RESUMO: No presente artigo, estuda-se o impacto e a devida necessidade do exaurimento da via administrativa nos crimes de sonegação fiscal, para que assim haja a constituição definitiva do crédito tributário como forma de prever a condição objetiva de punibilidade do Estado e ainda promover justa causa para propositura de eventual ação penal por parte do Ministério Público. Ressalta-se que o presente estudo não foca unicamente no exaurimento da via administrativa, mas também analisa o impacto da decisão administrativa na esfera penal. Neste esteio, torna-se necessário proceder uma breve análise do oferecimento da denúncia no que se refere às suas características e sua repercussão na esfera penal na hipótese desta ocorrer antes do prévio exaurimento da via administrativa, observando neste ponto o posicionamento adotado pelos tribunais quanto a manifestação do Ministério Público antes da constituição definitiva do crédito tributário.
Palavras chave: Exaurimento. Tributário. Administrativa. Ministério Público.
1. INTRODUÇÃO
Conforme se verifica na leitura da Lei nº 8.137/90, os crimes de sonegação fiscal configuram-se com o agente ativo da relação tributária, suprimindo ou reduzindo tributos cobrados pela União, Estados e Municípios, ou seja, de forma simples configura-se o crime de sonegação fiscal quando o contribuinte de forma dolosa lesa o erário.
Neste diapasão, não basta única e exclusivamente a compreensão dos mecanismos isolados do direito tributário ou do direito penal para que se proceda o correto e límpido processo para a aplicação da legislação pertinente aos crimes tributários.
Tal premissa encontra-se pautada no fato de que a sonegação fiscal configura-se crime material, o que torna imprescindível a lesão ao bem jurídico tutelado, pois sem tal lesão não existiria ilícito penal tributário o que tornaria a conduta atípica na esfera penal.
Nesta toada, constata-se que somente será possível falar em lesão a ordem tributária quando a autoridade administrativa proceder ao devido lançamento, e ainda quando o fisco então declarar com o término do procedimento administrativo fiscal a real existência do tributo inscrevendo-o em dívida ativa, confirmando dessa forma o valor devido pelo agente.
Portanto, no transcorrer deste processo administrativo o contribuinte, que também poderá ser rotulado como sonegador, ainda tem a possibilidade de se ver livre de eventuais sanções realizando o pagamento dos valores devidos a qualquer momento nos termos elencados no Código Tributário Nacional.
Por conseguinte, constatado o crime e caso a autoridade administrativa tenha confirmado a existência da supressão ou redução tributária através da inscrição em dívida ativa do débito, deve o Ministério Público como detentor do ius puniendi do Estado iniciar a devida ação penal.
Ocorre que muitas vezes não existe uma análise minuciosa dos dois ramos do direito em que se pauta esta problemática, o que pode levar ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público sem o prévio exaurimento da via administrativa, o que, de certa forma, não é ilegal haja vista a independência de instâncias atribuídas aos órgãos.
Destarte, cabe frisar que não existe apenas a lesão ao erário público envolvido nos crimes contra a ordem tributária, pois deve-se acima de tudo observar os Princípios Constitucionais do Contraditório e a Ampla Defesa que são inerentes ao processo administrativo e ao judiciário.
Nota-se que embora inexista qualquer proibição legal ao Ministério Público em realizar a denúncia antes da conclusão da autoridade administrativa, as garantias constitucionais do contribuinte poderão ser violadas.
Assim, deve-se analisar a real necessidade da intervenção ministerial antes do exaurimento da via administrativa, não apenas sobre a vertente da garantia constitucional retro mencionada, mas também pela vertente política, haja vista que o Código Tributário Nacional autoriza o contribuinte a fazer o pagamento do tributo devido até certo momento por escolha do legislador que acima de tudo pretende arrecadar e, a denúncia oferecida de forma prematura pode gerar um ônus desnecessário com a propositura de uma demanda judicial equivocada.
2. ASPECTOS CONTROVERSOS DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
2.1 Do Exaurimento da Via Administrativa nos Crimes de Sonegação Fiscal
Conforme se depreende da análise dos crimes de sonegação fiscal e do próprio Código Tributário Nacional, os ilícitos tributários são a priori discutidos na esfera administrativa da Fazenda Nacional, também conhecida como o Fisco.
Não obstante, o processo administrativo ter o intuito e o objetivo de averiguar o desvio de conduta do contribuinte e impor o lançamento definitivo do tributo que é condição objetiva de punibilidade para a instauração do processo judicial, conforme a Súmula Vinculante 24[1] do Supremo Tribunal Federal determina.
Nesse sentido, observa-se que o exaurimento da via administrativa tem o condão de assegurar ao contribuinte seja ele culpado ou não, o direito do contraditório e da ampla defesa:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INAFASTABILIDADE. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS AOS LITIGANTES EM GERAL. - Outrossim, em que pese a Administração Pública estar adstrita ao princípio da legalidade, não há que prescindir de observar o princípio constitucional do devido processo legal, oportunizando o contraditório e a ampla defesa, mormente cuidando o licenciamento a bem da disciplina de uma penalidade e, não, de simples dispensa discricionária. – (...) Conclui-se, pois, que é nula a punição disciplinar quando não resulta do devido processo legal e quando não é propiciado do servidor o direito ao contraditório. Simples sindicância não guarda consonância com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não podendo dar causa a sanção disciplinar. - Conhecimento e improvimento do recurso e da remessa necessária.[2]
Ressalta-se que, o contraditório e ampla defesa não tem o condão de ajudar o agente, mas sim de resguardar o Fisco de cometer eventual erro, ou seja, é um direito que resguarda os polos passivo e ativo da relação.
Nessa toada, em que pese existir o ilícito tributário penal, qual seja a sonegação fiscal, o legislador prevê que o contribuinte poderá regularizar sua situação durante o curso do processo administrativo.
Nota-se que, na hipótese de não se exaurir a esfera administrativa o contribuinte será privado do seu direito de defesa acarretando assim um prejuízo oriundo do não esgotamento da esfera administrativa.
Portanto, em decorrência de tal preceito a jurisprudência tem se posicionado que a denúncia efetuada antes do esgotamento da esfera administrativa é inepta, restando à ação penal proposta pelo Ministério Público, o seu trancamento até que haja a devida constituição definitiva do crédito, pois sem o exaurimento da via administrativa não existe justa causa para a propositura da ação penal.
Direito Penal e Tributário – Habeas Corpus – Trancamento de Ação Penal – Sonegação fiscal – Lei n.º 8.137/90 e Lei n.º 9.430/96 – Inexistência de certeza e materialidade do crime – Auto de infração – Inépcia da denúncia.
O oferecimento da denúncia, antes do término do processo administrativo-fiscal, não representa açodamento do Ministério Público, posto que a responsabilidade penal e a administrativa fiscal não se confundem. Mas o fato de não estar obrigado a atender a esses requisitos não exime o Ministério Público de apontar os dados, porque a denúncia não pode ser vazia. O auto de infração é uma prévia à discussão, em que o contribuinte tem o Direito Constitucional assegurado ao devido processo legal – art. 5.º, LIV e LV, da CF/88, sendo imprestável como prova de um delito de sonegação fiscal porque vazia de um suporte probatório mínimo a embasar a acusação, ordem vindicada concedida para trancar a ação penal. (1.ª Turma, HC n.º 97.02.07620-0/RJ, unanimidade; J. 4.6.97).[3]
E ainda:
PENAL – ‘HABEAS CORPUS’ – SONEGAÇÃO FISCAL – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – HIPOTESE ‘SUI GENERIS’ – DENUNCIA OFERECIDA ANTES DO PAGAMENTO DO TRIBUTO E ANTECEDENDO O TÉRMINO DO PROCESSO FISCAL.
1. O tipo penal descrito no art. 1º, da Lei n. 8.137/90, para que se possa configurar exige, obrigatoriamente, o termino da apuração do agir do contribuinte na esfera tributaria.
2.Denuncia oferecida antes do termino do processo fiscal que apresenta ausência de interesse de agir do Ministério Publico Federal. – carência de ação.
3. Examinando-se a questão do beneficio outorgado pela Lei n. 8.137/90, verifica-se que a denuncia “ante tempus”, por via obliqua, impediu que pudesse o paciente utilizar-se do favor fiscal.
4. “Habeas Corpus” concedido. [4]
Dessa forma, mediante a simples análise da jurisprudência aliado a leitura da Lei 8.137/90, constata-se que o exaurimento da via administrativa é uma condição objetiva de punibilidade, ou seja, constitui elemento vital e indispensável à exigibilidade da obrigação tributária, pois a decisão administrativa favorável ou não ao contribuinte ou até mesmo o pagamento do débito repercute diretamente na materialidade do fato:
EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo. (STF, HC 81611, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, j. 10/12/2003, DJ 13/05/2005, p. 06).[5]
Logo, a Lei não proíbe a denúncia antes do esgotamento da via administrativa, todavia deve o magistrado com respaldo no Principio Constitucional do Contraditório e Ampla Defesa, rejeitá-la, sob pena de se caracterizar negação da supremacia constitucional, vejamos:
Sobre o tema, o Supremo teve ocasião de se manifestar em algumas ocasiões, conforme se verá na seqüência:
a) ADin 1.571, rel. Min. Néri da Silveira, j. 20.03.97 medida cautelar
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, apreciando pedido de concessão de liminar postulado na ADIn 1.571, a qual versava sobre a constitucionalidade do artigo antes transcrito, por maioria de votos, em 20.03.97, relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, proclamou que: o art. 83 da Lei 9.430/96 não (a) estipulou uma condição de procedibilidade da ação penal por delito tributário; tal dispositivo dirige-se a ato (b) s da administração fazendária, prevendo o momento em que a notitia criminis acerca de delitos contra a ordem tributária, descritos nos arts. 1.º e 2.º da Lei 8.137/90 deve ser encaminhada ao Ministério Público; o Ministério Público não se encontra impedido de agir antes da decisão final no procedimento administrativo. (Informativo STF n. 64, 17-28 mar. 97, p. 1 e 4) [6]
A exigência do prévio exaurimento da via administrativa, para que validamente possa ser proposta a ação penal nos crimes de sonegação fiscal, é indiscutivelmente uma forma de fazer efetivas as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
No direito brasileiro, a necessidade de prévia decisão da autoridade administrativa no crime de supressão ou redução de tributo, é muito mais do que uma questão de Direito Penal ou Processual Penal. É uma questão de Direito Constitucional. Admitir-se a denúncia criminal antes da decisão definitiva da autoridade da administração, é forma clara de negação da supremacia constitucional.[7]
Por conseguinte, o Fisco deve sempre se ater ao fato de que a esfera judicial é demasiadamente onerosa e lenta, sendo inegavelmente favorável o esgotamento da via administrativa tanto para o poder judiciário como para o poder público que visa à arrecadação tributária.
Neste sentido, torna-se prudente que a Fazenda Pública deve sempre proceder à análise do insculpido no artigo 83 da Lei nº 9.430/96:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz. [8]
Portanto, se a real existência do crédito tributário apenas se pode confirmar com o lançamento definitivo do crédito, qual seria a condição para se proceder à denúncia antes de esgotar a via administrativa?
Pois bem, neste ponto deve-se observar que não existe uma justificava contundente, entretanto apenas pode ser aceita a denúncia na comprovada omissão do agente administrativo, isto posto que através desta omissão o fisco poderia ser lesado, tornando-se a denúncia o meio necessário para satisfação do crédito.
Observa-se ainda que, através da omissão pode o contribuinte ser lesado o que pode ocasionar o litígio judicial pelo próprio contribuinte que no anseio de ser lesado, tenta resguardar seu direito:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO LEGAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. 360 DIAS. ART. 24 DA LEI 11.457.
1. A Lei nº 9.784/1999 prevê o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta), para a solução dos processos administrativos em geral, a contar do final da instrução do processo.
2. Os pleitos administrativos de ressarcimento de tributos encaminhados pelos contribuintes aos órgãos da administração fazendária não podem ficar parados aguardando solução indefinidamente, devendo ser fixado prazo razoável para sua duração. Ademais, a demora no processamento e conclusão de pedidos administrativos equipara-se a seu próprio indeferimento, tendo em vista os prejuízos causados aos administrados, decorrentes do próprio decurso de tempo.
3. Aplicar-se o prazo de 30 (trinta) dias para a decisão administrativa, a contar do encerramento da instrução, nos termos do art. [49] da Lei 9.784/99.[9]
Desta feita, verifica-se que apenas em casos específicos, como uma omissão administrativa que ocasione lesão ao administrado, é que a jurisprudência se posiciona favorável a uma ‘intervenção’ judicial.
Assim sendo, observa-se que o exaurimento da via administrativa é elemento necessário a denúncia, uma vez que o Fisco apenas pode assegurar o contraditório e ampla defesa ao contribuinte, com o término do processo administrativo, o qual pode ser favorável ou não ao contribuinte.
2.2 Da Extinção da Punibilidade com o Pagamento do Tributo
Pode-se afirmar que, a extinção da punibilidade através do pagamento do tributo é uma forma comum e natural a solução da temática, entretanto tal possibilidade somente fora permitida através da Lei n.º 4.729/64, que, previa em seu artigo 2º, a extinção da punibilidade dos crimes de sonegação fiscal, para a hipótese do pagamento do tributo ser realizado antes do início do procedimento administrativo de cobrança do tributo.
Evidente que o aludido diploma legal teve diversas alterações no transcorrer dos anos, tendo acompanhado não apenas os dispositivos legais, mas também se adequado à sociedade como um todo.
Nesse sentido, a Lei n.º 8.137/90 cuidou da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, em seu artigo. 14[10], hoje revogado pela Lei nº 8.383/91.
Por conseguinte, após um ano da edição da Lei n.º 8.137/90, o dispositivo legal citado foi revogado pelo artigo 98 da Lei n.º 8.383/91, que acabou por revogar também o artigo 2º da Lei n.º 4.729/65, os §§ 1º e 2º do artigo 11 da Lei n.º 4.357/64 e o artigo 5º do Decreto-lei n.º 1.060/69.
Ocorre que desde janeiro de 1996, a extinção da pretensão punitiva estatal em relação aos crimes de sonegação fiscal/contra a ordem tributária está submetida também ao disposto no artigo 34[11] da Lei n.º 9.249/95.
Desta maneira, observando que a causa de extinção da punibilidade decorrente do pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia fora modificada, tendo sido revogada e modificada, fora restaurada através do art. 34 da Lei n.º 9.249/95.
Insta asseverar que, mecanismos similares são adotados em outros ramos da ciência jurídica, um exemplo marcante deste instituto jurídico pode ser vislumbrado no Direito Penal, com o disposto no art. 107 do Código Penal:
(...) são aquelas que extinguem o direito de punir do Estado. As causas extintivas da punibilidade são mencionadas no art. 107 do Código Penal. Esse rol legal não é taxativo, pois causas outras existem no Código Penal e em legislação especial. Cite-se como exemplo o ressarcimento do dano, que, antes do transito em julgado da sentença, no delito de peculato culposo, extingue a punibilidade (CP, art. 312, §3º), o pagamento do tributo ou contribuição social em determinados crimes de sonegação fiscal, etc.[12]
Neste diapasão, mantendo o constante progresso da legislação sobre o tema, o legislador alterou o posicionamento até então encartado na legislação, através da Lei nº 10.684/03, considerando que o pagamento integral do tributo, mesmo que após o recebimento da denúncia, é causa de extinção da punibilidade do delito contra a ordem tributária.
Oportuno analisar ainda que a aludida lei acabou por regulamentar também a suspensão da pretensão punitiva durante o parcelamento do crédito sem, no entanto, a considerar causa de extinção da punibilidade, senão vejamos:
Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.[13]
Denota-se, portanto, do texto legal acima que o legislador pátrio não fez qualquer menção ao momento adequado para que o contribuinte efetuasse o pagamento integral do tributo, tendente à extinção da punibilidade, não estabelecendo se deveria ser antes do recebimento da denúncia ou em qualquer outro momento processual. Daí concluiu-se que em qualquer fase do processo o pagamento poderá ser feito e o seu efeito será a extinção da punibilidade do fato típico.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal já fixou na sua jurisprudência que o efeito extintivo da punibilidade, opera-se pelo pagamento, seja qual for o momento em que for efetuado, desde que seja antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. Art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.[14]
Portanto, a própria legislação possibilita ao contribuinte extinguir a punibilidade ou a pretensão punitiva do Estado com a quitação do débito, sendo a matéria referente ao pagamento e suas peculiaridades inteiramente reguladas nos artigos 157 e seguintes do Código Tributário Nacional.
2.3 Das causas extintivas no direito tributário
No que tange a temática envolvendo as causas extintivas sob a égide do direito tributário, deve-se observar principalmente que nesses casos o que se extingue é tão somente a obrigação tributária e não o crédito, isso porque este é um dos seus elementos do tipo.
Neste diapasão, a extinção do crédito tributário é abordada pelo legislador no Capítulo IV, Seção I do Código Tributário Nacional e as causas extintivas estão dispostas no artigo 156.
Nesta esteira, tem-se o disposto no inciso II, que dita que a compensação também é uma forma de extinção, que encontra respaldo nos artigos 170 e 170-A, do Código Tributário Nacional, dessa forma o legislador ao instituir o mecanismo da compensação acabou por permitir a negociação de créditos que ora se tem a receber ora se tem a pagar.
Desta forma, leciona o douto Hugo de Brito Machado:
A compensação é como que um encontro de contas. Se o obrigado ao pagamento do tributo é credor da Fazenda Pública, poderá ocorrer uma compensação pela qual seja extinta sua obrigação, isto é, o crédito tributário.[15]
Ocorre que, outro mecanismo hábil a extinção é a transação, que encontra insculpida no inciso III.
Transação é um acordo celebrado sempre pautado em Lei, entre o Fisco e o contribuinte, onde a obrigação principal é ‘esquecida’ para que assim emerge uma nova obrigação tributária.
Neste contexto, torna imprescindível frisar que a transação tributária não se confunde com a civil, haja vista que o objetivo é diverso, pois o Fisco não tem o intuito de evitar litígios, mas sim de extinguir o inadimplemento mediante o óbvio recebimento do valor devido.
Luciano Amaro expõe que:
A transação, instituto previsto no art. 840 do Código civil de 2002, é, no plano tributário, regulada no art. 171 do Código Tributário Nacional. Curiosamente o Código Civil de 2002, que expressou, (...) que a transação só se permite quanto a direitos patrimoniais de caráter privado (art. 841). [16]
Por sua vez procedendo à análise das causas extintivas constata-se que o legislador estabeleceu a remissão como uma opção, assim referido instituto é uma “prerrogativa” da autoridade administrativa que poderá mediante despacho fundamentado, conceder a remissão conforme preconiza o art. 172, in verbis:
Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I – à situação econômica do sujeito passivo;
II – ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;
III – à diminuta importância do crédito tributário;
IV – a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.[17]
Já o inciso V do artigo 156 trata dos efeitos do transcurso do tempo sobre o crédito tributário, ou seja, a prescrição e a decadência:
Para que não perdure eternamente o direito do fisco de constituir o crédito tributário, o art. 173 do CTN estabelece que tal direito se extingue após cinco anos, contados:
a) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
b) da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
E acrescenta que esse direito se extingue definitivamente com o decurso do prazo de cinco anos, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento (art. 173, parágrafo único).[18]
Para tanto, é oportuno à compreensão da lição de Luciano Amaro, que ensina que um instituto representa o tempo decorrido, enquanto o outro representa a inércia do agente, mas ambos os institutos acabam por provocar o mesmo efeito terminativo, qual seja a perda do direito de cobrança:
Decorrido certo prazo, portanto, as relações jurídicas devem estabilizar-se, superados eventuais vícios que pudessem ter sido invocados, mas que não o foram, no tempo legalmente assinalado, e desprezado o eventual desrespeito de direitos, que terá gerado uma pretensão fenecida por falta de exercício tempestivo.
(...)
A decadência e a prescrição têm em comum a circunstância de ambas operarem à vista da conjugação de dois fatores: o decurso do tempo e a inércia do titular do direito.[19]
Insta expor que o direito ou a pretensão para a cobrança, deve ser operada em até 05 anos, sendo que o ponto de partida para a contagem do prazo é a data da constituição definitiva do crédito, por outro lado a decadência ocorrerá após 05 anos do primeiro dia do exercício seguinte ao do lançamento.
A doutrina ainda explica que pode o contribuinte efetuar um depósito judicial caso não concorde com o valor cobrado evitando a mora para que assim seja discutido na esfera judicial o valor que o contribuinte acredite ser devido. Porém na hipótese da decisão ser favorável ao Fisco ou se ocorrer à desistência do contribuinte a ação, o depósito será convertido em renda:
Poderá ocorrer a conversão do depósito em renda em duas hipóteses:
1. Quando o contribuinte, a qualquer tempo, desiste da ação ou do recurso e pede a sua conversão.
2. Quando a decisão é desfavorável ao contribuinte, depois de transitada em julgado, a administração pública pede a conversão do depósito em renda e assim extingue o crédito tributário.[20]
Mantendo o intuito de facilitar o pagamento, o inciso VII aborda a possibilidade do pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º:
Segundo o § 1º do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
Assim, pode-se afirmar que o crédito tributário objeto de lançamento por homologação somente se poderá considerar definitivamente extinto quando a autoridade administrativa competente homologar a atividade do sujeito passivo ou – usando as infelizes palavras do §1º do art. 150 e do inciso VII do art. 156, ambos do CTN – quando houver “homologação do lançamento”.[21]
Por conseguinte, há que se ponderar que muito embora o legislador tenha disposto de várias formas de extinção, o contribuinte ao efetuar o pagamento pode não concordar com o valor pleiteado pelo Fisco.
Assim, na ocorrência de tal situação, o contribuinte pode se insurgir contra a Fazenda Pública, promovendo um processo que visa discutir não apenas o valor, mas também a legalidade da cobrança:
O crédito tributário pode ser extinto mesmo quando ainda se encontre em constituição. A decisão administrativa que produz esse efeito é a proferida em face da impugnação ou recurso do sujeito passivo, (...).
A rigor, nesta hipótese, mesmo para os que entendem que o lançamento está consumado com o auto de infração, jamais existiu crédito tributário, a não ser formalmente. Tal como o lançamento, a decisão que o desfez tem efeito meramente declaratório em relação à substância do direito. O lançamento tem efeito declaratório positivo, enquanto a decisão que o desfaz tem efeito declaratório negativo relativamente à obrigação tributária.
(...).
A referência feita pelo art. 156, inciso IX, do CTN à ação anulatória reflete o pensamento dos que entendem poder a Fazenda Pública ingressar em Juízo pleiteando o anulamento de seus próprios atos. Tal entendimento a nosso ver é inadmissível.[22]
Porém, há que se observar a lição do ilustre professor Paulo de Barros Carvalho, que expõe a opção do Fisco, caso não tenha ocorrido à prescrição/decadência, mesmo após o trânsito em julgado da decisão a possibilidade de se efetuar um novo lançamento:
... uma vez passada em julgado a decisão judicial, a entidade tributante poderá empreender outro lançamento, em boa forma, apenas se ainda dispuser de tempo, computado dentro do intervalo de cinco anos atinentes à decadência, o que é muito difícil de verificar-se na experiência jurídica brasileira.[23]
Por último, o inciso XI trata da dação em pagamento, este mecanismo consiste no fato do contribuinte ofertar ao seu credor um bem imóvel, ou seja, o Fisco abre mão de receber o crédito em espécie e aceita um bem imóvel que respeite as condições estabelecidas pela lei assegurando que a obrigação será cumprida sem que o Fisco seja lesado.
Assim, observa-se através do estudo do art. 156 do Código Tributário Nacional que o pagamento é uma hipótese natural de extinção do crédito tributário, mas que o legislador visando garantir o recebimento do crédito tributário ampliou as possibilidades do contribuinte cumprir com sua obrigação elencando um rol de mecanismos facilitadores da extinção do crédito.
2.3 Do Reflexo da Causa Extintiva do Crédito na Esfera Penal
Inicialmente cumpre destacar o fato de que se torna imprescindível o exaurimento da via administrativa nos crimes de sonegação fiscal, não apenas para assegurar o contraditório e a ampla defesa ao contribuinte, mas também para que o fisco se resguarde.
Nota-se neste diapasão que o procedimento administrativo, vai muito além do simples lançamento, ele tem o condão de garantir que a cobrança seja realmente legal e somente ocorra sobre o valor devido evitando assim uma cobrança superfaturada.
Destarte, insta frisar que o exaurimento da via administrativa deve ocorrer não por mera opção do Fisco, mas sim por ser ele o fato ensejador da condição objetiva de punibilidade do Estado, havendo assim justa causa para propositura de eventual ação penal por parte do Ministério Público.
Neste esteio, importante destacar que, o processo administrativo devidamente instaurado e julgado trará a seara penal todas às informações necessárias a gerar uma denúncia apta a ser apreciada pelo magistrado, ou seja, uma denúncia realizada antes do exaurimento da via administrativa encontra-se frágil, uma vez que não existem requisitos suficientes à comprovação da culpa.
Neste sentido, é pacifico o posicionamento dos tribunais onde prevalece o entendimento de que a denúncia realizada sem o exaurimento da via administrativa deve ser rejeitada e caso recebida seja então trancada até que haja a conclusão definitiva do crédito na esfera administrativa, vejamos:
Ementa: HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA (INCISO I E II DO ART. 1º DA LEI 8.137/1990). DENUNCIA OFERECIDA ANTES DA CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DEBITO TRIBUTARIO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É pacifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à necessidade do exaurimento da via administrativa para a validade da ação penal, instaurada para apurar infração aos incisos I a IV do art. 1º da Lei 8.137/1990. Precedentes: HC 81.611, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence (Plenário); HC 84.423, da minha relatoria (Primeira Turma). Jurisprudência que, de tão pacifica, deu origem a Sumula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributaria, previsto no art. 1º, inciso I a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.
2. A denúncia ministerial pública foi ajuizada antes do encerramento do procedimento administrativo fiscal. A configurar ausência de justa causa para a ação penal. Vicio processual que não é passível de convalidação.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal.[24]
Observa-se que tal conceito, é adotado pelos tribunais em razão do contribuinte ter a seu favor a possibilidade de reverter o tributo cobrado na esfera administrativa ou ainda efetuar o pagamento da dívida, tornando desse modo o processo penal sem justa causa, vez que o ilícito tributário que estava sendo cobrado já não mais é devido.
Nota-se, que todas as possibilidades elencadas no artigo 156 do Código Tributário Nacional repercutem na esfera penal, não por previsão legal, mas por uma questão de fato, isso porque, eventual ação penal proposta pelo Ministério Público necessita de justa causa para ser julgada, e a base da denúncia é justamente o inadimplemento do contribuinte.
Portanto, o que se verifica na seara penal é que somente existirá a condição objetiva de punibilidade do Estado quando houver a comprovação real do ilícito tributário, ou seja, somente quando houver o término do processo administrativo fiscal, com seu lançamento definitivo do crédito e posteriormente à devida inscrição em dívida ativa do débito fiscal.
Tem-se ainda o fato de que a denúncia realizada e aceita antes do exaurimento da via administrativa somente trará ao judiciário um processo ‘morto’, isto posto que em sua defesa o contribuinte ora réu possivelmente irá requerer sua absolvição sumária, com fulcro nos artigos 397 ou 386 do Código de Processo Penal, uma vez que sem a devida constituição definitiva do crédito não haverá justa causa para propositura da ação penal.
Denota-se ainda que, o Ministério Publico não se encontra obrigado a aguardar o encerramento do procedimento administrativo para proceder o devido andamento ao processo penal, todavia o processo penal promovido pelo MP com base em uma denúncia pautada em uma infração não confirmada pelo Fisco é tida na jurisprudência como frágil e não é passível de convalidação pelo magistrado.
Desta forma, o Ministério Público deve aguardar o exaurimento da via administrativa, para que o processo penal não corra o risco de ser trancado por ser configurado o fato atípico, devendo apenas se pronunciar antes de tal fato constitutivo se o órgão administrativo permanecer inerte em sua obrigação.
Nesta esteira, se ocorrer à denúncia o contribuinte deverá ser absolvido, pois a conduta descrita no processo é atípica uma vez que o crédito fora satisfeito com base no art. 156 do Código Tributário Nacional.
Assim, toda causa extintiva prevista no Código Tributário Nacional provoca de forma direta caso exista um processo penal sua extinção por tornar-se a conduta atípica, não podendo ser o contribuinte penalizado caso o crédito seja considerado atípico ou ainda quando o contribuinte efetuar o pagamento do crédito na esfera administrativa.