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A tempestividade do recurso prematuro e a nova posição do STF no AI 703269

O artigo trata do julgamento do AI 703269 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que levou à modificação de seu entendimento sobre a tempestividade do recurso prematuro.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar agravo regimental no Agravo de Instrumento 703269, na sessão de 05 de março de 2015, modificou seu entendimento e concluiu, por unanimidade (nove votos, ausente o Min. Celso de Mello), que o recurso interposto antes do início do prazo é tempestivo.

Recorda-se que a tempestividade é um pressuposto recursal objetivo, consistente na interposição do recurso no prazo previsto em lei. Em outras palavras, “não basta que a sentença, a decisão ou o acórdão sejam recorríveis: é preciso que ainda o sejam” . Considerando o recurso como sendo um ato processual peremptório, deve ser exercido no tempo fixado, não se admitindo convenção de prorrogação pelas partes , para que o mérito do recurso seja julgado.

O prazo para recorrer tem início: com a leitura da sentença em audiência, ou da intimação das partes (quando a sentença não for proferida em audiência), ou da publicação do dispositivo do acórdão no Diário Oficial (art. 506 do CPC). Complementando essa regra, o art. 242 dispõe que “o prazo para a interposição de recurso conta-se da data, em que os advogados são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão”.

Em resumo, a regra principal é a de que o prazo recursal tem início a partir da intimação (e não da juntada de seu comprovante aos autos), independentemente de ser realizada em audiência ou por outro meio, conforme as regras dos arts. 234/242 do CPC.

Além da possibilidade do não conhecimento do recurso, em razão da sua interposição após o término do prazo legal, os tribunais entendem, em regra, ser extemporâneo o recurso interposto em momento anterior à publicação da decisão questionada. Portanto, a tempestividade existe, de forma estrita, dentro do intervalo fixado para a interposição do recurso. Qualquer data externa a ele, anterior ou posterior, torna o recurso intempestivo.

O "recurso prematuro" (ou recurso ante tempus), como sua denominação indica, é aquele apresentado em data anterior à abertura do prazo recursal . Sua intempestividade, portanto, não deriva da perda do prazo e interposição posterior, mas sim da antecipação na apresentação da petição, que precede a prática formal do ato de intimação da decisão recorrida. Há, por isso, uma intempestividade pela prematuridade.

O Pleno do STF havia desenvolvido sua jurisprudência a respeito do tema, durante os últimos 35 anos, no sentido de ser o recurso prematuro intempestivo, por dois fundamentos principais: (a) o prazo recursal tem início com a publicação ou com a intimação da decisão (de acordo com as normas acima citadas do CPC), e o recurso intempestivo é aquele interposto em data fora do prazo recursal, ou seja, em qualquer dia anterior ou posterior ao interstício legal; (b) e somente com a publicação ou a intimação é que o recorrente tem conhecimento do inteiro teor da decisão.

Nesse sentido, recentemente decidiu que "(...) a simples notícia do julgamento não fixa o termo inicial da contagem do prazo recursal, de modo que o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido é prematuro, a menos que seja posteriormente ratificado" (RE 606376 ED-EDv/RS, Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19/11/2014, DJe 18/12/2014). Com o mesmo entendimento, no Plenário e nas duas Turmas: ARE 638700 AgR-ED/MG, Pleno, rel. Min. Ayres Britto, j. 27/06/2012, DJe 10/09/2012; ARE 665977 AgR/DF, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 26/06/2012, DJe 29/08/2012; AI 716630 AgR/SP, 2ª Turma, rel. Min. Ayres Britto, j. 06/09/2011, DJe 28/10/2011; AI 454022 AgR-AgR /CE, 2ª Turma, rel. Min. Nelson Jobim, j. 14/10/2003, DJ 19/12/2003, p. 62; AI 437126 AgR/RS, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Britto, j. 02/09/2003, DJ 17/10/2003, p. 17; AI 255654 AgR/MG, 1ª Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j. 25/09/2001, DJ 08/03/2002, p. 56; RE 195859 ED/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 11/06/1996, DJ 13/09/1996, p. 33238; RE 86936/CE, 2ª Turma, rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 29/08/1978, DJ 20/10/1978, p. 8205.

Ainda, alguns acórdãos admitem, em tese, que a ratificação do recurso prematuro após o início do prazo recursal o torna tempestivo:

"Embargos declaratórios no recurso extraordinário. Conversão dos embargos declaratórios em agravo regimental. Recurso extemporâneo. Precedentes. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de ser extemporâneo o recurso interposto antes da publicação do julgado recorrido e sem posterior ratificação no novo prazo recursal. 3. Agravo regimental não provido" (RE 469338 ED/RS, 1ª Turma, rel. Min. Dias Toffoli, j. 24/08/2010, DJe 22/11/2010).

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Exigindo a ratificação do recurso, na mesma Turma: AI 799209 AgR/MG, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 03/05/2011, DJe 26/05/2011.

Além disso, no julgamento do RE 132031, em 1995, a 1ª Turma do STF concluiu que, ainda que o conhecimento prévio da decisão ocorra por outros meios (afora os previstos no CPC), em momento anterior à publicação oficial, é ônus do recorrente demonstrá-lo, não podendo a intimação ser presumida com a simples interposição do recurso:

"(...) RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRAZO - INICIO DE FLUENCIA - CIENCIA INEQUIVOCA DO ATO DECISORIO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - INTEMPESTIVIDADE REJEITADA. - Os prazos recursais começam a fluir da data em que o sujeito processual, por meio de seu Advogado, tem, ainda que informalmente, ciência inequívoca da decisão que deseja impugnar, desde que inexista qualquer situação de duvida ou de controvérsia a respeito do momento em que se registrou o conhecimento efetivo do ato decisório proferido. Precedentes. A ciência inequívoca, para efeito de definição do dies a quo do prazo recursal, não se presume, exigindo-se, ao contrario, comprovação incontestável de que ela efetivamente ocorreu" (RE 132031/SP, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 15/09/1995, DJ 19/04/1996, p. 12220).

Em seu voto, o relator cita como exemplos de conhecimento prévio da decisão recorrida a juntada de petição (com protocolo em data posterior à do ato recorrido), ou a vista dos autos pelo advogado da parte, ente outros.

Da mesma forma, o Tribunal Superior do Trabalho desenvolveu sua jurisprudência no sentido de que o recurso prematuro é intempestivo. Essa compreensão foi consolidada na Orientação Jurisprudencial nº 357 da Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI-1), posteriormente complementada e convertida na Súmula nº 434 do TST:

“RECURSO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO IMPUGNADO. EXTEMPORANEIDADE. (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 357 da SBDI-1 e inserção do item II à redação) - Res. 177/2012, DEJT divulgado em 13, 14 e 15.02.2012
I) É extemporâneo recurso interposto antes de publicado o acórdão impugnado.(ex-OJ nº 357 da SBDI-1 – inserida em 14.03.2008)
II)  A interrupção do prazo recursal em razão da interposição de embargos de declaração pela parte adversa não acarreta qualquer prejuízo àquele que apresentou seu recurso tempestivamente”.

O Superior Tribunal de Justiça passou por entendimentos diferentes sobre o tema nos últimos 13 anos, atingindo recentemente a uniformidade, que poderá ser novamente modificada em virtude do julgamento do AI 703269 pelo Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, a Corte compreendia que o recurso prematuro é intempestivo, sem qualquer ressalva. Nesse sentido, por exemplo: "Caracteriza-se como intempestivo o recurso interposto antes da publicação do julgado recorrido no órgão de imprensa oficial, eis que o prazo para recorrer começa a fluir apenas com a publicação do acórdão e não com a mera notícia do julgamento" (EDcl no AgRg no REsp 428226/RS, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Medina, j. 19/08/2003, DJ 22/09/2003, p. 398). No mesmo sentido: EDcl no HC 9275/RS, 6ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 07/03/2002, DJ 19/12/2002, p. 418; EDcl no REsp 298073/AL, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/11/2001, DJ 04/02/2002, p. 478.
Nesse período, contudo, alguns julgados afirmaram ser possível o conhecimento do recurso prematuro, na hipótese de ser "renovado" (ou seja, ratificado ou manifestado o interesse no seu processamento) pelo recorrente após o início do prazo. Assim, decidiu-se que "somente após a publicação do acórdão ou da decisão que se quer aclarar, torna-se oportuna a oposição de embargos declaratórios. Opostos antes da aludida publicidade, deve-se renovar o recurso após este ato" (EDcl no AgRg no Ag 184019/RJ, 4ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 22/08/2000, DJ 20/11/2000, p. 299). Com teor similar: AgRg no Ag 514518/RJ, 3ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 26/08/2003, DJ 20/10/2003, p. 275.

Em novembro de 2004, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça modificou seu entendimento, para concluir pela tempestividade do recurso prematuro:

“PROCESSO CIVIL - RECURSO - TEMPESTIVIDADE - MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão no veículo oficial.
2. Entendimento que é revisto nesta oportunidade, diante da atual sistemática de publicidade das decisões, monocráticas ou colegiadas, divulgadas por meio eletrônico.
3. Alteração jurisprudencial que se amolda à modernização da sistemática da publicação via INTERNET.
4. Agravo regimental provido (AgRg nos EREsp 492461/MG, Corte Especial, rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, j. 17/11/2004, DJ 23/10/2006, p. 235).

Essa compreensão foi mantida nos julgamentos subsequentes: EAg 522249/RS, Corte Especial, rel. Min. José Delgado, j. 02/02/2005, DJ 04/04/2005, p. 157; EDcl no AgRg no AgRg no Ag 559045/RS, 5ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 16/12/2004, DJ 14/02/2005, p. 226.

Todavia, poucos anos depois, ao julgar o REsp 776265, em abril de 2007, a Corte Especial do STJ restringiu o alcance do acórdão anterior, ao decidir que "é prematura a interposição de recurso especial antes do julgamento dos embargos de declaração, momento em que ainda não esgotada a instância ordinária e que se encontra interrompido o lapso recursal" (REsp 776265/SC, Corte Especial, rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, j. 18/04/2007, DJ 06/08/2007, p. 445). Após reiterar esse entendimento em julgamentos posteriores, a Corte Especial editou a Súmula nº 418 (publicada em 11/03/2010), que trata de situação específica: a interposição de recurso especial em data anterior à publicação do julgamento dos embargos declaratórios. Nessa hipótese, o enunciado considera o recurso intempestivo: "É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação". Nesse caso, há interposição do recurso em data posterior à intimação da decisão objeto de questionamento, mas em dia anterior ao julgamento de outro recurso (embargos declaratórios) oposto contra ela, e que pode levar à falta de interesse na interposição do recurso especial (por exemplo, com o acolhimento dos embargos e a modificação da decisão). Por essa razão, a Súmula nº 418 do STJ admite a apresentação intempestiva (por prematuridade) de recurso especial, condicionada à sua ratificação posterior ao julgamento dos embargos declaratórios, dentro do prazo recursal.

Em outras palavras, o recurso prematuro intempestivo passa a ser tempestivo, com sua ratificação dentro do prazo recursal.

Tal compreensão ainda é mantida nos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp 126937/SP, 2ª Turma, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 03/03/2015, DJe 10/03/2015; AgRg no REsp 1431138/ES, 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. 03/02/2015, DJe 11/02/2015; EDcl no AgRg no AREsp 457859/PR, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 25/11/2014, DJe 05/12/2014; AgRg no AREsp 204203/RJ, 6ª Turma, rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 25/11/2014, DJe 03/02/2015.

Essa posição majoritária da prática dos tribunais superiores, no sentido de considerar o recurso prematuro como sendo intempestivo, é constantemente criticada pela doutrina processual, pelas seguintes razões: (a) o formalismo excessivo e, genericamente, a inobservância ou a restrição do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório, além de criar barreiras à celeridade e à efetividade do processo; (b) a interposição do recurso em momento anterior à intimação da parte recorrente contém uma presunção de que o recorrente teve conhecimento da decisão, logo, foi intimado por outro meio e por sua própria iniciativa (o que se admite expressamente na citação, de acordo com o art. § 2º do art. 214 do CPC , e nas citações, intimações, notificações e remessas no processo eletrônico, conforme previsto no art. 9º, § 1º, da Lei nº 11.419/2006 ).

Assim, a decisão no AI 703269 superou o entendimento anterior do STF de que o prazo inicial para a interposição do recurso coincide com a data da publicação da decisão (ou com outra forma de intimação do recorrente prevista no CPC), e passa a considerar como tempestivo o recurso que antecede esse ato formal. O relator do Processo, Min. Luiz Fux, concluiu que a antecipação do recurso contribui para a celeridade processual e citou o art. 218, § 4º. do novo Código de Processo Civil, que, apesar de ainda não estar em vigor, prevê que "será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo".

O acórdão reitera uma decisão anterior da 1ª Turma, igualmente relatada pelo Min. Fux, que conheceu recurso prematuro como tempestivo, com fundamento na instrumentalidade das formas, na celeridade, na boa-fé processual e na utilização do processo como um instrumento de efetividade do direito material (HC 101132 ED/MA, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 24/04/2012, DJe 21/05/2012).

Portanto, e apesar de se tratar do julgamento de um agravo regimental inserido em lista de processos no final da sessão plenária de 05/03/2015, o relator, Min. Luiz Fux, conferiu destaque ao julgamento e houve debates entre os nove Ministros presentes (ausente apenas o Min. Celso de Mello), que, por unanimidade, decidiram que o recurso prematuro é tempestivo. Em consequência, esse deve ser o entendimento que norteará os julgamentos do Pleno e das duas turmas do Supremo Tribunal Federal, além de inevitavelmente ser utilizado como fundamento das futuras decisões dos demais Tribunais.

Sobre os autores
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Francielle Dolbert Camargo

Assessora Jurídica no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Graduada em Ciências Jurídicas. Especialista em Jurisdição Federal pela Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina - ESMAFESC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente; CAMARGO, Francielle Dolbert. A tempestividade do recurso prematuro e a nova posição do STF no AI 703269. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4288, 29 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37186. Acesso em: 22 dez. 2024.

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