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Consumidor mutuário do SFH não pode ser obrigado a contratar seguro habitacional com o banco mutuante ou com seguradora por ele indicada.

Comentários à súmula nº 473 do STJ

Agenda 04/01/2016 às 11:38

Conforme pacificado pela 2ª Seção do STJ, configura venda casada o ato de impor ao consumidor mutuário do Sistema Financeiro da Habitação a contratação de seguro habitacional junto à instituição financeira mutuante ou a seguradora por ela indicada.

Após reiteradas decisões sobre a matéria, a Segunda Seção do STJ finalmente consolidou, através da súmula nº 473, seu entendimento acerca da abusividade de se impor aos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) a contratação de seguro habitacional com a própria instituição financeira mutuante ou com seguradora por ela indicada, pelo fato de essa prática configurar a chamada venda casada ou operação casada, como preferem alguns, prática expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. A proibição de venda casada inaugura o rol exemplificativo (numerus apertus) de práticas abusivas do art. 39 do CDC, cujo inciso I prevê que é vedado ao fornecedor “condicionar o fornecimento de produtos ou de serviços ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como sem justa causa, a limites quantitativos”.

    EMENTA: Segunda Seção - SÚMULA n. 473

    O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, em 13/6/2012. PRECEDENTES:

    PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SFH. APLICAÇÃO DO CDC. SEGURO HABITACIONAL CLÁUSULA QUE OBRIGA A CONTRATAÇÃO DA SEGURADORA ESCOLHIDA PELO AGENTE FINANCEIRO. AFASTAMENTO DA IMPOSIÇÃO. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO.

    I - Já não se discute a incidência do CDC nos contratos relacionados com o SFH (REsp 493.354/Menezes Direito, REsp 436.815/Nancy Andrighi, Ag 538.990/Sálvio).

    II - Correta a decisão que não conhece do recurso, na parcela em que não se impugna especificamente o fundamento legal utilizado pelo Tribunal de origem, para afastar cláusula contratual que obriga o mutuário do SFH a contratar a seguradora escolhida pelo agente financeiro.

    REsp 876837/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes De Barros, DJe 14/12/2007.

    CONTRATO DE MÚTUO. SFH. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO DE APÓLICE COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OU EMPRESA POR ELA INDICADA. DESNECESSIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.

    I. A Jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o mutuário do SFH não está obrigado a contratar a apólice de seguro com o mutuante ou seguradora por ele indicada. Precedentes.

    II. Agravo improvido.

    REsp 1030019/BA, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 14/12/2009.

    SFH. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO FRENTE AO PRÓPRIO MUTUANTE OU SEGURADORA POR ELE INDICADA. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VENDA CASADA.

    - Discute-se neste processo se, na celebração de contrato de mútuo para aquisição de moradia, o mutuário está obrigado a contratar o seguro habitacional diretamente com o agente financeiro ou com seguradora por este indicada, ou se lhe é facultado buscar no mercado a cobertura que melhor lhe aprouver.

    - O seguro habitacional foi um dos meios encontrados pelo legislador para garantir as operações originárias do SFH, visando a atender a política habitacional e a incentivar a aquisição da casa própria. A apólice colabora para com a viabilização dos empréstimos, reduzindo os riscos inerentes ao repasse de recursos aos mutuários.

    - Diante dessa exigência da lei, tornou-se habitual que, na celebração do contrato de financiamento habitacional, as instituições financeiras imponham ao mutuário um seguro administrado por elas próprias ou por empresa pertencente ao seu grupo econômico.

    - A despeito da aquisição do seguro ser fator determinante para o financiamento habitacional, a lei não determina que a apólice deva ser necessariamente contratada frente ao próprio mutuante ou seguradora por ele indicada.

    - Ademais, tal procedimento caracteriza a denominada “venda casada”, expressamente vedada pelo art. 39, I, do CDC, que condena qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica para estipular condições negociais desfavoráveis ao consumidor, cerceando-lhe a liberdade de escolha. Recurso especial não conhecido.

    REsp 804202/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03/09/2008.

    RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). LEGALIDADE. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO OBRIGATÓRIA COM O AGENTE FINANCEIRO OU POR SEGURADORA POR ELE INDICADA. VENDA CASADA CONFIGURADA.

    1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC:

    1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico.

    1.2. É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura "venda casada", vedada pelo art. 39, inciso I, do CDC.

    2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.

    REsp 969129/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/12/2009.

COMENTÁRIOS:

Diz o art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90):

    Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

    I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

Discorrendo sobre a proibição imposta pelo dispositivo em referência, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin ensina:

    “O Código proíbe, expressamente, duas espécies de condicionamento do fornecimento de produtos e serviços.

    Na primeira delas, o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também um outro produto ou serviço. É a chamada venda casada. Só que, agora, a figura não está limitada apenas à compra e venda, valendo também para outros tipos de negócios jurídicos, de vez que o texto fala em ‘fornecimento’, expressão muito mais ampla.

    Na segunda hipótese, a condição é quantitativa, dizendo respeito ao mesmo produto ou serviço objeto do fornecimento” (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: forense Universitária, 2004, p. 369).

A matéria sumulada pelo STJ diz respeito à primeira hipótese apontada pelo eminente ministro do mesmo tribunal, ou seja, a súmula nº 473 trata da abusividade da imposição, por parte das instituições financeira, de contratação de seguro habitacional com ela mesma ou com seguradora por ela indicada, sendo esta a condição para a contratação do objeto principal, que é o financiamento de imóvel através do SFH.

Pra fins de enquadramento na disciplina consumerista, o contrato de seguro é considerado um serviço. É o que ensina o nominado autor, quando afirma que “o Código denomina serviço ‘qualquer atividade fornecida no mercado de consumo’ incluindo as de natureza bancária, financeira de crédito e securitária [art. 3º, § 2º ]” (Op. Cit., p. 529). A esse respeito, transcrevemos o dispositivo:

    Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

    (...)

    § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (destaquei).

Destaque-se que a obrigatoriedade de contratação de seguro habitacional é exigência considerada juridicamente lícita. Registre-se, ainda, que a matéria já vinha sendo julgada em sede de Recurso Repetitivo pelo STJ, finalmente culminando na edição da indigitada súmula. Sobe o tema, Leonardo de Medeiros Garcia, em excerto bastante semelhante ao consignado pela Min. Nancy Andrighi no REsp 804202/MG, nos seguintes termos:

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    “O seguro habitacional é um dos meios encontrados pelo legislador para atender à política habitacional e incentivar a aquisição da casa própria. O seguro viabiliza os empréstimos, reduzindo os riscos inerentes ao repasse de recursos aos mutuários consumidores. Mas, em nenhum momento a Lei exige que o seguro seja contratado diretamente com o mutuante. Assim, quando o mutuante vincula o seguro habitacional ao financiamento, há evidente venda casada. No caso, o consumidor é livre para escolher o seguro que melhor lhe atenda” (GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 281).

A vedação de venda casada tem por objetivo proteger a liberdade de contratar do consumidor - corolário do princípio da autonomia da vontade. Busca-se, ainda, a proteção da livre concorrência - art. 170, IV, CF/88 – um dos princípios norteadores da ordem econômica, a qual, nos termos do art. 170 da Carta Fundamental, tem como outro princípio informador a proteção do consumidor (inciso V). Geralmente, as instituições financeiras, quando não subordinam a contratação de financiamento à contratação do seguro com ela mesma atuando como agente financeiro, indicam uma seguradora que faça parte do mesmo grupo econômico. Sem dúvidas, essa prática viola os princípios acima mencionados, resultando em evidente prejuízo para o consumidor, e ressaltando ainda mais a sua reconhecida vulnerabilidade - art. 4º, I, do CDC -, na medida em que ele possui liberdade para contratar, isto é, de escolher o parceiro contratual cujo produto ou serviço fornecido melhor lhe atenda, sob todos os pontos de vista (utilidade, economia, eficiência etc.).

Abrindo um breve parêntese, é importante frisar, entretanto, que nada impede que o consumidor contrate o seguro habitacional com a própria instituição ou mesmo com a seguradora por ela indicada, desde que essa manifestação seja livre, e não fruto de uma condição imposta pelo parceiro contratual. Nessa hipótese, não se fala em venda casada, pois o consumidor pode assim optar por uma questão de comodidade e celeridade para sacramentar o financiamento, que é o se objetivo primordial. O que se proíbe é o condicionamento, que importará em verdadeira negativa de celebração do negócio principal.

Ultrapassado este ponto, urge consignar que a cláusula contratual que revela a prática de venda casada é nula de pleno direito, nos termos do art. 51 do CDC, que também estatui rol meramente exemplificativo (numerus apertus) de cláusulas consideradas abusivas, tendo em vista que uma das características do código consumerista é a adoção de um sistema protetivo composto por cláusulas abertas, portanto possibilitando o exercício hermenêutico por parte do magistrado que aprecia uma lide de consumo.

Julgamos pertinente uma última observação: até a edição da Lei nº 12.529/11, a prática de venda casada era considerada crime contra a ordem econômica, por força do art. 5º, II, da Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Dizia o dispositivo, fazendo referência ao caput do art. 4º da mesma lei:

    Art. 5º Constitui crime da mesma natureza:

    (...)

    II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço.

    Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Todavia, a norma foi expressamente revogada pela Lei nº 12.529/11, dispondo em seu art. 127:

    Art. 127. Ficam revogados a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999, os arts. 5o e 6º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e os arts. 1o a 85 e 88 a 93 da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994.

Destarte, a venda casada continua sendo considerada prática abusiva pelo CDC, mas, como visto, tornou-se um indiferente penal, em razão da abolitio criminis operada pela Lei nº 12.529/11.

Nada obstante, hoje a proibição de venda casada nos contratos do SFH encontra-se sumulada pelo STJ, representando um importante reforço no combate a esse tipo de abuso cometido nas relações de consumo e, quem sabe?, servirá de inspiração para a edição de novas súmulas, consolidando a jurisprudência daquela corte em relação a outras situações em que se verifica essa prática nefasta.

Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. Consumidor mutuário do SFH não pode ser obrigado a contratar seguro habitacional com o banco mutuante ou com seguradora por ele indicada.: Comentários à súmula nº 473 do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4569, 4 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34388. Acesso em: 17 nov. 2024.

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