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A vedação do retrocesso em matéria de direitos humanos e a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal no Brasil

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Agenda 19/06/2016 às 15:03

4. Inconstitucionalidade material da PEC de redução da maioridade penal: cláusula pétrea.

O tema central desse artigo não é a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal no Brasil, tema amplamente discutido após a aprovação da matéria pela CCJ da Câmara dos Deputados. Mas a questão deve ser também citada.

Luiz Flávio Gomes ensina que[8]:

“[...] do ponto de vista jurídico é muito questionável que se possa alterar a Constituição brasileira para o fim de reduzir a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF, c/c arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual. Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança (Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução I.44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo 28, de 14;09.1990, e promulgada pela Decreto 99.710, de 21.11.1990. Ratificada pelo Brasil em 24.09.1990), que foi ratificada pelo Brasil em 1990, não há dúvida que a idade de 18 anos passou a ser referência mundial para a imputabilidade penal, salvo disposição em contrário adotada por algum país. Na data em que o Brasil ratificou essa Convenção a idade então fixada era de dezoito anos (isso consta tanto do Código Penal como da Constituição Federal - art. 228). Por força do § 2º do art. 5º da CF esse direito está incorporado na Constituição. Também por esse motivo é uma cláusula pétrea” (apud ANDRADE, 2013).

Os defensores da possibilidade de modificação da Constituição Federal afirmam que as cláusulas pétreas são taxativas, e que os direitos fundamentais protegidos não abrangem outros previstos fora do artigo 5º, da CF. Essa questão foi afastada pelo STF, através da ADI nº 939/DF, da relatoria do Min. Sydney Sanches, decidida em 15/11/1995. Nesta ocasião, o tribunal declarou como cláusulas pétreas, com incidência do art. 60, § 4º, I e IV CF/88, o disposto nos arts. 150, III, ‘a’ e ‘b’, e VI CF/88: o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte; o princípio da imunidade tributária recíproca, que veda aos Entes a instituição de impostos uns dos outros, o que é garantia da Federação; e as imunidades tributárias religiosa, política/educacional e cultural.

Outros defendem a possibilidade da modificação do artigo 228, da CF, por “questão de política criminal”. Cito expressamente Maurício Rangel[9]:

Assim, não há que se falar que o art. 228 da CF/88 é uma cláusula pétrea, com fulcro no art. 60, § 4º, IV CF/88. A razão é que sequer se vislumbra na disposição resquícios de um direito que se possa dizer imanente à natureza humana ou que vise protegê-la, e que lhe faltam características essenciais como a universalidade e a indivisibilidade. Não se trata de direito fundamental individual, e sua defesa como pertencente a qualquer outra geração mostra-se, por questão conceitual, inviável. Logo, não é um direito fundamental de qualquer espécie. Os defensores desta posição, malgrado a boa intenção com que a advogam por julgarem ineficaz a redução da maioridade penal, carecem de embasamento teórico e tentam, através da incidência da não supressão das cláusulas pétreas, evitar que haja tal mudança. Infelizmente ou não, não é este o caso. A discussão acerca de tal redução deve se dar, exclusivamente, no âmbito da política criminal.

Com respeito a essa argumentação, que é admirável, diga-se de passagem, não se pode excluir a possibilidade de ser processado, julgado e punido, do rol dos direitos fundamentais. O menor de dezoito anos hoje tem o direito de ser tratado como inimputável, não podendo ser preso preventivamente, denunciado, ter seu rosto estampado em jornais e condenado a penas longas. Não conseguimos deixar de colocar esses direitos como fundamentais, por uma questão lógica.

Quanto à argumentação de política criminal, entendemos que essa argumentação é perigosa. Como os ventos da política brasileira estão soprando em direção a um conservadorismo quase fundamentalista, o conceito de “política criminal” poderá embasar no futuro a criminalização de homossexuais, ateus, ciganos, dentre outras minorias. Esse conceito foi utilizado na Alemanha Nazista, é sempre é bom lembrar.

O Supremo Tribunal Federal certamente será acionado para tratar sobre a Proposta de Emenda à Constituição, podendo delimitar os temas que serão discutidos:

a) Se o rol do artigo 5º da CF é fechado;

b) Se o artigo 228 é cláusula pétrea;

c) Se é aplicável ao tema o princípio da vedação ao retrocesso em matéria de direitos humanos.

Aguardaremos que os Ministros do Supremo tratem a questão com a técnica necessária, não julgando segundo o clamor popular, pois, mesmo ciente que o poder emana do povo, nem sempre o povo tem as melhores informações para formar sua posição sobre determinado tema, como é o caso.

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5. Impossibilidade da redução da maioridade penal mesmo com uma nova Constituição.

A Constituição Federal, tomando-se por base a pirâmide normativa de Kelsen, é o ápice do sistema hierárquico de normas. A Constituição inaugura o direito de determinado país, sendo complementada pelas demais disposições legais. Muitas vezes a Constituição pode ser emendada, mas o poder inaugural da ordem jurídica pode determinar que algumas matérias não possam ser modificadas. No caso da nossa Constituição, as matérias imutáveis dizem respeito a direitos fundamentais, decorrente dos direitos humanos lato senso, incluindo a impossibilidade de redução da maioridade penal. Sob o ponto de vista jurídico, portanto, mantendo-se a atual Constituição, a inimputabilidade será mantida nos patamares atuais, e certamente o Supremo Tribunal Federal declarará isso assim que provocado.

Passaremos então, a um exercício hipotético.

Caso os defensores da redução da maioridade penal mantenham essa sanha punitiva, essa verdadeira fixação em jogar os adolescentes em presídios, deverão se mobilizar para convocar uma nova Assembleia Constituinte. A Assembleia então elaboraria uma nova Constituição, excluindo o direito fundamental em debate, e, infelizmente, outros direitos seriam extirpados também, já que, em regra quem defende a redução da maioridade penal defende a pena de morte, a liberação de porte de arma para o cidadão, intolerância com os movimentos LGBT e imposição da fé cristã como religião oficial do Estado. A Nova Constituição, portanto, seria um retrocesso na história evolutiva do Estado brasileiro.

Segundo lição clássica, o PODER CONSTITUINTE é ilimitado e autônomo, por não estar subordinado a qualquer limitação material. Segundo os adeptos do positivismo (aqueles que negam a existência do direito natural), o poder constituinte, quanto à matéria, é soberano (ilimitado), pois não se submete a nenhuma regra do direito positivo. Para os adeptos do jus naturalismo (aqueles que afirmam a existência de direitos inerentes à condição humana), o poder constituinte originário é limitado em razão do direito natural. Assim, sempre haverá limites decorrentes de uma consciência ética ou de direito natural. Ser ilimitado significa autônomo em razão do direito positivo[10].

Filiamo-nos à segunda teoria. O positivismo decorre de uma visão estática do direito, tentando converter essa ciência social em ciência exata. Sem fugir do tema, podemos afirmar que nenhum constitucionalista moderno adota o positivismo puro, tendo, até mesmo Hans Kelsen, um de seus baluartes, atenuado a pureza do positivismo.

Alguns direitos são inerentes ao ser humano, como a vida, a liberdade, a dignidade, a privacidade e a segurança, parâmetros a serem utilizados pelo país na elaboração de sua Constituição. O jusnaturalismo, portanto, limita o Poder Constituinte Originário.

Voltando ao tema, podemos sintetizar a matéria da seguinte forma: mesmo com uma nova Constituição, não é possível haver a redução da maioridade penal no Brasil. Primeiro, porque a inimputabilidade penal de menores de dezoito anos é um direito natural, decorrente do direito à vida e ao desenvolvimento sadio e livre de violências, principalmente a estatal. Segundo, porque o direito positivo brasileiro se submete aos princípios do direito internacional, mormente àqueles ao qual tenha manifestado adesão. Aplica-se, nesse último caso, a vedação do retrocesso em matéria de direitos humanos para modificar a matéria.

O Brasil, pelas razões acima, mesmo com uma nova Constituição, não pode reduzir a maioridade penal.


6. Conclusão.

Ao fim desse artigo, sintetizamos nosso pensamento.

O operador do direito não pode se deixar levar pelo clamor popular. O operador do direito deve agir de acordo com a razão jurídica e o conceito de bem comum de todos.

A redução da maioridade penal não vai solucionar o problema da marginalidade juvenil. Os jovens precisam de esporte e educação, além de integração ao mercado de trabalho. As razões utilizadas para o convencimento da população dessa aberração jurídica, não se sustentam com o uso de critérios objetivos. Afirma-se que o menor já tem plena capacidade de entender o fato delituoso como um adulto. Isso é falso. Até os dezenove anos[11], o jovem ainda não teve definitivamente formado a sua capacidade de compreender o mundo à sua volta. Pode agir como adulto, mais ainda não o é. É um ser em maturação. Outro argumento é o uso por parte de adultos de adolescentes para “assumir a culpa”. Ora, se alguém utiliza inimputável para cometer crimes, deve ser punido mais gravosamente, bastando aumentar a pena daqueles que utilizam menores em suas práticas delitivas.

Da mesma forma, a lei não vai mudar o país.

O que vai mudar o país é o investimento maciço em educação, esporte e lazer, criando políticas efetivas para a integração de menores, estejam ou não em situação de risco.

Caso o Brasil adote essa teratologia jurídica, que é a redução da maioridade penal, estará descumprindo formalmente a Convenção Internacional do Direito da Criança, e dizendo ao mundo que estamos regredindo ao passado, e, certamente, o país deixará de ser visto como o PAÍS DO FUTURO, e começará a ser visto como um país que não consegue se livrar do passado aristocrático, conservador e arcaico.


Notas

[1] Vide: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,ccj-aprova-pec-que-reduz-maioridade-penal-de-18-para-16-anos,1661469.

[2] DELMANTO. Celso Delmanto et al. Código Penal Comentado. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

[3] BATISTA ALMEIDA, Francieli. Direito Penal da Loucura. Disponível in: http://jus.com.br/artigos/21476/direito-penal-da-loucura/2#ixzz3W67lhEOy.

[4] http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/83-da-populacao-e-a-favor-da-reducao-da-maioridade-penal.aspx.

[5] Vilas-Boas, Renata Malta. www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10588&revista_caderno=12

[6] http://blog.ebeji.com.br/direitos-humanos-principio-da-vedacao-do-retrocesso-ou-proibicao-de-regresso/

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm

[8] http://jus.com.br/artigos/32603/comentarios-sobre-as-propostas-legislativas-de-reducao-da-maioridade-penal

[9] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8036.

[10] http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Constitucional/Poder_Constituinte.htm

[11] http://www.unicef.org/brazil/sowc2011/foco1.html.

Sobre o autor
José William Pereira Luz

Promotor de Justiça do Estado do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, José William Pereira. A vedação do retrocesso em matéria de direitos humanos e a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4736, 19 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37796. Acesso em: 2 nov. 2024.

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