Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Competência ratione loci e local da prisão em flagrante delito.

Validade jurídica à regra ou à exceção?

Exibindo página 2 de 3
Agenda 30/08/2014 às 21:40

3     COMPETÊNCIA RATIONE LOCI   

É sabido que a competência territorial, também conhecida nos meios acadêmicos como “ratione loci”, vem delimitar o lugar da infração praticado no território brasileiro, nestes termos:

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (BRASIL. CP. Vade Mecum, 2013, p. 523)

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

(...)

:Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de  execução.

§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o  juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado. (BRASIL. CPP, Vade Mecum, 2013, p. 612)

Quanto a competência pelo lugar da infração penal, a doutrina apresenta três teorias: a da atividade, a do resultado e da ubiquidade.

Enquanto as duas primeiras estabelecem de forma distinta, que o lugar se dá com a ação ou omissão (teoria da atividade) ou se dá com a apuração do resultado (teoria do resultado), a última, teoria da ubiquidade, aponta como lugar do crime tanto o da conduta quanto o do resultado.

Ao invés da teoria da ubiquidade, eleita pelo Código Penal para definir o “lugar do crime” [13], o Código de Processo Penal acolheu a teoria do resultado para a determinação da competência, como regra, referindo-se ao lugar da consumação. No caso de tentativa, a competência firma-se “pelo lugar em que for praticado o último ato de execução” (artigo 70 do Código de Processo Penal).

Em outras situações, a competência se firma de acordo com a legislação processual penal.

A política criminal justifica que a competência se prende ao fato de que no local da ocorrência da infração penal, seja contravenção ou crime, são colhidas as provas que instruíram o procedimento investigatório ou processo penal.

Esse entendimento é unânime na doutrina e na jurisprudência.

Em matéria de competência, Walter P. Acosta (1989, p. 30 e 62) assevera:

A competência para o inquérito é territorial, isto é, resulta do local onde ocorreu a  infração, [...] A competência é determinada, em princípio, pelo lugar onde a infração se consumou, e, no caso de tentativa, pelo lugar onde se praticou o último ato de   execução [...]. 

Nesse sentido, Roberto Demo tece algumas considerações:

O art. 70, CPP estabelece a competência de foro pelo lugar da infração (locus delicti comissi), estadeando o princípio da consunção: ‘A competência, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumir a infração, ou no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução (caput). A regra é, portanto, o agente ser processado, julgado e (eventualmente) sancionado no lugar onde  perturbou a ordem jurídica e se fizeram sentir os efeitos de sua conduta criminosa, com vistas a tranquilizar, pelo equacionamento da causa penal, o meio social alarmado [...]. Outro fundamento para a competência ratione loci está na maior facilidade de se coligir as provas do delito. (Revista Jurídica Consulex. Brasília- DF, ano XI, nº 247, 30.abr/2007, p.61)

Quanto ao inquérito, a jurisprudência segue essa posição:

PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO. 1. A competência será, de regra, determinada  pelo local em que se consumar a conduta delituosa (art. 70 do CPP). In casu, as informações     contidas nos autos levam à conclusão de que o ato falsificador do documento (Autorização Especial de Trânsito - AET) teria sido praticado em Mato Grosso, onde reside e atua o despachante apontado como responsável pela contrafação. 2. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo suscitado, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso.  (BRASIL. TRF-1 - CC: 306796120134010000 DF 0030679-61.2013.4.01.0000, rel.: Des. Fed. Olindo Menezes, 2013).

EMENTACONFLITO DE COMPETÊNCIA - INQUÉRITO POLICIAL - ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - MUNICÍPIO COM MAIS DE UMA ZONA ELEITORAL - LUGAR DA INFRAÇÃO - CONFLITO CONHECIDO E DECIDIDO. Nos  termos do artigo 2º da Resolução TRE/MT nº 486/2002 (que trata da competência e distribuição de feitos gerais nos municípios dotados de mais de uma Zona Eleitoral), nos feitos criminais determinar-se-á a competência pelo lugar da infração. Competência declarada do Juízo  suscitado. (BRASIL. TRE-MT - Inq: 27784 MT, rel.: Pedro Francisco da Silva, 2012, p. 2-8).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não há sombra de dúvida a esse respeito. De regra, compete a autoridade do lugar da infração consumada ou tentada. Como toda regra tem exceção ou exceções, não poderia deixar de existir nessa matéria.


4     LOCAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO 

Efetuada a prisão do autor da infração penal e/ou de quem concorreu na conduta criminosa, deve o executor (policial ou particular) apresentá-lo (s) imediatamente a autoridade policial local, para as providências cabíveis e legais.

A própria lei adjetiva penal assim estabelece:

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o   executor poderá efetuar -lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a  remoção do preso.

§ 1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:

a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

§ 2º Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 630)

Como reza o artigo 290 do Código de Processo Penal, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado no município em que se deu a prisão, ainda que a infração penal tenha ocorrido em outro local.

E quem é a autoridade competente para formalizar o respectivo auto?

Para a jurisprudência, não enseja a nulidade se o auto for lavrado pela autoridade policial do lugar do cometimento da infração. Entretanto, a doutrina salienta ser a autoridade policial do local da prisão, como se vê adiante.

Norberto Avena (2009, p. 790) assim pontua:

Como regra, incumbirá a lavratura do auto de prisão em flagrante à autoridade policial do local onde for realizada a prisão, a qual não será, necessariamente, a do  lugar em que foi perpetrada a infração penal. Esta é exegese do art. 304 do CPP.  Tome-se assim, como exemplo, a hipótese em que o indivíduo tenha cometido um latrocínio em Florianópolis. Perseguido, vem a ser preso na circunscrição de  Palhoça. À autoridade policial desta localidade é que deverá ser apresentado o flagrado para fins de lavratura do auto de prisão em flagrante. Inobstante, nos prazos  legais, deverá o delegado de polícia de Palhoça comunicar ao juízo de Florianópolis a prisão em flagrante, a este remetendo o auto de prisão para fins de verificação de sua legalidade e, se for o caso, homologação. Uma cópia do auto de prisão deverá,ainda, ser enviada à delegacia de polícia com circunscrição no local do crime em Florianópolis com vistas à instauração de inquérito policial (lembre-se que o auto de prisão em flagrante é uma das formas de início do inquérito) e prosseguimento das investigações. (grifo nosso)

Sobre o assunto leciona Tourinho Filho (1986, p.38 e 43):

Efetuada a prisão em flagrante, o preso, ou, segundo a terminologia do nosso Código, o conduzido, deve ser apresentado à autoridade competente, que, de regra, é a  autoridade policial do lugar onde se efetivou a prisão. Aquele que apresenta o conduzido à autoridade é chamado de condutor, que tanto pode ser a própria pessoa que efetuou a prisão, como a encarregada de apresenta-la à autoridade. Devem também estar presentes as pessoas que presenciaram a prática da infração. Caso não haja testemunhas presenciais, exigem-se, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado a apresentação do conduzido a autoridade. [...] Quem pode presidir à lavratura do auto de prisão em flagrante? De regra, a autoridade policial do lugar em que se verificou a captura, consoante as regras dos artigos 308 e 290 do  CPP [...].(grifo nosso)

Nesse sentido, sustenta Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 52): 

Além do cumprimento do mandado de prisão, há possibilidade de se prender o  suspeito em flagrante delito. Nessa hipótese, autoriza-se a perseguição do autor do crime, até que seja efetivamente detido. Não há que se falar em barreiras, impostas  por diferentes territórios de atuação do juiz ou da autoridade policial. O executor segue o agente, passando por diversos locais, até alcança-lo; assim ocorrendo, deve apresenta-lo, de imediato, à autoridade policial do lugar da prisão, para que seja  formalizado o auto do flagrante. (grifo nosso).

Comentam Távora e Alencar (2011, p. 520):

Havendo perseguição, nada impede que ela se estenda a outro Município ou Estado, realizando-se a prisão em comarca diversa da originária. Consagrada a prisão, o preso será apresentado à autoridade local, seja para a lavratura do auto de flagrante, seja para que se efetue a transferência ao lugar de origem da expedição do mandado. Em sendo caso de flagrante, a autoridade do lugar da prisão procederá à lavratura do auto, remetendo-o ao juiz local, para aferição da legalidade do ato. Só após, os autos e o preso serão remetidos à comarca originária.

Estando em perseguição, o autor do delito que passar para o território de outro município ou comarca, for alcançado pelo executor da prisão, este o apresentará a autoridade do local da prisão, para que, se convencendo do indício de delito e sua autoria, promova a lavratura do auto de prisão em flagrante, remetendo os autos a comarca pertinente e a delegacia do lugar da infração para continuidade das investigações. É a inteligência do art. 290 do Código de Processo Penal, como exceção à regra do art. 70 do mesmo diploma legal.

Persiste o entendimento doutrinário de que a autoridade competente para a lavratura do respectivo auto é aquela onde ocorreu a prisão e não a do local da infração. Assim, duas são as autoridades policiais simultaneamente competentes, uma, com competência para a lavratura do respectivo auto no local da prisão em flagrante, a outra tem competência para prosseguir no inquérito policial a que se reserva ao do local do crime (BARBOSA, 2008, p. 88; JESUS, 1991, p. 195).

Na mesma linha de raciocínio, segue a jurisprudência:

PROCESSUAL PENAL. FLAGRANTE. AUTORIDADE POLICIAL DE OUTRA LOCALIDADE. LEGALIDADE. RECEPTAÇÃO DOLOSA. PROVA QUE SE REMETE PARA A INSTRUÇÃO. - HABEAS-CORPUS. INCENSURABILIDADE DE SUA DENEGAÇÃO, DESDE QUE EMBASADA EM PRECEDENTES DESTE SUPERIOR TRIBUNAL SOBRE A LEGITIMIDADE DA  LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR AUTORIDADE POLICIAL DE LUGAR DIVERSO DA OCORRENCIA. (BRASIL. STJ - HC: 6100 SP 1997/0054858-9, rel. Min. José Dantas, 1997, p. 563)

HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - PRISÃO EM FLAGRANTE - NULIDADE POR TER SIDO LAVRADA EM LOCAL DIVERSO DA PRISÃO - NÃO- OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA. (BRASIL. TJ-MS - HC: 9939 MS 2002.009939-2, rel. Des.              João Carlos Brandes Garcia, 2002)

Trocando em miúdos, se o delito ocorrer na mesma comarca ou na circunscrição do mesmo município, prevalece a regra prevista no art. 70 do CPP – o lugar da infração – pelas razões já invocadas. Entretanto, se houver perseguição com a passagem do infrator para comarca diversa ou circunscrição de outro município, sendo capturado por policiais ou quem o tenha detido, será apresentado a autoridade policial do local da efetiva prisão nos termos do artigo 290 do mesmo diploma legal.

Cita-se como exemplo, a ocorrência de sucessivos roubos perpetrados por um bando em lugares diferentes, sendo que, o primeiro roubo se consumou às 17 horas no Município de Paço do Lumiar, e os demais, em seguida, no Município de São Luís, vindo os componentes desse bando a serem perseguidos pelos policiais, e, em determinado momento, deixaram de ser visto, até que foram presos no centro desta cidade, tendo o executor da prisão, sabiamente, apresentado os meliantes no plantão central da beira-mar – local da prisão – com fundamento no dispositivo legal (art. 290 do CPP), vez que os delitos foram praticados em comarcas ou municípios diferentes, embora numa mesma região considerada metropolitana.

A lei processual penal não faz diferença em áreas contínuas ou descontínuas, sendo diferentes os municípios ou comarcas, aplica-se o dispositivo legal em estudo -  artigo 290 do CPP - ainda que o lugar da infração tenha ocorrido em município ou comarca diversa.

O legislador ordinário assim consolidou o texto deste dispositivo por questão de política criminal e para facilitar a lavratura do auto em prisão em flagrante no local em que houve a detenção, uma vez que os infratores, embora tenham praticado delito numa comarca ou município, foram capturados em outra comarca ou município diverso do lugar da infração, devendo, como acentua o supracitado mandamento legal, os mesmos serem apresentados a autoridade policial local (ou seja, do local da prisão), para que esta, tome as providências necessárias, inclusive, se houver dúvida quanto a legitimidade da prisão feita pelo executor ou do mandado judicial ora expedido, ficará sob custodia o detido, até que seja sanada a dúvida suscitada.

Repita-se: o auto de prisão em flagrante deve ser realizado no local da prisão. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo. Já o inquérito policial deve ser instaurado no lugar da infração. No caso, o auto de prisão em flagrante ser elaborado fora do lugar do cometimento da infração, deve ser enviado para a respectiva autoridade do local do crime para instauração do inquérito.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!