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A competência na ação civil pública proposta por autarquia federal

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Agenda 10/12/2014 às 07:13

5 DA COMPETÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTERPOSTA POR AUTARQUIA FEDERAL

Pois bem, chegamos ao ponto fulcral do presente artigo. Como se define a competência para interposição de Ação Civil Pública por Autarquia Federal?

O estudo do presente item inicia-se na Constituição Federal:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; [...]

§ 1º - As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte.

§ 2º - As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.

§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. (g.n.).

Conforme se verifica do art. 109, I da CF/88, acima transcrito, as causas em que a União e entidade autárquica forem interessadas na condição de autora, rés, assistentes ou oponentes serão processadas na Justiça Federal.

Assim, em respeito ao texto magno, toda Ação Civil Pública interposta por Autarquia Federal deve ser julgada na Justiça Federal. Nesse sentido, vale a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves:

As Leis 7.347/1985 e 8.078/90, que formam o núcleo duro do microssistema coletivo, não têm qualquer previsão específica no sentido de determinar a competência da Justiça para as ações coletivas, limitando-se a trata da competência do foro. Na realidade, mesmo que quisesse, o legislador infraconstitucional não poderia ter legislado sobre a competência da Justiça, matéria tratada exclusivamente pela Constituição Federal. A omissão, entretanto, não causa percalço, bastando aplicar as regras já mencionadas do art. 109 da CF[12].

A análise do art. 109, I, da CF/88 permitiu determinar a Justiça competente, mas não permite concluir sobre o foro competente. Quanto ao foro competente, mesmo diante de Autarquia Federal, devem ser aplicados os artigos 2º da Lei 7.347/85 e 93 da Lei 8.078/90.

Portanto, o local do dano é o critério para fixação da competência para interposição de Ação Civil Pública por Autarquia Federal. É evidente, porém, que os artigos 2º da Lei 7.347/85 e 93 da Lei 8.078/90 devem ser harmonizados com do art. 109, I, da CF/88.

Dessa forma, a competência para interposição de Ação Civil Pública por Autarquia Federal é a subseção judiciária (Justiça Federal) que possui jurisdição sobre o local do dano que fundamenta a interposição da ação.

E outra não poderia ser a conclusão. Isso porque, o art. 93 da Lei 8.078/90 estabelece:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente (g.n.).

Ocorre que a ressalva do caput do art. 93 da Lei 8.078/90 refere-se, somente, ao julgamento pela Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88), sem prejuízo da aplicação das demais regras sobre competência.

Isso porque, com exceção do art. 109, I da CF/88, não há dispositivo constitucional sobre a competência para ações interpostas por Autarquias Federais. Logo, respeitada a competência da Justiça Federal, a Ação Civil Pública interposta por Autarquia Federal deve respeitar o determinado no art. 93 da Lei 8.078/90.

Adriano Andrade, Cleber Masson e Landolfon Andrade afirmam:

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O artigo 93 do CDC, ao tratar da competência pelo local do dano ou ameaça de dano, ressalva a competência da Justiça Federal. Tem-se a impressão de que, portanto, o art. 93 somente se aplicaria à competência territorial das Justiças Estaduais ou do Distrito Federal. Na verdade, não é esse o sentido da norma. A ressalva tem sua razão de ser porque a Constituição Federal, em alguns pontos, disciplinou expressamente a competência territorial da Justiça Federal, de modo diverso da sistemática do artigo 93 do CDC, que, por ser norma infraconstitucional, não poderia contrariar a Lei Maior[13].

Ressalte-se, ainda, que o §1º do art. 109 da CF/88 não altera a conclusão aqui exposta. Isso porque o referido parágrafo se refere somente à União e não às Autarquias Federais.

O fato do réu da Ação Civil Pública ter domicílio em local distinto do local do dano, não impõem o ajuizamento, pela Autarquia Federal, no domicílio do réu.

Quando a Constituição pretendeu dar o mesmo tratamento para União e Autarquias Federais, o fez expressamente, conforme se verifica do art. 109, I da CF/88: “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras...”

Portanto, os §1º e §2º do art. 109 da CF/88, não podem ser interpretados de forma ampliada, para que o termo “União” inclua, também, as Autarquias Federais. A omissão do texto magno ao termo ‘autarquia’ é intencional e, dessa forma, deve ser respeitada.

Esse entendimento foi acolhido na jurisprudência que, ao julgar a aplicação do art. 109, §2º da CF/88 (que possui a mesma redação do art. 109, §1º da CF/88, apenas modificando a referência ao polo processual), afastou sua aplicação perante as Autarquias:

PROCESSO CIVIL. DANO AMBIENTAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTOS DE INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA DE FORO. LOCAL DA OCORRÊNCIA DO DANO. SEDE DA AUTARQUIA FEDERAL.HARMONIZAÇÃO DOS ARTIGOS 94 E 100 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICÁVEL A REGRA DO ARTIGO 109, §2º DO TEXTO BÁSICO. 1. Interpõe o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, agravo, na modalidade de instrumento, em face da JUAN PABLO DE MARCO E IRMÃO LTDA ME, objetivando cassar decisão do Juízo da 4ª Vara Federal Cível de Vitória, Seção Judiciária do Espírito Santo, que rejeitou liminarmente a argüição de incompetência do referido Juízo, por ser manifestamente improcedente, conforme o disposto no Art. 94, §1º, do CPC. [...] a duas, que resta inaplicável a regra do artigo 109, §2º, do Texto Básico, dirigida exclusivamente à União (STJ, mutatis, Resp 307353, DJ 13/08/2001; STJ, CC 33605, DJ 18/03/2002; STJ, CC 29274 DJ 12/03/2001); [...]. 5. Agravo de Instrumento provido[14].

O mesmo entendimento foi defendido pela Procuradoria Geral Federal que, representando o CADE (Autarquia Federal), interpôs recurso extraordinário para garantir a inaplicabilidade do art. 109, §2º da CF/88 para as Autarquias Federais, conforme RE 627.709 (repercussão geral reconhecida, porém ainda não julgado).

Ressalte-se que as conclusões referentes ao art. 109, §2º da CF/88 são integralmente aplicáveis ao art. 109, §1º da CF/88, na medida em que os dispositivos possuem a mesma redação, sendo a diferença, apenas, no tocante ao polo processual ocupado pela União Federal, o que não influencia a questão em comento (aplicação do art. 109, §1º da CF/88 para as Autarquias Federais).

Por fim, é preciso afastar a aplicação do art. 109, §3º da CF/88. O referido dispositivo constitucional afirma:” [...] as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado [...]”. Portanto, a competência delegada para a Justiça Estadual só tem aplicação nas ações envolvendo o INSS e o segurado. Vale dizer, processos envolvendo a concessão e revisão de benefícios previdenciários. Qualquer outro tema, está fora do âmbito de incidência do referido artigo.

Há mais. A ressalva do art. 109, §3º da CF/88: “[...] se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual [...]”, também não altera a conclusão aqui exposta, na medida em que não existe norma legal determinando a referida delegação.

Daniel Amorim Assumpção Neves faz importante síntese do tema em questão:

Corrente doutrinária entende que a regra de competência do local do dano nas ações coletivas aplica-se a regra de ‘competência por delegação’ prevista no art. 109, §3º e §4º, da CF. A delegação nesse caso se justificaria em razão de o processo se desenvolver perante o local do dano como forma de presumidamente garantir uma tutela jurisdicional de melhor qualidade. A justificativa para o legislador ter criado uma regra de competência territorial absoluta (situação excepcional) é justamente o contato mais direto do juiz com os elementos probatórios a serem colhidos e até mesmo com a repercussão do ato praticado na comunidade. A transferência de uma demanda para outra cidade, em que exista vara federal, colocaria em xeque tal justificativa, afastando o juiz do local do dano e, em tese, prejudicando a própria entrega da prestação jurisdicional. Esse entendimento, entretanto, não foi o mesmo que o Supremo Tribunal Federal teve sobre o tema, o que gerou, inclusive o cancelamento da Súmula 183 do Superior Tribunal de Justiça. Para o Tribunal Supremo, a inexistência de norma expressa no sentido da delegação da competência impede a sua aplicação nas ações coletivas, de modo que a demanda de competência da Justiça Federal deverá sempre ser proposta em vara federal, ainda que essa se situe em local diverso daquele que se verificou o dano. Na realidade, entende-se que, na Justiça Federal, por local do dano tem-se a seção judiciária, de forma que a regra do art. 2º da Lei 7.347/1985 seria sempre cumprida[15].

Assim, é forçoso concluir que a competência para interposição de Ação Civil Pública por Autarquia Federal é da Justiça Federal com jurisdição sobre o local do dano, sendo irrelevante o domicílio do réu.

Note-se, ainda, que, por se tratar de competência absoluta, não é possível a disposição do foro, nem mesmo quando a ação é interposta no domicílio do réu. Isso porque a competência absoluta busca preservar a prestação jurisdicional e não o conforto das partes.


6  CONCLUSÃO

As Autarquias apresentam as seguintes características:  criação por lei, personalidade jurídica pública, capacidade de autoadministração, especialização dos fins ou atividades e sujeição a controle ou tutela.

Apesar da sujeição a controle ou tutela, é preciso reconhecer que a Autarquia é uma pessoa jurídica pública autônoma e titular de bens e direitos.

A jurisdição é função própria e exclusiva do Poder Judiciário. Trata-se da aplicação do direito objetivo na composição dos conflitos de interesses que ocorrem na sociedade.

Competência, por sua vez, é a distribuição da jurisdição entre os diversos órgãos titulares da função jurisdicional. Isto é, a competência tem como objeto, primordialmente, a delimitação da jurisdição entre os diversos órgãos do Poder Judiciário (detentor da função jurisdicional).

Dentre os diversos critérios para fixação da competência, merece destaque a competência de foro. Foro é o local onde o juiz exerce as suas funções, é a unidade territorial sobre a qual se exerce o poder jurisdicional.

O estudo da competência revela, ainda, uma importante classificação. Trata-se da competência relativa e da competência absoluta. A competência relativa, que admite disposição pelas partes, é fixada em razão do conforto das partes na prestação jurisdicional. Vale dizer, o foco da competência relativa é tornar mais confortável às partes o acesso à justiça. Por essa razão, admite modificação.

A competência absoluta é aquela fixada para melhor prestação jurisdicional. O foco da norma jurídica é garantir a plena eficácia da jurisdição, que poderia ser afetada com o trâmite do processo em unidade judiciária diferente daquela eleita pela norma. Por essa razão, não há preclusão e não admite modificação pela vontade das partes. Também permite a declaração de incompetência de ofício pelo julgador.

A competência de foro (territorial) é, regra geral, relativa. A legislação estabelece alguns casos em que a competência territorial é absoluta. O melhor exemplo é o artigo 95 do Código de Processo Civil, que estabelece a competência absoluta do foro do local do imóvel, no que tange às ações reais.

A competência para interposição da Ação Civil Pública é determinada pelo artigo 2º da Lei nº 7.347/85 e pelo artigo 93 da Lei nº 8.078/90. A leitura dos referidos dispositivos legais fixa a premissa de que o local onde ocorreu (ou deva ocorrer o dano) e o respectivo âmbito de extensão são os elementos determinantes para a fixação da competência da Ação Civil Pública.

Note-se que, apesar de utilizar o critério territorial (local do dano), a competência fixada para a Ação Civil Pública é absoluta. Trata-se de mais uma exceção da regra geral que impõe competência relativa para as regras de competência territorial.

Em cumprimento ao disposto no artigo 109, I da CF/88, a Ação Civil Pública interposta por Autarquia Federal deve, necessariamente, ser processada na justiça federal.

Contudo, no que tange à determinação da Subseção Judiciária competente (foro), há a incidência do artigo 2º da Lei 7.347/85 e do artigo 93 da Lei 8.078/90. Ou seja, a ação deve ser interposta na Subseção Judiciária com jurisdição sobre o local do dano, na medida em que os referidos dispositivos legais devem ser harmonizados com o art. 109, I da CF/88.

O artigo 109, §1º da CF/88 não altera a conclusão aqui exposta. O referido parágrafo se refere somente à União e não às Autarquias Federais.

Quando a Constituição pretendeu dar o mesmo tratamento para União e Autarquias Federais, o fez expressamente, conforme se verifica do art. 109, I da CF/88: “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras...”

Portanto, os §1º e §2º do art. 109 da CF/88 não podem ser interpretados de forma ampliada, para que o termo “União” inclua, também, as Autarquias Federais.

O fato do réu da Ação Civil Pública ter domicílio em local distinto do local do dano, não implica o ajuizamento da referida ação no domicílio do réu.

Por fim, também deve ser afastada a incidência do artigo 109, §3º da CF/88. A competência delegada para a Justiça Estadual só tem aplicação nas ações envolvendo o INSS e o segurado. Vale dizer, processos envolvendo a concessão e revisão de benefícios previdenciários. Qualquer outro tema, está fora do âmbito de incidência do referido artigo.

Há mais. A ressalva do art. 109, §3º da CF/88: “[...] se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual [...]”, também não altera a conclusão aqui exposta, na medida em que não existe norma legal determinando a referida delegação.

Assim, a competência absoluta para Ação Civil Pública interposta por Autarquia Federal é a Subseção Judicial com jurisdição sobre o local do dano.

Sobre o autor
Marcelo Carita Correra

Procurador Federal,<br>exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP<br>Bacharel em Direito pela PUC-SP<br>Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRERA, Marcelo Carita. A competência na ação civil pública proposta por autarquia federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4179, 10 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31156. Acesso em: 25 dez. 2024.

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