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Considerações sobre o ônus imposto pelo artigo 276 do Código de Processo Civil vigente

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Agenda 08/02/2015 às 09:21

3.  A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA EXTRAÍDA DO ARTIGO 276 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Pelo exposto até aqui, percebe-se que o debate sobre a aplicação irrestrita da literalidade da norma extraída do Art. 276 do Código de Processo Civil é acalorado.

No entanto, há quem vá, de certa forma, além desse debate, considerando, de forma abstrata, que a previsão constante na referida norma é materialmente inconstitucional.

Tal posicionamento, segundo a pesquisa ora realizada, é isolado e quem o idealizou foi Paulo Hoffman, através de artigo científico publicado em livro cuja coordenação foi feita por Thereza Arruda Alvim, pelo processualista Nelson Nery Jr. e pelo hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux.[29]

Inicialmente, faz o autor considerações abstratas sobre o princípio da ampla defesa (e, mais especificamente, o princípio processual da paridade de armas) à luz do procedimento sumário e do ônus imposto pelo Art. 276 do Código de Processo Civil:

A ampla defesa que, muitas vezes e equivocadamente, aparece associada somente ao réu, deve ser assegurada a todos que de qualquer modo participem do processo, sempre no sentido de permitir à parte apresentar em juízo de forma clara e ampla todas as suas alegações. Na verdade, deve-se garantir que autor e réu, cada qual em momento próprio e específico, tenham as mesmas garantias e a mesma paridade de armas para convencer o juiz quanto à sua tese jurídica no momento do julgamento da causa.32

Da análise do trabalho do citado autor, deduz-se que o mesmo considera que a norma contida no Art. 276 do Código de Processo Civil traz ao autor situação de desvantagem processual em favor do réu, afrontando, dessa forma, os princípios da ampla defesa e da isonomia processual.

Apesar de haver norma semelhante direcionada ao réu nos processos que observem o rito sumário, contida no Art. 278 do CPC, determinando que o mesmo apresente rol de testemunhas e indicação de quesitos e assistente técnico já na resposta, sob pena de preclusão, o mencionado autor considera que, em certas situações, o autor ficará, inevitavelmente, em situação de desvantagem. Nesse sentido, discorre:

Entretanto, essa aparente igualdade, pode acarretar posteriormente consequências negativas à defesa do autor, dependendo do conteúdo da contestação do réu, principalmente no caso de defesa indireta de mérito, com alegações de novos fatos (impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor), com os quais o autor não contava e que dependerá de prova testemunhal ou pericial, ou seja, diante da verdade dos fatos (a "verdade" do autor), ao elaborar sua petição inicial, entendeu o autor que a prova testemunhal era desnecessária ou até impossível, mas diante das inverdades trazidas pelo réu a oitiva de testemunhas se torna indispensável, até mesmo para contrapor-se às arroladas pelo réu.

(...)

Não se pode olvidar, ainda, que o réu poderá formular pedido contraposto, ato que também poderá fazer nascer o interesse em prova testemunhal e pericial não formulada na inicial, ficando, novamente, o autor dependendo do critério subjetivo do julgador, sem que rapidez ganhe o processo.[30]

Concluindo o autor pela inconstitucionalidade em tese da norma extraída do Art. 276 do CPC:

Assim, entendemos ser manifestamente inconstitucional essa imposição contida no art. 276 do CPC, pois o autor, sem conhecer os fatos alegados pelo réu, e sem estar formado o contraditório, nesse momento já tormentoso que é a elaboração da petição inicial, é obrigado a decidir quais serão suas testemunhas e a formular quesitos, ficando em posição de evidente desvantagem perante o réu. A inconstitucionalidade é flagrante, por diversos motivos:

1º) Fere o devido processo legal, pois obriga o autor à prática de um ato de forma antecipada, em momento processual inadequado, em flagrante prejuízo ao seu direito defendido em juízo.

2º) Atinge o direito à ampla defesa do autor, pois o obriga a entregar sua estratégia de ataque e defesa ao réu antes de este apresentar sua resposta, a qual será adaptada e direcionada, por já saber de antemão quem serão as testemunhas do autor e quais são os quesitos, ou seja, qual linha de prova será adotada.

3º) Tem-se por desrespeitado o princípio da isonomia, ao não se permitir que as partes pratiquem um ato, tendente à fase probatória, que pode e deve ser realizado no mesmo momento processual, conjuntamente e sem adiantar suas posturas e eventuais "trunfos".

4º) Por fim, não se pode negar a infração ao princípio do contraditório, da paridade de armas entre as partes no processo, colocando o autor em situação de desvantagem, sem que haja qualquer diminuição na duração do processo.

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Portanto, além de não representar ganho de tempo processual algum, obrigar o autor a apresentar rol de testemunhas, quesitos e assistente técnico com a petição inicial é totalmente inconstitucional, por ferir o princípio do devido processo legal, da isonomia, da ampla defesa e, principalmente, do contraditório, motivo pelo qual entendemos que, de lege ferenda, deva ser o artigo 276 modificado, permitindo que o rol de testemunhas, os quesitos e assistente técnico sejam apresentados pelo autor até o final da audiência de conciliação ou no prazo máximo de 5 (cinco) dias subsequentes.[31]

Data maxima venia, o autor do presente trabalho científico não concorda com a tese da inconstitucionalidade em abstrato da norma em comento.

Com relação aos fatos que configuram defesa indireta de mérito, há que se observar que caso o réu delas faça uso, caberá a ele o ônus da prova com relação a esses fatos, não configurando o Art. 276 do Código de Processo Civil, dessa forma, qualquer situação de desvantagem processual ou prejuízo ao autor. Nesses termos, dispõe o inciso II do Art. 333 do CPC vigente:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

(...)

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.[32]

Não obstante tal previsão, poder-se-ia argumentar que ao autor não seria oportunizada a produção de prova negativa quanto à existência dos fatos alegados na defesa indireta de mérito do réu, configurando-se, dessa forma, a agressão ao contraditório e a ampla defesa.

De fato, uma aplicação puramente literal do ônus previsto pela norma em comento configuraria a mencionada agressão à Constituição da República. Todavia, no caso em comento, afigura-se imperioso o afastamento da interpretação literal do Art. 276 do Código de Processo Civil, relativizando-se a pena de preclusão para o não oferecimento do rol de testemunhas e indicação de quesitos e assistente técnico na petição inicial, oportunizando ao autor, dessa forma, a produção de todos os meios de provas negativas que pretenda produzir no que concerne à defesa indireta de mérito apresentada. 

Linha de pensamento semelhante é adotada, inclusive, pelo próprio Paulo Hoffman, de maneira subsidiária:

Entretanto, enquanto, não ocorre a mudança legislativa, opina-se no sentido de que os magistrados sejam prudentes ao analisar a preclusão prevista no art. 276 do CPC, permitindo que, no caso concreto, fazendo uma interpretação sistemática e não puramente literal, permitam a troca, a complementação ou, até mesmo, a apresentação de rol de testemunhas, quesitos e de assistente técnico até 5 (cinco) dias após a data da audiência de conciliação, desde que se possa constatar prejuízo à defesa do autor e que a não apresentação anteriormente não foi eivada de má-fé processual.[33]

Solução análoga deve ser dada pelo magistrado diante do oferecimento, pelo réu, de pedido contraposto. Para fins de assegurar a integridade dos princípios do contraditório e da ampla defesa, deverá ser afastada a interpretação literal do Art. 276 do Código de Processo Civil, sendo oportunizado ao autor o oferecimento de rol de testemunhas e indicação de quesitos e assistente técnico ou, caso já o tenha feito na inicial, a alteração ou complementação do que lá foi apresentado.

Importante ressaltar que a solução proposta se compatibiliza com o alerta feito por Luís Roberto Barroso, quando menciona que "(...) há situações em que uma regra, perfeitamente válida em abstrato, poderá gerar uma inconstitucionalidade ao incidir em determinado ambiente, ou, ainda, há hipóteses em que a adoção do comportamento descrito pela regra violará gravemente o próprio fim que ela busca alcançar (...)"[34] e por Pedro Lenza, que cogita "(...) de situações nas quais um enunciado normativo, válido em tese e na maior parte de suas incidências, ao ser confrontado com determinadas circunstâncias concretas, produz uma norma inconstitucional."[35].

Nesse sentido, há que se atentar para o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, segundo o qual, visando a conservação das normas no ordenamento jurídico, o intérprete deve dar preferência, caso possível, a uma interpretação da norma conforme a Constituição à declaração de sua inconstitucionalidade.[36]

No sentido ora exposto, leciona Luís Roberto Barroso:

O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral da separação dos Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e incontestável.40

Na mesma linha, Predo Lenza expõe, mencionando uma criação judicial do direito:

Não se pode desconhecer a realidade atual e inevitável de, muitas vezes, criação judicial do direito, já que entre a declaração da nulidade absoluta total da lei ou do ato normativo ou do não conhecimento da ação, em termos de segurança, preferem-se as decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos.

Nesse sentido, o texto constitucional apresenta-se como porto seguro para os necessários limites de interpretação, destacando-se a interpretação conforme a Constituição como verdadeira técnica de decisão.[37]

Esse parece ser o entendimento mais razoável pois, se por um lado mantém a previsão do legislador no ordenamento jurídico, por outro, através de uma interpretação sistemática, logra êxito em compatibilizar a mencionada previsão com os valores e princípios previstos pela Constituição da República Federativa do Brasil.


4.  OBSERVAÇÃO FINAL

O procedimento comum sumário, tema do presente trabalho, ainda que em sentido amplo, não tem previsão no projeto do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado número 166 de 2010[38]). Cumpre ressaltar que o referido projeto de lei já obteve aprovação nas duas casas legislativas, a saber: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.


5.  CONCLUSÃO 

A celeridade processual e, consequentemente, o princípio constitucional do acesso à ordem jurídica justa na sua concepção material foram as referências fundamentadoras para a inserção, pelo legislador, do procedimento comum sumário na sistemática do Código de Processo Civil vigente.

De maneira pragmática, contudo, verifica-se que algumas normas criadas pelo mencionado legislador, quando aplicadas a certos casos, em nada contribuirão com a celeridade processual, afastando-se da referida previsão e, dessa forma, do objetivo por ele idealizado.

É nesse diapasão que se insere a previsão normativa contida no Art. 276 do Código de Processo Civil. Apesar de ser notória a sua eficiência em certos casos, na medida em que torna mais célere a marcha processual, verifica-se que em muitos outros casos a referida norma não será apta a contribuir sequer de maneira mínima com a celeridade processual e, por outro lado, poderá vir a macular princípios constitucionais e processuais há muito consagrados.

Dessa forma, não há como se admitir que tal previsão tenha aplicação genérica a todas as causas que observem o procedimento comum sumário. Há que se fazer, caso a caso, uma interpretação sistemática do preceito, observando sempre se a norma está sendo apta a colaborar de maneira relevante com a celeridade processual e se, por outro lado, não está maculando direito constitucional ou processual do autor, utilizando-se como norte para tal ponderação a função instrumental do processo, viabilizando-se, dessa maneira, a relativização da pena de preclusão, no caso concreto.

Quanto à tese de Paulo Hoffman, que sustenta a inconstitucionalidade material do dispositivo por ofensa aos princípios do contraditório, devido processo legal, isonomia e ampla defesa, o autor do presente trabalho pede vênia para discordar do referido posicionamento.

Não se afigura inconstitucional a norma prevista pelo dispositivo em comento, sobretudo diante da presunção de constitucionalidade de que gozam os atos do Poder Público e, ainda, em face da viabilidade de interpretação conforme os valores e princípios constitucionais, de forma que não venham a sofrer qualquer tipo de mácula. Nesse sentido, sustenta Pedro Lenza que "(...) percebendo o intérprete que uma lei pode ser interpretada em conformidade com a constituição, ele deve assim aplicá-la para evitar a sua não continuidade;(...)"[39]

Como restou demonstrado no presente trabalho científico, há a possibilidade de preservação da norma objeto do presente estudo no ordenamento jurídico, sem que a mesma venha a ferir materialmente a Constituição da República.

Para tanto, basta que o magistrado, exercendo uma postura ativa a partir de uma interpretação sistemática, da técnica da ponderação de valores e da função instrumental do processo, afaste a incidência da literalidade da norma sempre que perceba que a aplicação da mesma no caso concreto não está sendo apta a contribuir de maneira relevante com os valores fundamentadores da referida previsão, em especial a celeridade processual e, por outro lado, reste demonstrada a possibilidade de mácula a direito constitucional ou processual do autor.


6.  REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9245.htm. Acesso em 13 de janeiro de 2014.

BRASIL.    Projeto     de     Lei     do     Senado     número     166     de     2010.     Disponível     em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249. Acesso em 30 de dezembro de 2014.

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Sobre o autor
Léo Guimarães Barcelos de Melo

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes (UCAM). Especialista em Direito e Processo Civil pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Léo Guimarães Barcelos. Considerações sobre o ônus imposto pelo artigo 276 do Código de Processo Civil vigente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4239, 8 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36180. Acesso em: 22 nov. 2024.

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