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Lei nº 11.340/2006: Maria da Penha

Agenda 09/03/2015 às 16:18

Comentários sobre a Lei 11.340/2006: Lei Maria da Penha.

No ano de 2005 o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a cumprir tratados internacionais de que fazia parte. A decisão foi proferida após Maria da Penha Fernandes, que sofreu tentativa de homicídio por seu marido duas vezes, além de agressões diárias durante os seis anos de casamento, denunciar internacionalmente que a justiça brasileira não havia dado decisão ao caso mesmo após 15 anos de oferecida a denúncia.

Sendo assim, para atingir a igualdade substancial e elencada na Carta Magna, foi necessário que o Estado, através de uma ação afirmativa, pela discriminação positiva, implementasse uma lei para possibilitar a mulher de exercer efetivamente e de forma plena sua condição digna de pessoa humana.

Em 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a LEI 11.340 com o objetivo de coibir e prevenir toda e qualquer violência doméstica e familiar contra a mulher, sendodenominada como MARIA DA PENHA. Dita Lei não foi muito bem aceita à época, muitos afirmavam pela sua inconstitucionalidade, porém o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade 19, considerando-a, em todo seu teor, constitucional.

A Lei Maria da Penha tem como o objetivo coibir e prevenir a violência domestica e familiar contra a mulher, conforme seu artigo primeiro. Trata-se de uma lei com caráter multidisciplinar, estabelecendo a criação dos Juizados de Violência Doméstica Familiar contra a Mulher, o qual não se confunde com os Juizados Especiais Criminais, e medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica familiar.

O conceito de violência domestica está contido no artigo 5° da referida lei, sendo de forma geral entendida a violência como a conduta comissiva ou omissiva, com o intuito de abater a resistência de outrem, de forma que lhe proporcione dano físico, moral ou psicológico, ou leva-lo a praticar um ato contra a sua vontade.

No artigo mencionado acima, podemos observar que a violência domestica é baseada no gênero, tendo como motivação a opressão à mulher. Ela pode ser praticada na unidade domestica, no espaço caseiro, dispensando vínculo familiar, temos como exemplo a relação patronal e de padrasto e enteada. No âmbito familiar, exigindo o vínculo familiar, mas dispensando a coabitação, abrangendo os parentes afins.

E quando há relação íntima de afeto, dispensando a coabitação e o vinculo familiar.

Os tribunais tem admitido a aplicação da lei para ex maridos e ex namorados, desde que sejam configurados a violência de gênero e a conduta criminosa tenha nexo com a relação anterior. Conforme julgado do Superior Tribunal de Justiça :

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA EM RAZÃO DO INCONFORMISMO DO AGRESSOR COM O FIM DO RELACIONAMENTO. CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. APLICAÇÃO DA LEI 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO SUSCITADO.

1. Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima.

2. In casu, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto no art. 5º, inciso III, da Lei nº 11343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por vinte e quatro anos, ainda que apenas como namorados, pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher.

3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete -MG, o suscitado. (STJ – CC: 103813 MG 2009/0038310-8m Relator: M Jorge Mussi, data: 24/06/2009, S3- Terceira Seção.)

Já o conceito de Violência de Gênero, se configura quando a conduta lesiva ébaseada no gênero, não trata de qualquer violência domestica e familiar contra  a mulher.

A violência de gênero abrange a questão da igualdade de sexos, porém, gênero e sexo são termos diferentes. Enquanto sexo se refere às características biológicas determinada no momento em que nascemos, gênero é decorrente de aspectos sociais, culturais e políticos da sociedade em que o individuo vive.

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Mesmo sendo considerados como opostos, o gênero feminino foi constituído como inferior, trazendo uma desigualdade entre os sexos.

Portanto, coube a Constituição Federal e ao Estado comprometido a proteger a família e a cumprir sua função social, legal e preventiva no que se refere a pratica de violência domestica. Sendo assim, a Lei Maria da Penha um desses instrumentos.

A mulher sempre foi considerada, desde os primórdios da sociedade, como frágil em relação ao homem. A consequência disso foi a sua dificuldade em assumir sua igualdade na sociedade, como prevê a CF em seu artigo 5º I, em que é assegurado o direito humano fundamental da igualdade entre homens e mulheres.

Importante destacar que a Lei Maria da Penha aumentou a pena imposta no artigo 129, § 9º do Código Penal (CP), que trata da violência domestica, sendo anteriormente de 06 meses a um ano, para 03 meses a 03 anos.

Ainda, acrescentou na agravante do art. 61, II, f, do CP, a circunstância de o agente ter praticado o crime “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”

Ficou com a Lei Maria da Penha caracterizada, além da violência física, a psicológica (se prolonga no tempo), patrimonial (retenção ou destruição de bens), a violência moral (qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injuria).

Na Lei 11.340/06, o sujeito ativo pode ser a mulher ou o homem que pratique ação descrita em seus artigos, desde que haja o vinculo familiar ou afetivo entre os envolvidos.

Conforme doutrina Maria Berenice Dias (2007, pag41): “igualmente , não importa o fato de ter sido neto ou neta que tenha agredido a avó, sujeitam-se as agressores de ambos os sexos aos efeitos da lei”

Os sujeito passivo, ou seja, as vítimas, apesar de parte da doutrina entender que somente podem ser mulheres, vimos que sexo e gênero são coisas diferentes, sendo assim, podendo alcançar famílias constituídas com pessoas do mesmo sexo e homens vulneráveis.

Algumas formas e medidas de proteção foram implantadas ou previstas pela Lei em discussão.

Uma das novidades foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (art. 14). A Lei previu garantia de acesso aos serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita (Art. 28), estipulando ainda que a vítima deva ser acompanhada de advogado, tanto na fase policial como na fase judicial (art. 27).

Contudo, um estudo realizado em 2013 pelo Departamento de Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, deixa evidente que a realidade está muito longe do que a lei previa no sentido do número de juizados especializados criados.

Com o intuito de resguardar a integridade física da vítima, a Lei vedou a entrega de notificação ou intimação ao agressor pela própria vítima (art. 21, § único). A Lei ainda estabelece que a vítima deva ser pessoalmente cientificada quando o agressor for preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador constituído ou do defensor público (art. 21).

A lei Maria da Penha ainda previu medidas mais fortes, cabendo ao Magistrado adotar de ofício medidas que façam cessar essa violência, como por exemplo, determinar o afastamento do agressor do lar; impedir que se aproxime da casa, estabelecendo uma distância mínima de afastamento, que deverá ser respeitada; vedar o seu contato com a família (art. 22).

A lei Maria da Penha está dotada de vários instrumentos que visam à proteção da mulher, ou seja,na integridade física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial. São as chamadas medidas protetivas de urgência.

Segundo Maria Berenice Dias: “A Lei traz providências que não se limitam às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22 a 24. Encontram-se espraiadas em toda a Lei diversas medidas outras voltadas à proteção da vítima que também cabem ser chamadas de protetivas”.

Tais medidas, muitas cautelares, são de grande importância e são divididas em dois grupos: Contra o agressor;em favor da proteção da vítima. As medidas protetivas propriamente ditas estão previstas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei em discussão e podem ser deferidas pelo Juízo inaudita altera pars.

O caput do art. 22 da Lei reza que deve ser comprovada, verificada, a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher para que o juiz possa aplicar medidas de imediato contra o agressor. Sendo assim, devem existir elementos que demonstrem indícios de autoria e de materialidade.

O artigo 12 da Lei 11.340/2006 traz:

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

Fica claro pelo inciso III do artigo 12 acima, que a autoridade policial, após a confecção do registro de ocorrência, deve remeter, no prazo de 48 horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência. Muitas vezes os documentos recebidos pelo Juiz, poucas provas trazem, tendo em vista o curto prazo de tempo para requisitar exames, ouvir testemunhas e etc. É nessas condições que o magistrado deve decidir acerca da concessão de medidas protetivas de urgência.

A lei 9099/95 dos Juizados Especiais não pode ser aplicada, conforme o artigo 41 da Lei Maria da Penha traz expressamente e conforme reiteradas decisões dos nossos Tribunais, que pacificaram o assunto (STF – HC 106212 MS, Rel: Min. MARCO AURELIO, Data julgamento: 24/03/2011, Tribunal Pleno).

A lei Maria da Penha pode ser aplicada nas relações Homoafetivas, assim, o entendimento de Maria Berenice Dias: (2007, p.37)

“O conceito legal de família trazido pela Lei Maria da Penha insere no sistema jurídico as uniões homoafetivas. Quer as relações de um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres ou constituídas entre dois homens, todos configuram entidade familiar.”

Porém, a maioria da Doutrina entende que a Lei Maria da Penha somente pode ser aplicada as mulheres, ainda que em união homoafetivas entre mulheres.

Contudo, o STJ já reconheceu sua aplicabilidade ao homem vulnerável:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA "E", DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer vício no acréscimo de pena operado pelo referido diploma legal no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal, mormente porque não é a única em situação de vulnerabilidade em tais relações, a exemplo dos portadores de deficiência. 2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha, mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora. 3. Se a circunstância da conduta ser praticada contra ascendente qualifica o delito de lesões corporais, fica excluída a incidência da norma contida no artigo 61, inciso II, alínea "e", do Código Penal, dotada de caráter subsidiário. 4. Recurso improvido.( STJ- RHC 27622 / RJ – Min. Jorge Mussi – 07/08/2012)”

Ainda, é possível prisões em flagrante e preventiva, obrigatoriedade do inquérito policial e a possibilidade de desistência.

A nova lei proibiu a aplicação de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique somente o pagamento de multa.

Ainda a Lei em estudo pode ser aplicada ao homem vulnerável. A aplicação da Lei Maria da Penha ao homem que sofre violência doméstica também foi assunto de divergências doutrinárias. Hoje o STF entende que as medidas da lei podem ser aplicadas ao homem, desde que este seja vulnerável.

A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é consideradauma inovação no combate à violência contra a mulher em nosso país. Tem como objetivo diminuir a diferença entre os gêneros, quando se trata de violência familiar e doméstica.

Conforme ensinamento de Stela Cavalcanti : “A igualdade material é a última escala de evolução do princípio da igualdade no constitucionalismo do século XX. Para as constituições contemporâneas não é suficiente concretizar a igualdade formal nas leis. Aqui está o mais importante mandamento do Estado Social e Democrático de Direito: para conseguir a igualdade material às vezes se faz necessário sacrificar a igualdade formal.” (CAVALCANTI, p. 132).

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A Violência Doméstica contra a mulher no Brasil – Análise da Lei “Maria da Penha”, nº 11.340/2006. 4.ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

DIAS, Maria Berenice – A Lei Maria da Penha na Justiça: A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência domestica e familiar contra a mulher. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007.

HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha lei com nome de mulher – violência domestica e familiar – considerações à lei 11.340/2006 comentada artigo por artigo. Campinas, Servanda, 2007.

MORAES, Alexandre de – DIREITO CONSTITUCIONAL. Vigésima terceira Edição São Paulo, Editora Atlas, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Lei Penais e Processuais Comentadas. – 5. Ed. Ver. Atual e Ampl. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010.

PIOVESAN, Flavia. DIREITOS HUMANOS e o Direito Constitucional Internacional – 12. Ed. Rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, 2011.

PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.

Sobre o autor
Bruno Gonçales Vieira

Advogado formado na Faculdade de Direito de Jaú/SP em 2006. Atuante nas esferas cíveis e criminais.

Informações sobre o texto

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