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Reforma Tributária

O Princípio da Capacidade Contributiva e o Imposto de Renda Pessoa Física

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Agenda 20/11/2014 às 16:25

5.O PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA

5.1 Evolução Histórico-Jurídicas, Limites Conceituais e Principiológicos

O imposto incidente sobre a renda, como conhecemos hoje, foi instituído no Brasil através da Lei do Orçamento nº 4.625 de dezembro de 1922. A partir deste momento, com a finalidade em facilitar a implementação deste imposto, criou-se a progressividade de suas alíquotas, estabelecidas entre 0,5% e 8% na época, conforme lembra COSTA (2003).

De acordo com o artigo 31 da Lei do Orçamento de 1922:

Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem.[5]

Por conseguinte, o Imposto sobre a Renda tornou-se um dos principais impostos de âmbito Federal, tendo como função primária a principal fonte de caráter tributariamente arrecadatório da União e, de forma secundária, seu caráter extrafiscal.

5.2 O Imposto de Renda Pessoa Física e sua aplicação na legislação brasileira

Conforme dito no tópico anterior, atualmente, a Carta Magna vigente traz para o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, em seu artigo 153, § 2º, os critérios da generalidade, universalidade e progressividade, estes muito bem definidos por COÊLHO (2010, p. 300):

A generalidade diz respeito à sujeição passiva, indicando a incidência sobre todos os contribuintes que pratiquem o fato descrito na hipótese de incidência da exação. A universalidade, por sua vez, demarca o critério atrelável à base de cálculo do gravame, que deve abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte, independente da denominação da receita ou do rendimento (vide art. 43, §1º, CTN, à luz da LC n. 104/2001). Por fim, a progressividade do IR – mesmo que insuficiente, como é sabido – prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo. 

Seguindo nestes conceitos, COÊLHO (2010, p. 300) esclarece:

Tem-se, na junção desses dois preceitos, o desejo do contribuinte de tornar o imposto de renda geral (incidindo sobre todos os rendimentos), universal (pago por todos), igual (para os iguais) e desigual em dada classe de pessoas, na medida de suas desigualdades, em homenagem à capacidade contributiva, em razão da qual a progressividade se justapõe à proporcionalidade na técnica de incidência do gravame [...].

O fato gerador deste imposto é, então, a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, cujo conceito de renda possui delimitação constitucional, tendo como “acréscimo patrimonial” tudo o que agrega ao patrimônio do contribuinte em um determinado período, não sendo consideradas como “renda” as substituições de eventuais perdas patrimoniais.

O Imposto de Renda demonstra dados relevantes a serem considerados e comparados. De acordo com COSTA (2003), nos anos de 2003 e seguintes, a participação do Imposto de Renda na carga tributária brasileira correspondia a, aproximadamente, 20%. Em 2012, esse número chegou, precisamente, a 16,83%.

Já nos países mais desenvolvidos, esse número chega a 70%. A explicação para a diferença entre o Brasil e outros países, preceitua COSTA (2003), pauta-se na extrema dependência que a carga tributária brasileira possui com os impostos sobre industrialização e sobre circulação de bens e serviços (IPI e ICMS), cujo peso na arrecadação é de nada menos que 60%.

Diante deste cenário, nota-se um evidente baixo grau de progressividade e alta regressividade, juntamente à escassez de alíquotas que possam acompanhar, de forma mais fidedigna, a renda de cada faixa econômica de contribuição, ainda que tenham havido evoluções nos últimos anos. Até pouco tempo, a legislação brasileira previa apenas 2 faixas alíquotas do imposto de renda da pessoa física, respectivamente 15% e 27,5%. Em 1995, houve a inclusão de uma terceira alíquota (35%).

Atualmente, há a previsão das seguintes alíquotas: alíquota zero, para quem se encontra na faixa de isenção; 7,5% (sete e meio por cento); 15% (quinze por cento); 22,5% (vinte e dois e meio por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento), conforme prescreve a Lei 12.469 de 26 de agosto de 2011 em sua tabela progressiva mensal, a partir do ano-calendário de 2014 [6]:

Base de Cálculo (R$)

Alíquota (%)

Parcela a Deduzir do IR (R$)

Até 1.787,77

-

-

De 1.787,78 até 2.679,29

7,5

134,08

De 2.679,30 até 3.572,43

15

335,03

De 3.572,44 até 4.463,81

22,5

602,96

Acima de 4.463,81

27,5

826,15

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Sendo assim, apesar do grau evolutivo dos últimos anos, é fácil perceber que há um maior ônus àqueles que desempenham menor capacidade em contribuir nas despesas do Estado, uma vez que, em regra, contribuintes detentores de maior renda e patrimônio, revelando maior capacidade contributiva, são destinatários de uma carga tributária mais amena, quando comparada com as faixas de menor aquisição de rendas mensais.

Com a finalidade em aproximar a fiscalidade de uma possível justiça social, o presente artigo pretende levar em consideração alguns dos critérios elementares à capacidade contributiva, já discorridos nos capítulos anteriores, em consonância com a Lei do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física.

Tais medidas, muito bem elencadas por SABBAG (2009, p. 124), não serão exaustivas, porém possuem caráter essencial na tentativa em desempenhar uma maior efetividade no que concerne à tentativa em redução de desigualdades sociais agravadas pela arrecadação até então preconizadas pelo Estado:

1. consideração precisa das condições pessoais dos contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) e a prudente fixação de um mínimo vital, compatível com a realidade: o artigo 6º da Carta Magna arrola, como direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Há de se buscar a efetividade na proteção de tais valores, aqui prestigiados, à luz da tributação progressiva do imposto sobre a renda;  (...)

Este item considera que o imposto sobre a renda, para cumprir com o princípio da capacidade contributiva em sua plenitude, deve ater-se de forma definitiva às condições pessoais dos contribuintes, preservando assim o mínimo vital de cada indivíduo, conforme já explanado no primeiro capítulo do presente artigo.

O ponto crítico deste critério seria o estabelecimento fiel ao conceito da linha tênue entre a margem do “mínimo vital”, desconsiderando os exageros já existentes ou evitando-se a criação de restrições para fins de subsistência.

2. estipulação de um expressivo número de deduções para o IR devido, adequando a exigência fiscal ao perfil do contribuinte: a dedutibilidade deve ser ampla, englobando todas as despesas necessárias à manutenção do indivíduo e de sua família, sem limitações arbitrárias, as quais, por amor à lógica e à justiça, não podem integrar o conceito de ‘renda’. Há de haver uma política ‘de inclusão’ de despesas dedutíveis – e não o contrário! – alcançando-se, quiçá, os medicamentos e o material escolar, diversamente do que hoje presenciamos;

O segundo item trata da possibilidade em aumento das hipóteses de dedutibilidade do Imposto de Renda. As atuais exações seriam, em maior parte, substituídas por um rol mais amplo de deduções, resultando em mais cargas tributárias de forma diferenciada para indivíduos economicamente menos favorecidos, adequando-se assim ao seu perfil de capacidade de contribuição.

3. estabelecimento de um expressivo grau de progressividade de alíquotas, em função da quantidade de renda auferida: há que se imprimir maior progressividade às alíquotas, de modo a cumprir, efetivamente, o desígnio constitucional.

O terceiro item trata da indispensável progressividade das alíquotas. O princípio da capacidade contributiva em conjunto com o princípio da progressividade, conforme fora detalhado no segundo capítulo deste artigo, exige que a arrecadação sobre a renda se dê de forma proporcional entre riqueza versus patrimônio da cada cidadão contribuinte.

É importante ressaltar que progressividade não confunde-se com proporcionalidade, ainda que ambas estejam vinculadas à base de cálculo e à alíquota, suas definições são completamente diferentes. Como cita LOURENÇO (2000, p. 42):

No imposto sobre a renda, a progressividade exterioriza-se pela aplicação de alíquotas mais elevadas às faixas mais elevadas de renda tributável.

Atendendo a proporcionalidade, uma vez que as alíquotas são fixas, o indivíduo com melhor capacidade econômica arcará de forma idêntica ao indivíduo com menor capacidade, ocasionando com que este sofra um maior impacto em seu orçamento. Sendo assim, é de fácil entendimento que a progressividade seja a melhor ferramenta para viabilizar a igualdade.

No Brasil, a pessoa física cidadã contribuinte é a maior sacrificada com a finalidade exclusivamente arrecadatória do Estado em contrapartida à carência da contraprestação social extremamente ineficiente. A estrutura atual do Imposto de Renda Pessoa Física é uma das principais representações (ou de melhor mensuração) desta contradição, pois engessa o contribuinte com a limitação de poucas alternativas à dedutibilidade e ao aumento progressivo de suas alíquotas que não atêm-se, de fato, à realidade das condições econômicas dos cidadãos que possuem menores condições contributivas.


6.      CONCLUSÃO

No decorrer deste artigo, apontou-se critérios de concretização do postulado da capacidade contributiva sobre o Imposto de Renda Pessoa Física e os princípios essenciais para sua melhor aplicação. Pôde-se entender, ainda, que o objetivo dessa forma de tributação não é o de inverter a posição das classes de renda, mas apenas reduzir a diferença entre elas que é, por sinal, exageradamente grande no Brasil.

Logicamente que são necessários estudos sociais e econômicos, além de melhor atenção do legislador e do Poder Executivo no exercício de sua extrafiscalidade, de maneira a estruturar as famílias contribuintes, não somente pela sua renda mensal, mas por suas características individuais, seus números de dependentes e suas necessidades básicas atendidas preferencialmente.

Em contraponto ao raciocínio da teoria objetiva, utilizado por grande parte da doutrina, concluiu-se que o princípio constitucional e a relação base de cálculo – fato econômico utilizado como simples estipulação da carga tributária ao indivíduo, significa impor irrestrita e arbitrariamente uma supremacia do Estado sobre o indivíduo, despida de qualquer respaldo legal impedindo qualquer realização de justiça social sobre o contribuinte brasileiro.


REFERÊNCIAS

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BARBOSA, Rui. Impostos interestaduais. OCRB, v. XLIII, t. II, 1916, Rio de Janeiro: MEC, 1958.

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BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 out. 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 14 jul. 2013.

BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e método. 3ª. ed. São Paulo: Noeses, 2009.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 1999.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 2ª ed.São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª. ed. rev. e ampl. São Paulo:

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CREPALDI, Silvio Aparecido. A Regra Matriz de Incidência Tributária: Uma abordagem analítica: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1049>, 2009. Acesso em 28/05/2013.

LOURENÇO, Américo; LACOMBE, Masset. Princípios constitucionais tributários. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O Imposto e o Conceito Constitucional. São Paulo, Dialética, 1996.

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SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário: ideal para concursos públicos. São Paulo: Saraiva, 2009.

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Fortaleza: Celso Bastos Editora, 1999.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar Editora, 1995.


Notas

[1]  Art. 179, item 15

[2] Art. 179, item 16

[3]  Grifos do autor

[4]  Grifos do autor

[5]   Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/hist1922a1924.asp)>. Acesso em 02/03/2014.

[6] Dados da Receita Federal do Brasil, Disponível em: <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2013.pdf.> Acesso em: 05.02.2014.

Sobre a autora
Stefani Ventura Vargas

Advogada OAB/SP - Graduada em Direito na Universidade Federal do Rio Grande. Pós-Graduada em Direito Tributário. Iniciou a carreira em uma Big Four (PwC) onde adquiriu know-how sobre diversos segmentos. Posteriormente, trabalhou na área de Planejamento Tributário de uma indústria pertencente ao Grupo Coca-Cola e na Construtora Camargo Corrêa. Atualmente é Advogada do consultivo em impostos indiretos no Escritório Zilveti Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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