7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode afirmar, indiscriminadamente, que toda e qualquer atividade midiática que relacione-se a matéria criminal tenha cunho violador da presunção de inocência, da honra, intimidade ou à vida privada do acusado. Todavia, deve ser inadmissível, ao extremo, a exposição que concretize a condição de culpado do acusado, ao configurar abuso no exercício da liberdade de expressão e informação.
Deveras temerária, essa atuação sensacionalista da mídia é uma forma inconstitucional e disfarçada de se executar penas sem qualquer processo ou condenação. A cobertura da mídia em cima do fato criminoso e a forma de proceder dos veículos de comunicação promove uma ilegal e antecipada sentença condenatória do acusado.
Antes mesmo da instauração do devido processo legal, do exercício do contraditório e da ampla defesa, e do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, o acusado já começa a cumprir a sua pena. Já foi execrado publicamente, teve sua intimidade e sua honra violados, foi estigmatizado, e, principalmente, teve seu direito a ser presumido inocente completamente rasgado. Ainda que absolvido, não há nada a recuperar. Ainda que condenado, não há mais o que ressocializar.
As consequências sobre a pessoa comum que é vítima de uma exacerbada atenção jornalística são, sem sobra de dúvidas, devastadores, pois essa repentina condição de “celebridade” afeta negativamente seu espírito, prejudica sua credibilidade e confiança, transforma seus familiares em alvos de humilhação e chacota, dentre vários outros óbvios motivos.
Tal situação fere de morte o ideal humanitários inscrito no preceito de presunção de inocência, assegurado após árdua batalha, tudo por se priorizar um anseio social de ser ver condenados bodes expiatórios escolhidos a dedo. Injustiças desse porte, ainda que reconhecidamente comprovadas, geram consequências de difícil reparação.
Nunca é demais dizer que a Constituição Federal garante ao mesmo tempo o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à presunção de inocência. Assim como a presunção de inocência tem suas limitações, ante à possibilidade de decretação de uma segregação cautelar, a liberdade de expressão e de informação também as deve ter. Informar e noticiar exigem seria responsabilidade.
E, como já exposto, o princípio da presunção de inocência impõe não só aos atores necessariamente envolvidos no processo penal – delegados de polícia, advogados, promotores, magistrados – como à própria mídia que nele interfere, o dever e obrigação de respeitar os direitos e garantias fundamentais já mencionados – a imagem do indivíduo, sua honra, intimidade e vida privada –, evitando-se, de qualquer forma, um julgamento fora do devido processo penal democrático, pois referido princípio a todos vincula.
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