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Breve Histórico do Sistema Penitenciário e a Constituição Federal de 1988

Agenda 29/01/2015 às 21:03

Histórico do Sistema Penitenciário e a realidade e o cotidiano dos presidiários e a Constituição Federal de 1988

1.1 – Histórico do Sistema Penitenciário

O direito de punir do estado emanou da vida comunitária. Pois para que a paz e o interesse da maioria fossem preservados criaram-se as regras comuns de convivência e a consequente punição ao agente infrator. Não obstante o conceito de pena nunca tenha gerado grandes discussões, sua finalidade foi uma preocupação constante na história do direito penal, provocando o estudo de juristas e filósofos em seu tempo. Em suma, em seu percurso histórico a pena sofreu um processo de evolução simultâneo às modificações das relações humanas e, constatando que a punição com a pretensão exclusiva de castigar o infrator e vingar o mal por ele praticado sempre culminou em crise modificou-se a tendência penal estritamente repressiva, dando azo às penas alternativas à prisão, um dos objeto deste estudo.

Na Antiguidade a pena impunha sacrifícios e castigos desumanos ao condenado e, via de regra, não guardava proporção entre a conduta delitiva e a punição, prevalecendo sempre o interesse do mais forte.

Com a Lei de Talião,registrada  pelo  Código  de  Hamurabi,  em  1680 a.C.,  mesmo  que  de forma insuficiente, estabeleceu-se a proporcionalidade entre a conduta do infrator e a punição, consagrando a disciplina de dar vida por vida, olho por olho e dente por dente. Surgiu assim a equivalência entre a ofensa e o castigo penal, porém as penas continuavam avassaladoras,  públicas   e  degradantes,   prevalecendo a infâmia, as agressões corporais e a pena de morte.

Superado este momento histórico, a pena que inicialmente era de ordem privada foi remetida à esfera pública, com o ensejo de garantir a segurança e os interesses do próprio Estado. A privação da liberdade começou a ser utilizada, para preservar os réus até os julgamentos definitivos, sem conotá-la como sanção penal autónoma, permanecendo a punição com intenso teor vingativo, impondo-se de maneira severa e capital ao acusado. Neste sentido castigos como amputação de membros, guilhotina, forca, eram exibidos à população na forma de espetáculo, para servir de exemplo intimidativo. Porém, esta situação nunca gerou aceitação entre os homens, como destaca Foucault (apud Dotti, 1977, p. 58):

"...assim, não havia aceitação pública, pelo caráter de espetáculo da execução das penas, sendo que as pessoas eram estimuladas e compelidas a seguir o cortejo até o local do sacrifício, e o preso era obrigado a proclamar sua culpa, atestar seu crime e a justiça de sua condenação".

Posteriormente, a punição ganhou uma conotação de vingança e de castigo espiritual, acreditando-se que através dela poderia se aplacar a ira divina e regenerar ou purificar a alma do delinquente, cometendo-se todas as atrocidades e violências em nome de Deus.

Durante a Idade Média, a punição foi inspirada pêlos Tribunais de Inquisição, período em que a pena ensejava o arrependimento do infrator. Assim, criou-se a oportunidade para que a Igreja massacrasse seus hereges com suplícios cruéis, como a fogueira, estrangulamento e outras variadas formas de tortura. 

A única e isolada progressão da pena neste momento histórico deve-se ao fato de que os Tribunais Inquisitórios instituíram um processo sumário para proferir o julgamento, embora não fosse permitido o princípio do contraditório e o direito de ampla defesa.

A crueldade e os absurdos do direito penal somente foram contrariados com o movimento Humanitário, liderado por ideais de pensadores como John Haward, Jeremias Bentham e Cesare Bonesana "Marquês de Beccaria", que tornou-se um símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente, constituindo o pilar desta vertente. Os ideais revolucionários deram base ao direito penal moderno e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa.

Assevere-se porém que, além dos ideais liberais que norteavam o período, outros motivos estimularam a aplicação da prisão como pena autónoma, suprimindo a pena de morte e os suplícios à integridade física do homem. O aumento da criminalidade por toda Europa em razão das guerras e do aumento da urbanidade, geraram um vulto de pobreza e violência e, com o consequente aumento da delinquência, a pena de morte tornou-se insuficiente e inadequada, ocasionando a conveniência da aplicação de penas privativas de liberdade. Assim, a pena de prisão solidificou-se como principal modalidade punitiva, embora a sua execução permanecesse primária e desumana.

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Outrossim, no início do século XIX, a pena de prisão mostrou-se como um meio adequado para reformar o delinquente, constituindo uma evolução para época, mas nas últimas décadas sua eficiência não tem proporcionado resultados tão otimistas. Aliás, este panorama negativo já era esperado, pois o cárcere é a antítese da sociedade livre, atua de forma antinatural conduzindo à criminalidade. Em virtude disso, assim como ocorreu com a pena de morte e outros suplícios, a falência da pena de prisão foi inevitável, uma vez que além de não frear a delinquência dá oportunidade a desumanidades e estimula a reincidência delitiva.

Diante disso, a história mais recente registra uma nova reflexão em torno da punição, exsurgindo uma manifesta preocupação dos pensadores do direito penal em associar a punição à efetiva reabilitação do ser humano, através de sanções que não privem a liberdade do condenado. Esse objetivo encontra-se respaldado na constatação de que o cárcere proporciona a perda das referências de uma vida saudável em coletividade, por impor um cotidiano monótono, estático e privado dos estímulos positivos. Assim, as preocupações dos dias atuais visam adequar as modalidades punitivas à tendência moderna do direito penal, priorizando a reabilitação intrínseca do delinquente e a preservação de sua dignidade, uma vez que as punições que agiram extrinsecamente, agredindo e castigando os condenados, trouxeram apenas resultados negativos.

1.2 – A realidade e o cotidiano dos presidiários

Sabemos que o sistema carcerário no Brasil está falido. A precariedade e as condições subumanas que os detentos vivem hoje, é de muita violência. Os presídios se tornaram depósitos humanos, onde a superlotação acarreta violência sexual entre presos, faz com que doenças graves se proliferem, as drogas cada vez mais são apreendidas dentro dos presídios.

O artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal, prevê que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, mas o Estado não garante a execução da lei. Seja por descaso do governo, pelo descaso da sociedade que muitas vezes se sente aprisionada pelo medo e insegurança.

Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras "usinas de revolta humana", uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no país. O uso indiscriminado de celular dentro dos presídios, também é outro aspecto que relata a falência. Por meio do aparelho os presidiários mantêm contato com o mundo externo e continuam a comandar o crime. Ocorre a necessidade urgente de modernização da arquitetura penitenciária, a sua descentralização com a construção de novas cadeias pelos municípios, ampla assistência jurídica, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação, separação entre presos primários e reincidentes, acompanhamento na sua reintegração à vida social, bem como oferecimento de garantias de seu retorno ao mercado de trabalho entre outras medidas.

Hoje o delinqüente é condenado e preso por imposição da sociedade, ao passo que recuperá-lo é um imperativo de ordem moral, do qual ninguém deve se escusar. A sociedade somente se sentirá protegida quando o preso for recuperado. A prisão existe por castigo e não para castigar, jamais devemos nos esquecer disso. O Estado não se julga responsável pela obrigação no que diz respeito ao condenado. A superlotação é inevitável, pois além da falta de novos estabelecimentos, muitos ali se encontram já com penas cumpridas e são esquecidos. A falta de capacitação dos agentes, a corrupção, a falta de higiene e assistência ao condenado também são fatores que contribuem para a falência. O Estado tenta realizar, na prisão, durante o cumprimento da pena, tudo quanto deveria ter proporcionado ao cidadão, em época oportuna e, criminosamente deixou de fazê-lo. Mas este mesmo Estado continua a praticar o crime, fazendo com que as prisões fabriquem delinqüentes mais perigosos, e de dentro das cadeias os presos continuam praticando crimes e comandando quadrilhas.

Dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são desrespeitadas, o preso sofre principalmente com a prática de torturas e de agressões físicas. Essas agressões geralmente partem tanto dos outros presos como dos próprios agentes da administração prisional.

Os abusos e as agressões cometidas por agentes penitenciários e por policiais ocorre de forma acentuada principalmente após a ocorrência de rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento que acontece após a contenção dessas insurreições, o qual tem a natureza de castigo. Muitas vezes esse espancamento extrapola e termina em execução, como no caso que não poderia deixar de ser citado do “massacre” do Carandiru, em São Paulo, no ano 1992, no qual oficialmente foram executados 111 presos.

O despreparo e a desqualificação desses agentes fazem com que eles consigam conter os motins e rebeliões carcerárias somente por meio da violência, cometendo vários abusos e impondo aos presos uma espécie de “disciplina carcerária” que não está prevista em lei, sendo que na maioria das vezes esses agentes acabam não sendo responsabilizados por seus atos e permanecem impunes.

Entre os próprios presos a prática de atos violentos e a impunidade ocorrem de forma ainda mais exacerbada. A ocorrência de homicídios, abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro da ambiente da prisão e que, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais presos, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela. Contribui para esse quadro o fato de não serem separados os marginais contumazes e sentenciados a longas penas dos condenados primários.

Sobre o autor
Raphael Lopes Costa Bezerra

Formado no Curso de Graduação em Direito da Escola de Ciências Jurídicas do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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