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A requisição de dados cadastrais pela autoridade policial na investigação criminal

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Agenda 23/11/2016 às 11:32

Trata-se de artigo jurídico que discorre acerca da possibilidade de fornecimento de dados cadastrais, que não possuem caráter sigiloso, de usuários/clientes de empresas públicas e privadas mediante requisições formuladas por autoridades policiais.

1. INTRODUÇÃO

É consabido que a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia é responsável por subsidiar quase que a totalidade das ações penais propostas pelo Ministério Público.

Do mesmo modo, durante o transcorrer das investigações criminais, a Autoridade Policial de forma rotineira depara-se com a necessidade de buscar dados e informações de usuários, diga-se, também, infratores da lei, constantes nos mais diversos bancos de dados (normalmente pessoas jurídicas de direito público e privado, tais como empresas de telefonia, empresas privadas e públicas, redes sociais etc).

Desta forma, tornou-se imprescindível o acesso aos mais diversos bancos de dados, sejam públicos ou privados e informações eleitorais ou comerciais, para obter sucesso na identificação e individualização de autores, coautores, partícipes e testemunhas de delitos.

 Assim, constantemente, no decurso das investigações criminais, a Autoridade Policial por meio de seu regular poder requisitório efetuava legalmente pedidos oficiais de requisição de informações cadastrais diretamente às empresas responsáveis por tais bancos de dados, que, entretanto, eram frequentemente negados sob o fundamento de que referidos dados cadastrais possuíam caráter sigiloso, conforme teor do art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, sendo necessária uma ordem judicial para sua obtenção ao acesso.

Por óbvio, tais medidas acabavam por tornar a investigação criminal um emaranhado burocrático, composto por pedidos judiciais com prazos e prorrogações de prazos a perder de vista, fadada à ineficiência, lentidão e ao insucesso, prejudicando, por vezes, completamente a conclusão das investigações e, consequentemente, a punição dos infratores, bem como sobrecarregando o Poder Judiciário com questões de pífia importância.


2.  O ATUAL CENÁRIO NORMATIVO

Note-se que no cenário atual, ao se pensar em segurança pública, embalados pela (falsa) sensação de insegurança maximizada pela era globalizada, logo nos deparamos com o discurso de recrudescimento das leis penais, tratando o Direito Penal (erroneamente) como a “tábua de salvação” e solução para todos os nossos problemas.

A falta de integração sistêmica entre os diversos âmbitos da Justiça Criminal, bem como entre os diferentes Estados da Federação multiplica as fontes de tensão entre os seus agentes e, ainda, compromete a eficiência do sistema de justiça criminal como um todo, em um flagrante descompasso institucional em detrimento da Segurança Pública. Em contrapartida, são quase escassas as discussões e medidas que impliquem no efetivo fortalecimento das polícias judiciárias, que desempenham papel extremamente relevante no exercício do direito de punir pertencente ao Estado.

Com a redemocratização iniciada com a edição da Constituição da República de 1988, as instituições ligadas à persecução penal ganharam força e passaram atuar com certa autonomia e independência funcional, por meio de prerrogativas estabelecidas no texto constitucional, bem como em legislações extravagantes editadas com o intuito de fazer frente à criminalidade que está cada vez mais organizada, cabendo ao Estado o fortalecimento de suas instituições.

O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 dispõe de forma clara e direta ser competência da Polícia Judiciária a investigação criminal-preliminar, que atua de forma repressiva na busca de elementos que possam identificar a autoria e materialidade delitiva. Este ponto distingue substancialmente a atuação das Instituições Policiais, não havendo dúvidas que o constituinte originário conferiu, de forma exclusiva, o poder de investigar e apurar crimes à Polícia Judiciária.

“Título V - Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas

Capítulo III - Da Segurança Pública

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...] IV -  polícias civis;

[...] § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.    

Seguindo os ditames constitucionais, a legislação extravagante por meio do Código de processo penal prescreve em seu artigo 4º, que um dos meios pelo quais se formalizam as investigações criminais se traduz como Inquérito Policial, cuja condução e presidência de todos os atos de investigação criminal são de competência da Autoridade Policial (Delegado de Polícia).

“TÍTULO II - DO INQUÉRITO POLICIAL

Art. 4º - A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

De acordo com a doutrina o inquérito policial se trata de um procedimento administrativo preliminar, que possui caráter inquisitivo e investigativo, presidido pela Autoridade Policial, que busca reunir elementos informativos com objetivo de contribuir e subsidiar a formação da “opinio delicti” do titular da ação penal e, ainda, colher elementos para o deferimento das medidas cautelares pelo juiz. Em outras palavras, “O Inquérito Policial é um conjunto de atos praticados pela função  executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade de uma infração  penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da  ação penal[1]”. 

Note-se que a função precípua da investigação criminal consiste na elucidação de um delito praticado, por meio da obtenção de indícios suficientes de autoria e provas de sua materialidade delitiva.  Assim, o Inquérito Policial busca auxiliar tanto o órgão acusador como o órgão julgador da necessidade da existência de um processo criminal relacionado aos fatos apurados durante as investigações preliminares. Na prática, a elaboração do inquérito policial se entrelaça à qualidade/quantidade e acesso de informações que são obtidas no decorrer das investigações policiais.

Nessa vertente, o inquérito policial se traduz como ferramenta extremamente imprescindível à efetivação da justiça criminal, de forma que aos poucos a ideia de ser o inquérito policial uma peça meramente informativa vem perdendo força.

A reforçar tal convicção e de forma a adequar a realidade moderna à nova criminalidade, com a publicação da Lei Federal n.° 12.830/13, que alterou diversos dispositivos da Lei. 9.613/98 (artigo 17-B) que trata da possibilidade de a Autoridade Policial requisitar, sem autorização judicial, dados cadastrais de investigados diretamente às instituições, conferindo-lhe maior autonomia e independência.

CAPÍTULO II - DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Art. 3o  Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

[...] IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais;

V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica;

VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica;

CAPÍTULO II - DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA

Seção IV - Do Acesso a Registros, Dados Cadastrais, Documentos e Informações.

Art. 15.  O delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Art. 16.  As empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens.

Art. 17.  As concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais. (Lei n.º 12.830/13)

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Art. 17-B -  A Autoridade Policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito (Lei n.º 9.613/98).

Tais medidas, digam-se, tendem a reforçar a própria investigação criminal e fortalecer a Justiça, tendo em vista que ao possibilitar meios adequados e céleres de alcançar os infratores legais, acaba por diminuir a sensação de impunidade, beneficiando, desta forma, toda a sociedade.


3. O CONCEITO DE DADOS CADASTRAIS

Podemos conceituar dados cadastrais como um conjunto de informações de cunho objetivo fornecidas pelos consumidores/clientes/usuários e sistematizadas em forma de registro de fácil acesso por meio de seu armazenamento em banco de dados de pessoas jurídicas de privado. As informações que normalmente compõem referidos dados cadastrais são relativas a nome completo, CPF, RG, endereço e número de telefone, que tem por finalidade a individualização e identificação do cliente para fins de cobrança, venda de produtos ou envio de mala-direta.

Note-se que tais informações não revelam nenhum aspecto da vida privada ou da intimidade do indivíduo, não havendo que se confundir a natureza dos referidos dados, com a proteção de dados cadastrais telefônicos e a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, previstas no art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal. Ao contrário, trata-se de dados de caráter objetivo que todos possuem, não permitindo a criação de qualquer juízo de valor sobre o indivíduo a partir de sua divulgação.

A doutrina sustenta que dados cadastrais de usuário sob investigação criminal não são protegidos por sigilo sob o argumento de que a intimidade do indivíduo não é atingida em sua divulgação:

“Pelo sentido inexoravelmente comunicacional da convivência, a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são informadas sem constrangimento. São dados que, embora privativos — como o nome, endereço, profissão, idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial, etc., condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura. Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. [..]) Em conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores (nome, endereço, RG, filiação, etc.) não são protegidos[2]”.

De mesmo modo, segundo as lições de Carmen Lúcia Antunes Rocha, convém salientar que a Autoridade Policial, também que não pode dispor dos dados cadastrais obtidos por meio de requisição direta para fins alheios à investigação criminal, na medida em que “o que se considerar certo é que a privacidade opõe-se à publicidade e o conhecimento do Estado não chega a constituir a publicização das informações mantidas sob reserva legalmente estabelecida e assegurada[3]”.

 Entretanto, caso referidos cadastros alberguem um acervo maior de informações dos usuários, tais bancos de dados deverão afastados no conceito em questão, pelo fato de se tratarem de verdadeiros dossiês sobre o comportamento de clientes, tendo em vista que envolvem relações de convivência privada (como dados de clientela, data da primeira compra, fidelidade, número de compras, quantidade de pagamentos realizados com sucesso ou insucesso e atrasos etc, interesses peculiares do cliente[4]. 

A fim de dissipar eventuais duvidas sobre a questão, o S.T.F. se posicionou sobre o assunto em diversos julgados, no sentido de que o conceito de “dados” contido no preceito constitucional diverge do conceito de “dados cadastrais”, bem como que a proteção constitucional à inviolabilidade das comunicações se refere à comunicação de dados, e não, aos dados em si.

EMENTA: [...] II. Quebra de sigilo bancário: prejudicadas as alegações referentes ao decreto que a determinou, dado que a sentença e o acórdão não se referiram a qualquer prova resultante da quebra do sigilo bancário, tanto mais que, dado o deferimento parcial de mandado de segurança, houve a devolução da documentação respectiva. [...]IV - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES DE DADOS - art. 5º, XVII, da CF: ausência de violação, no caso. 1. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13.12.94, Galvão, DJU 13.10.95), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada - o ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a conseqüente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa - este segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do art. 5º, XI, da Lei Fundamental. 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial. 3. Não há violação do art. 5º. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve "quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial". 4. A proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação 'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270). V - Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2º e 114, II; e Súmula 497 do Supremo Tribunal) (STF. RE 418416, Relator:  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, DJ. 10/05/2006, DJ 19-12-2006).

HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 1. Inépcia da denúncia. Improcedência. Preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP. A denúncia narra, de forma pormenorizada, os fatos e as circunstâncias. Pretensas omissões – nomes completos de outras vítimas, relacionadas a fatos que não constituem objeto da imputação –- não importam em prejuízo à defesa. 2. Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial - violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. [...]”. (STF. HC 91867/PA – Pará. Relator:  MIN. Gilmar Mendes. D.j.:  24/04/2012).

“Não há ilegalidade na quebra do sigilo de dados cadastrais de linhas telefônicas os quais, conforme o tribunal de origem, foram obtidos por autoridade policial que recebeu de magistrado senha fornecida pela Corregedoria de Polícia Judiciária. Isso porque, conforme entendimentos do STF e do STJ, o disposto no artigo 5º, XII, da CF não impede o acesso aos dados em si, ou seja, o objeto protegido pelo direito à inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas tão somente a comunicação desses dados. O entendimento do tribunal de origem é que sobre os dados cadastrais de linhas telefônicas inexiste previsão constitucional ou legal de sigilo, já que não fazem parte da intimidade da pessoa, assim como sobre eles não paira o princípio da reserva jurisdicional. Tal entendimento está em consonância com a jurisprudência do STJ” (STF. AgReg no HC 181546/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª. Turma, DJ 11.02.2014, DJe 18.02.2014).

 É importante destacar também que os dados cadastrais bancários, ou seja, aquelas informações mantidas pelas instituições bancárias, referentes aos seus correntistas (número de conta corrente, nome completo, CPF, RG, endereço e número de telefone) também estão inseridas no conceito acima de dados cadastrais e não são protegidos pelo sigilo bancário.

De acordo com o entendimento de Arnoldo Wald, o sigilo bancário seria “o meio para resguardar a privacidade no campo econômico, pois veda a publicidade sobre movimentação da conta corrente bancária e das aplicações financeira[5]”, conforme art. 1º, da Lei Complementar 105/2001, que conserva o sigilo bancário em operações ativas e passivas, além de serviços prestados.

Não obstante, é plenamente possível diferenciar os dados cadastrais bancários (dados de individualização do cliente que contrata um serviço bancário), que não recebem a guarida do sigilo bancário, do acesso ao “serviço de movimentação de conta corrente” em si (transferências, aplicações, depósitos etc.), que está devidamente resguardado pelo conceito de sigilo bancário por incluir informações sobre a intimidade e o modo pelo qual o cidadão se comporta na esfera econômica, sem sombra de dúvidas, por incluir elementos particulares e pessoais de qualquer indivíduo. Em outras palavras, o que o sigilo bancário protege é propriamente o “serviço de conta corrente”, e não os dados cadastrais de seus usuários respectivos[6].

A jurisprudência preleciona o mesmo entendimento:

“NÃO VEJO COMO POSSA ACARRETAR VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE DE QUEM QUER QUE SEJA MERA REQUISIÇÃO DE DADOS CADASTRAIS, AINDA QUE ORIUNDOS DE CONTA BANCÁRIA. Na espécie, não se pretendeu devassar segredos ou direitos que possam ser considerados invioláveis, ou que dignos de proteção constitucional, buscou-se, tão somente, os dados cadastrais dos titulares da conta na qual continuava a Universidade depositando os salários de um servidor daquele órgão já falecido, desde o ano de 1998. Assim, trata-se de dados meramente objetivos. A preservação da intimidade é necessária, porém aqui não se buscava devassar as operações bancárias, mas sim, repito, informações acerca dos dados cadastrais da conta onde eram depositados os salários pela própria Universidade. Não se trata, pois, de quebra de sigilo bancário sem autorização judicial”.  (TRF 4ª Região. 7ª Turma. Voto do Desembargador Federal NEFI CORDEIRO, seguido por unanimidade no julgamento da Apelação criminal nº 2003.71.00.028192-4/RS).

O mesmo se aplica acerca ao acesso a “dados cadastrais telefônicos”, que são informações relativas ao proprietário de uma linha telefônica (nome completo do assinante, número da linha de telefone, RG, CPF e endereço). Observe-se que tais informações que tem por fim exclusivo especificar e identificar o consumidor do serviço, portanto, seu acesso não depende de autorização judicial. Atente-se, ainda, que o acesso a “dados cadastrais telefônicos” não se confunde com o conceito de "comunicação telefônica", em que se insere a proteção constitucional do sigilo, que, repita-se, resguarda tão somente a comunicação (artigo 5º, inciso XII, da CF) e cujo acesso se procede somente mediante autorização judicial (Lei 9.296/96).

No mesmo sentido:

MANDADO DE SEGURANÇA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SIGILO TELEFÔNICO. PEDIDO DE INFORMAÇÃO. CADASTRO DE USUÁRIO DE OPERADORA DE TELEFONIA MÓVEL. DELEGACIA DE POLÍCIA FEDERAL. INQUÉRITO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DIREITO DE INTIMIDADE. NÃO-VIOLAÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. 1. Havendo inquérito policial regularmente instaurado e existindo necessidade de acesso a dados cadastrais de cliente de operadora de telefonia móvel, sem qualquer indagação quanto ao teor das conversas, tal pedido prescinde de autorização judicial. 2. Há uma necessária distinção entre interceptação (escuta) das comunicações telefônicas, inteiramente submetida ao princípio constitucional da reserva de jurisdição (CF, art. 5º, XII) de um lado, e o fornecimento dos dados (registros) telefônicos, de outro. 3. O art. 7º da Lei 9.296/96 – regulamentadora do inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal – determina poder, a autoridade policial, para os procedimentos de interceptação de que trata requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. Se o ordenamento jurídico confere tal prerrogativa à autoridade policial, com muito mais razão, confere-a, também, em casos tais, onde se pretenda tão somente informações acerca de dados cadastrais. 4. Não havendo violação ao direito de segredo das comunicações, inexiste direito líquido e certo a ser protegido, bem como não há qualquer ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade apontada como coatora. (TRF 4ª Região. 7ª turma. Desembargador Federal NÉFI CORDEIRO. Unanimidade. Apelação em MS nº 2004.71.00.022811-2/RS. DJU de 22/06/2005).

No mesmo sentido:

Contudo, mesmo ainda que os dados cadastrais dos assinantes não sejam acobertados pelo sigilo constitucional das comunicações, as empresas de responsáveis pelos serviços de telecomunicações se utilizam de dispositivos contidos na Lei nº 9.472/97 (lei que disciplina a organização dos serviços de telecomunicações) para justificar o descumprimento da requisição de dados cadastrais emanada pela Autoridade Policial, sob o argumento de que o usuário de serviços de telecomunicações tem direito a não divulgação de seu código de acesso (art. 3º, inciso VI, Lei 9.472/97). Por óbvio, que tal direito se refere a não divulgação de seu nome e endereço ao público em geral, ao alcance de qualquer pessoa ou empresa, por meio de lista de assinantes, e não deve ser aplicado como escusa, àquele que pretenda furtar-se à eventuais investigações criminais ou civis, por parte da Autoridade Policial ou do Ministério Público.

Com relação aos provedores de internet e usuário de IP, a inviolabilidade, em regra, se refere aos dados pessoais, o que inclui os dados de conexão (números IP e que indicam o horário UTC) e os dados de acesso a aplicações de internet (por exemplo: sítios visitados, aplicativos usados, programas e arquivos baixados, pessoas com quem o usuário interagiu etc), o que comporta duas exceções:

a) os dados cadastrais de usuários da rede podem ser requisitados diretamente pelo Ministério Público, pela Autoridade Policial ou por autoridades administrativas competentes, no curso de uma investigação cível ou criminal ou de um processo administrativo (artigo 10, §3º do Marco Civil da Internet - 12.965/2014).

b) os demais dados dos usuários, que só podem ser obtidos por meio de autorização judicial, em curso de uma investigação civil, criminal ou administrativa, ou para a instrução de ação cível, trabalhista ou penal (art. 7º, inciso III, do Marco Civil da Internet – Lei n.º 12.965/2014).

 Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.

§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.

§ 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição.

Observe o seguinte julgado sobre o tem:

PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE REQUISIÇÃO DE DADOS CADASTRAIS DE EMPRESA DE TELEFONIA. DADOS IDENTIFICADORES DOS USUÁRIOS DE INTERNET PROTOCOL – IP´S. DADOS NÃO PROTEGIDOS POR SIGILO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À INTIMIDADE. POSSIBILIDADE DE REQUISIÇÃO DIRETA DOS DADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. 1. Mandado de Segurança impetrado contra o pedido formulado pela Autoridade Policial para a obtenção de dados cadastrais dos usuários dos Protocolos de Internet (IP´s) de investigados em Inquérito Policial instaurado com o fito de apurar a possível prática do crime previsto no art. 241 da Lei 8.069, procedimento que foi instaurado a partir de informações prestadas pela Google Brasil informando a existência (e divulgação) de imagens relativas a pornografia infantil. 2. O fornecimento de dados meramente cadastrais, identificadores do indivíduo (nome, endereço, filiação) não estão protegidos de sigilo, porque são dados relativos à convivência humana, à integração entre pessoas, que às vezes os mencionam em uma simples conversa com desconhecidos, a fim de se identificarem melhor perante o outro com qual interagem. 3. Não sendo protegidos por sigilo em face da ausência de lesão à intimidade e à vida privada, torna-se necessária a tutela judicial, podendo os referidos dados serem requisitados diretamente pela Autoridade Policial, e/ou, pelo representante do Ministério Público Federal, no exercício das respectivas atribuições. 4. Segurança denegada. (STJ. MS Nº 36.598 – RN (2011/0280309-1). Rel. Min. JORGE MUSSI. 22/08/2012).

Sobre a autora
Gabrieli Cristina Capelli Goes Monteiro

Funcionária Pública Estadual - Já atuou como Advogada e Consultora Jurídica. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP/FAP. Pós Graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - UNIDERP e Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.Atualmente: Funcionária Pública Estadual - Secretaria de Segurança Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Gabrieli Cristina Capelli Goes. A requisição de dados cadastrais pela autoridade policial na investigação criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4893, 23 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36254. Acesso em: 22 nov. 2024.

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