3 CRIMES TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE FRAUDES À RELAÇÃO DE EMPREGO
Pelo que já foi analisado, verifica-se que as dissimulações de relações empregatícias são hábeis para causar ilícitos tributários.
Nesse sentido, a dissimulação como pessoas jurídicas, voluntários, e estagiários, causa a supressão de todos os tributos analisados.
A alteração da qualificação dos empregados para contribuintes individuais, avulsos, e cooperados importa na supressão de contribuições para o sistema S, ao INCRA, para o salário educação e para o FGTS. Causam, também, redução da contribuição previdenciária das empresas e contribuição social sobre o FGTS. E ainda a redução do imposto de renda, e contribuição sindical dos empregados.
Por meio da intermediação de mão de obra, e a conseqüente precarização trabalhistas, ocorre a redução de todos os tributos. Além disso, tendo sido transferidos para terceiros sem condições financeiras de suportá-los, gera-se a supressão tributária.
Nessas condições, haverá a possibilidade, em tese, de aplicação da legislação penal. Assim, devem ser analisados os principais elementos envolvendo os crimes sob estudo, com o objetivo de garantir maior efetividade e eficácia da lei penal.
3.1 Bem jurídico tutelado pela legislação penal
Em termos penais, a definição de competências para apuração de fatos, ação e julgamento, depende da delimitação do bem jurídico a ser tutelado.
A ordem tributária, como bem jurídico, possui controvérsias a respeito de sua significação em casos práticos, tendo em vista a confusão a respeito de qual o objeto concreto a ser protegido.
Observa Machado (2009, p.22) que o objeto da tutela é o direito do Estado à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, não sendo, portanto, a administração pública, tampouco o interesse da fazenda pública. Trata-se, portanto, não de um bem individual, mas sim de um bem jurídico transindividual, institucional, sendo a administração a intermediadora da tutela (PRADO, 2013, p. 321).
Nesses termos, a ordem tributária não se confunde com os órgãos que a operacionalizam. Vai além, englobando demais instituições; os contribuintes; e, como elementos mais característicos, os tributos.
3.2 Espécies criminais
Nos crimes contra a ordem tributária, a tipificação das condutas é feita em duas normas legais, a lei 8.137, de 1990, e o decreto-lei 2.848, de 1940, o código penal (CP).
Na lei 8.137 de 1990, os crimes contra a ordem tributária estão definidos em apenas dois artigos. No art. 1º está tipificado o crime de supressão ou redução de tributos. Trata-se de um único crime.
As condutas descritas nos incisos são apenas meios de concretização do crime, de modo que são penalmente relevantes apenas se contribuírem para a produção de um resultado: a supressão ou redução do tributo (ANDRADE FILHO, 2001, p. 128).
A efetiva supressão ou redução de tributo, concretizada pelo lançamento tributário incorreto, é elemento essencial para a configuração do crime do art. 1º da Lei 8.137, conforme expresso na súmula vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa exigência, no entanto, não impede a instauração do processo criminal resultante de representação fiscal antes do término da fase administrativa em que se discute o crédito tributário em recurso (HARADA, 2012, p. 89).
Todas as condutas descritas nos cinco incisos do dispositivo sob análise dizem respeito a situações em que o agente responsável tributário procura, de forma dolosa, impedir o acesso da Fazenda Pública a informações que possibilitem o correto lançamento tributário. A falsificação é um dos meios citados.
A falsidade da informação, no escopo do tipo, refere-se apenas àquelas referentes a fatos, de modo que divergências jurídico-tributárias a respeito de fatos regularmente declarados estariam excluídas do tipo (MACHADO, 2009, p. 341).
No art. 2º da lei 8.137, ao contrário do crime do art. 1º, os incisos criam tipos penais independentes, no total de cinco. Esses crimes são subsidiários ao descrito no art. 1º, de modo que a configuração deste impede a existência dos crimes do art. 2º.
Os crimes do art. 2º classificam-se como formais, sem necessidade de êxito na supressão ou redução tributária, o que não torna desnecessário que as condutas sejam hábeis a produzi-los (MACHADO, 2009, p. 385). A falta dessa aptidão torna o crime impossível.
No CP, alterado pela lei 9.983, de 2000, encontram-se os crimes de natureza tributária relacionados à previdência social, em dois artigos, o art. 168-A, que trata da apropriação indébita previdenciária, e o art. 337-A, que tipifica a sonegação de contribuição previdenciária.
O art. 168-A é um dispositivo extenso, que vai além da usual previsão da conduta ilícita e a respectiva sanção. Em síntese, trata das situações em que o agente ativo do crime retém para si, indevidamente, valores destinados, ou oriundos da previdência social.
É aplicável aos casos em que o empregador faz a retenção da contribuição devida por empregados, e demais trabalhadores a seu serviço, mas não efetua o recolhimento. É um crime material omissivo, que não apresenta vinculo direto com as fraudes às relações de emprego.
O art. 337-A, de todos os tipos penais analisados, é o mais diretamente relacionado às relações de trabalho. Assim como os crimes da lei 8.137, de 1990, a sonegação previdenciária exige o resultado material, sendo admitidas três condutas voltadas para esse fim, constituindo um único crime. É um tipo penal aplicável a todas as formas de dissimulação da relação de emprego.
A pena aplicável aos crimes do art. 2º da lei 8.137, de 1990 é fixada entre seis meses a dois anos de detenção, e multa. Para os outros tipos penais citados, as penas são igualmente de reclusão de dois a cinco anos e multa.
3.3 Planejamento tributário
Tanto os crimes tributários da lei 8.137 de 1990, quanto os do Código Penal existem apenas na forma dolosa. Assim, faltando esse elemento subjetivo do tipo, não haverá crime (ANDREUCCI, 2013, p. 536).
Essas considerações ganham destaque diante da infinidade de situações em que os contribuintes podem concretizar as condutas descritas como crimes tributários sem o intuito de cometer ilicitudes, incidindo em erro de tipo.
O erro de tipo reside na incorreta compreensão de elementos utilizados na definição do crime, seja fato ou norma não penais. Nos casos em estudo, o erro estaria na interpretação da legislação trabalhista ou tributária. Diferencia-se do erro de proibição, que consiste na incorreta compreensão da própria lei penal (MACHADO, 2009, p. 71 e 72), podendo excluir ou diminuir a pena.
A verificação da ocorrência dessas hipóteses é relevante quando surge a alegação de prática de planejamento tributário, denominado elisão tributária. Nesta, o contribuinte planeja a sua atividade exercendo-a sempre antes de ocorrer o fato gerador, de modo que o crédito tributário não chega a se constituir ou se constitui naturalmente de forma reduzida.
Difere, assim, da evasão tributária, onde, já tendo ocorrido o fato gerador, o contribuinte evita, por meio de fraude, sonegação, ou simulação, a formalização do crédito tributário pelo lançamento, constituindo prática ilícita (HARADA, 2012, p. 65). A elisão é atividade lícita, não atraindo repreensões de qualquer natureza, ao contrário da evasão tributária.
Nesse sentido, a lei complementar 104, de 2001, alterou o Código Tributário Nacional (CTN), e acrescendo-lhe o parágrafo único ao art. 116, autorizou as autoridades administrativas a desconsiderarem atos ou negócios que os contribuintes tenham praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
Essa norma ficou conhecida como antielisiva, sendo considerada uma afronta ao direito de se praticar o planejamento tributário, ameaçando os contribuintes com violação dos princípios da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da reserva absoluta da lei formal (HARADA, 2012, p. 67 e 68).
No entanto, esses temores não fazem sentido. O texto legal é expresso em prever sua aplicação apenas em negócios dissimulados, tendo características mais próximas ao combate à evasão, ou da elisão abusiva, de modo a não impedir o planejamento tributário (TORRES, 2006, p. 5).
Porém, pode ocorrer do contribuinte acreditando, verdadeiramente, estar praticando planejamento tributário, mas, também verdadeiramente, ter cometido inadvertidamente ato classificado como evasão. Nesse caso, a verificação se o erro do contribuinte se deu na interpretação da legislação trabalhista e tributária, ou penal, será essencial para definir as conseqüências penais da conduta.
3.4 Excludentes de ilicitude e de culpabilidade
Configurada a tipicidade da conduta, é necessário analisar a existência de eventuais causas de exclusão da ilicitude, previstas no art. 23 do CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. O mesmo deve ser feito em relação às causas de exclusão da culpabilidade, constituída pela imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
No caso dos crimes contra a ordem tributária, dificilmente são admitidas alegações de existência dessas causas. No entanto, como observa Andreucci (2013, p. 543) a comprovada dificuldade financeira por que esteja passando o contribuinte, que não lhe deu causa, tem sido admitida de forma variável, sob argumentos de estado de necessidade, inexigibilidade de conduta diversa e até mesmo de causa excludente genérica de culpabilidade. Nesses casos, é necessário, no entanto, que não tenha ocorrido fraude.
Pode-se vislumbrar, também, alegações razoáveis em termos de falta da potencial consciência da ilicitude, considerando a complexidade das normas envolvidas nos crimes tributários e qualidades pessoais do agente. Nessas condições, esse fator, que não é suficiente para afastar a o crime, afetará a punibilidade, podendo diminuir ou excluir a pena.
3.5 Consumação e tentativa
Os crimes classificados como formais se consumam com a prática do ato. Nos crimes tributários materiais, por outro lado, a consumação depende da constituição definitiva do crédito por meio de lançamento.
No caso dos tributos relacionados ao estudo, o lançamento se dá por homologação. Nessa modalidade, o contribuinte efetua o recolhimento e somente posteriormente a administração verifica sua regularidade, homologando-o expressa ou tacitamente. A segunda forma é a mais comum, de modo a coincidir esse ato com a decadência do crédito, como observa Machado (2009, p. 362). Mesmo estando a administração tributária impedida de constituir os créditos, devido à decadência, ainda assim será possível a ação penal, que tem seu prazo prescricional iniciado nessa data, conforme art. 111 do código penal (ANDREUCCI, 2013, p. 540).
Observe-se que nesse caso, não é necessária a existência de um procedimento administrativo fiscal, para a consumação do delito. Tendo ocorrido o lançamento definitivo, por meio de ato administrativo, mesmo que tácito, e sendo este incorreto por ação ou omissão dolosa do contribuinte ou responsável, estará consumado o crime material.
Por não ser realizada a ação fiscal, e tampouco, novo lançamento, a definição do valor suprimido ou reduzido, nesses casos, dependerá de trabalhos de peritos não integrantes da administração fazendária. Caberá ao detentor da ação penal promover essa atividade.
Sendo os crimes tributários plurissubsistentes, compostos por mais de um ato, admite-se a modalidade tentada. Peculiarmente, no caso específico do art. 1º da lei 8.137, de 1990, a tentativa caracteriza a consumação de crimes do art. 2º (MACHADO, 2009, p. 359).
Deve-se analisar, no caso concreto, se a conduta caracteriza tentativa ou crime impossível em matéria tributária. Na tentativa a conduta é hábil para alcançar o resultado, mas o crime não se consuma por circunstancias alheia à vontade do agente. No crime impossível, em virtude da absoluta ineficácia do meio utilizado ou pela impropriedade absoluta do objeto, a supressão ou redução tributária não sofrem o menor risco de concretização (MACHADO, 2009, p. 390).
3.6 Sujeitos ativos
A concretização dos crimes em estudo exige fraudes à legislação trabalhista, passando pelo incorreto registro contábil de relações trabalhistas e tributárias. É difícil imaginar a prática dessas condutas por indivíduo isolado, sendo razoável supor a interação de várias pessoas.
Além disso, do ponto de vista formal, a beneficiária da supressão de tributos será, normalmente, uma pessoa jurídica, que não pode ser responsabilizada em termos penais por crimes tributários. Nesse caso, normalmente, a conduta será imputada às pessoas físicas que atuam na gestão da pessoa jurídica beneficiada. (MACHADO, 2009, p. 356)
Havendo mais de uma pessoa envolvida nos atos que conduziram ao crime, configura-se o concurso de pessoas. Por tratar-se de crime doloso, é necessária a identidade desse elemento subjetivo em todos os envolvidos, que incidirão nas mesmas penas, na medida de sua culpabilidade (HARADA, 2012, p. 123).
Dessa forma, podem ser autores do crime, em concurso, todos os que tenham contribuído dolosamente para sua execução, o que podem incluir os proprietários da empresa, seus dirigentes e até mesmo empregados.
Em favor dos empregados envolvidos, há a possibilidade de alegação de obediência hierárquica, no caso de execução subordinada a ordem não manifestamente ilegal (ANDRADE FILHO, 2001, p. 118), além da ausência de dolo.
Por outro lado, caso os trabalhadores colaborem dolosamente para a realização do crime, será possível imputar-lhes responsabilidade penal, restrita, no entanto, à condição de partícipe, tendo em vista a presença da subordinação, que lhes retira o domínio do fato (PRADO, 2013, p. 574).
Do mesmo modo, o simples fato de um indivíduo figurar como sócio ou ocupar determinada posição na administração da empresa, não será suficiente para imputar-lhe o crime, que dependerá da comprovação de sua atuação, comissiva ou omissiva, de forma dolosa (ANDREUCCI, 2013, p. 535).
Sendo a conduta realizada por mais de três pessoas, surge a possibilidade de configuração do crime de associação criminosa, anteriormente denominado de formação de quadrilha, e tipificado no art. 288 do CP.
Para tanto é necessária a existência do objetivo específico de cometer crimes, o que não ocorrerá se o objetivo principal da associação for o desenvolvimento de uma atividade empresarial lícita. Pode ocorrer, no entanto, que a atividade empresarial seja um mero pretexto para a dissimulação de atividades ilícitas, situação excepcional, em que se configura a associação criminosa (MACHADO, 2009, p. 357).
3.7 Concurso de crimes
Nos casos compreendidos no objeto do estudo, além da pluralidade subjetiva, é comum a multiplicidade de tipos tributários lesados, surgindo controvérsias a respeito da existência de concurso de crimes.
Para Harada (2012, p. 216) haverá mais de um crime, em concurso material, quando houver a redução ou supressão de mais de um tributo, mesmo quando tipificados em uma mesma norma penal. Nessas condições, seria cabível a condenação do infrator com soma das penas, além de possibilidade de julgamento em juízos diferentes caso os tributos envolvidos fossem de competências de mais de um ente federativo.
Machado (2009, p. 330) diverge dessa posição, tendo em vista que o concurso material exige pluralidade de condutas e de delitos, ou seja, ofensa a tipos penais diferentes. Esta posição aparenta ser a mais correta. Desse modo, há apenas um crime para cada tipo penal infringido, podendo envolver diversos tributos, mesmo que eventualmente de competências de entes federativos diferentes.
Por outro lado, sendo infringidos mais de um dispositivo penal, por meio de mais de uma conduta, haverá o concurso material. É a situação comum nos casos deste estudo, tendo em vista que normalmente haverá a infração aos dispositivos da lei 8.137, de 1990, juntamente com os do CP. No âmbito de cada um dos crimes, isoladamente, deve ser considerada a existência de crime continuado, considerando a sua natureza, e condições de execução (ANDRADE FILHO, 2001, p. 126).
Em relação aos crimes praticados como meio para a supressão tributária, como a falsificação de documentos, devem ser considerados absorvidos pelos crimes tributários (MACHADO, 2009, p. 357).
3.8 Extinção da punibilidade pelo pagamento ou confissão
A extinção da punibilidade pelo pagamento, ou simples declaração e confissão tem sido admitida de forma oscilante e incoerente em leis sucessivas, que muitas vezes têm vigência coexistente, não permitindo uma conclusão segura a respeito do assunto.
Tendo como critério a adoção da norma mais favorável ao infrator, deve-se aplicar analogicamente, a todos os tributos, o previsto para os crimes de sonegação previdenciária. Assim, ocorre a extinção da punibilidade através declaração e confissão dos tributos devidos antes do inicio da ação fiscal, sem exigência de pagamento ou parcelamento (ANDRADE FILHO, 2001, p. 74).
Igualmente, havendo o pagamento, mesmo que após a denúncia, será extinta a punibilidade como decorrência da aplicação analógica da regra contida no § 2º do art. 9º da lei 10.684, de 2003 (HARADA, 2012, p. 179). Também por meio da aplicação dessa lei, será suspensa a punibilidade em caso de parcelamento do débito tributário, em qualquer fase processual. Nesse caso, ficarão suspensas, também a ação penal e a prescrição (ANDREUCCI, 2013, p. 541).
O CP prevê, para os crimes dos artigos 168-A e 337-A, a extinção da punibilidade como uma faculdade atribuída ao juiz nos casos em que os valores devidos, sejam iguais ou inferiores ao estabelecido pela previdência social como o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
No entanto, não somente nesses crimes, mas em todos os tipos penais, deve ser considerado o princípio da insignificância como filtro de admissibilidade para a intervenção penal. Nos crimes contra a ordem tributária, esse princípio encontra bases concretas nos valores estabelecidos pela fazenda nacional para ajuizamento de execuções fiscais (HARADA, 2012, pg. 97), atualmente fixado em 20 mil reais pela portaria nº 75, de 2012, do Ministério da Fazenda.