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Comentários sobre a redução da maioridade penal

Agenda 14/04/2015 às 15:36

Para reduzir a maioridade penal, o Estado tem antes que pensar em políticas de prevenção, de estruturação do sistema prisional e que garantam efetiva ressocialização do preso.

A redução da maioridade penal voltou a ser intensamente discutida, após a aprovação, em 31 de março de 2015, do parecer do deputado federal Marcos Rogério (PDT/RO), pela admissibilidade da PEC 171/1993 e das a ela apensadas, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Em síntese apertada, a proposta acima referida tem o objetivo de reduzir a maioridade penal do atual patamar (18 anos) para 16 anos. Antes de analisar detidamente a possibilidade de alterar a Lex Legum da forma proposta pela PEC citada, cumpre tecer alguns comentários sobre a maioridade penal da forma grafada na Carta Magna e no Código Penal.

O artigo 228 da Constituição Federal prescreve:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

O Código Penal prescreve, em seu artigo 27:

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

A legislação tupiniquim optou pela adoção do critério puramente biológico em relação à análise da maioridade penal. Vale dizer, não há que se aferir o grau de entendimento do autor do fato para verificar se ele deve ou não responder penalmente pela prática de fato definido como infração penal. Basta simplesmente perquirir se no tempo do crime (momento da ação ou omissão, segundo o disposto no artigo 4º do Código Penal – teoria da atividade) o agente tinha ou não 18 anos completos (o que é provado pela certidão de nascimento deste).

Vejamos lição de Rogério Sanches Cunha (in Código Penal para concursos, 5ª edição, 2012, editora JusPodivm, página 74) acerca do tema:

Seguindo critério de política criminal (e não de postulados científicos), o art. 27 do CP enuncia que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente). Adotou o sistema biológico, levando-se em conta apenas o desenvolvimento mental do agente (idade), independentemente se, ao tempo da ação ou omissão, tinha ele a capacidade de entendimento ou autodeterminação.

Caso se verifique que no tempo do crime o agente tinha menos de 18 anos (independente do grau de conhecimento, percepção, instrução, etc), será ele considerado inimputável: não cometerá crime (e sim ato infracional), não poderá ser preso (e sim apreendido), não estará sujeito a pena (e sim a medida socioeducativa), a ele não deve ser aplicado o Código Penal (e sim o ECA). Trata-se de presunção absoluta, que não admite discussão.

O objetivo da PEC acima citada é reduzir esse patamar, para que o agente que conte com 16 anos completos no tempo do crime seja penalmente imputável.

A primeira discussão importante a ser enfrentada é: o artigo 228 da Constituição Federal é cláusula pétrea? Explico. Cláusulas pétreas são o núcleo imutável da Carta Magna, nos termos do artigo 60, § 4º, IV, da Carta da república:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(...)

IV - os direitos e garantias individuais.

Será que o limite etário fixado no artigo 228 da Constituição Federal é um direito individual do cidadão brasileiro? Penso que não. Certamente é preciso que a Lex Legum estabeleça um limite etário mínimo para o exercício do jus puniendi (talvez esse seja o direito individual – a existência de um patamar etário limitando a imputabilidade penal). O quanto de idade é, a meu sentir, matéria que pode ser modificada pelo Congresso Nacional. Destarte, acertado o parecer do deputado Marcos Rogério. Esse também é o pensar de Pedro Lenza (in Direito Constitucional Esquematizado, 16ª edição, 2012, editora Saraiva, página 1228):

Embora parte da doutrina assim entenda, a nossa posição é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada.

Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.

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Outro ponto a ser estudado, desta feita quanto ao mérito da proposta: a redução da maioridade penal contribui em alguma medida para redução da criminalidade? Aqui temos questão ainda mais complexa.

Segundo dados obtidos no sítio do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, a população carcerária do Brasil em dezembro de 2012 era de mais de 500.000 presos. Grande parte dos presos está atrás das grades em razão da prática de crimes contra o patrimônio e a faixa etária entre 18 e 29 anos de idade é a que concentra maior número de detidos.

É certo que a simples redução da maioridade penal não será suficiente para redução da criminalidade. As causas que contribuem para prática delitiva são muitas. Penso que o efetivo combate à criminalidade nessa faixa etária (e considerando outros aspectos característicos da maioria dos presos brasileiros – baixo nível de instrução, baixa renda, pouca idade, etc.) não deve ser feito apenas com incremento das forças policiais (apesar de ser essa medida importantíssima – com melhoria dos salários, novos concursos, melhor treinamento e melhores equipamentos e estrutura), recrudescimento de penas e eventual endurecimento do tratamento dado ao que pratica crimes mais graves. Esses são apenas alguns dos remédios que podem ser utilizados. Mas é evidente que não são os únicos. Pesados investimentos em educação, saúde, saneamento básico, geração de emprego e renda, lazer, cultura, dentre outras áreas são fundamentais para o enfrentamento do crime.

É preciso, ademais, verter recursos para políticas que objetivem reduzir os índices de reincidência. É premente dar educação (por meio de cursos técnicos) e trabalho (no curso do cumprimento da pena e após) para o condenado, para que ele perceba que há alternativas viáveis à satisfação dos seus anseios (por meio do trabalho lícito). É importante que o Estado entenda que deve agir positivamente para garantir a reinserção do egresso do sistema carcerário no mercado formal de trabalho (cada empregado formal que o país ganhar, significa um soldado a menos para a criminalidade organizada).

É necessário, ainda, investir na estrutura do sistema prisional. Não se deve perder de vista que a redução da maioridade penal vai gerar um incremento no número de pessoas encarceradas. Adolescentes infratores, que antes eram alvo de medidas socioeducativas, com a aprovação e promulgação da PEC em análise, serão “clientes” do sistema prisional. Um sistema prisional que hoje, no mais das vezes, encontra-se superlotado, conta com agentes prisionais sem o necessário treinamento, sem equipamentos, com baixos salários, com estrutura física deficiente, onde é possível adentrar ilegalmente com armas, celulares, drogas, dentre outros objetos/substâncias ilícitas.

Para reduzir a maioridade penal, o Estado tem antes que pensar em políticas de prevenção (melhoria nas áreas de moradia, saúde, educação, saneamento, emprego/renda e segurança pública – com forte investimento tanto na polícia preventiva, quanto na repressiva), de estruturação do sistema prisional (aumento do número de vagas nas unidades prisionais, melhores salários, treinamento e equipamentos para agentes penitenciários) e de políticas que garantam efetiva ressocialização do preso (ofertando educação, trabalho e emprego depois do cárcere). É agir no antes (prevenção), no durante (execução da pena) e no depois (reinserção do condenado para evitar a reincidência).

Não há dúvida de que o hoje adolescente de 16 anos completos tem perfeitas condições de discernir entre o certo e o errado, entre praticar atos lícitos e ilícitos, mas é certo que as medidas descritas no parágrafo anterior devem preceder dita redução, para melhor preparar Estado e sociedade para esse novo patamar etário de aferição da imputabilidade/inimputabilidade.

Sobre o autor
Márcio Alberto Gomes Silva

Delegado de Polícia Federal, Professor do CERS, do Supremo TV, do Gran Cursos On Line, do CICLO, da Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal, da Faculdade Pio X, Mestrando em Direito Público pela UFS, Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA/UVB, Especialista em Inteligência Policial pela ESP/ANP/PF, autor dos livros Inquérito Policial – Uma análise jurídica e prática da fase pré-processual, Prática Penal para Delegado de Polícia e Organizações Criminosas – Uma análise jurídica e pragmática da Lei 12.850/13.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Comentários sobre a redução da maioridade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4304, 14 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38090. Acesso em: 5 nov. 2024.

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