3 COMPETÊNCIA RATIONE LOCI
É sabido que a competência territorial, também conhecida nos meios acadêmicos como “ratione loci”, vem delimitar o lugar da infração praticado no território brasileiro, nestes termos:
Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (BRASIL. CP. Vade Mecum, 2013, p. 523)
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I - o lugar da infração;
(...)
:Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.
§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado. (BRASIL. CPP, Vade Mecum, 2013, p. 612)
Quanto a competência pelo lugar da infração penal, a doutrina apresenta três teorias: a da atividade, a do resultado e da ubiquidade.
Enquanto as duas primeiras estabelecem de forma distinta, que o lugar se dá com a ação ou omissão (teoria da atividade) ou se dá com a apuração do resultado (teoria do resultado), a última, teoria da ubiquidade, aponta como lugar do crime tanto o da conduta quanto o do resultado.
Ao invés da teoria da ubiquidade, eleita pelo Código Penal para definir o “lugar do crime” [13], o Código de Processo Penal acolheu a teoria do resultado para a determinação da competência, como regra, referindo-se ao lugar da consumação. No caso de tentativa, a competência firma-se “pelo lugar em que for praticado o último ato de execução” (artigo 70 do Código de Processo Penal).
Em outras situações, a competência se firma de acordo com a legislação processual penal.
A política criminal justifica que a competência se prende ao fato de que no local da ocorrência da infração penal, seja contravenção ou crime, são colhidas as provas que instruíram o procedimento investigatório ou processo penal.
Esse entendimento é unânime na doutrina e na jurisprudência.
Em matéria de competência, Walter P. Acosta (1989, p. 30 e 62) assevera:
A competência para o inquérito é territorial, isto é, resulta do local onde ocorreu a infração, [...] A competência é determinada, em princípio, pelo lugar onde a infração se consumou, e, no caso de tentativa, pelo lugar onde se praticou o último ato de execução [...].
Nesse sentido, Roberto Demo tece algumas considerações:
O art. 70, CPP estabelece a competência de foro pelo lugar da infração (locus delicti comissi), estadeando o princípio da consunção: ‘A competência, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumir a infração, ou no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução (caput). A regra é, portanto, o agente ser processado, julgado e (eventualmente) sancionado no lugar onde perturbou a ordem jurídica e se fizeram sentir os efeitos de sua conduta criminosa, com vistas a tranquilizar, pelo equacionamento da causa penal, o meio social alarmado [...]. Outro fundamento para a competência ratione loci está na maior facilidade de se coligir as provas do delito. (Revista Jurídica Consulex. Brasília- DF, ano XI, nº 247, 30.abr/2007, p.61)
Quanto ao inquérito, a jurisprudência segue essa posição:
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO. 1. A competência será, de regra, determinada pelo local em que se consumar a conduta delituosa (art. 70 do CPP). In casu, as informações contidas nos autos levam à conclusão de que o ato falsificador do documento (Autorização Especial de Trânsito - AET) teria sido praticado em Mato Grosso, onde reside e atua o despachante apontado como responsável pela contrafação. 2. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo suscitado, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso. (BRASIL. TRF-1 - CC: 306796120134010000 DF 0030679-61.2013.4.01.0000, rel.: Des. Fed. Olindo Menezes, 2013).
EMENTACONFLITO DE COMPETÊNCIA - INQUÉRITO POLICIAL - ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA - MUNICÍPIO COM MAIS DE UMA ZONA ELEITORAL - LUGAR DA INFRAÇÃO - CONFLITO CONHECIDO E DECIDIDO. Nos termos do artigo 2º da Resolução TRE/MT nº 486/2002 (que trata da competência e distribuição de feitos gerais nos municípios dotados de mais de uma Zona Eleitoral), nos feitos criminais determinar-se-á a competência pelo lugar da infração. Competência declarada do Juízo suscitado. (BRASIL. TRE-MT - Inq: 27784 MT, rel.: Pedro Francisco da Silva, 2012, p. 2-8).
Não há sombra de dúvida a esse respeito. De regra, compete a autoridade do lugar da infração consumada ou tentada. Como toda regra tem exceção ou exceções, não poderia deixar de existir nessa matéria.
4 LOCAL DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO
Efetuada a prisão do autor da infração penal e/ou de quem concorreu na conduta criminosa, deve o executor (policial ou particular) apresentá-lo (s) imediatamente a autoridade policial local, para as providências cabíveis e legais.
A própria lei adjetiva penal assim estabelece:
Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar -lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso.
§ 1º - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:
a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista;
b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.
§ 2º Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida. (BRASIL. CPP. Vade Mecum, 2013, p. 630)
Como reza o artigo 290 do Código de Processo Penal, o auto de prisão em flagrante deve ser lavrado no município em que se deu a prisão, ainda que a infração penal tenha ocorrido em outro local.
E quem é a autoridade competente para formalizar o respectivo auto?
Para a jurisprudência, não enseja a nulidade se o auto for lavrado pela autoridade policial do lugar do cometimento da infração. Entretanto, a doutrina salienta ser a autoridade policial do local da prisão, como se vê adiante.
Norberto Avena (2009, p. 790) assim pontua:
Como regra, incumbirá a lavratura do auto de prisão em flagrante à autoridade policial do local onde for realizada a prisão, a qual não será, necessariamente, a do lugar em que foi perpetrada a infração penal. Esta é exegese do art. 304 do CPP. Tome-se assim, como exemplo, a hipótese em que o indivíduo tenha cometido um latrocínio em Florianópolis. Perseguido, vem a ser preso na circunscrição de Palhoça. À autoridade policial desta localidade é que deverá ser apresentado o flagrado para fins de lavratura do auto de prisão em flagrante. Inobstante, nos prazos legais, deverá o delegado de polícia de Palhoça comunicar ao juízo de Florianópolis a prisão em flagrante, a este remetendo o auto de prisão para fins de verificação de sua legalidade e, se for o caso, homologação. Uma cópia do auto de prisão deverá,ainda, ser enviada à delegacia de polícia com circunscrição no local do crime em Florianópolis com vistas à instauração de inquérito policial (lembre-se que o auto de prisão em flagrante é uma das formas de início do inquérito) e prosseguimento das investigações. (grifo nosso)
Sobre o assunto leciona Tourinho Filho (1986, p.38 e 43):
Efetuada a prisão em flagrante, o preso, ou, segundo a terminologia do nosso Código, o conduzido, deve ser apresentado à autoridade competente, que, de regra, é a autoridade policial do lugar onde se efetivou a prisão. Aquele que apresenta o conduzido à autoridade é chamado de condutor, que tanto pode ser a própria pessoa que efetuou a prisão, como a encarregada de apresenta-la à autoridade. Devem também estar presentes as pessoas que presenciaram a prática da infração. Caso não haja testemunhas presenciais, exigem-se, no mínimo, duas testemunhas que tenham presenciado a apresentação do conduzido a autoridade. [...] Quem pode presidir à lavratura do auto de prisão em flagrante? De regra, a autoridade policial do lugar em que se verificou a captura, consoante as regras dos artigos 308 e 290 do CPP [...].(grifo nosso)
Nesse sentido, sustenta Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 52):
Além do cumprimento do mandado de prisão, há possibilidade de se prender o suspeito em flagrante delito. Nessa hipótese, autoriza-se a perseguição do autor do crime, até que seja efetivamente detido. Não há que se falar em barreiras, impostas por diferentes territórios de atuação do juiz ou da autoridade policial. O executor segue o agente, passando por diversos locais, até alcança-lo; assim ocorrendo, deve apresenta-lo, de imediato, à autoridade policial do lugar da prisão, para que seja formalizado o auto do flagrante. (grifo nosso).
Comentam Távora e Alencar (2011, p. 520):
Havendo perseguição, nada impede que ela se estenda a outro Município ou Estado, realizando-se a prisão em comarca diversa da originária. Consagrada a prisão, o preso será apresentado à autoridade local, seja para a lavratura do auto de flagrante, seja para que se efetue a transferência ao lugar de origem da expedição do mandado. Em sendo caso de flagrante, a autoridade do lugar da prisão procederá à lavratura do auto, remetendo-o ao juiz local, para aferição da legalidade do ato. Só após, os autos e o preso serão remetidos à comarca originária.
Estando em perseguição, o autor do delito que passar para o território de outro município ou comarca, for alcançado pelo executor da prisão, este o apresentará a autoridade do local da prisão, para que, se convencendo do indício de delito e sua autoria, promova a lavratura do auto de prisão em flagrante, remetendo os autos a comarca pertinente e a delegacia do lugar da infração para continuidade das investigações. É a inteligência do art. 290 do Código de Processo Penal, como exceção à regra do art. 70 do mesmo diploma legal.
Persiste o entendimento doutrinário de que a autoridade competente para a lavratura do respectivo auto é aquela onde ocorreu a prisão e não a do local da infração. Assim, duas são as autoridades policiais simultaneamente competentes, uma, com competência para a lavratura do respectivo auto no local da prisão em flagrante, a outra tem competência para prosseguir no inquérito policial a que se reserva ao do local do crime (BARBOSA, 2008, p. 88; JESUS, 1991, p. 195).
Na mesma linha de raciocínio, segue a jurisprudência:
PROCESSUAL PENAL. FLAGRANTE. AUTORIDADE POLICIAL DE OUTRA LOCALIDADE. LEGALIDADE. RECEPTAÇÃO DOLOSA. PROVA QUE SE REMETE PARA A INSTRUÇÃO. - HABEAS-CORPUS. INCENSURABILIDADE DE SUA DENEGAÇÃO, DESDE QUE EMBASADA EM PRECEDENTES DESTE SUPERIOR TRIBUNAL SOBRE A LEGITIMIDADE DA LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR AUTORIDADE POLICIAL DE LUGAR DIVERSO DA OCORRENCIA. (BRASIL. STJ - HC: 6100 SP 1997/0054858-9, rel. Min. José Dantas, 1997, p. 563)
HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - PRISÃO EM FLAGRANTE - NULIDADE POR TER SIDO LAVRADA EM LOCAL DIVERSO DA PRISÃO - NÃO- OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA. (BRASIL. TJ-MS - HC: 9939 MS 2002.009939-2, rel. Des. João Carlos Brandes Garcia, 2002)
Trocando em miúdos, se o delito ocorrer na mesma comarca ou na circunscrição do mesmo município, prevalece a regra prevista no art. 70 do CPP – o lugar da infração – pelas razões já invocadas. Entretanto, se houver perseguição com a passagem do infrator para comarca diversa ou circunscrição de outro município, sendo capturado por policiais ou quem o tenha detido, será apresentado a autoridade policial do local da efetiva prisão nos termos do artigo 290 do mesmo diploma legal.
Cita-se como exemplo, a ocorrência de sucessivos roubos perpetrados por um bando em lugares diferentes, sendo que, o primeiro roubo se consumou às 17 horas no Município de Paço do Lumiar, e os demais, em seguida, no Município de São Luís, vindo os componentes desse bando a serem perseguidos pelos policiais, e, em determinado momento, deixaram de ser visto, até que foram presos no centro desta cidade, tendo o executor da prisão, sabiamente, apresentado os meliantes no plantão central da beira-mar – local da prisão – com fundamento no dispositivo legal (art. 290 do CPP), vez que os delitos foram praticados em comarcas ou municípios diferentes, embora numa mesma região considerada metropolitana.
A lei processual penal não faz diferença em áreas contínuas ou descontínuas, sendo diferentes os municípios ou comarcas, aplica-se o dispositivo legal em estudo - artigo 290 do CPP - ainda que o lugar da infração tenha ocorrido em município ou comarca diversa.
O legislador ordinário assim consolidou o texto deste dispositivo por questão de política criminal e para facilitar a lavratura do auto em prisão em flagrante no local em que houve a detenção, uma vez que os infratores, embora tenham praticado delito numa comarca ou município, foram capturados em outra comarca ou município diverso do lugar da infração, devendo, como acentua o supracitado mandamento legal, os mesmos serem apresentados a autoridade policial local (ou seja, do local da prisão), para que esta, tome as providências necessárias, inclusive, se houver dúvida quanto a legitimidade da prisão feita pelo executor ou do mandado judicial ora expedido, ficará sob custodia o detido, até que seja sanada a dúvida suscitada.
Repita-se: o auto de prisão em flagrante deve ser realizado no local da prisão. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à do lugar mais próximo. Já o inquérito policial deve ser instaurado no lugar da infração. No caso, o auto de prisão em flagrante ser elaborado fora do lugar do cometimento da infração, deve ser enviado para a respectiva autoridade do local do crime para instauração do inquérito.