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Dirigir falando ao celular é ou não é infração de trânsito?

Agenda 21/01/2016 às 12:24

E quanto à utilização da tecnologia bluetooth e viva voz, comete infração o condutor que lança mão destes mecanismos?

Dirigir falando ao celular quase sempre é infração de trânsito. Todavia, mais grave do que uma infração, esta prática pode caracterizar crime da mesma natureza do homicídio causado por quem faz a ingestão de bebida alcóolica e assume a direção de veículo automotor.

O presente artigo tem o condão de abordar a infração de trânsito prevista no inciso VI do art. 252 do CTB, bem como trazer a reflexão da possibilidade de se enquadrar como homicídio doloso o crime praticado na direção de veículo automotor por quem opta por conduzir distraído.

Uma dúvida simples mas ao mesmo tempo muito complexa.

A final de contas: Dirigir falando ao celular é infração de trânsito ou não?

Esta pergunta não apresenta uma simples e abrupta resposta.

Em primeiro lugar, o Código de Trânsito Brasileiro ao tratar da prática de dirigir utilizando-se de telefone celular, reservou apenas um inciso para tutelar o tema.

Vejamos:

Art. 252. Dirigir o veículo:

VI - utilizando-se de fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular;

Infração - média;

Penalidade - multa.

O regramento é simplório e a julgar pela interpretação gramatical possível de ser aplicada ao caso, o fato de utilizar o telefone celular, isto é, comunicar-se com outra pessoa por meio da tecnologia móvel configuraria infração de trânsito.

Todavia devemos avaliar algumas questões pertinentes que vem ganhando relevo ao longo do tempo em virtude dos avanços tecnológicos.

Será que a vedação acima trazida abarca a utilização do bluetooth e do viva voz?

Para propormos uma resposta válida a este questionamento, temos que tentar alcançar a vontade da lei e do legislador, bem como a resposta dos estudos científicos para, além de fixar a premissa de ser permitido ou não, avaliarmos a presença dos reais riscos à segurança que este comportamento poderia causar.

Pois bem, os efeitos e consequências de utilizar o aparelho celular junto ao ouvido ao mesmo tempo em que se está na condução de veículo automotor, são de longe conhecidos.

Além de impossibilitar a direção segura, a inutilização de uma das mãos é vedada em outro dispositivo do mesmo artigo 252:

V - com apenas uma das mãos, exceto quando deva fazer sinais regulamentares de braço, mudar a marcha do veículo, ou acionar equipamentos e acessórios do veículo;

Ou seja, a utilização do celular junto ao ouvido ou pior, sendo utilizado para mandar mensagens por quem esta na condução do veículo, por qualquer ângulo que se olhe é infração de trânsito.

É fato que o uso do celular exige a divisão da atenção do condutor ensejando uma absurda perda de concentração.

Neste sentido, resta violado o princípio do domínio veicular, que exige do condutor a máxima atenção e total controle sobre o automóvel, a fim de minimizar ao máximo as chances de cometimento de infrações e insegurança do trânsito. Tal princípio resta expresso no art. 28 do CTB:

 Art. 28: O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.

Pois bem, quanto à utilização da tecnologia bluetooth e viva voz, comete infração o condutor que lança mão destes mecanismos?

Ante a omissão do legislador, devemos buscar respaldo prima facie, no órgão competente pela regulamentação dos casos existentes na legislação de trânsito.

Neste sentido, tomando por base o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (volume I), aprovado pela Resolução nº371/10 do CONTRAN, o condutor só deve ser autuado quando:

Condutor que transita utilizando telefone celular, ainda que em imobilização temporária:   

- junto ao ouvido;                           

- segurando o aparelho de forma visível;                                           

- com uso de fone (s) de ouvido.

Desta maneira, resta claro que a utilização de mecanismos como o bluetooth e o viva voz não podem ser caracterizados como infração de trânsito; seja pela ausência de previsão legal, seja pela ausência de entendimento do CONTRAN corroborando tal tese.

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Outrossim, parece-me que a intenção do legislador foi simplesmente impedir a inutilização de uma das mãos enquanto o condutor esta com o veículo em movimento (ou imobilizado temporariamente), além é claro de impedir a diminuição da atenção naquele momento.

Outro não é o entendimento da doutrina pátria:

 “Note que este inciso trás duas infrações de trânsito. A primeira é quando o condutor utiliza fones nos ouvidos (plural), conectados à aparelhagem sonora do próprio veículo ou algum outro portátil que traga consigo. A segunda é quando o condutor se utiliza de telefone celular ao dirigir veículo, pois estará diminuindo sensivelmente sua atenção, aumentando consideravelmente a possibilidade de se envolver em acidente de trânsito e dirigindo com apenas uma das mãos, em situação que não a do inciso anterior.” GOMES. Ordeli Saverda. Código de Trânsito Brasileiro Comentado. Curitiba, Juruá. 2013: p. 188

Uma vez fixadas tais premissas, é certo que ainda cabem várias reflexões mormente no campo da ciência sobre como o uso da telefonia móvel pode impactar nas estatísticas de acidentes de trânsito.

Um dos estudos sobre o tema chegou a conclusão de que usar o celular ao volante é mais perigoso do que dirigir embriagado:

“A cada 10 minutos, uma pessoa é multada no Distrito Federal por usar o celular enquanto dirige. Quem cultiva o hábito nem sempre tem consciência do risco que corre. Digitar mensagem de texto ao volante aumenta em 23 vezes o risco de acidente. Quem faz uma simples chamada fica quase seis vezes mais exposto, conforme aponta um estudo do Departamento de Transportes dos Estados Unidos.

O número de flagrantes nas vias da capital é considerado alto pelo Departamento de Trânsito (Detran). É consenso que boa parte dos motoristas escapa impune porque a multa depende exclusivamente da ação de agentes e o quadro desses profissionais é insuficiente para garantir fiscalização eficaz (...)

Pesquisa da instituição inglesa RAC Foundation revela que 45% dos condutores ingleses usam o celular para enviar torpedos. O estudo identificou ainda que o envio de mensagens retarda o tempo de reação em 35%, percentual bem acima da demora provocada pelo álcool (12%) no organismo. Por isso, o hábito é tão perigoso.

(...)

Segundos fatais

Quem insiste em fazer as duas coisas ao mesmo tempo, deve ficar atento aos fatos. A matemática, a física e a medicina já se dedicaram ao estudo desse comportamento e chegaram à mesma conclusão: é impossível ter a competência exigida ao volante falando ao telefone. Mestre em transportes e professor do curso de engenharia civil da Fundação Educacional Inaciana (FEI), de São Paulo, Creso de Franco Peixoto explica o que chama de tempos e perdas de tempos.

Segundo o especialista, é consenso mundial que a pessoa demora 2,5 segundos para começar a frear diante de um imprevisto na rodovia, com o carro a 80km/h ou 100km/h. “É 1,5s para perceber o obstáculo inesperado e 1s para reagir”, explica. “Se a pessoa está na cidade, o tempo de reação é menor: 0,75s.” Os pesquisadores descobriram que o condutor leva 2s para digitar dois algarismos no celular. “Ela tira os olhos da via por 2s, acessa duas teclas, olha de novo para a pista e, assim sucessivamente”, relata Peixoto. 

E para quem argumenta que apenas checa quem está ligando, uma outra pesquisa da FEI calculou o tempo necessário para o motorista pegar o telefone — no banco do passageiro — e ler o número de quem está chamando. Os estudiosos descobriram que são necessários 4,5s. “O tempo é cinco vezes maior do que o necessário para você ver o obstáculo e reagir a ele para evitar uma colisão ou um atropelamento na cidade que podem ser fatais”, destaca Peixoto.http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/Jornal133/utilidade_publica_celular.aspx)

Um dado alarmante sobre o tema é o fato de que dirigir falando ao celular tem o condão de causar mais mortes do que conduzir após ingerir bebida alcóolica. Esta foi a conclusão do estudo feito pelo Cohen Children’s Medical Centrer de nova York onde apontou no estudo que todos os anos, mais de 3 mil jovens morrem e 300 mil ficam feridos nos Estados Unidos ao mandar mensagens de texto enquanto estão ao volante – o número relativo aos que bebem e dirigem fica um pouco atrás, com 2.700 mortos e 282 mil feridos. O estudo demonstrou ainda que a prática é bem comum. Entre os quase 9 mil adolescentes de 15 a 18 anos entrevistados de setembro de 2010 e dezembro de 2011, 49% dos meninos admitiam mandar SMS e dirigir, enquanto esse número ficava em 45% entre as garotas. “A realidade é que os jovens não bebem sete dias por semana, mas carregam seus celulares e mandam mensagens todos os dias”, disse o Dr. Andrew Adesman, líder do estudo, para a CBS News. (http://super.abril.com.br/blogs/tendencias/usar-o-celular-ao-volante-mata-mais-jovens-do-quedirigir-depois-de-beber/)

Especificamente sobre o uso do sistema “hands free” ou “mãos livres”, recente estudo realizado pela Universidade de Utah, levantou dados alarmantes e muito questionados pelos motoristas.

Segundo a pesquisa, o sistema de bluetooth ou viva voz seriam mais perigosos do que utilizar o telefone de forma convencional:

“Estudo realizado nos Estados Unidos pela Universidade de Utah, encomendado pela American Automobile Association (AAA), aponta que sistemas de interatividade para carros conhecidos como “hands free” ou “mãos livres” são mais perigosos do que simplesmente falar ao celular enquanto dirige. Estes recursos consistem em botões mais acessíveis e comandos em viva-voz para telefonar e mandar mensagens de dentro do carro, entre outras atividades. O resultado da pesquisa foi divulgado nesta quarta-feira (12/06/2013).

Os sistemas são muito utilizados pelas montadoras para atrair o público mais jovem, imerso no mundo de redes sociais e aplicativos de smartphones. De acordo com as fabricantes, os dispositivos “hands free” são mais seguros, porque os motoristas conseguem manter as mãos no volante e os olhos na estrada.

No entanto, a pesquisa da associação automotiva americana mostra que a concentração para comandar o sistema por voz exige muito mais a atenção do motorista. Tal distração é definida pelos pesquisadores como “visão de túnel" ou "cegueira de desatenção". Isso porque a primeira reação dos condutores é se esquecer de olhar pelos espelhos retrovisores e prestar atenção aos detalhes do que vê na frente, seja a luz de freio de um carro ou pedestres. (http://g1.globo.com/carros/noticia/2013/06/viva-voz-nos-carros-e-mais-perigoso-do-que-falar-ao-celular-diz-estudo.html)

Como visto, falar ao celular mostra-se como um ato que vai além de uma infração média punida com multa de R$ 85,13 e a perda de 4 pontos. Caracteriza verdadeira arma que deve ser evitada a todo custo, possibilitando inclusive um outro questionamento: Se usar o celular ao dirigir pode potencializar a perda do tempo de reação em maior grau do que certas dozes de álcool, por que o tratamento dispensado a tais infrações são tão díspares?

Efetivamente, se analisarmos as penalidades previstas no art. 165 do CTB (dirigir sob a influência de álcool), veremos que o legislador fixou em R$ 1.915,40 o valor a ser pago por pessoa que seja flagrada dirigindo após ingerir bebida alcóolica, além de impor a suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. Ao passo que aquele flagrado falando ao celular enquanto dirige tem apenas um médio valor a ser pago a título de multa e perda de pontos na CNH.

O legislador, como restou comprovado, não deu a devida importância ao tema e muito menos avaliou as consequências que esta prática pode causar.

Um caso emblemático foi decidido recentemente pelo Tribunal Regional Federal da primeira região, onde um motorista enquanto falava ao celular atropelou e matou um policial.

Muito embora outras questões estivessem envolvidas, a Corte julgadora trilhou um caminho louvável na apreciação da matéria que corrobora os fatos defendidos nesta obra. Cito:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 2007.39.00.000587-7/PA  (PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CONTRA POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ATROPELAMENTO EM POSTO DA PRF. PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDÍCIOS DE AUTORIA. MATERIALIDADE. DOLO EVENTUAL. CONSUMO DE DROGAS.TRIBUNAL DO JÚRI. JUÍZO NATURAL.)

1. Afigura-se premeditado mudar o crime imputado ao réu, de homicídio doloso para uma figura culposa, diante dos existentes indícios de que houve dolo.

2. O dolo eventual é atribuível, em tese, ao agente que atropela e mata policial rodoviária federal no exercício da função, em barreira montada no Posto da PRF de Ananindeua/PA, quando confessa em Juízo que estava dirigindo distraído, à noite, em uma estrada federal, falando ao telefone celular, além de haver prova testemunhal de que estava sob efeito de álcool e maconha.

3. A sentença de pronúncia, por se tratar de juízo de admissibilidade da acusação para o Tribunal do Júri, dispensa análise aprofundada de provas, sendo bastante a caracterização da materialidade, além da presença de indícios de autoria, na forma da Lei 11.689/08.

4. Recurso em sentido estrito a que se nega provimento.

Em síntese, o ponto nevrálgico a que se quer chegar reside no seguinte fundamento presente no voto do relator:

Primeiramente, está demonstrado que o acusado dirigia à noite e ao mesmo tempo falando ao telefone, o que, em tese, demonstra o risco assumido de produzir o resultado.

Desta maneira, apresentou-se um importante precedente a se discutir a responsabilidade penal que cabe a quem dirige veículo utilizando telefone celular.

De acordo com este importante entendimento, resta aberta a discussão: Serão assassinos os que por causa de uma mensagem despretensiosa de celular tiram a vida de outrem?

Só a jurisprudência dirá.

Sobre o autor
Paulo André Cirino

Advogado do DETRAN|ES, Consultor de Trânsito, Palestrante.<br><br><br>CONTATO: pauloandre.transito@hotmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIRINO, Paulo André. Dirigir falando ao celular é ou não é infração de trânsito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4586, 21 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36712. Acesso em: 21 nov. 2024.

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