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Violência contra a mulher: dos números à legislação

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Agenda 02/02/2015 às 14:58

Apresenta uma breve abordagem da violência contra a mulher tratando das mudanças na legislação após o advento da Lei Maria da Penha e o impacto deste tipo de violência demonstrado por números.

Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso tem por finalidade apresentar de maneira pontual uma breve abordagem sobre a violência sob um ponto de vista histórico, no seu aspecto de demonstração de poder, em vários meios sociais, para, posteriormente, conceituar e contextualizar a violência doméstica, suas principais causas e consequências. Discorre-se que a violência doméstica é considerada como uma violência de gênero, uma consequência da sociedade patriarcal e uma afronta direta aos direitos humanos da mulher agredida. Será abordada também a importância das legislações específicas de proteção à mulher, especialmente a Lei Maria da Penha. Também é demonstrado no artigo o impacto causado pela violência contra a mulher, através dos números deste tipo de violência e do alcance da Leia Maria da Penha na atualidade. Diante da repercussão alcançada, principalmente a midiática, foram manifestados muitos comentários equivocados e falsas expectativas a partir da criação de uma lei exclusiva para tratar do tema, historicamente tão forte em nossa sociedade. Com base no considerável peso do instrumento legal, ainda assim, dentro do ponto de vista técnico, é preciso examinar e analisar a lei à luz dos princípios constitucionais, penais e processuais penais, para se constatar até que ponto o Estado tem legitimidade para intervir coercitivamente na liberdade dos cidadãos. Fato é que a violência doméstica e familiar é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com o advento da Lei Maria da Penha, foram criados mecanismos para reduzir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, ambicionando que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.

Palavras-chave: Violência. Estatísticas. Lei Maria da Penha.


1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história, a violência contra a mulher se fez presente em muitas civilizações e épocas. Todas as camadas da sociedade são tocadas pela violência neste sentido, abrangendo um conjunto de relações sociais que tornam complexa sua natureza. É uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mesmas pelos homens.

Diante de tantas definições encontradas, a violência contra a mulher pode ser indicada como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Esta violência pode ser demonstrada de diversas formas. A mulher é atacada em seu físico, assim como em sua moral. As formas de assédio neste sentido são muitas, incluindo-se atos discriminatórios no campo profissional ou mesmo na desvalorização dos trabalhos na seara doméstica.

As formas mais comuns de violência sob o prisma do gênero feminino são manifestadas através de agressões físicas, psicológicas e sociais, incluindo maltrato físico e abuso sexual, psicológico e econômico.

No Brasil, há uma tendência em cuidar do problema como um fenômeno de menor importância e limitado ao âmbito interpessoal. Mas, os altos índices de casos de violência contra a mulher que vêm acontecendo, demonstram a necessidade premente de uma maior atenção para a questão. Preocupação hoje, que se retrata em nível mundial, não se resumindo apenas ao nosso país.

Este tipo de padrão violento seja ela doméstica ou não, representa dura realidade em nossa sociedade, a qual ainda é impregnada de discriminação e preconceito contra pessoas do sexo feminino.

Vale a pena ressaltar a condição de relação entre gêneros para que se evidencie o entendimento de um fato gerador deste tipo de violência. O gênero do agressor e o da vítima encontra-se intimamente ligados à explicação deste tipo de comportamento violento.

As mulheres são afetadas pelo simples fato de serem deste sexo, sendo vitimadas muitas vezes pelo elemento cultural machista.

Após a Conferência de Viena, o Estado brasileiro reconheceu alguns direitos da mulher, até então relegados pelo direito baseado em costumes patriarcalistas da época do Brasil Colônia.

A situação de submissão da mulher foi diminuindo ao longo da história, que ostentava exemplos de leis que seriam consideradas absurdas, nos dias de hoje.

A vigente Constituição Federal de 1988 reforçou a ideia de isonomia ao preceituar em seu artigo 5°, I, a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações.

Em 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que ficou conhecida pelo nome de “Maria da Penha”, em homenagem a uma vítima da violência doméstica. Após emblemático caso que chegou ao conhecimento nacional e internacional, forçando o Brasil a tomar uma medida que já vinha sendo adotada em diversas convenções, protocolos e declarações anteriores. Como a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, que foi decidida tendo por base dignidade da pessoa humana e igualdade de direitos entre homens e mulheres.

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A Carta das Nações Unidas em seu preâmbulo reafirma a fé nos Direitos Humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher. Reafirma a igualdade de sexo a partir do princípio da não discriminação e ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos. Apenas em 1993 foi que o direito da mulher apareceu de maneira expressa entre os direitos humanos, através da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, traçando os seguintes dizeres:

Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer ato de violência baseado no gênero do qual resulte, ou possa resultar dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres. Incluindo ameaças de tais atos, a coação e ou privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada. 

Atualmente, a aplicação da Lei Maria da Penha em todo o território nacional, é uma realidade incontestável restando aos operadores do direito o seu aprimoramento e a sua efetiva compreensão e implementação.

Dentre as maneiras de violência previstas no artigo 7º da Lei 11. 340/06, podem ser citadas as formas: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

Este trabalho tem sua ênfase na violência ocorrida no ambiente doméstico, os números e a legislação específica.  Dessa forma, o objetivo central da presente pesquisa é fazer um estudo sobre os danos que a violência de uma maneira geral contra a mulher causa e questionar a solução para esse mal que afeta de maneira geral, a sociedade como um todo.

Tendo em vista que a família é a célula da sociedade, e através dela evoluções ou retrocessos podem surgir sob o ponto de vista educacional e moral do contexto social em que vivemos, será apresentado um estudo sobre a violência praticada contra as mulheres em uma breve contextualização histórica do modo como, gradualmente, este se tornou um tema do campo dos Direitos Humanos e do Direito Penal.  

Inicialmente abordada como "causas externas" de morbidade e mortalidade, devido à grande incidência e aos elevados prejuízos sociais, econômicos e de saúde (física e psicológica), atualmente a violência é reconhecida como um campo específico e urgente de intervenção. Sendo necessário que o Estado desenvolva políticas públicas capazes de suprir as necessidades social, física e emocional das mulheres vítimas de violência. Mais ainda, que promova políticas capazes de transformar as exigências da lei,as quais parecem abstratas, dirigindo-as para ações concretas de conscientização social.

A importância da abordagem do tema refere-se inclusive a acontecimentos que fazem parte do dia a dia da mulher brasileira, de qualquer classe social, raça ou religião.

O desrespeito a leis e o comportamento agressivo dos homens perante as mulheres, sejam,parentes, conhecidas ou estranhas, está impregnado na cultura brasileira, a qual mesmo após tantos avanços sociais, ainda se mostra muito machista.

Pesquisar e tratar do tema em um trabalho acadêmico gera subsídios para a ampliação do conhecimento sobre a violência por esse prisma e contribuem para a elaboração de intervenções específicas, que se torna relevante para a população.

O objetivo geral deste artigo será contribuir com os estudos sobre a violência doméstica contra a mulher na contemporaneidade. Os objetivos específicos serão avaliar quais as circunstâncias sociais que levam aos atos de violência doméstica e as consequências sociais, os números e as leis envolvidas neste processo.

Neste artigo foram utilizadas pesquisas bibliográficas, através de monografias, livros, legislação e sites da internet, dando maior relevância a informações dos últimos cinco anos a respeito da temática abordada.


2 DEFINIÇÃO E HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

De uma forma abrangente, pode-se definir violência como sendo o a utilização de condutas, palavras ou ações que machucam a um terceiro, o abuso de alguma forma de poder, a tortura psicológica ou física, assim como o uso da força que pode resultar em ferimentos ou morte.Caracteriza-se como uma grave questão social, presente em todos os períodos de nossa história, até os dias de hoje, seja em países desenvolvidos ou não.

Pode a violência ser apresentada em diferentes maneiras, sendo assim física, sexual, psicológica, urbana, institucional, de trânsito, intrafamiliar, desencadeando-se, portanto de diversas formas.

Violência é toda iniciativa que procura exercer coação sobre a liberdade de alguém, que tenta impedir-lhe a liberdade de reflexão, de julgamento, dedicação e que, termina por rebaixar alguém a nível de meio ou instrumento num projeto, que a absorve e engloba, sem trata-lo como parceiro livre e igual. A violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é proposta, a renunciar a toda a luta, abdicar de si.Há vários motivos como: pobreza, miséria, desigualdade, desemprego, discriminação, entre outros, que podem contribuir para o desenvolvimento de atos agressivos entre as pessoas. Contudo, a violência não está associada à classe subalterna, marginalizada, como muitos pensam, mas aparece em todas as camadas sociais, idades, sexos, raças, etnias, religiões, etc. (VIELA, 1977 apud AZEVEDO, 1985,  p. 19)

As mulheres conquistaram direito de igualdade entre os sexos, o que está de acordo com o que estabelece os direitos humanos. Desde o final da década de 1970, a igualdade entre homens e mulheres é uma das prioridades dos movimentos feministas em nosso país, os quais, além disso, visavam também proteger as mulheres que se encontravam em situação de risco. As reinvindicações feministas repercutiram em importantes conquistas como a criação das delegacias da mulher, o surgimento dos Juizados Especiais criminais e o advento da Lei 11.340/2006, a conhecida Lei “Maria da Penha”.

No entanto, apenas em 1993 foi que o direito da mulher apareceu de maneira expressa entre os direitos humanos, através da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizado em Viena, traçando os seguintes dizeres:

Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integrante e indivisível dos direitos humanos universais (...) A violência de gênero e todas as formas de assedio e exploração sexual (...) são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminados[2].

Por muitos anos as mulheres estiveram ausentes ou desfiguradas na história brasileira. Como em qualquer parte do mundo, não se fez justiça no papel que elas desempenharam no desenvolvimento do país. Pouco se sabe de suas vidas, papéis e experiências no passado, e a própria existência de fenômenos como o movimento pelos direitos da mulher no Brasil do século XIX (HAHNER, 1981,  p.24)

Apesar de hoje existirem mulheres atuantes em todos os campos importantes para a sociedade, sendo maioria em muitas universidades, vitoriosas em concursos públicos entre cargos de grande destaque no executivo, como no caso da nossa presidente, ou judiciário, representadas por ministras do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, essa não foi uma conquista que nasceu em pouco tempo, de um dia para o outro. São frutos de conquistas históricas referentes aos direitos que um dia já foram negados àquelas que nasciam mulheres.

A Carta das Nações Unidas em seu preâmbulo reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher. Reafirma a igualdade de sexo a partir do princípio da não discriminação e ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos.

No ordenamento jurídico brasileiro, a inovação referente aos direitos das mulheres nasceu com a Constituição federal de 1988, a qual representou uma ruptura com o regime jurídico anterior e deu base legal para os novos dispositivos de lei que instituíram proteção a pessoas do sexo feminino.

Tais meios de proteção se fazem necessários pela tradição machista, ainda vigente em nossa sociedade moderna, onde homens se acham superiores às mulheres. O que ocasiona no inconsciente coletivo masculino, a falsa impressão de que são verdadeiros donos de suas mulheres, tendo assim, direitos sobre as suas vidas. A forma machista de pensar repercute diretamente na violência doméstica em suas diversas possibilidades, incluindo os homicídios no ambiente familiar.

É contra tais ocorrências ocasionadas pela histórica cultura patriarcal, que considerava a mulher como ser inferior em relação ao homem que houveram durante séculos, lutas pelos direitos das mulheres, em busca de emancipação enquanto cidadãs, igualdade civil e na educação.

Na Grécia antiga as funções sociais eram organizadas de acordo com as características do gênero dominante, que era o masculino. Em Atenas, as mulheres eram reservadas apenas as funções domésticas, não podendo assim, expandir os horizontes, sendo inclusive consideradas parte do patrimônio de seu marido.

Em Roma, assim como na Grécia, a família era eminentemente patriarcal, estando todos os seus membros sujeitos ao poder do pater famílias, que era sempre o ascendente masculino mais antigo. “as esposas, os filhos, noras, genros ou escravos- todos eram subordinados ao chefe de suas famílias, e os bens por eles adquiridos integravam se automaticamente ao patrimônio familiar” (ROLIM, 2003, p. 155).

De fato, alguns conceitos explicam a violência contra a mulher. A violência física é visual e entendida como aquela que ofende a integridade ou saúde corporal, praticada pelo agressor, com o uso da força física ou de armas.

No entanto, a forma psicológica de violentar, não é tão aparente quanto à física, mas muito extensa em seus danos, pois engloba qualquer conduta causadora de danos emocionais.

A violência sexual, que também é uma forma tangível, baseia-se em qualquer forma de constrangimento, seja o ato sexual ou o assédio neste sentido, as quais vão desde o ato de estupro ao induzimento ao aborto, prostituição, etc, através de ameaça, coação ou uso da força física em razão do objetivo de interferir na sexualidade da mulher.Na análise de Stela Valéria, a violência assim se define:

É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror. (CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias, 2007, p.29)

A mulher também pode ser violentada em seu patrimônio, o que chamaria de um tipo de violência visual-material. Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição de patrimônio ou qualquer objeto, documentos, bens, valores ou recursos econômicos da mulher, configura uma forma de violência.

A discriminação contra a mulher é um fato inconciliável com a dignidade humana e com o bem estar familiar e social. Esta atitude obstrui a participação da mulher na vida política, social, econômica, cultural, dentre outros setores, como condição de igualdade com os homens, bem como a formação de obstáculos que a impedem de desenvolver completamente habilidades no serviço, tanto particular como social (DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, 2008).

Por fim, a violência moral, que é não-visual e não deixa também de atingir o fator psicológico da vítima. Esta ocorre quando o agressor difama, calunia ou pratica injúria contra a vítima, atingindo a dignidade da mulher. Com o advento da tecnologia, hoje estão acontecendo muitas agressões por meio da internet e a velocidade com que as informações transitam tornam ainda piores os resultados das agressões.

Neste contexto, conforme o artigo 7º, inciso II da Lei Maria da Penha, temos a definição de violência psicológica:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

A violência psicológica, prevista e detalhada a sua forma na Lei Maria da Penha, diferente das formas física e sexual, não deixa marcas visíveis, mas é muito importante, visto que participa do contexto de repressão e discriminação contra a figura feminina de maneira ostensiva, tendo assim, grande importância a sua descrição na letra da lei.

Sobre a autora
Andréia Navarro

Advogada, graduada em Direito na Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande no ano de 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROGA, Andréia Navarro. Violência contra a mulher: dos números à legislação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4233, 2 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31601. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Graduação de Direito na Universidade Estadual da Paraíba em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Drª Aline Lobato Costa.

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