A finalidade maior, a razão de ser da existência do “bem de família” é a proteção da dignidade da pessoa humana, estabelecida e exigida pela Constituição Federal. Trata-se de garantir ao indivíduo e à sua família um mínimo de patrimônio para a sobrevivência e para continuidade de uma vida decente, que não inviabilize a recuperação, o reerguimento e a superação das dificuldades. O bem de família é uma das facetas do Direito Moderno Constitucional, cujo fim máximo é os seres humanos, sendo o ter meio para o ser, e não o contrário.
Há duas modalidades de bem de família no direito brasileiro:
(I) BEM DE FAMÍLIA CONVENCIONAL - (Código Civil arts. 1711 a 1722)
Como o próprio nome sugere, é o bem que, por vontade e escolha dos cônjuges, entidade familiar ou até de terceiro (a depender do aceite dos dois primeiros anteriores), passa a ter status de “bem de família”.
Esta instituição pode se dar por testamento ou escritura pública, sempre com o devido registro do título em Cartório de Imóveis.
O bem a ser eleito como bem de família fica a mercê da escolha do instituidor, desde que, quando da instituição, sua participação no total do patrimônio líquido não ultrapasse a fração de 1/3.
O bem eleito, então, passa a ser impenhorável e inalienável, em relação às dívidas existentes posteriormente à sua instituição voluntária como bem de família, salvo em relação à garantia ou pagamento de tributos relativos ao próprio bem, como o é o IPTU, ou de despesas condominiais.
(II) BEM DE FAMÍLIA LEGAL OU OBRIGATÓRIO - (Lei 8.009/90):
É o bem que é protegido por imposição direta da lei, independentemente de qualquer ato do beneficiário.
Assim, determina a lei a impenhorabilidade do “imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar” em relação à dívida “contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam”.
Essa impossibilidade de penhora não se limita ao próprio imóvel, mas atinge também “a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”.
Entretanto, são excluídos do manto protetor da lei e, portanto, penhoráveis, “os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”. A grande dificuldade é definir o que é suntuoso, entendido este como supérfluo e não essencial à dignidade.Por se tratar de conceito vago, só pode ser definido no caso concreto, já que varia segundo os beneficiários envolvidos, o tempo e o local. Assim, por exemplo, um computador, que certamente, há tempos atrás, era considerado produto de luxo, atualmente pode vir a ser considerado impenhorável a depender a quem ele serve. Assim como o caso de um aparelho de ar condicionado, que a princípio é de suma importância para os moradores de uma cidade com altas temperaturas, pode não o ser para os de uma cidade tradicionalmente fria.
E mais, há de se estar atento que a lei prevê de modo taxativo as hipóteses de exceções, nas quais a penhora do bem de família é permitida. Assim, o bem de família pode ser objeto de penhora quando servir para pagamento de: (a) débitos trabalhistas e respectivas contribuições previdenciárias de empregados da própria residência; (b) pensões alimentícias; (c) dívidas referentes a financiamento destinado à construção ou à aquisição do bem; (d) débitos tributários relativos ao bem; (e) responsabilidade originada de contrato de fiança e (f) “sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”. Também é penhorável o bem “adquirido com produto de crime”.
Ainda merecem destaques alguns importantes entendimentos doutrinários e/ou jurisprudenciais sobre a matéria:
(1) Entidade familiar não é só a família originada do casamento, mas também aquela formada pela união estável, por irmãos, por um dos ascendestes e filhos e assim por diante. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.126.173 - MG (2009/0041411-3));
(2) Também merece proteção de impenhorabilidade o bem que serve de moradia para o indivíduo sozinho ou solitário; (AgRg no AREsp 301.580/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 18/06/2013);
(3) Não necessariamente o bem de família, para ter a proteção da impenhorabilidade, deve estar servindo de moradia para aquela família ou indivíduo. Pode o bem estar, por exemplo, alugado, desde que a importância recebida pela locação seja destinada para moradia em local diverso ou para outro benefício ligado à subsistência digna; (Súm 486 DO STJ: Único imóvel residencial alugado a terceiros é impenhorável, desde que a renda obtida com o aluguel seja para subsistência do proprietário);
(4) O bem de família vazio, sem utilidade e/ou sem geração de renda para subsistência da família, pode sim ser penhorado, ainda que seja o único (RECURSO ESPECIAL Nº 1.005.546 - SP (2007/0265795-8);
(5) A impenhorabilidade determinada pela lei ao bem de família é irrenunciável, ou seja, não pode seu beneficiário dela abrir mão por vontade própria (RECURSO ESPECIAL Nº 1.454.511 - PB (2014/0115665-1);
(6) Em havendo mais de um bem, há a presunção de que deve ser considerado impenhorável o bem de menor valor. Entretanto, a depender do caso, é possível afastar essa regra;
(7) Admite-se que seja considerado bem de família imóvel cuja matrícula conste em nome de pessoa jurídica, desde que sirva de moradia para a entidade familiar (AgRg no AREsp 137.818/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 15/08/2014);
(8) Em regra, o devedor que aliena, gratuita ou onerosamente, o único imóvel, onde reside com a família, está, ao mesmo tempo, dispondo daquela proteção legal, na medida em que seu comportamento evidencia que o bem não lhe serve mais à moradia ou subsistência.- (REsp 1364509/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 17/06/2014);
(9) Constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu filho ou demais familiares. A circunstância de o devedor não residir no imóvel, que se encontra cedido a familiares, não constitui óbice ao reconhecimento do favor legal. EREsp 1216187/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 30/05/2014);
(10) A impenhorabilidade do imóvel único residencial, nas hipóteses em que oferecido como garantia hipotecária de dívida contraída por empresa familiar, somente é oponível quando seus proprietários demonstrarem que a família não se beneficiou do ato de disposição.(REsp 1421140/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014);