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Revista íntima, direitos humanos e mentalidade brasileira

Agenda 23/12/2014 às 11:37

A situação brasileira é periclitante. A sociedade brasileira está perdendo a capacidade de perdoar, de amar, de se solidarizar. Qualquer ser humano que cometa crime demonstra que algo de errado está acontecendo na sociedade

Quando uma pessoa é condenada, e a sentença é em regime fechado, o Estado apenas retira, transitoriamente, pois a CF/1988 não contempla prisão perpétua, o direito deambulatório, isto é, o direito de ir, vir e ficar. Sabemos que as prisões brasileiras são centros medievais de cárcere. Todavia é necessário analisar todo o contexto brasileiro, e deixar de comparar com demais países. Os pretéritos e atuais governantes não tomam iniciativas conclusivas para tornar as prisões centros de ressocializações. Todavia, por sua vez, pelo modelo atual das prisões brasileiras, os agentes penitenciários, os idôneos, têm que proteger suas próprias vidas e dos presidiários. A sociedade brasileira, dita defensores dos direitos humanos, não quer saber da vida dos agentes, do contrário cobrariam também os direitos humanos dos agentes, que possuem, também, familiares. E é fácil constatar isso, pois quando morre um agente penitenciário não se vê os defensores dos direitos humanos, mas, sim, os familiares dos agentes.

As revistas íntimas são vexatórias? Sim, mas necessárias, enquanto o Estado, ou melhor, os incompetentes governantes, não investem, eficazmente, nas infraestruturais dos presídios, não compram aparelhos para a revista íntima. Por que o atual modelo, diante da ausência, ou precariedade, de recursos tecnológicos para as revistas íntimas, é necessário? Simples, proteção dos agentes penitenciários e dos próprios presidiários. Seja artefatos introduzidos no ânus ou na vagina, que possam atentar, ou causar morte, de agente penitenciário, ou prisioneiro de facção rival, a prevenção é necessária, no caso a revista íntima; mas quando os presídios não dispõem de tecnologia para substituir o modelo atual de revista: agachamento; pulinho; introdução de dedos do agente penitenciário no ânus ou vagina do visitante.

Se invocarmos o princípio da isonomia, os próprios agentes públicos, principalmente os políticos, que forem ingressar nos presídios devem se submeter ao constrangedor ato da revista íntima. Por quê? No Estado de direito não há privilégios para ninguém; sabemos que há agentes corruptos. E diante da realidade brasileira, todos, sem exceção, devem ser revistados com os meios em que cada presídio apresenta aos visitantes.

No site Portal Fórum, cuja matéria intitulada “Só quem abre as pernas ali sabe como é. Aquilo é um estupro”, [1] vários comentários se fizeram. Dentre todos, o que mais me chamou a atenção foi o que transcrevo abaixo:

“J.A

maio 29, 10:40

Sou ex presidiário, eu era transportador de drogas, leva cocaina, maconha para várias capitais do país, isso com 17 para 18 anos. Ou seja era mula do tráfico. Em 2003 fui predo em Brasília DF. Eu e outro camarada que foi preso junto comigo. Sou de campo grande MS e fui ser preso mais de 1000 km da minha casa, puxei 3 anos e 6 meses lá, maior veneno, no cascavel e depois na papuda. Nunca tive visita, minha mãe faleceu e eu estava preso com 19 anos de idade e não pude ver ela pela última vez. Olha só o que ganhei com o crime. Conclui mais da metade do meu ensino médio lá. Mas a maioria não querem estudar lá. Sai em 2007. De condicional. Terminei o restante do ensino médio na rua. Estudei mais dois anos e me formei em técnico de enfermagem. Antes trabalhei como entregador de panfleto na rua, como faxineiro de oficina de concessionária de carro, depois como entregador de pizza com a moto que financiei, como ofice boy em um escritório de contabilidade. Aí vendi a moto financiei meu carro zero, financiei a casa própria, e com o curso de enfermagem entrei num hospital particular e atendo um paciente na casa dele que me paga o dobro que ganho no hospital. Quando sai da cadeia percebi que só perdi com o crime, vi o tempo que fiquei lá, o que passei lá dentro e vi que o crime não compensa. E tomei minha decisão, a vida é uma decisão, ou vou para direita ou para esquerda. Sigo este caminho ou aquele. Todos somos responsáveis pelo que escolhemos. Em 2003 escolhi o crime, e paguei por isso. Arquei com minhas escolhas. Já em 2007 escolhi um novo caminho e hoje em 2014 graças a Deus que me da vida e saúde estou colhendo os frutos da escolha de 2007. Não é o sistema que vai definir seu futuro, é sua decisão. É lógico que um sistema mais bem preparado contribui. Mas no final a decisão é sempre sua. Portanto não culpem o sistema, o judiciário, a polícia, o governo e etc…. esses todos são falhos assim como quem cometeu o crime e foi parar no sistema. Mas culpem seus atos, culpem suas decisões, assumem suas decisões e decidam por não cometerem o mesmo crime por uma segunda vez e voltarem para o sistema novamente. Parem e pensem o tanto de reicidente que existem no sistema? Eles decidiram voltar aos delitos por conta própria. Falta serviço na rua? Não isso é mentira. Falta escola? Não. Hoje está tão fácil, existem supletivos, fieis financiando faculdades. Na minha cidade tem tanta oferta de emprego, todo dia o jornal anuncia muitas vagas em obras de construção, mas quase ninguém quer. Digam isso mães aos seus filhos, peça a eles para tomarem a decisão correta. Parem de culpar isso ou aquilo, de fazer reclamações da revista, presidio nunca vai mudar isso, sempre vai ter a revista. E outra mulherada coloca celular e droga pra dentro de presideo sim, coloca droga, e por onde? Pela vagina. É verdade sim, agente penitenciário corrupto passa também, passa sim, mais a mulherada manda ver. Então sempre vai ter a revista. Não adianta reclamar. E olha eu falo do que sei, sou ex presidiário sem orgulho gente. Digo infelizmente. Só pra vocês terem idéia aqui onde moro esses tempo atrás foi feito uma operação pente fino no presídio de segurança máxima e o noticiário informou que só com um preso foi encontrado 9 aparelho de celular. Brincadeira né gente? ! Que que o cara quer com isso? Crime gente. Essa é a escolha dele antes de sair. Será ele merece sair? Um outro preso foi descoberto que ele tinha Facebook. Kkkkk brincadeira né! Mas agora acabaram com a festa de todos eles, instalaram bloqueadores de celular de verdade e ninguém mais deles usam. Ufa! Isso em campo grande MS gente. Por tanto minha conclusão é essa, o cara errou? Vai ter que pagar por sua pena. E a família vai ter que passar pela revista sim. Ou então que não vá visitar seu familiar. Para a família e o preso sente junto análise o sofrimento e não volte para esse lugar horrível”.

Verdade ou não, sobre J.A ser ex-presidiário, o relato dele sintetiza um pouco da realidade de muitos presídios brasileiros. Todavia, que fique claro, num ambiente totalmente desprovido de virtudes humanas, não há como ressocializar – nisso discordo de J.A. Pelo contrário, aguçam os instintos mais perversos da espécie humana. Ambiente hostil cria forte pressão na conduta humana. Dizer que o meio hostil não tem influência negativa, pois cada qual pode escolher seu destino no planeta, é desmentir acontecimentos traumáticos em outras circunstâncias. Por exemplo, nas guerras. Ex-soldados sofrem de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) - flashbacks do combate, paranóia constante, incapacidade de se relacionar no ambiente familiar, social e profissional, uso de drogas lícitas e ilícitas  Não muito diferente das guerras, nos presídios brasileiros os seres humanos têm que saber sobreviver: matar ou morrer; render ou lutar; negociar ou sofrer as consequências, que muitas fezes começa pela tortura. Nos presídios brasileiros há pagamentos por proteção pessoal: prostituição; dar parte da comida; tornar-se um escravo etc.

Em ambientes hostil, o ser humano, que é psicopata, encontra ambiente fértil para suas torpezas. Na entrevista concedida no Correio Braziliense [2], a Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva alerta sobre o Código Penal, o Código de Execução Penal e a própria Constituição Federal de 1988.

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O Brasil está muito ultrapassado em questão de Código Penal e de Código de Execução Penal. Por conta de a Constituição dizer que a lei tem que ser igual para todos, a gente não distingue o criminoso psicopata do não psicopata. Os psicopatas representam cerca de 25% da população carcerária e os outros 75% não são psicopatas. Ou seja, três quartos dos criminosos são recuperáveis. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação dos criminosos psicopatas e dos não psicopatas. Nesses lugares, não importa o ato em si, mas se aquela pessoa é uma psicopata ou não. Se houver esse diagnóstico, os códigos Penal e o de Execuções Penais são totalmente diferentes. O autor de determinados crimes com certo grau de perversidade tende a repetir. Um exemplo clássico é o pedófilo. Não existe pedófilo que não seja psicopata, ele fica maquinando de forma maquiavélica o ataque ao que há de mais puro e usa a criança como objeto de poder e diversão. E ele sempre volta a cometer o mesmo crime.

Já o neurocientista americano James Fallon, [3] se surpreendeu ao se descobrir como psicopata. Sua supressa o fez revisar conceitos científicos sobre cérebro e psicopatia. Fallon também disse que o tipo de ambiente influência no comportamento, ou seja, quando há amor a tendência de agir como psicopata diminui, mas ambiente hostil desperta o lado sombrio da psicopatia.

"Sou uma pessoa agressiva e vingativa, gosto de manipular as pessoas, sinto prazer no poder. Mas todos foram tão amorosos comigo, tenho uma mãe afetuosa e uma esposa maravilhosa".

"Além disso, não tive experiências de abandono, abuso ou traumas violentos na infância. Tudo isso neutralizou minha biologia".

Conclusão

A vivência no presídio brasileiro causa transtornos psicológicos: o psicopata latente pode se manifestar em toda a sua magnitude; o elemento, que furtou uma galinha, se depara com ambiente hostil do presídio, muitas vezes mais hostil em que vivia preteritamente, o que também pode desencadear transtornos emocionais. E o que dizer do menor de idade? Se há latente em si a psicopatia, o ambiente hostil vai aflorar os instintos perversos. Todavia, mudar o sistema prisional brasileiro, ao que parece, não tem qualquer importância, tanto a sociedade quanto aos políticos, por quê? Quais interesses estão camuflados na letargia quanto à mudança no modelo prisional atual? Se verificarmos, a grande maioria dos presidiários são negros. Em nenhum momento se vê agente político em regime fechado. E quando tiver, claro, será levado para algum presídio que atenda os direitos humanos dos presidiários.

A situação brasileira é periclitante. A sociedade brasileira está perdendo a capacidade de perdoar, de amar, de se solidarizar. Qualquer ser humano que cometa crime demonstra que algo de errado, principalmente no Brasil,  se encontra nas relações sociais, nas políticas públicas. Enquanto no Brasil se condena pelo simples condenar, em outros países, civilizados, há as condenações, mas se esforçam para descobrirem as causas que levaram aos delitos e, assim, corrigir desigualdades sociais, combater a corrupção,  em todos os segmentos sóciopolíticos.

Infelizmente, na cultura brasileira, só é grave o comportamento que tire dinheiro de outra pessoa, que cause lesão física ou morte. O simples ato, por exemplo, de dar dinheiro ao guarda de trânsito, para se livrar de multa de trânsito, não é visto como um mal em si. Assim, pequenos atos contrários ao Estado de Direito se transformam, com o tempo, em grande atos bárbaros. Não é dizer que o cidadão que dá dinheiro ao policial, mais tarde, vá virar um assassino cruel, mas a sua atitude abre brecha para outros comportamentos perniciosos à sociedade. A "normalidade" contrária aos bons costumes [virtude humana] vai se diluindo com o tempo. No final restará barbárie. E essa barbárie estará disfarçada  de “justiça”.

Referência:

1 – Portal Fórum. “Só quem abre as pernas ali sabe como é. Aquilo é um estupro”. Disponível em:< http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/04/quem-abre-pernas-ali-sabe-como-e-aquilo-e-um-estupro/>.Acesso em: 23 de dez de 2014, às 9h28min.

2- Correio Braziliense. Psiquiatra autora de best-seller defende prisão perpétua para psicopatas. Disponível em:< http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2012/06/04/interna_cidadesdf,305617/psiquiatra-autora-de-best-seller-defende-prisao-perpetua-para-psicopatas.shtml >.

3 – BBC. Pesquisador se descobre psicopata ao analisar o próprio cérebro. Disponível em:< http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/12/131223_psychopath_inside_mv >.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

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