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Os alimentos compensatórios.

Aplicação e Incidência no Direito de Família brasileiro

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Agenda 05/02/2015 às 13:02

Os alimentos compensatórios são de aplicabilidade relativamente nova no direito civil e processual civil pátrios. Importados da Europa, trazem às partes num processo de separação ou divórcio a possibilidade de mais uma modalidade de alimentos.

1.      Introdução

O instituto dos Alimentos no Direito de Família brasileiro vem acompanhando o maior relaxamento das estruturas deste ramo do Direito, tradicional e conservador por excelência. Se pararmos para analisar, desde há 20 anos atrás até os dias atuais, o Direito Civil, não só o Direito de Família, evoluiu e adquiriu um maior coloquialismo e informalidade em seu tratamento, o que não significa sua desmoralização e precarização, muito pelo contrário, só é cada vez mais sofisticado e próximo dos anseios da sociedade pós-moderna.

Celeridade processual, instrumentalismo das formas, a primazia da conciliação sob o teto do Judiciário, onde antes se intentava acessar para exclusivamente “brigar”, litigar. Na seara familiar: a maior importância que vem ganhando a União Estável sobre o Casamento, a alteração da configuração familiar em seu próprio núcleo, o acesso pleno da mulher ao mercado de trabalho, o reconhecimento de que até mesmo um cônjuge sozinho com seu filho também é nominado “entidade familiar”, a permissão às pessoas do mesmo sexo para que formem família e constituam relação chancelada pela legalidade e pelo Direito, a desnecessidade cada vez maior de se falar em relações clandestinas como o concubinato, a maior facilidade de se divorciar e romper vínculos matrimoniais.

Tudo isso revela que o conceito tradicional (e altamente influenciado pela religiosidade) de família mudou, e mudou desde o advento de nossa Constituição Cidadã em 1988, ainda mais com o Novo Código Civil de 2002, bem como com o olhar que a jurisprudência lança às questões atinentes a este ramo do Direito, que caminhou num crescendo paralelo a todas estas alterações.

No entanto, com as evoluções, não quer dizer que vieram também apenas facilidades e otimização do funcionamento das relações familiares no seio da sociedade. Alguns problemas se complicaram também, outros, novos, tomaram forma. Por exemplo: com a mecânica mais instantânea de extinção do vínculo matrimonial, desde o advento do divórcio e todas as atualizações que este instituto sofreu desde 1977, surgiram mais casos e novas complicações na partilha dos bens, no apoio do cônjuge separado/divorciado ao outro, nas obrigações e deveres de cada um para com filhos em comum, os direitos ao patrimônio adquirido na constância da relação conjugal, a maior importância que se dá à escolha do regime de bens, tanto antes do casamento, quanto após seu rompimento, já que agora este é facilitado; ou com a existência cada vez maior de uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, casos inteiramente novos relativos às decorrências dessa relação, como a sucessão, irão se alocar no centro das discussões.

Uma das consequências de se constituir em família e seguir um regime de relação familiar possível em nosso ordenamento jurídico serão os Alimentos. Devidos aos filhos e ao outro cônjuge nas mais diversas possibilidades e situações. Uma faceta contemporânea dos alimentos a ser analisada e que ganha atualmente cada vez mais espaço na construção jurisprudencial e doutrinária, principalmente pelos autores mais vanguardistas, é a questão dos alimentos compensatórios.

2. Alimentos no Direito de Família: breve análise

Tradicionalmente e com supedâneo legal, o direito aos alimentos se divide em várias modalidades de alimentos. Foram exaustivamente tratados através dos tempos, sendo que a obra mais célebre e sempre relembrada quando se toca no assunto é a de Yussef Said Cahali.

Quando falamos em alimentos, o que devemos pensar? Não só nos alimentos na acepção biológica do termo, isto é, os alimentos necessários à própria subsistência do organismo. Alimentos, no sentido jurídico, é uma ampliação do conceito, conferindo a ele um caráter simbólico, que alcança os alimentos comestíveis, consumíveis, quanto àqueles materiais não-consumíveis, bens de uso, e ainda mais, aqueles intangíveis, que entende-se, sejam necessários ao sustento espiritual, moral e psicológico. O professor Pablo Stolze resume numa simples frase: “de fato, juridicamente, os alimentos significam o conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo.” (STOLZE, 2012, p. 683).

Os alimentos são fixados de acordo com o binômio necessidade/possibilidade, segundo o que se pode inferir do art. 1695, CC. Não é o caso dos alimentos compensatórios, como veremos mais a frente. Doutrina mais recente fala, na verdade, num tripé baseando a prestação de alimentos, sendo que o terceiro elemento a compor seu critério de fixação seria a razoabilidade, aquela que viria para equalizar o referido binômio. Este terceiro é mais afeito também ao conceito de alimentos compensatórios. Stolze o define: “vale dize, importa não somente a necessidade do credor ou a capacidade econômica do devedor, mas, sim, a conjunção dessas medidas de maneira adequada.” (STOLZE, 2012, p. 685).

Yussef Said Cahali divide os alimentos em espécies: quanto à sua natureza, quanto à causa jurídica, quanto à finalidade, quanto ao momento de prestação, quanto às modalidades. Quanto a sua natureza, classificam-se em naturais e civis ou côngruos, em outras palavras, aqueles necessários à subsistência de forma geral (necessarium vitae) e aqueles necessários à uma certa manutenção de condição social (necessarium personae). No que diz respeito à causa jurídica, trata-se das fontes normativas que o deram gênese, daí saem os alimentos legais e os convencionais ou voluntários, os primeiros são aqueles oriundos tanto do Direito de família (por vínculo de sangue, parentesco, matrimônio ou união), quanto do direito obrigacional (responsabilidade civil do devedor); já os segundos referem-se àqueles existentes de uma autonomia da vontade, seja contrato ou objeto de legado. Quanto à finalidade, separam-se os definitivos ou regulares, os provisórios ou ‘in litem’ e os provisionais ou ‘ad litem’, respectivamente: fixados em decisão judicial ou mediante acordo entre as partes, de caráter permanente e não tendo sido formada coisa julgada material; fixados liminarmente e por certo tempo na ação de alimentos de rito especial (Lei 5.478/68); aqueles fixados em ações que não seguem o referido rito especial, e, tanto este, quanto os provisórios, “são concedidos para a manutenção do suplicante na pendência do processo, compreendendo também o necessário para cobrir as despesas da lide.” (CAHALI, 2009, p. 26). Quanto ao momento da prestação ou quanto ao tempo, são aqueles cujos se estendem de acordo com as datas das prestações, isto é, pretéritos ou vencidos, os que são devidos anteriormente ao ajuizamento da ação de alimentos; presentes ou atuais, que são devidos desde o ajuizamento da ação e durante esta; e futuros ou vincendos, que continuam a ser devidos após a resolução do mérito com a prolação de sentença ou homologação do acordo, a partir destes. Por fim, quanto às modalidades de prestação, ou quanto à forma de pagamento, os alimentos subdividem-se em obrigação alimentar própria e obrigação alimentar imprópria, é dizer que, os primeiros são destinados a prover a necessidade direta de manutenção da pessoa, prestados in natura, e os segundos são direcionados à habilitação dos meios para aquisição de bens que atendam esta necessidade, são os de natureza pecuniária.

3.      Estudo comparado

O instituto dos alimentos compensatórios é oriundo dos passos mais modernos dos diversos ordenamentos tradicionais do mundo. Alemão, francês e espanhol, a saber. Melhor especifica a professora e Juíza de Direito da 1ª Vara de família, Órfão e Sucessões de Sobradinho/DF, Ana Maria Gonçalves Louzada:

Os alimentos compensatórios tiveram sua origem na Alemanha, depois passando para as legislações francesas e espanholas, ambas servindo de fonte para doutrina e jurisprudência argentinas e cujo direito nasceu à luz do divórcio sem culpa.

Bebe na fonte do direito espanhol (artículo 97, Código Civil, Libro I, Título IV[1]) tão diretamente, que o professor Rolf Madaleno, a maior autoridade na doutrina atual sobre alimentos compensatórios, traduz o conceito do doutrinador espanhol Jorge O Azpiri:

(...) uma prestação periódica em dinheiro, efetuada por um cônjuge em favor do outro esposo, por ocasião da separação ou do divórcio vincular, em que se produza desequilíbrio econômico em comparação com o estilo de vida experimentado durante a convivência matrimonial, compensando deste modo, a sensível disparidade que o separando alimentário irá deparar com a separação em sua padronagem social e econômica, comprometendo, com a ruptura das núpcias os seus compromissos materiais, seu estilo de vida, e a sua própria subsistência.

É muito ilustrativa e altamente didática a decisão proferida em 2008, num acórdão da Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em sede de recurso de agravo no Tribunal Judicial de Alcanena, em Portugal, que demonstra que o direito português vem, como o brasileiro, delineando por via jurisprudencial a estrutura dos alimentos compensatórios, e no texto integral da decisão em certo momento referem-se diretamente ao art. 270 do Código Civil Francês – pois a decisão versa sobre uma lide anterior instaurada no Tribunal de Versalhes, na França – este que influencia o Brasil na conceituação dos alimentos compensatórios. Senão vejamos:

Refere-se a “prestação compensatória” outorgada à Agravante pelo Tribunal de Recurso de Versalhes à situação regulada nos artigos 270 a 281 do Código Civil francês, traduzindo-se ela numa atribuição patrimonial a um dos cônjuges, a cargo do outro, visando compensar a disparidade criada pela ruptura do casamento relativamente às condições de vida de cada um dos cônjuges[2]. Trata-se de uma possibilidade que não tem uma correspondência exacta no direito português, fora do quadro da obrigação alimentar a cargo dos ex-cônjuges [artigo 2009º, nº 1, alínea a) do Código Civil (CC)], sendo substancialmente diferente da reparação prevista no artigo 1792º do CC, caracterizando-a a doutrina francesa nos seguintes termos: “[…]
Quanto ao seu fundamento, ele não assenta na atribuição da culpa […], mas na ideia de que, ao sair do casamento, devem os cônjuges encontrar-se numa situação de independência patrimonial comparável, sem que um deles sofra, de forma particularmente violenta, as consequências das escolhas de partilha que fez, conjuntamente, ao longo do casamento (principalmente dos sacrifícios de carreira feitos pela mulher). Assenta tal compensação, assim, puramente, num fundamento de equidade […]” (g.n.)

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Apenas a título de curiosidade, fomos buscar no BGB (Bürgerliches Gesetzbuch), Código Civil alemão, o início disto tudo. Aquela regulação que teria inspirado os outros direitos na alocação dos alimentos compensatórios em previsão normativa. Em que pese em nenhum lugar, na já escassa doutrina sobre o tema, termos encontrado diretamente o ponto em que o ordenamento alemão positiva a matéria, encontramos indicações de que o instituto dos alimentos lá é tratado entre os artigos 1.601 e 1.615, inseridos no Título 3 do Código, cujo deriva-se em dois subtítulos. Nos parece que se não for o próprio é ao menos muito próximo da essência dos alimentos compensatórios o que previsto no art. 1609[3].

Em tradução livre, trata-se do artigo que traz o ranking dos credores de alimentos, e, então, declina em sete números (o que seriam para nós os incisos), a ordem de preferência a quem são devidos os alimentos. No número 2 estão dispostos, respectivamente, o cônjuge dependente porque tem de criar o filho, ou que o era na época do divórcio, bem como cônjuges ou ex-cônjuges de um casamento de longa duração (em que se há desvantagens nos termos do art. 1.578b deles); já no número 3, estão compreendidos cônjuges e ex-cônjuges que não estão abarcados pelo número 2. Dentre estes dois números, parece lógico que esteja compreendido o cônjuge separado/divorciado atingido por aquelas “desvantagens” da longa do duração do casamento, isto é, por ter experimentado na vida em comum uma situação que não mais será capaz de fruir quando solteiro.

4.      Alimentos compensatórios no Direito de Família brasileiro

Em nosso ordenamento jurídico, os alimentos compensatórios ainda não foram devidamente recepcionados. Só poderia mesmo ser assim, primeiro porque é um instituto muito novo e carente de formulação mais elaborada; segundo porque nasce eivado de polêmica e opiniões adversas; terceiro porque a sua própria aplicação pelos Tribunais vem caminhando com tropeços no dia-a-dia da prática forense.

Mas seria o caso de recepcioná-los em nosso ordenamento? Quais os aspectos, em verdade, que permeiam sua instituição? A quem eles servem e ao que são úteis? Há, aliás, interessantes críticas na doutrina especializada, considerando que esta nova modalidade de alimentos nem mesmo pode ser considerada alimento, na acepção jurídica do termo. Há, ainda, autores que incluem os alimentos compensatórios em outra modalidade, os tratando como uma decorrência dos alimentos provisórios, ou dos indenizatórios.

O eminente professor Rolf Madaleno crê que o Direito precisa trazer os alimentos compensatórios de vez sob sua égide:

Alimentos em plena era da paridade dos sexos precisam ser reescritos na esteira das mudanças socioculturais que ainda não suficientemente absorvidos pelo legislador da nova codificação que revisitou o passado, ressuscitou figuras e preceitos de há muito sepultados, mas que foi incapaz de absorver a verdadeira mudança  do axiológico direito alimentar.

4.1. Conceito

Dentre as várias definições de alimentos provisórios podemos perceber um padrão: são aqueles destinados a equilibrar a vida patrimonial dos cônjuges durante o trâmite da separação (num sentido lato, aí abrangendo a de fato, a judicial e o divórcio).

O conceito corrente de alimentos compensatórios, reiterado na doutrina que trata do assunto, é na verdade aquele cunhado por Rolf Madaleno que, aqui no Brasil, a partir de estudos feitos no direito espanhol e argentino, está na vanguarda do tema. Com poucas variações, apenas terminológicas, o conceito padrão de alimentos compensatórios pode ser resumido por prestação periódica em dinheiro que tem como objetivo manter um equilíbrio econômico-financeiro entre os componentes do casal durante o processo de divórcio litigioso (Fernanda Hesketh).

Apesar do conceito colacionado se omitir acerca de separação, também é motivo para o pedido de alimentos compensatórios a separação, judicial ou de fato, esta última, a separação que pode ser experimentada pelos conviventes em união estável, quando se mantiveram por longo tempo nesta relação, de modo a criar uma maneira de vida e costumes que impliquem no desequilíbrio econômico entre uma parte e outra com a eventual extinção da convivência:

(...) 1. SE OS DOCUMENTOS JUNTADOS COM A PETIÇÃO INICIAL PARECEM, EFETIVAMENTE, INDICAR QUE AS PARTES CONVIVERAM EM REGIME DE UNIÃO ESTÁVEL E QUE PODE HAVER EFETIVO DESEQUILÍBRIO NA PARTILHA DO PATRIMÔNIO, ISSO É SUFICIENTE PARA DAR SUPORTE AO PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS QUE A DOUTRINA VEM CHAMANDO DE 'COMPENSATÓRIOS', QUE VISAM À CORREÇÃO DO DESEQUILÍBRIO EXISTENTE NO MOMENTO DA SEPARAÇÃO, QUANDO O JUIZ COMPARA O STATUS ECONÔMICO DE AMBOS OS CÔNJUGES E O EMPOBRECIMENTO DE UM DELES EM RAZÃO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL (...) [TJ-DF - AI: 35193120118070000 DF 0003519-31.2011.807.0000, Relator: ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, Data de Julgamento: 25/05/2011, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 02/06/2011, DJ-e Pág. 148]

À luz do breve estudo acerca dos alimentos em geral feito acima, os alimentos compensatórios estão em algum lugar entre os civis, por pretenderem suprir uma necessidade não vital; legais, por advirem de relações tuteladas pelo Direito de Família e de uma composição entre este direito e o Direito Obrigacional, enfim, decorre do Direito Civil; provisionais, por intentarem a manutenção da parte, até mesmo durante o trâmite da ação de divórcio; presentes, pois não tratam de prestações vincendas ou vencidas, eles surgem com a situação atual que enseja uma prestação ao mesmo tempo do ajuizamento da ação de separação ou divórcio; e são de uma prestação obrigacional imprópria, por serem devidos em pecúnia, tradicionalmente, isto é, não haveria como se pagar in natura os alimentos compensatórios porque eles são os mais abstratos e subjetivos possíveis, dependem não só das peculiaridades de cada caso, mas também do que o cônjuge em desequilíbrio pretende adquirir ou alcançar para manter o padrão, o que ele entende por “seu padrão de vida” na constância daquele matrimônio e daquela vida em comum que ele teve com o outro.

4.2.Natureza Jurídica

É longa a discussão acerca da natureza jurídica dos alimentos compensatórios. Não há entendimento pacífico sobre qual seria o fundamento destes alimentos, todavia, de alguma forma as diversas opiniões se complementam.

Dentre os diversos alicerces já defendidos como basilares ao instituto dos alimentos compensatórios estão: vedação do enriquecimento sem causa (art. 884, CC), princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I, CF), princípio da solidariedade familiar, alimentos provisórios (art. 4º, parágrafo único, Lei 5.478/68), condomínio.

Para Flávio Tartuce, há uma forte influência do direito obrigacional no instituto, cominada com preceitos da matéria de responsabilidade civil:

A tese é interessante, pois traz para o Direito de Família a experiência do direito obrigacional a respeito da vedação da onerosidade excessiva ou desequilíbrio negocial, retirada, por exemplo, dos arts. 317, 478, 479 e 480 do CC/2002; dispositivos que tendem a manter o ponto de equilíbrio nas relações contratuais, cabendo a revisão ou a resolução do negócio jurídico equivalente. Em reforço, há um fundamento na responsabilidade civil, com proximidade conceitual em relação aos alimentos indenizatórios, tratados pelo art. 948, inc. II, do mesmo CC/2002. (g.n.)

Há aplicação do STJ fundando-se na vedação do enriquecimento sem causa:

(...) II - No caso dos autos, executa-se a verba correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido. Tal verba, nestes termos reconhecida, não decorre do dever de solidariedade entre os cônjuges ou da mútua assistência, mas sim do direito de meação, evitando-se, enquanto não efetivada a partilha, o enriquecimento indevido por parte daquele que detém a posse dos bens comuns; III - A definição, assim, de um valor ou percentual correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto aquele encontra-se na posse exclusiva do ex-marido, tem, na verdade, o condão de ressarci-la ou de compensá-la pelo prejuízo presumido consistente na não imissão imediata nos bens afetos ao quinhão a que faz jus. Não há, assim, quando de seu reconhecimento, qualquer exame sobre o binômio "necessidade-possibilidade", na medida em que esta verba não se destina, ao menos imediatamente, à subsistência da autora, consistindo, na prática, numa antecipação da futura partilha; IV - Levando-se em conta o caráter compensatório e/ou ressarcitório da verba correspondente à parte dos frutos dos bens comuns, não se afigura possível que a respectiva execução se processe pelo meio coercitivo da prisão, restrita, é certo, à hipótese de inadimplemento de verba alimentar, destinada, efetivamente, à subsistência do alimentando; (...). [STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/12/2011, T3 - TERCEIRA TURMA] (g.n.)

Sobre a base principiológica dos alimentos compensatórios, se faz precisa a crítica cunhada pelo professor José Fernando Simão, até agora uma intrigante voz destoante na doutrina que estuda os alimentos compensatórios, cujos ele intitula engano perigoso:

(...) É verdade que, na atualidade, há por parte de certos juristas ojeriza às categorias jurídicas e veneração dos princípios do ordenamento. Cunha-se a ideia de que cuidar das categorias é algo desnecessário, antiquado, arcaico, e que para a compreensão do Direito Civil na atualidade basta a aplicação da principiologia. É desta equivocada premissa que decorre a exacerbação no uso de valores como boa-fé objetiva, função social, dignidade da pessoa humana, entre outros. Este uso desmesurado gera o esvaziamento destes importantes valores que servem de panaceia para todos os males que afligem o Direito Civil e quiçá a humanidade. (g.n.)

4.3. Características

Como visto no acórdão supramencionado, no voto da Ministra relatora está expresso e claro que nos alimentos compensatórios não se considera o binônimo "necessidade/possibilidade". Isto é pacífico dentre os autores que estudam a matéria. O que há, sim, quando da fixação da pensão compensatória é a busca por uma razoabilidade no valor.

Outro aspecto importante de se citar é a ausência de culpa. O caráter indenizatório que muitas vezes é citado dentre os autores e a jurisprudência, é recusado por Rolf Madaleno, mas somente se o cônjuge não tiver culpa:

Deve ser considerado que, ao contrário dos alimentos transitórios, a pensão compensatória é ordenada para restabelecer o desequilíbrio produzido pela ruptura matrimonial, embora não contenha realmente um propósito indenizatório. (...) Entre nós a pensão compensatória só tem lugar processual quando inocente o cônjuge alimentando, pois busca compensar justamente o desequilíbrio econômico verificado entre a vida de casado, e a certa penitência que passará a enfrentar por não ter haurido maiores bens e rendas durante o casamento, capazes de formarem um significativo lastro econômico para gerar folgada e estável subsistência no ardores da separação judicial. Pela redação legal em vigor, a pensão compensatória é incompatível com os alimentos do cônjuge culpado, cujo valor, como reza o § único, do artigo 1.704 do Código Civil, será meramente o indispensável à sobrevivência do alimentando.

Já que não se leva em conta a necessidade do ex-cônjuge, também não se verifica possível a privação de liberdade do devedor através da polêmica medida da prisão do devedor de alimentos, constitucionalmente prevista, mas encontrando diversos óbices éticos na prática quando os Tribunais freiam antes de sua aplicação plena no instituto dos alimentos em geral. Há quem entenda ser esta medida extrema de coerção necessária por causar um efeito alarmante e urgente no devedor, quando ele se vê ameaçado de ter sua liberdade tolhida pelo não adimplemento de uma obrigação, da qual depende vitalmente outra pessoa, podendo ser até mesmo seu filho. Há quem entenda que não há hipótese ética, justa, digna que permita a prisão de uma pessoa por um descumprimento de ordem obrigacional ou de uma responsabilização civil. No caso dos alimentos compensatórios, simplesmente não cabe a prisão por não se tratarem de alimentos necessários à subsistência.

É oportuno de se registrar aqui, ao menos em um parágrafo as relevantes críticas feitas pelo professor José Fernando Simão ao instituto dos alimentos compensatórios, mas num corte pelas características. Com base em Said Cahali, o professor elenca todas as características gerais dos alimentos, combate uma a uma, as contrapondo aos alimentos compensatórios, para ao fim provar que, compensatório pode ser outro mecanismo jurídico perfeitamente aplicável a casos como os vistos na jurisprudência, todavia, não pode ser denominado “alimentos” tal instituto. Segundo o professor, no fim, desnecessário se falar em alimentos compensatórios, quando o Direito brasileiro já prevê remédio para as mesmas situações de dissabor e angústia que experimenta o separando que sofre abalo na vida financeira e econômica com o advento da separação.

Por fim, há que se falar quanto ao tempo de duração. Entende-se que os compensatórios devem seguir a regra já corrente nos casos de alimentos entre cônjuges, isto é, possuir um caráter transitório:

Nesse contexto, filia-se plenamente à premissa segundo a qual os alimentos entre os cônjuges têm caráter subsidiário e transitório, com fixação por um tempo razoável, até que o cônjuge volte ao mercado de trabalho (ver: STJ, REsp 1.025.769/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/08/2010,DJe 01/09/2010). (g.n.)

Recentemente foi pública e notória a decisão do STJ em um caso que já se estendia por mais de três anos, tendo como partes o jogador de futebol Pato e a atriz Sthefany Brito. A Terceira Turma, por maioria, manteve a decisão dada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que, por sua vez, manteve decisão do Juiz da Vara de Família do Rio de Janeiro de fixar em R$50.000,00 mensais, pelo prazo de 18 meses uma pensão alimentícia. Em que pese a decisão ter sido no sentido de que o réu pagasse o quanto antes a prestação, há três anos atrás, até que a autora se reestabelecesse no mercado de trabalho, atualmente, com a decisão irrecorrível do STJ, ele deverá pagar, mas aparentemente à título de alimentos pretéritos ou vencidos, já que o principal motivo, o abandono das funções profissionais, inclusive com rescisão de contrato com empregador constante e unânime, pela autora, já foi afastado, vez que ela já se encontra reestabelecida no emprego.

“A negação desse direito em prol da alimentanda implicaria pressupor já viesse ela, no dia seguinte à separação e ao retorno ao Brasil, a estar reempregada e recebendo remuneração aproximadamente adequada ao padrão de vida que mantinha durante o casamento. Padrão esse, no caso, elevado a ponto da notoriedade nacional, que ninguém, nem mesmo o alimentante, veio, nestes autos, a contrariar”, (STJ, excerto do voto do Ministro Sidnei Beneti, processo tramita em Segredo de Justiça).

Não se falou a respeito no meio jurídico, mas este caso famoso apresenta um ilustrativo exemplo de alimentos compensatórios, vez que aqui, a principal motivação que impulsionou a decisão judicial mantida por duas vezes seguidas em graus superiores, foi: por tempo razoável, amenizar as perdas e ônus sofridos pela autora em razão da extinção de uma vida em comum à qual ela se dedicou integralmente. Isto é, equilibrar a situação desfavorável que decorreu do rompimento do vínculo matrimonial, até que ela se reestabelecesse no mercado de trabalho e pudesse ela mesma amortizar os danos econômicos. As principais características dos alimentos compensatórios estão aí presentes: tempo razoável, valor razoável, tentativa de restaurar o equilíbrio rompido com a dissolução de uma relação.

5.      Conclusão

Acompanhando todas aquelas tendências de evolução do Direito de Família no acompanhamento da sociedade, os alimentos compensatórios vêm criar uma obrigação que nenhum legislador poderia prever ou imaginar quando da redação dos institutos alimentares já previstos em Lei. Tiram sua inspiração de uma situação puramente factual e do contexto do capitalismo pós-moderno, proeminentemente uma realidade vivenciada pela classe média no Brasil contemporâneo: manter o padrão de vida.

Os alimentos compensatórios estão alicerçados numa base completamente imaterial e volátil, a situação de cada casal, de cada vida em comum, de cada costume e de cada pretensão. Ela parece premiar aquilo muitas vezes indenizações no mundo do Direito se negam a integrar ou afastam ao máximo: expectativa de direito. Por outro lado, porém, a jurisprudência tem muito cuidado ao delinear as formas em que se dá o alimento compensatório na realidade. Ela, com muita cautela, fixa um prazo determinado, valores não exorbitantes e conferem um caráter e uma natureza que em algum aspecto se diferencia da de indenização.

Por fim, também cremos ser legítimo discutirmos, de uma perspectiva crítica, a motivação social e política dos alimentos compensatórios. Ao cabo deste trabalho, fiquemos com a reflexão: será que esta modalidade de alimentos, ao menos no ordenamento brasileiro, não seria um excesso desnecessário mesmo, como algumas vozes contrárias já pontuaram? Será que todas as classes no estamento social veriam necessidade em "manter o padrão de vida" através de tal instituto. Nos parece que o instituto vem brindar uma classe específica, ou aquelas mais privilegiadas, e por isso, minoria na sociedade. O direito não estaria, com isso, favorecendo luxos, caprichos e vaidade em detrimento de necessidades? Os alimentos são instituto mais sério que lidam com situações periclitantes e delicadas. Para o resto, há apropriados meios.

Sobre o autor
Guilherme Augusto Ramos Alves

Interesses em filosofia, sociologia, antropologia, história e política. Dentro do Direito exclusivamente, em ambiental, sustentabilidade, direito alternativo, criminologia crítica, direito penal, direito processual penal, direitos humanos, direito constitucional, direito econômico. Fora: cultura pop, cultura geek, nerd, games, música (predileção por jazz, blues, rock e vertentes) cinema (maior amor da vida!).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Guilherme Augusto Ramos. Os alimentos compensatórios.: Aplicação e Incidência no Direito de Família brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4236, 5 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31562. Acesso em: 23 dez. 2024.

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