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O regime diferenciado de contratação (RDC) frente à Lei nº 8.666/93 e o princípio da economicidade

Agenda 25/03/2015 às 12:24

O RDC possui regramento próprio, mas isso não significa que ele não está submetido aos regramentos da lei geral de licitações (8.666/93)

José Henrique Araújo dos Santos[1]

Resumo

O presente artigo tem por mister  abordar o tema regime diferenciado de contratação , fornecendo as nuances dos conceitos doutrinários acerca do assunto demonstrando semelhanças e diferenças, além de sua relação com a lei geral de licitações e o princípio da economicidade.

Palavras-chave: Regime diferenciado, Direito administrativo, licitação.

Sumário: 1 – Breves considerações; 2 - Previsão legal e aspectos principiológicos; 3 – Inconstitucionalidade da lei 12.462/2011; 4– Perspectiva jurisprudencial: A ADI nº 4655; 5 – Considerações finais.

1 – Breves considerações

O regime diferenciado de contratação, resumidamente, RDC, em apertada síntese, consiste em num procedimento licitatório especial com finalidade objetiva. Desta forma, o RDC, apesar de prever especificidades peculiares, está submetido, de certa forma, à estrutura positiva decorrente da lei de licitações.

 O que o torna realmente diferente dos demais tipos previstos na lei de licitações, 8.666/93, é que o procedimento do RDC, além de estar fora do corpo normativo da 8.666 tendo, assim, uma lei regulamentadora própria e, de certa forma, autônoma, é que tal regime diferenciado possui cabimentos específicos cuja lei do RDC é expressa em demonstrar as hipóteses de ocorrência.

 Por conta disso, afirmamos que o regime diferenciado de contratação acaba sendo uma espécie especial de licitação, cujo cabimento é taxativo e possui uma certa autonomia procedimental– no momento em que desvincula-se em partes do procedimento da 8.666/93 -, embora a própria lei do RDC preveja exceção de si mesma para incidir a lei geral (Art. 1º, §2º da L 12.462/2011).

A título de curiosidade, essa nova modalidade de licitação surgiu após o Brasil ser escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016. Há ainda diversos projetos de lei que visam a alterar a Lei 12.462/11, e ampliar as hipóteses de incidência do Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Ocorre que não se observou que o RDC foi criado em caráter urgente, e justamente por essa razão é objeto de duas ações diretas de constitucionalidade, pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

2 – Previsão legal: Cabimento e aspectos principiológicos

A previsão legal do procedimento licitatório especial – não contemplado entre as 5 modalidades previstas na lei geral de licitação (concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão) -, conhecido por regime diferenciado de contratação (RDC) está prevista na Lei 12.462/2011.

Nesta lei estão presentes todas as exigências e suas hipóteses de cabimento. Aliás, saliente-se que tais hipóteses de incidência do referido regime diferenciado de contratação constituem um verdadeiro rol taxativo, uma vez que o caput do Art. 1º da supracitada lei delimita com maestria as situações cuja lei do RDC irá incidir.

Além disso, cabe ressaltar também os princípios norteadores de tal regime diferenciado. O aspecto principiológico do RDC pode ser denotado tendo em vista o objetivo e o animus da norma agendi previstos no Art. 3º da lei do RDC. A própria lei delimitou princípios que são condição sine qua non para o cabimento da utilização do respaldo legal do RDC, são eles: Legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, economicidade, desenvolvimento nacional sustentável, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

Conforme dito acima, a lei do RDC, aparentemente, demonstra possuir um rol taxativo no momento em que elenca os casos nos quais imperará o seu regime. As hipóteses estão elencadas nos incisos do Art. 1º da referida lei, são elas:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e

II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.

IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012)

V - das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.        (Incluído pela Lei nº 12.745, de 2012)

VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.       (Incluído pela Lei nº 12.980, de 2014)

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Entretanto, apesar da tentativa de detalhar as hipóteses de cabimento, nota-se no corpo legal da legislação do RDC uma falha crucial que, inclusive, é dita como inconstitucional por grande parte da doutrina pertinente ao assunto.

Além disso, diante da necessidade de efetivação de seus princípios, e lei 12.462/2011 traz, em decorrência do princípio da economicidade, a possibilidade da chamada contratação simultânea que, conforme explica Di Pietro[2], trata-se de uma modalidade de contratação na qual pactua-se com mais de um prestador de serviço para a realização de uma mesma atividade.

Mas, para isso, são necessários determinados requisitos, tais como o objeto da contratação puder ser executado de forma concorrente e simultânea por mais de um contratado; ou a múltipla execução for conveniente para atender à Administração Pública[3]. Além disso, faz-se necessária justificativa prévia por parte da administração pública.

Outra grande e notória incidência do princípio da economicidade da licitação constitui-se no processo de desburocratização proporcionado pela lei do RDC que, de forma alguma fere o procedimento padronizado tendo em vista que, tal burocratização, trouxe consigo diversos efeitos indesejáveis, nas palavras de Rafael Carvalho (p.150):

A instituição do procedimento licitatório burocrático trouxe uma série de consequências indesejáveis para as contratações da Administração Pública, dentre as quais destacam-se as seguintes: (i) O Estado acaba pagando preços superiores ao de mercado, tendo em vista que os licitantes embutem o custo de participar dessa procedi mentalização – permeada por exigências, cada vez mais, complexas e detalhistas, sendo, muitas vezes, restritivas da competitividade –, o que gerou um incremento nos custos de transação nas contratações com o poder público; (ii) a morosidade tem sido a tônica desses procedimentos, na medida em que são intermináveis as contendas entre os licitantes – tanto em sede administrativa como no âmbito do Poder Judiciário –, principalmente nas fases de habilitação e de julgamento; (iii) toda essa lógica do processo pelo processo, considerando o procedimento licitatório como um fim em si mesmo, contribuiu para a onerosidade de todo o procedimento, acarretando contratações antieconômicas para o Estado.

 Nota-se, portanto, que a legislação do RDC, apesar de prever diversos aspectos principiológicos, tem por princípio-base das relações pertinentes ao seu escopo o princípio da economicidade, em que pese não deixar essa evidência expressa em seu corpo normativo, tal constatação é nitidamente perceptível tanto em relação aos fatos já mencionados alhures quanto pelo fato do legislador permitir a chamada contratação simultânea, cujos detalhes veremos a seguir.

3 – Inconstitucionalidade da lei 12.462/2011

Nota-se que, em que pese o legislador deixar muito bem claro o fato de que, prioritariamente, a lei recai sobre grandes eventos esportivos, a mesma é omissa quanto aos parâmetros definidores de tais eventos, infringindo, assim, um ditame constitucional inerente ao processo licitatório, qual seja, o disposto no Art. 37, XXI, da CF (a equiparação de condições e a exigências de especificidades apenas em caso de relevante necessidade). 

Aliás, é por conta dessa submissão da legislação pertinente ao RDC à CF/88 que relembramos o fato de que tal legislação não é totalmente autônoma em relação à lei geral de licitações (8.666/93), uma vez que tal regramento infraconstitucional é justamente a norma responsável por regulamentar o Art. 37, XXI da Constituição Federal que, consequentemente, é parâmetro de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico e com a legislação do RDC não seria diferente[4]. Voltando ao assunto, a problemática é abordada por CARVALHO FILHO (2014, P. 300), in verbis:

Alguns estudiosos têm considerado inconstitucionais certos aspectos do RDC previsto na referida lei. Um deles consiste na imprecisão do que sejam obras, serviços e compras efetivamente voltados aos eventos esportivos internacionais, já que a lei não indica os respectivos parâmetros. Haveria ofensa ao art. 37, XXI, da Constituição.

Logo, percebe-se que a norma, apesar de já ter sofrido diversas alterações[5] é carente de detalhamento pertinente as exigências previstas nos ditames constitucionais. Por conta disso é considerada por parte da doutrina como inconstitucional, vez que fere, em tese, preceitos básicos regrados na carta magna.

 Além disso, Carvalho Filho também aponta outra grande falha do procedimento previsto na lei que regulamenta o RDC, que seria, em apertada síntese, o modus operandi do chamado regime de contratação integrada, disposto no §1º do Art. 9º do referido diploma legal[6].

4 – Perspectiva jurisprudencial: A ADI nº 4655

O Ministério Público Federal, revestido na época pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, fez coro à tese de inconstitucionalidade supramencionada, alegando grande ofensa ao Art. 37 da CF e, dentre outros incisos, o XXI que dispõe de condições gerais das licitações.

A presente ação direta de inconstitucionalidade, cuja relatoria ficou sob a responsabilidade do Ministro Luiz Fux, ainda não recebeu uma palavra final do supremo e, infelizmente, apesar de ter sido interposta no longínquo ano de 2011, desde 2013 está conclusa esperando um parecer do ilustre relator, embora grandes eventos, respaldados na legislação do RDC já tenham acontecido nesse interim (v.g. a copa das confederações e a copa do mundo).

Data vênia a tese de inconstitucionalidade do MPF ser de grande valia, discordamos em partes, tendo em vista os seguintes fatos: Seria mais interessante não declarar a inconstitucionalidade integral de um regramento especial – que, na realidade, figura como uma evolução do procedimento licitatório para determinadas situações – mas sim haver legislação correlata responsável por sacramentar as especificidades carentes na respectiva legislação. Em preciosa lição, ratifica DI PIETRO (2014, P. 369):

Ao invés do projeto básico, o instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo: (a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; (b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega, observado o disposto no caput e no § 1 º do art. 6º (sobre publicidade do orçamento estimado só após o encerramento da licitação); (c) a estética do projeto arquitetônico; e (d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Portanto, em que pese a dispensa do projeto básico – em relação ao regime de contratação integrada -, ressalta-se que sua dispensa não significa uma inexistência de projeto, mas sim uma pequena alteração de etapa para apresentação do mesmo, pois a contratação pelo RDC já abrange a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo.

5 Considerações finais

O regime diferenciado de contratação surgiu com o nobre intuito de trazer consigo a celeridade no altamente burocrático procedimento licitatório, porém em caráter urgente, trazendo brechas passíveis de arguição de inconstitucionalidade.

Em que pese não estar nas hipóteses de incidência previstas na lei geral de licitação (8.666/93), nota-se que tal procedimento é sim submetido aos princípios gerais previstos na lei geral, mormente o fato de que a referida lei tem por escopo regularmente um importante ditame constitucional que funciona como fundamento de validade de todos os procedimentos licitatórios, sendo o RDC, assim, apenas um plus dos 5 procedimentos já conhecidos da lei 8.666/93. 

Por conta da óbvia submissão da 12.462/11 aos ditames constitucionais de 1988, seu corpo positivo já foi objeto de inconstitucionalidade que até o presente momento não recebeu um ponto final. Portanto, a autonomia legislativa da lei 12.462/2011 é claramente mitigada pela lei 8.666/93. Apesar de realmente possuir determinadas brechas que podem ensejar teses de inconstitucionalidade, a lei do RDC é clara e delimitativa quanto às suas hipóteses de ocorrência, carecendo, entretanto, de uma maior minúcia em determinados pontos.

Tal falha legislativa é nítida e, por isso, a lei sofreu sensíveis alterações e, em decorrência dessas alterações constantes, acreditamos que as minúcias pendentes na atualidade serão sanadas em momento oportuno, em que pese dois grandes eventos ensejadores de sua criação já terem sido finalizados.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

CORRÊA, Clarisse Kairis Sampaio. Regime Diferenciado de Contratação pela Administração Pública.  Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, 2014. Disponível em < http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2014/trabalhos_12014/ClarisseKSCorrea.pdf>

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. - 27. ed. -São Paulo: Atlas, 2014.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. E atual. até 31-12-2013. - São Paulo: Atlas, 2014.

MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. -7. ed. - Niterói: Impetus, 2013.

NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. – 8. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende.        Licitações e contratos administrativos. – 3ª. ed. rev. e atual.       – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. - 27. ed. -São Paulo: Atlas, 2014. Pgs 371 – 372.

[3] Art. 11 da L 12.462/2011.

[4] NOVELINO (2014, P. 39) assevera que por ser a Constituição o fundamento de validade de todas as normas do ordenamento jurídico, seria mais exato afirmar que a lex mater, mais do que um simples ramo, é o tronco do qual derivam todos os demais ramos do direito.

[5] A Lei n9 12.688, de 18.07.2012, e a Lei n 12.722, de 03.10.2012, alteraram o art. I a da Lei na 12.462/2011, e, respectivamente, determinaram que o RDC, além das hipóteses inicialmente previstas, também é aplicável às licitações e contratos necessários à realização das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nas obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino. In: Marinela, Fernanda. Direito administrativo. 7. ed. - Niterói: Impetus, 2013. P. 399.

[6] Nas palavras de Carvalho Filho: Outra impugnação recai sobre o regime da contratação integrada (art.9º, § 1 º), que contempla a possibilidade de um só interessado ter a seu cargo não só a elaboração dos projetos básico e executivo, como também a sua própria execução, concentrando atividades que, por sua natureza, reclamariam executores diversos. Aqui também haveria vulneração ao art. 3 7, XXI, da CF, por afetar o princípio da ampla competitividade consagrado em sede constitucional. Carvalho Filho também aponta outra grande inconstitucionalidade da lei do RDC, vejamos: No campo do meio ambiente, há irresignação contra o art. 4º, § 1 º, II, da Lei nº 12.462/20 1 1, em razão de permitir mitigação por condicionantes e compensação ambiental, a serem definidas quando do licenciamento ambiental. A ofensa, nesse caso, incidiria sobre os arts. 2 1 5, 2 1 6 e 225, IV, da CF, dispositivos voltados à proteção do meio ambiente.

Sobre o autor
Henrique Araújo

Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes- UNIT. Ex-Aluno de iniciação científica PROBIC/UNIT. Pesquisador das áreas de filosofia, sociologia e direito civil e processual civil. Entusiasta do Direito na web.

Informações sobre o texto

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