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Reforma Tributária

O Princípio da Capacidade Contributiva e o Imposto de Renda Pessoa Física

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Agenda 20/11/2014 às 16:25

A Reforma Tributária pode tomar como foco o Princípio da Capacidade Contributiva sobre o Imposto de Renda Pessoa Física?

1.      INTRODUÇÃO

Justamente pela dificuldade em se determinar a condição financeira real de cada contribuinte, o princípio da capacidade contributiva, em concomitância com o imposto sobre a renda da pessoa física, são dos maiores desafios do Direito Tributário Nacional.

Este artigo visa a possibilidade de se programar uma maior concretude nas exações que serão pagas por cada sujeito passivo separadamente em virtude de sua renda, atentando de maneira fiel à real possibilidade de cada contribuinte e de suas condições familiares, com base em todos os princípios norteadores da Carta Magna, enfatizados pela especificidade da capacidade contributiva do Direito Tributário.

Uma vez que sua aplicação se atente a essas condições especiais e individuais, muitas vezes a tributação poderá exceder a função ideológica estabelecida pelo princípio em tese e outros preceitos constitucionais. Sua medida deverá ser feita sob aspectos diferentes, podendo variar em sua incidência sobre a renda do cidadão-contribuinte. Há que se estabelecer um padrão com gradações variáveis, através de uma tabela de medidas individuais altamente aliadas às necessidades concretas, o número de dependentes, despesas-padrão baseadas na renda tabelada em que cada família será enquadrada.


2.O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O MÍNIMO VITAL GARANTIDO AO INDIVÍDUO

A Constituição Federal, em seu art. 1o, item III, estabelece em um dos fundamentos do Estado Democrático, a dignidade da pessoa humana, princípio que existe em função de todos os indivíduos inseridos no Estado e, por isso, carrega consigo uma grande relevância diante de todos os outros princípios. Partindo desta premissa, é correto afirmar que a dignidade da pessoa deve ser o fim da norma jurídica positiva.

Preexistindo à própria Constituição, a dignidade da pessoa humana é inerente à sociedade democrática, nascendo com o indivíduo, sendo este o sujeito e objeto principal da Magna Carta. Por viver em uma sociedade democrática, tal princípio traz uma série de garantias arraigadas e intrínsecas, fazendo com que o cidadão tenha reservados os seus direitos de sobrevivência juntamente com a ordem política e social do seu meio.

De acordo com SANTOS (1999), o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser levado em consideração como base, diretriz do legislador e da Administração quando produz política econômica e social, devendo ser enfatizado no Direito Tributário, sendo o Poder Judiciário responsável por qualquer vedação e sua respectiva sanção quando houver a detecção de possível abuso deste princípio. Com isso, o Estado fica impedido de utilizar de seu poder soberano para desestruturar ou impedir o livre desenvolvimento ou a esfera íntima de qualquer cidadão.

Diante de tais definições, é fácil associar as condições mínimas de existência humana (esta que não possui expressão constitucional própria) ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ambos os preceitos são objetivados com maior clareza nas declarações internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, dada pela Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 04 de dezembro de 1986.

Para a compreensão adequada da relevância histórica e sócio-econômica do mínimo vital e sua relação com a dignidade da pessoa, é necessária uma sintética análise histórica da declaração dos direitos fundamentais. A partir das revoluções liberais, positivavam-se as arrecadações de tributo nas grandes declarações de direitos fundamentais limitadores da tributação e suas respectivas garantias. TORRES (1995) diz que a declaração de direitos inglesa (Bill of Rights) não admitia levantar dinheiro para uso da coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem permissão do parlamento.

No Brasil, a Constituição de 1824 instituiu direitos e garantias contra a tributação. Extingue-se aí a imunidade da nobreza: “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres[1]”.

Privilégios descabidos também foram rechaçados: “Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essenciais e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública[2]”. Além disso, o texto de 1824 já estabelecia as proteções da legalidade e anterioridade. Mas somente em 1891, Rui Barbosa especifica as imunidades tributárias.

Segundo SABBAG (2009), a primeira referência à idéia de “mínimo vital” vem do século XIX. Em 25 de maio de 1873 o Estado alemão fixou em 1000 thalers (moeda alemã) o limite de isenção para o contribuinte, equivalendo ao patamar mínimo para sua subsistência. A partir do século XX, inicia-se o ideal de afirmação aos direitos humanos, inclusive diante da tributação. Em 1948, a ONU brilhantemente traduz o que é tido como mínimo existencial em seu art. XXV:

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Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Nossa Constituição Federal, inciso IV do art. 7°, quando disciplina os itens que compõem o salário mínimo, tem a nítida intenção em ofertar parâmetros ao mínimo existencial. No entanto, SABBAG (2009) aponta que, diante de normas constitucionais específicas sobre este importante plano de delimitação, chega-se à conclusão de que compete ao legislador traçar parâmetros que sigam, em dada base territorial, o padrão socialmente aceito para a definição das necessidades fundamentais mínimas do cidadão.

O direito às condições mínimas de existência digna, segundo TORRES (1995), inclui os direitos individuais, também chamados de direitos humanos ou direitos naturais, estes que aparecem explicitados em alguns dos itens do art. 5º da CF de 1988.

O mínimo existencial é exibido com características básicas dos direitos da liberdade (pré-constitucional, porque é inerente às pessoas) que condiciona a ordem jurídica, visto que é feito de direito público subjetivo do cidadão, tendo assim validade erga omnes, aproximando-se do conceito de estado de necessidade; sua conceituação não se limita apenas ao art. 5º da Constituição, pois é dotado de historicidade, variando de acordo com o seu contexto social.

TORRES (1995) ainda insere o mínimo existencial nos interesses fundamentais (tidos como os direitos políticos, econômicos e sociais), estes que incluem os direitos à alimentação, à saúde, e à educação que, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status dos mesmos, pois concernem a parcela mínima de condições sem as quais o cidadão não teria condições de sobreviver dignamente.

Como observa CARRAZZA (1999), o “preâmbulo” da Constituição Federal já consagra extenso rol de valores supremos (a liberdade, a segurança, o bem-estar, a justiça etc.) que devem ser alcançados com a colaboração de todos, nomeadamente do Estado. Este que, por sua vez, deve empenhar-se em proporcionar às pessoas condições elementares de sobrevivência digna.

Por isso, não lhe é permitido tributar, inclusive e principalmente por meio de imposto sobre a renda, por ser justamente a renda que constitui o mínimo vital do contribuinte, incluindo aí a parte de seu patrimônio indispensável para adquirir aqueles elementos de sobrevivência digna.

MOSQUERA (1996, p. 127) segue na mesma linha:

Nas obras dos princípios fundamentais e basilares acima comentados é que se revela a necessidade de se dar ao cidadão brasileiro condições mínimas de existência, isto é, supri-lo de bens materiais que atendam às suas necessidades básicas e que lhe permitam assegurar a vida, a saúde, o bem-estar, a dignidade e a liberdade.

E conclui: “Dar condições mínimas de existência consiste, outrossim, em não tributar os valores recebidos e utilizados na consecução desse objetivo. O mínimo vital, portanto, é insuscetível de tributação.” A tributação por via de imposto de renda deve, pois, deixar intocado o mínimo vital do contribuinte, pois é justamente a porção de riqueza que lhe garante, e a seus dependentes, uma existência digna de um cidadão.

Há que se salientar que, mesmo não sendo definido exatamente qual o limite do mínimo básico vital para garantir a condição humana, deduz-se pelos próprios direitos fundamentais, sintetizando a dignidade da pessoa humana, que tenta evitar o tratamento degradante e desumano, concomitantemente com o art. 3º da Constituição, em seu inciso III, este que objetiva fundamentalmente a República Federativa do Brasil no seu dever à erradicação da pobreza e das desigualdades sociais.

Tendo em vista a reflexão acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, juntamente com a garantia mínima de sobrevivência, pode-se afirmar que a tributação será conseqüência de tais preceitos e, por isso, deverá ser norteada pelos mesmos através de princípios efetivadores da dignidade da pessoa humana, tais quais são fundamentais, principalmente, o princípio da igualdade, o princípio da legalidade, o princípio da liberdade, entre outros.

2.1 Princípios Constitucionais e Limitações ao Poder de Tributar

Denominam-se “princípios constitucionais tributários” os que veiculam no sistema constitucional tributário, normas voltadas à preservação de preceitos considerados fundamentais inerentes à condição humana, entre eles o direito à liberdade, à existência digna, à justiça, à segurança e à igualdade.

MACHADO (2005) destaca alguns dos mais importantes em virtude da universalidade dos mesmos, por serem comuns a todos os sistemas jurídicos, como é o caso dos princípios da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da competência, da capacidade contributiva, da vedação do confisco e o da liberdade de tráfego. Esses princípios são protetores contra quaisquer abusos de poder contra o contribuinte, iniciando-se com a idéia do princípio da liberdade dos indivíduos.

TORRES (1995) explica que sem o mínimo necessário à existência, cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais do princípio liberdade. A problemática da liberdade se comunica com a dos direitos naturais, que são inalienáveis, imprescritíveis, permanentes, anteriores à Constituição e dotados de eficácia erga omnes.

Direitos naturais significam necessariamente a existência dos direitos humanos - ou direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis ou liberdades públicas. A doutrina moderna mais influente assim os compreende. Há, entretanto, algumas divergências entre tais direitos, que não cabem explicá-las uma a uma neste artigo.

Os direitos humanos se aproximam dos direitos naturais, pois ambos se referem aos direitos decorrentes da própria natureza dos homens. TORRES (1995) diz que ambos possuem parentesco com os direitos que se afirmam no campo das relações internacionais, explicitando-se, assim, nas declarações universais e nas convenções entre os diversos países.

Mas nada desaconselha que a expressão seja tomada como sinônimo de direitos fundamentais e de direitos da liberdade, inclusive quanto ao aspecto da necessidade de proteção positiva mínima do Estado, desde que se lhe não dilargue a compreensão para abranger também os direitos econômicos e sociais, como querem alguns juristas.

No âmbito geral dos princípios, CARRAZZA (1999, p.39) assume posição explícita quanto à magnitude e a supremacia não somente ideológica dos princípios constitucionais. Enfatiza, inclusive, as severas sanções impostas pela Constituição na desatenção dada a qualquer um deles. Há que se atentar para o fato de que os princípios são normas e ao mesmo tempo norteadores ideológicos, além de limitadores ao poder de tributar:

Resumindo: os princípios constitucionais são, a um tempo, direito positivo e guias seguros das atividades interpretativa e judicial. Em outros termos, são fonte de direito (Esser) e idéias-base de normas jurídica. A Constituição é a base de todo o nosso Direito Público, notadamente de nosso Direito Tributário. De fato, no Brasil, por força de uma série de particularidades, as normas tributárias são por assim dizer, o corolário dos princípios fundamentais consagrados na Lei Maior.[3]

Outro dos principais princípios constitucionais, projetados sobre todos os domínios do Direito, e ligados ao direito tributário, vem no art. 5º em seu inciso II que determina expressamente o princípio da legalidade: “(...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Sem qualquer autorização normativa expressa, não poderá o Estado exigir qualquer prestação do cidadão.  CARRAZZA (1999, p.172) associa-o diretamente à idéia do princípio da legalidade tributária: 

(...) Bastaria este dispositivo constitucional para que tranqüilamente pudéssemos afirmar que, no Brasil, ninguém pode ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei, da pessoa política competente, é óbvio. Dito de outro modo, é do princípio expresso da legalidade que poderíamos extratar o princípio implícito da legalidade tributária.

Tal preceito obriga o Estado a somente intervir através de sua competência jurídica na vida do cidadão, imputando-lhe deveres e direitos. A partir de tal permissivo legal, autoriza a atitude estatal, mediante norma jurídica e delimitada por preceitos constitucionais.

Já decorrente de outro princípio constitucional geral segundo o qual “(...) todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º caput da CF de 1988) e sendo uma derivação imediata do princípio republicano, o princípio da igualdade tributária vem consagrado em vários dispositivos constitucionais, mas se expressa, sobretudo, no art. 150, II da CF de 1988, que veda a instituição de:

(...) tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica ou dos rendimentos, títulos ou direitos.

No campo da igualdade tributária e, tendo em conta um dos objetivos principais da República Brasileira, insculpidos no art. 3º da CF de 1988, vê-se os princípios republicano e da igualdade, no caso das isenções tributárias, nitidamente interagindo entre si quando vedam as tributações arbitrárias dadas às pessoas políticas, ou instituições religiosas, a partir do momento em que se tenta levar em consideração quaisquer características que nada tenham a ver com as condições mínimas de sua subsistência. É o caso de isenções cedidas por profissão, sexo, credo religioso, convicções políticas entre outros aspectos ligados à liberalidade de cada um.

A restrição de algumas capacidades, muitas vezes impostas pela vontade individual, ou de algum grupo econômico ou político, que se sobrepõem ao coletividade (do povo), restringem ideais como de igualdade. BOBBIO (2000, p.09) é emblemático ao dizer que:

Uma sociedade que se inspira no ideal de autoridade é necessariamente dividida em poderosos e não-poderosos. Uma sociedade inspirada no princípio da hierarquia é necessariamente dividida em superiores e inferiores. Numa situação originária em que todos ignorem qual será sua posição na sociedade futura – e, portanto, não saibam se estarão entre os que mandam ou entre os que são obrigados a obedecer, e se estarão no topo ou na base da escala social -, o único ideal que lhes pode atrair é o de desfrutarem da maior liberdade possível diante de quem exerce o poder e de terem a maior igualdade possível entre si. Podem desejar uma sociedade fundada na autoridade e na hierarquia somente na condição não previsível de que estejam entre os poderosos e não entre os impotentes, entre os superiores e não entre os inferiores.

Propositalmente, as imunidades e as proibições de desigualdade vão ao encontro das limitações constitucionais ao poder de tributar, apesar de diferirem-se entre si. TORRES (1995, p.21) fala nas imunidades, vedações de privilégio e discriminações, juntamente com a proteção individual dada pelos princípios da irretroatividade, anterioridade, entre outros, cita o art. 146, II da CF, lembrando que a lei complementar “regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar”:

O que significa que admite a complementação legislativa assim das imunidades que dos princípios gerais tributários; os arts. 150, 151 e 152 contemplam, sob o título “Das Limitações ao Poder de Tributar”, as imunidades, as vedações de privilégios e discriminações e os princípios ligados à segurança dos direitos individuais.

A relação de tributação é uma relação jurídica e não de poder, tendo por trás disso a existência de princípios que regem tal relação. Cabe, por isso, ao interpretador das normas, utilizá-los sempre com a finalidade ideológica e teleológica destes princípios.

Aliás, como lembra MACHADO (2005), o Direito em sua essência é um instrumento que deve obrigatoriamente servir de defesa contra qualquer tipo de arbitrariedade, aderindo sempre à supremacia da Constituição como ferramenta utilizada pelo cidadão contra o Estado, jamais o inverso.

Por isso, dentre todos os princípios constitucionais tributários, merece destaque o da igualdade. Eis que o princípio, cuja importância será melhor desenvolvida no próximo capítulo deste artigo, correrá acerca deste instrumento de transformação da realidade econômico social, o qual será a semente que fará germinar a idéia da capacidade contributiva.

Sobre a autora
Stefani Ventura Vargas

Advogada OAB/SP - Graduada em Direito na Universidade Federal do Rio Grande. Pós-Graduada em Direito Tributário. Iniciou a carreira em uma Big Four (PwC) onde adquiriu know-how sobre diversos segmentos. Posteriormente, trabalhou na área de Planejamento Tributário de uma indústria pertencente ao Grupo Coca-Cola e na Construtora Camargo Corrêa. Atualmente é Advogada do consultivo em impostos indiretos no Escritório Zilveti Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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