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O Estado versus o Brasil: A lei de improbidade administrativa e o day after da Operação Lava Jato

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Agenda 02/01/2017 às 15:23

4 – O day after da Operação Lava Jato

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), recepcionada pela Constituição de 1988, evidencia em seu artigo 5º os propósitos da ordem jurídica, que deve se curvar a interesses maiores do bem comum, quando confrontada a lei e o caso concreto.

Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Tal dispositivo, quase sempre esquecido em nossa prática diária, nos remete ao princípio do Consequencialismo Judicial, diante da hipótese concreta de se ter uma sentença judicial que seja legal (estritamente dentro do que determina a lei) e que traga danos irreparáveis à sociedade, destinatária final da norma jurídica e para quem trabalha o julgador. Vale dizer que não basta punir o infrator, mas manter a ordem pública, resguardar os interesses coletivos alcançados ou tutelados pela decisão, do contrário seria socializar a reprimenda e expandir o seu alcance sancionatório a quem não participou do ilícito.

Não se trata da baliza de proporcionalidade inserta no caput do artigo 12 da LIA (transcrito com nosso destaque), a permitir, por exemplo, a exclusão desta ou daquela forma de sanção,  porquanto qualquer cidadão pode dimensionar a gravidade dos atos praticados que abalam a imagem interna e internacional da Companhia e assombra o Governo Federal, com desdobramentos catastróficos.

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

O que se tem é o alcance econômico social da sentença, que deve ser ponderado pelo juiz, dentro da sua fundamentação decisória, de maneira que a lei se cumpra, mas que se preserve a integridade do bem jurídico tutelado. Aqui socorre ao magistrado não somente o dispositivo retromencionado da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, a ponderar sobre o agravante disposto no parágrafo único do artigo 12 da LIA (com nosso destaque):

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Abrimos tal discussão unicamente para análise dos desdobramentos que podem advir das medidas judiciais tomadas no Caso Petrobras, tendo em vista a distribuição, por parte do Ministério Público Federal de Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa contra seis das empreiteiras envolvidas na celeuma, ante a natureza das sanções que podem vir a ser impostas às empresas envolvidas.

É pujante a cobertura midiática que tende a atiçar a indignação do populacho a almejar (e até a exigir) as penas mais graves, as punições mais severas. Tal comportamento é natural nos momentos de comoção social, embora os julgamentos, proferidos na solidão do decisum, não se enveredem por tais caminhos emotivos.

Pelo teor das ações propostas pelo Ministério Público Federal, em caso de procedência do pleito, o ressarcimento dos bens ilicitamente amealhados, a reparação civil dos danos e a multa civil, além dos danos morais coletivos pleiteados podem, seguramente, abalar a saúde financeira das empresas envolvidas pela constrição do seu patrimônio ou capital de giro.  Noutro prisma, discute-se o acréscimo punitivo subscrito pelo legislador ordinário na Lei de Improbidade, o que pode excluir esse grupo de empresas das licitações públicas (e do mercado), pela proibição de contratação e de auferir benefícios fiscais ou creditícios do Poder Público, o que pode resultar desastroso para o país.

O risco é tão severo e as consequências tão graves que o Estado brasileiro já se move em busca de termos circunstanciais que possam contornar o problema por meio de medidas salomônicas, que consigam ressalvar a integridade das relações econômico-sociais mantidas entre o Poder Público e as empresas envolvidas na Operação Lava Jato, sem desmerecer a Justiça, mas de maneira preservar um e outro, como comensais do mesmo sistema. Ressaltam-se, neste cenário, os mencionados acordos de leniência, que vêm sendo ventilados e já expondo algumas resistências, mas que aparentam ser iniciativas do Governo de restaurar o patrimônio nacional afanado com o mínimo de danos à estrutura econômica do país no dia seguinte.

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É de conhecimento público que as empresas demandadas detêm expertise em grandes obras de infraestrutura e de engenharia, dominando um importante segmento de mercado. Também não se ignora que tais empresas são, basicamente, contratadas com o Poder Público em todas as suas manifestações e, não raro, financiadas com recursos do BNDES ou de fundos públicos. Dito isso é possível concluir que a exclusão sistemática e abrupta de tais empresas dos certames licitatórios e a obstrução às linhas de crédito oficiais poderão, por análise perfunctória, expor o segmento ao colapso provocando ondas de demissão em massa, enfraquecimento do mercado e bancarrota de empresas satélites que delas dependam como terceirizadas ou sub-contratadas. Isso, sem contar a drástica redução no elenco de fornecedores/prestadores de serviço das grandes obras públicas no país que, por conseqüência, sofrerão atrasos e aumento de custos em função da retração da oferta. Uma catástrofe, sem dúvida.

Os reflexos de uma decisão judicial de tamanho impacto, ainda que legalmente embasada e com propósito de repelir (e punir) atos de corrupção, podem se traduzir em resultados nefastos à economia nacional como um todo, expondo o Brasil a uma crise econômica e social sem precedentes, além da crise de credibilidade institucional que já enfrenta.


5 – Considerações Finais

Embora compartilhemos da mesma indignação diante do resultado das investigações que avançam e do noticiário que nos esmiúça diariamente as falcatruas e o modus operandi de agentes que se especializam em apropriar de recursos públicos, temos que considerar que as decisões judiciais são concebidas (ou deveriam ser) em um contexto fático-probatório, orientando-se o magistrado pelo bem comum ao qual serve e pela justiça que persegue.  Não se trata de institucionalização da vingança ou imposição de castigos medidos pela intensidade do clamor popular. Igualmente não se trata de ser permissivo a ponto de se perdoar tamanha sequencia de delitos a dilapidar o patrimônio público.

A prática da justiça nem sempre corresponde aos nossos anseios, conceitos ou preconceitos, mormente quando o sentimento de repulsa ultrapassa os limites do ordenamento legal instituído e se almeja punições que possam ser consideradas exemplares, sem que as consequências sejam mensuradas. Neste particular, as decisões judiciais que promovam o desfecho da “Operação Lava Jato” podem frustrar boa parte dos brasileiros que gostariam de não deixar pedra sobre pedra.

Entendemos, todavia, que a parcimônia no julgamento do Caso Petrobras não poderá, jamais, resultar em tolerância a qualquer ato de corrupção ou degradação moral da estrutura do poder político, ainda que se denomine de “leniência” qualquer proposta que tenha por objetivo minimizar os impactos de uma decisão judicial que possa vir a ser danosa a frágil economia nacional.


Referências

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 22 fev. 2015

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BRASIL, Lei 8.429/1992. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm> Acesso em 22 fev. 2015

CARVALHO FILHO, José dos Santos.  Improbidade administrativa.prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9ª. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2001.

PAZZAGLINI FILHO, Marino Pazzaglini; ROSA, Márcio Fernando Elias; JÚNIOR, Waldo Fazzo. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1999.

PIROZI, Maurício José Machado. Consequencialismo judicial - Uma realidade ante o impacto socioeconômico das sentenças. Disponível em <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/consequencialismo_judicial.pdf> Acesso em 22. fev. 2015

QUIRINO, Israel. O rigor da punição dos crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa para com os agentes municipais. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3943, 18 abr. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27683>. Acesso em: 22 fev. 2015.

RICHARD, Ivan. MPF cobra 4,47 bilhões de empreiteiras investigadas na lava jato. Portal Agência Brasil, disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-02/mpf-cobra-r-447-bilhoes-de-empreiteiras-investigadas-na-lava-jato> Acesso em 20. fev. 2015

Sobre o autor
Israel Quirino

Advogado, professor de Direito Constitucional; Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Especialista em Administração Pública. Escritor membro efetivo da Academia de Letras Ciências e Artes Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUIRINO, Israel. O Estado versus o Brasil: A lei de improbidade administrativa e o day after da Operação Lava Jato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4933, 2 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36651. Acesso em: 22 nov. 2024.

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