8- O PAGAMENTO DA JUSTA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO
Superada a questão relativa ao cabimento da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária é importante reportarmos sobre a maneira como o expropriado é recompensado pela perda do patrimônio sofrido, através da prévia e justa indenização, prevista constitucionalmente.
Pode-se, assim, conceituar como indenização prévia aquela cujo pagamento precede à perda da propriedade. Ou seja, o Artigo 184 da CF/88, exige a anterioridade compensatória frente à supressão da propriedade, e que se resume ao pagamento antes da perda da propriedade.
Todavia, a prévia indenização não impede que o ente expropriante seja imitido na posse do imóvel antes do trânsito em julgado da ação expropriatória, mas sim que o imóvel seja a este definitivamente transcrito no Cartório de Registro de Imóveis, já que a transferência da propriedade imobiliária ocorre somente mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC/02).
Por justa indenização pode-se definir a que deixe o expropriado indene, sem dano, devendo, portanto, corresponder ao efetivo valor do bem, acrescido dos prejuízos ocasionados com a desapropriação, ou seja, fazendo entrar no patrimônio do desapropriado um valor equivalente ao do bem de que foi despojado.
Neste sentido é o magistério de Tourinho Neto:
A indenização justa é a que possibilita ao expropriado repor o seu patrimônio, perdido pela desapropriação, sem nenhum prejuízo. O expropriado nada perde, nada ganha. O patrimônio do proprietário não pode sofrer desfalque. Desse modo, a indenização deve ser integral ou mais próxima possível do valor do dano causado.[23]
Dispõe o art. 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com a alteração ditada pela Medida Provisória 2.183-56, de 2001:
Art. 12 Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos:
I - localização do imóvel;
II - aptidão agrícola;
III - dimensão do imóvel;
IV - área ocupada e ancianidade das posses;
V - funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.
Constitui a justa indenização em uma garantia assegurada ao expropriado, pela ordem constitucional vigente. Por oportuno, em se tratando de indenização fixada em ação de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária deve se valer o juiz da causa dos elementos trazidos pelas partes para a busca do valor real do imóvel, como, por exemplo, de laudos periciais elaborados pelos assistentes técnicos tanto do expropriante (União Federal por meio do INCRA), quanto do expropriado.
Todavia, poderá o magistrado determinar a realização de perícia judicial, a ser realizada por perito oficial de sua confiança, preferindo, na hipótese de dúvida, o laudo deste último, serventuário de justiça, portador da presunção de eqüidistância do interesse das partes.
O Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento no sentido de que a “exigência constitucional da justa indenização representa conseqüência imediatamente derivada da garantia de conservação que foi instituída pelo legislador constituinte em favor do direito de propriedade[24]”.
O Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar o tema em apreço, conceituou justa indenização como sendo “a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis..." 2. Sob este enfoque, preconiza a doutrina: ‘Valor atual é aquele que possui o imóvel no momento da desapropriação, como se o expropriado tivesse vendido a sua propriedade. Para a sua obtenção o critério que deve ser seguido é o do custo da reposição, ou seja, qual a soma que se deve investir para se obter, ao mesmo tempo, um bem igual ao que está sendo desapropriado. E esta atualização se verifica no momento da privação fática, não na simples transferência jurídica’. (in: Curso de Direito Administrativo, págs. 321-323, Celso Ribeiro Bastos). 3. Sem embargo, o art. 26, caput, do Decreto-lei n. 3.365 de 1941, estabelece que: ‘No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiro contra o expropriado’. 4. Esta Corte entende que ‘o valor da indenização será contemporâneo à data da avaliação, não sendo relevante a data em que ocorreu a imissão na posse, tampouco a data em que se deu a vistoria do expropriante.’ (REsp 1035057/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 1.9.2009, DJe 8.9.2009)”[25].
Conforme se depreende da análise dos julgados acima, a justa indenização corresponde à devida compensação que deve ser paga pela União Federal ao proprietário pela perda da propriedade do bem expropriado. Corresponde a efetiva recomposição do seu patrimônio, de forma que este reste incólume.
9- O PASSIVO AMBIENTAL
O passivo ambiental representa os danos causados ao meio ambiente pela atividade humana perante terceiros, que deve ser considerado em face dos recursos utilizados para recuperação do ambiente, ou ainda pela relação com os investimentos em contenção ou eliminação de poluição.
Representa os danos causados ao meio ambiente e conseqüentemente revela a obrigação e a responsabilidade do proprietário do imóvel rural. Portanto, sua grande utilidade é se prestar como um elemento de decisão que identifica, avalia e quantifica custos e gastos ambientais gerados a curto, médio e longo prazo.
Na prática, o passivo ambiental corresponde ao valor referente aos custos com a manipulação e tratamento de áreas contaminadas, resíduos, multas e outros custos advindos da não observância da legislação ambiental e de cuidados com o meio ambiente, incluindo, segundo algumas definições, a responsabilidade pela preservação de unidades de conservação (embora possa parecer contraditório), e o próprio dano físico causado (como um rio poluído, uma erosão, etc.).
Em se tratando de imóveis rurais, considera-se passivo ambiental todo e qualquer investimento necessário para a recuperação das áreas ambientalmente degradadas, como as áreas de preservação permanente – APP’s e a Reserva Legal, as quais devem manter-se devidamente preservadas, conforme determina o Código Florestal.
O dano ambiental apresenta enorme repercussão em função do seu caráter eminentemente difuso, em razão da agressão aos direitos das terceiras gerações envolvidos, quais sejam, a garantia de um meio ambiente ecologicamente sadio e equilibrado, garantia esta instituída em nosso ordenamento jurídico com o desígnio de assegurar à geração futura o exercício do direito à vida, conforme comando presente no art. 5º, caput, de nossa Carta Magna.
Assim, é poder-dever do Poder Público instituir políticas que imponham a recuperação do meio ambiente degradado, por parte dos responsáveis.
10- OBRIGATORIEDADE DE COMPENSAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL NA JUSTA INDENIZAÇÃO DA DESAPROPRIAÇÃO
Quando se fala em indenização expropriatória todos os autores são uníssonos em afirmar que seu objetivo é recompensar o patrimônio do expropriado em um sentido lato. Há um aspecto importante no estudo da indenização expropriatória: o objetivo dela não é retribuir o proprietário exclusivamente pelo bem que lhe é subtraído. Não se trata, por exemplo, de devolver ao dono o exato valor do lote que se está desapropriando. O importante é recompensar o patrimônio como um todo.
Por essa razão, necessário se faz a avaliação da propriedade, para que todos os critérios passíveis de serem atribuído valor sejam corretamente valorados. Contudo, isso não significa dizer que o valor de cada critério levantado e avaliado será obrigatoriamente positivo. Nesse contexto insere-se o passivo ambiental, que possui caráter eminentemente negativo, já que deverá ser abatido do valor levantado a título de indenização pela terra nua e pelas benfeitorias, pois somente assim será alcançada a justa indenização preconizada constitucionalmente.
Se verificado um passivo ambiental no imóvel rural objeto de desapropriação agrária é dever de a administração pública buscar, simultaneamente, a reparação econômica do dano ambiental, a ser compensado do justo valor do bem desapropriado.
Logo, conclui-se que, nenhum adquirente de um imóvel rural deveria comprar uma propriedade em desconformidade com as normas ambientais, correndo o risco de ser responsabilizado ambientalmente, tendo, ainda que, na pior das hipóteses, o desgaste de lançar mão do Poder Judiciário em uma possível ação regressiva em face do antigo proprietário do imóvel.
A responsabilidade ambiental é objetiva e "propter rem". É objetiva porque não se há de perquirir culpa ou dolo, bastando o nexo causal. É “propter rem” porque deflui da coisa e segue-a contra quem quer que a detenha, observado o fato de que o proprietário, ao assumir o domínio, assume igualmente o passivo ambiental do imóvel. Assim, independente de quem tenha sido o efetivo causador do dano ambiental, o proprietário é responsável pelo passivo ambiental.
O adquirente de um imóvel, se não tomar os cuidados consistentes na avaliação da regularidade ambiental de um imóvel rural poderá estar assumindo um passivo, que pode ser altamente oneroso. Isto porque a legislação que estabeleceu limites ambientais para o uso do imóvel rural, como vimos, deu a tais obrigações o caráter propter rem, ou seja, trata-se de obrigação da coisa e não do seu proprietário. Assim se o imóvel for, por qualquer forma alienado, o adquirente o receberá com os ônus que sobre o mesmo recaem.
Da mesma forma ocorre com o Poder Público que ao adquirir um imóvel rural para fins de reforma agrária, assumirá a responsabilidade por todo o passivo ambiental existente.
Verificada a existência do passivo ambiental em imóvel rural que estiver sendo objeto de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, o valor levantado para a recuperação do meio ambiente degradado compõe o que se conceituou como justa indenização, mas, porém, com um caráter negativo, pois deverá ser abatido do montante levantado para a indenização da terra nua e benfeitorias.
Olhando pelo prisma da desapropriação agrária o ente desapropriante não poderá deixar imune de responsabilidade o expropriando que não vem respeitando o bem estar ambiental, devendo o valor venal de sua propriedade sofrer variações de valores, se comparado com um bem livre de danos ambientais.
A jurisprudência pátria ainda não tem admitido que o INCRA efetue o abatimento do passivo ambiental no valor da indenização pela desapropriação do imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária. Todavia, tal posicionamento deve ser paulatinamente alterado em virtude do grande movimento doutrinário no sentido de que é dever do Poder Público proceder referida compensação, sob pena até mesmo de enriquecimento sem causa do expropriado, que acabará sendo beneficiado pelo lucro auferido a partir de atos lesivos ao meio ambiente.
O Manual de Obtenção de Terras[26] aprovado pela Norma de Execução/INCRA/DT nº 52, de 25 de outubro de 2006 prevê a obrigatoriedade de levantamento do passivo ambiental na avaliação dos imóveis rurais para fins de desapropriação, nos seguintes termos:
No que concerne à avaliação de imóveis rurais o manual incorpora as atualizações trazidas pela Norma 14.653-3 da ABNT. Também inova ao incorporar a exigência de identificar, quantificar e calcular o dano ambiental decorrente da utilização de técnicas inadequadas de manejo e conservação dos solos, do uso indevido das Áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente, bem como sua dedução do montante da indenização, deixando o INCRA de absorver os passivos deixados pelos infratores da legislação ambiental.
(...)
Deve ser estimado o custo da recuperação de áreas degradadas ocasionadas pela utilização de técnicas inadequadas de manejo e conservação dos solos. Deverão ser estimados os custos de recuperação das Áreas de Preservação Permanente que foram total ou parcialmente suprimidas sem a devida autorização do órgão ambiental competente (Artigo 4º da Lei 4771/65, com redação dada pela MP 2166/67, de 24/09/01).
Também devem ser estimados os custos de recuperação das Áreas de Reserva Legal que estejam com sua vegetação suprimida ou que não estejam sendo devidamente utilizadas sob regime de exploração florestal (Artigo 16 da Lei 4771/65, com redação dada pela MP 2166/67, de 24/09/01). Caso inexista área de Reserva Legal no imóvel deve ser calculado o custo de recuperação de sua vegetação.
Como marco inicial da visível mudança de entendimento que se espera dos tribunais superiores, encontramos um nítido avanço no Superior Tribunal de Justiça, que tem julgado indevido o pagamento por pastagens implementadas na área de reserva legal, por estar-se beneficiando o autor de crime ambiental:
A edificação de pastagens em área de reserva legal não deve ser indenizada, pois estar-se-ia premiando a desobediência à legislação ambiental[27]
Outro avanço encontrado a propósito do tema, foi do Tribunal de Contas da União – TCU, em seu Acórdão nº 1.362/2004[28] – Plenário que expediu as seguintes determinações à Superintendência Regional do INCRA no Estado do Mato Grosso:
... 9.2 revogar a medida cautelar adotada pelo Presidente deste Tribunal , em 23/12/2003, e homologada por este Colegiado, no sentido de determinar à Superintendência Regional do INCRA no Mato Grosso – SR-13 que se abstivesse de dar prosseguimento aos processos de desapropriação em andamento no Estado , nos casos em que não tivesse sido efetuada a avaliação do passivo ambiental das terras a serem desapropriadas
9.3 determinar à Superintendência Regional do INCRA no Mato Grosso – SR-13 que:
9.3.1 eleja entre os critérios existentes de avaliação de passivo ambiental de terras a serem desapropriadas, e até que seja uniformizado o assunto pela Presidência do INCRA, o que se revele mais apropriado a cada caso concreto;
9.3.2 dê continuidade aos processos de desapropriação somente naqueles casos em que foi efetuada a devida avaliação do passivo ambiental das terras a serem desapropriadas com a conseqüente consideração de seu valor no cômputo do montante da justa indenização.
A indenização somente será justa se refletir o valor real do imóvel. Espera-se que com o passar dos tempos os Tribunais Superiores firmem jurisprudência no sentido de tornar obrigatório o abatimento do passivo ambiental no valor da indenização pela desapropriação-sanção dos imóveis rurais que estejam descumprindo a legislação ambiental, por ser a única forma de se efetivar a justa indenização prevista constitucionalmente.