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Breves anotações sobre o processo legislativo municipal

Reflexões a partir do modelo catarinense

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Agenda 18/10/2018 às 13:00

6. Técnica Legislativa

A uniformidade que requer o ordenamento jurídico não permite, no que concerne à forma, a plena liberdade do legislador ao elaborar as leis. Isto é, sempre que for deflagrado o processo legislativo, deve-se manter certo padrão, não sendo admitida a criação de estrutura destoante ou símbolos gráficos diversos daqueles comumente utilizados no processo de elaboração dos atos normativos.

Assim, faz-se mister que a lei possua sempre epígrafe, ementa e preâmbulo, devendo seu texto ser composto por artigos e, quando necessário, parágrafos, incisos e alíneas.

É importante assinalar, por último, que qualquer Lei Municipal produzida no Brasil deve buscar subsídios na Lei Complementar Federal nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona”, pois referida Lei Federal, além de ser um documento legislativo oficial, é um verdadeiro manual de técnica legislativa.

6.1. Epígrafe

A epígrafe é composta pelo número da lei e a data de sua edição, tudo em letras maiúsculas, conforme pode ser visto no exemplo a seguir:

LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 de FEVEREIRO DE 1998.

No âmbito estadual, utiliza-se a numeração sequencial, garantindo-se que duas ou mais leis, independentemente do ano de sua promulgação, jamais tenham o mesmo número. A utilização da numeração sequencial proporciona uma maior organização e facilita a própria pesquisa à legislação.

No âmbito Municipal, por outro lado, ainda se percebe infelizmente uma certa predileção pela numeração anual, que parte da Lei Municipal nº 01 no início de cada ano, o que acarreta para o operador do Direito e para os próprios munícipes diversas confusões.

Ideal seria que os Municípios catarinenses adotassem o modelo de numeração utilizado pelo Estado de Santa Catarina, uniformizando, nesse aspecto, o processo legislativo.

6.2. Ementa

A ementa é o resumo do texto legislativo. Contém, por isso, a síntese dos assuntos a serem tratados na lei. De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “A redação da ementa deve ser concisa, precisa nos seus termos, clara e real. É comum constar da ementa a expressão ‘e dá outras providências’ como referência aos assuntos complementares, não fundamentais da lei”.[30]

Geralmente, a ementa não é muito extensa, sendo composta por apenas uma ou duas frases, o que demonstra o seu caráter sintético.

Veja-se, a título de exemplo, a ementa da Lei Complementar Federal nº 95/1998, anteriormente citada:

Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.

É importante salientar, por último, a importância de não haver qualquer contradição entre o texto da ementa e o texto normativo da lei, até porque, conforme ressalta Hely Lopes Meirelles, a ementa “ajuda a interpretação do texto, por conter a essência do pensamento do legislador”.[31]

6.3. Preâmbulo

O preâmbulo serve para apontar, resumidamente, os trâmites principais do processo legislativo, especificamente indicando de quem foi a iniciativa da lei e quem a promulgou. De acordo com o art. 6º da Lei Complementar Federal nº 95/1998, “O preâmbulo indicará o órgão ou instituição competente para a prática do ato e sua base legal”.

Hely Lopes Meirelles aponta alguns equívocos rotineiros na elaboração do preâmbulo de leis municipais no Brasil:

Nossas leis, por tradição, repetem uma impropriedade logo no preâmbulo, ao declarar, erroneamente, que “a Câmara decreta e o prefeito sanciona e promulga a lei”. Ora, a Câmara não decreta a lei; a Câmara a aprova. O decreto é ato do Executivo, que não deve ser confundido com a atividade legislativa da Câmara. O correto, portanto, será dizer-se, no preâmbulo, que a Câmara aprova e o prefeito sanciona e promulga a lei.[32]

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No âmbito dos Municípios catarinenses, nem sempre é presente a indicação da origem da Lei, se de iniciativa do Chefe do Poder Executivo ou de membro do Poder Legislativo, deixando o preâmbulo incompleto e impossibilitando a identificação da autoridade que iniciou o processo legislativo.

6.4. Texto

O texto abrange todo o conteúdo normativo da lei. Conforme o tamanho e a quantidade de assuntos a serem tratados na lei, pode estar dividido em livros, títulos, capítulos e seções, devidamente compostos pelos artigos e desdobramentos destes.

6.5. Artigo

            O artigo consagra direitos. Comumente prescreve condutas, sejam elas comissivas ou omissivas. O importante é que trate sempre de tema determinado, facilitando a atuação do intérprete, não concentrando, em sua redação, diversos assuntos destoantes.

Sobre a técnica legislativa dos artigos, comenta Kildare Gonçalves Carvalho:

Relativamente à numeração, a prática consagrada é a de adotar a numeração ordinal consecutiva até o artigo nono (art. 9º) e, a partir do artigo de número 10, empregar-se o algarismo arábico correspondente, seguido de ponto. Os artigos serão designados pela abreviatura “art.”, sem traço antes do início do texto, que será iniciado por letra maiúscula e encerrado com ponto-final, à exceção dos artigos que tiverem incisos, casa em que serão encerrados por dois pontos.

Dependendo da complexidade do artigo, ele pode conter apenas o caput ou desdobrar-se em parágrafos, incisos, alíneas e itens.

6.6. “Caput

O caput (pronuncia-se “cáput”) ou a cabeça do artigo é a parte principal da norma. Muitas vezes os artigos possuem apenas o caput, não estando desdobrados em parágrafos, incisos, alíneas ou itens.

Um bom exemplo de artigo composto apenas pelo caput é o art. 2º do Código Civil brasileiro, que assim dispõe:

Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Muitos autores tratam como sinônimos as expressões “artigo” e “caput”, mas esse não parece ser o entendimento mais correto, uma vez que, em termos práticos, o significado deste último é menos abrangente do que o primeiro.

6.7. Parágrafo

Via de regra, os parágrafos excepcionam a regra descrita no caput, mas podem também estabelecer regras complementares que não foram encaixadas na cabeça do artigo.

Entretanto, uma coisa é certa: o parágrafo sempre fará referência ao artigo, devendo ser interpretado em seu contexto.

Quanto à forma, é importante destacar que, quando houver apenas um parágrafo, será denominado “parágrafo único”, devendo ser escrito por inteiro, não comportando abreviações. Ao contrário, quando houver mais de um parágrafo, a abreviação é obrigatória, devendo o parágrafo assumir o seu símbolo (§), acompanhado do numeral ordinal (1º ao 9º) ou cardinal (10 em diante).

Hésio Fernandes Pinheiro elenca em sua obra algumas regras que devem acompanhar a redação dos parágrafos. São elas:

1ª Regra – Constitui objeto do parágrafo o conjunto de pormenores ou preceitos necessários à perfeita inteligência do artigo.

2ª Regra – A matéria tratada no parágrafo deve estar intimamente ligada à de que se ocupa o artigo.

3ª Regra – A regra fundamental, o princípio, nunca deve ser enunciado em parágrafo.

4ª Regra – O parágrafo deve conter as restrições do artigo ou, então, completar as disposições deste último.[33]

Seguindo-se à risca as quatro regras acima mencionadas, a técnica será correta e os equívocos legislativos serão evitados.

6.8. Inciso

O inciso, na dicção de Hely Lopes Meirelles, tem a função de “discriminar as várias hipóteses abrangidas pela disposição a que se subordina”.[34] Pode vir na sequência de artigo ou parágrafo e é sempre escrito sob a forma de algarismo romano.

Do Código Civil, pode-se extrair um exemplo de artigo subdivido em incisos:

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Note-se como, no caso, os incisos apresentam hipóteses distintas e não cumulativas de incidência da norma prevista no caput.

6.9. Alínea

A alínea ou letra é uma subdivisão que complementa o disposto no artigo, parágrafo ou inciso. Conforme salienta Meirelles, “A alínea é freqüentemente confundida com o inciso, mas a técnica legislativa os distingue. Os incisos contêm hipóteses diversas; as alíneas contêm hipóteses conexas com as da cabeça do dispositivo a que pertencem”.[35]

De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “A alínea ou letra, grafada em itálico, será indicada em minúsculo e seguida de parêntese: a); b); c) etc.”.[36]

6.10. Item

De acordo com Kildare Gonçalves Carvalho, “Os itens, que serão grafados por algarítimos arábicos, seguidos de ponto (‘1’ ‘2’, etc.), constituem desdobramento das alíneas. O texto dos itens inicia-se por letra minúscula e termina em ponto-e-vírgula, salvo o último, que se encerra por ponto final”.[37]

O item é muito pouco utilizado na técnica legislativa brasileira, sendo praticamente inexistente em leis municipais, até mesmo pelo fato de já existirem várias outras possibilidades de subdivisões. Com efeito, é muito difícil, dentro de um mesmo artigo, haver tantos assuntos distintos e tantas regulações a fazer a ponto de haver espaço para o caput, os parágrafos, os incisos, as alíneas e os itens.


7. Execução da Lei Municipal

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, “Incumbe ao Prefeito, como agente executivo que é, executar e fazer cumprir as leis e outras normas legais”.[38] Ou seja: na condição de Administrador Público, cumpre ao Chefe do Poder Executivo dar efetividade à letra da lei, transformando-a de texto geral e abstrato em atos específicos e de efeitos concretos.

Para a consecução deste mister, dispõe o Prefeito do poder regulamentar, que se traduz na possibilidade de edição de decretos tendentes a regulamentar a legislação municipal produzida pela Câmara de Vereadores, conforme elucida Hely Lopes Meirelles:

O poder regulamentar é atributo do chefe do Executivo, e por isso mesmo não fica na dependência de autorização legislativa; deriva do nosso sistema constitucional, como faculdade inerente e indispensável à chefia do Executivo (CF, art. 84, II). Assim sendo, não é necessário que cada lei contenha dispositivo autorizador de sua regulamentação. Toda vez que o prefeito entender conveniente poderá expedir, por decreto, regulamento de execução, desde que não invada as chamadas reservas de lei nem contrarie suas disposições e seu espírito. O essencial é que o regulamento não extravase da lei, porque seu conteúdo há de ser o da própria norma legislativa, distendido em minúcias que só ao Executivo é dado conhecer. E se compreende essa restrição, porque, na ordem hierárquica das normas, o regulamento se encontra em plano inferior ao da lei. Não pode, por isso mesmo, revogá-la, modificá-la ou contrariá-la; pode apenas esclarecê-la.[39]

É comum a existência de dispositivo legal que condiciona a aplicação de lei municipal à edição de decreto regulamentar. Tal disposição é plenamente cabível e cria para o Prefeito a obrigação de expedir o ato regulamentar para que a norma legal possa ser aplicada. Em suma: havendo tal disposição na lei municipal, o Prefeito é obrigado a editar o decreto regulamentar, mas somente após a edição do ato administrativo é que, via de regra, a lei municipal poderá ser cumprida.

Por outro lado, é evidente que, pelo princípio da separação dos Poderes, não pode a Câmara Municipal fixar prazo para que o Chefe do Poder Executivo edite o decreto regulamentar, uma vez que este último é ato administrativo típico da Administração Pública do Município. Aceitar tal interferência do Poder Legislativo no Poder Executivo significaria pôr em xeque a própria independência do gestor público.

Contudo, conforme adverte Alexandre Magno Fernandes, a omissão em regulamentar a lei é inconstitucional, “visto que, em última análise, seria o mesmo que atribuir ao Executivo o ‘poder de legislação negativa’, ou seja, de permitir que a inércia tivesse o condão de estancar a aplicação da lei, o que, obviamente, ofenderia a separação de poderes”. A solução apresentada pelo autor é a seguinte:

Assim, se for ultrapassado o prazo de regulamentação sem a edição do respectivo regulamento, a lei deve tornar-se exequível para que a vontade do legislador não se afigure inócua e eternamente condicionada à do administrador. Nesse caso, os titulares dos direitos previstos na lei passam a dispor de ação com vistas a obter, do Judiciário, decisão que lhes permita exercê-los, suprindo a ausência de regulamento.[40]

A ação mencionada pelo autor é o mandado de injunção, em que o jurisdicionado reclama ao Poder Judiciário a ausência de norma regulamentadora de seu direito.

Sobre o autor
Eduardo de Carvalho Rêgo

Advogado. Doutor em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC; Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL; Professor de Filosofia do Direito e de Ética Profissional no Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC; ex-Assessor Jurídico do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade CECCON, do Ministério Público do Estado de Santa Catarina; ex-Chefe de Gabinete da Conselheira Substituta Sabrina Nunes Iocken, do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Eduardo Carvalho. Breves anotações sobre o processo legislativo municipal: Reflexões a partir do modelo catarinense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5587, 18 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35988. Acesso em: 23 dez. 2024.

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