fazendo com que determinado Tribunal uniformizasse o entendimento em seus julgados.

De acordo com oentendimento predominante, firmado pela a doutrina e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, o art. 16, inciso VI, da Lei 7.102/83, somente deveria ser aplicado nos casos em que houvesse condenação criminal em desfavor do vigilante e que esta estivesse transitada em julgado, não podendo ser aplicado de forma mais desfavorável à pessoa humana, impedindo seu acesso ao mercado de trabalho antes mesmo de ser considerado culpado por sentença condenatória. 

Se o Superior Tribunal de Justiça editou súmula disciplinando que maus antecedentes, ou seja, antecedentes criminais, somente podem ser considerados como tal após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, desconsiderando a existência de inquéritos policiais e ações penais em curso, torna-se lógica e necessária que seja feita a interpretação restritiva da lei, limitando o alcance e a aplicação do art. 16, inciso VI, da Lei nº 7.102/83.

Agindo de forma prévia, aplicando o art. 16 da lei a toda e qualquer espécie de indiciamento em inquérito policial e ações penais em curso afronta diretamente o princípio constitucional da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Daí a necessidade de uniformizar o entendimento pelos Tribunais Federais para que se torne compatível com o que se encontra já disciplinado pelos Tribunais Superiores.

Aplicando os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, a restrição ao exercício da profissão deve seguir o entendimento firmado pela doutrina citada, fazendo com que a interpretação do art. 16 da Lei nº 7.102/83 seja limitada aos casos de condenação criminal, e não de forma abrangente, com seus efeitos a todos os casos de mera responsabilidade atribuída por inquéritos policiais ou ações penais ainda em curso.

Os processos elencados no capítulo 1.4 demonstram a clara divergência entre as turmas do mesmo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e deste com os demais Tribunais Regionais Federais do País.

Em qualquer dos processos julgados poderia ter sido arguido o incidente da uniformização da jurisprudência, na forma descrita nos capítulos 2.1 e 2.2, ou seja, qualquer das partes poderia ter arguido o incidente da uniformização de jurisprudência, o que traria a consolidação do entendimento acerca da aplicação da Lei 7.102/83 no âmbito de cada um dos Tribunais Regionais Federais do País.

Isto posto, porque, conforme já demonstrado, as causas julgadas pelos Tribunais Federais referentes a aplicação da Lei nº 7.102/83 tratam-se de Apelações Cíveis, Apelações em Mandado de Segurança e Agravos de Instrumento, ou seja, causas que foram, inicialmente, julgadas pela Justiça Federal de 1º grau e tiveram recursos dirigidos e julgados pelos Tribunais Federais de  cada jurisdição.

Diante das aplicações práticas e possíveis da uniformização de jurisprudência, demonstra-se que não basta apenas editar novas leis ou alterar o atual Código de Processo Civil, sem que sejam criados mecanismos para que a busca pela uniformização de jurisprudência passe a ocorrer de forma cogente, imperativa, independentemente da vontade dos Juízes que julgarão os recursos ou das partes envolvidas nos litígios judiciais.

Nesse sentido, foi elaborado por uma Comissão de Juristas o anteprojeto do novo CPC, o qual será deliberado no Congresso Nacional.

Além de outras medidas, foi criado o incidente de julgamento de demandas repetitivas, com vistas a eliminar a insegurança jurídica trazida pelas decisões judiciais divergentes sobre o mesmo tema, em substituição ao instituto da Uniformização de Jurisprudência.

Essa nova forma de incidente foi formulada pelos juristas justamente por reconhecer a posição adotada neste trabalho, conforme trechos da exposição de motivos do anteprojeto, transcritos a seguir:

 [...] haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade [...]

[...] Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização do entendimento dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia [...][32].

Esse novo sistema, criado com inspiração no direito alemão, conforme citado na exposição de motivos, “consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta” (A COMISSÃO).  Segundo a exposição de motivos, tal incidente será instaurado no Tribunal local, por iniciativa do Juiz, do MP, das Partes,da Defensoria ou do próprio Relator, e deverá ser julgado no prazo de até 06 meses.

Segundo ainda a Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto, tal incidente será admissível quando for identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar multiplicação excessiva de demandas e o correlato risco da coexistência de decisões conflitantes, podendo ainda haver a possibilidade de amicus curiae.

Se argüido o incidente, o processo ficará suspenso até o julgamento do incidente, sendo vedada a prática de qualquer outro ato processual. A idéia é de que caberá reclamação ao tribunal caso a tese adotada no julgamento do incidente não seja adotada por outros juízes do mesmo tribunal.

Tal incidente está previsto no art. 848, I, da minuta do novo CPC, elaborada pela Comissão de Juristas e apresentada ao Senado Federal[33].

É importante ressaltar que tal multiplicação excessiva de demandas e decisões conflitantes já ocorre na vigência do atual instituto da Uniformização da Jurisprudência, inclusive sobre a legislação especial de segurança privada. 

Mesmo com a respeitável proposta de alteração legislativa, a qual, se aprovada, ampliará o rol de pessoas que poderão argüir o incidente perante o tribunal e ainda sobre casos de 1ª instância, e não mais de 2ª instância apenas, como é hoje o instituto da uniformização da jurisprudência, se os Tribunais não adotarem medidas imperativas para uma efetiva aplicação do novo incidente de julgamento de demandas repetitivas, de nada valerá a alteração da lei processual civil.

Conforme já exposto neste trabalho, sem normas imperativas que obriguem sua aplicação pelos tribunais, as quais poderiam já ter sido estabelecidas desde a vigência do instituto da uniformização da jurisprudência previsto no atual código de processo civil, por meio do estabelecimento de meios cogentes de sua aplicação no próprio regimento interno do tribunal, o novo incidente não terá sua eficácia pretendida pela Comissão de Juristas.

Portanto, não tendo meios imperativos de sua aplicação, certamente o novo instituto também cairá em descrédito, e os dissídios jurisprudenciais continuarão existindo no âmbito dos tribunais.

Prova maior disso é que, apesar da previsão do instituto da Uniformização de Jurisprudência na lei processual civil, que tem como objetivo uniformizar o entendimento dos tribunais estaduais ou federais sobre determinada matéria, tal procedimento legal não foi aplicado aos casos que envolvem a Lei 7.102/83, apesar de seus quase 20 anos de vigência, resultando no dissídio jurisprudencial existente nos dias atuais.


CONCLUSÃO

Este é o tema deste trabalho, apresentado com o objetivo de demonstrar a ausência de aplicação dos recursos processuais disponíveis em nosso ordenamento jurídico, e que, pela falta de aplicação, tem afetado a todos do segmento da segurança privada e da própria Administração Pública, em razão da insegurança jurídica decorrente da interpretação divergente da lei federal nº 7.102/83 no âmbito dos Tribunais Regionais Federais do País.

A solução dos litígios envolvendo a Administração Pública e o administrado, representados respectivamente pelo DPF e pelos profissionais vigilantes, é plenamente possível de ser célere e justa, com a correta interpretação e aplicação da lei segundo a doutrina e jurisprudência dominante.

Como a Lei nº 7.102/83 foi recepcionada pela Constituição Federal, não há que se falar em inconstitucionalidade do art. 16 da lei, mas há que se disciplinar pela correta interpretação da lei, a qual deve ser conforme a constituição.

Se o entendimento dominante no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça é de que maus antecedentes somente devem ser aplicados após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é plenamente justificável a interpretação restritiva do art. 16 da Lei 7.102/83, limitando a aplicação do art.16 da lei somente a casos com condenação criminal em julgado.

Com isso, a própria Administração do DPF deveria aplicar tal interpretação da lei conforme a jurisprudência e doutrina, disciplinando como requisito para a função do profissional vigilante o fato de não possuir antecedentes criminais registradossomente quando houver sentença penal condenatória em julgado, e não a casos de meros indiciamentos em inquéritos policiais ou que envolvam processos criminais em curso.

Com tal medida a Administração não contrariará o princípio da legalidade, pois continuará cumprindo o que prevê a Lei 7.102/83, porque não cabe a ela definir o que pode ou não ser considerado antecedente criminal, definição que já foi adotada pela doutrina e pela jurisprudência, evitando a interposição de inúmeros litígios judiciais decorrentes da interpretação ampliativa da lei.

Sobre o autor
Altamiro Modesto da Silva Filho

Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá. Agente de Polícia Federal com mais de 12 anos de experiência na atividade de fiscalização e controle do segmento da segurança privada, e no estudo e aplicação da legislação de segurança privada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Altamiro Modesto Silva. Uniformização da jurisprudência sobre a legislação especial de segurança privada que versa sobre antecedentes criminais de vigilantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4178, 9 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31034. Acesso em: 23 dez. 2024.

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