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Lavagem de dinheiro: considerações sobre a Lei 9.613/1998 e as recentes modificações da Lei 12.683/2012

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Agenda 01/06/2024 às 08:47

7. AMPLIAÇÃO DO ROL DAS PESSOAS SUJEITAS ÀS OBRIGAÇÕES DA POLITICA DE PREVENÇÃO

7.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

A inovação legislativa ampliou o rol das pessoas obrigadas à manutenção de cadastro e comunicação de atividade suspeita de lavagem de dinheiro, de maneira especial a inclusão da pessoa física que desenvolve atividades relacionadas à manutenção de recursos financeiros, com a compra e venda de moeda estrangeira e de ouro, bem como com negócios envolvendo títulos ou valores imobiliários.

A nova lei trouxe previsão expressa de que estão sujeitas às obrigações dos arts. 10 e 11 não apenas as pessoas jurídicas, mas também as pessoas físicas que desenvolvam atividades relacionadas com a movimentação de recursos financeiros, com a compra e venda de moeda estrangeira e de ouro153, bem como com negócios envolvendo títulos ou valores imobiliários.

Outrora a lei previa a obrigação para pessoas físicas apenas em situações específicas, agora a lei prevê de forma genérica, para todas aquelas pessoas listadas no art. 9º.

Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente e eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não:

I- a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros, em moeda nacional ou estrangeira;

II- a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial;

III- a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação154 ou administração de títulos ou valores mobiliários.

Antes, apenas as pessoas jurídicas estavam obrigadas a prestar informações e cadastrar clientes, com algumas exceções. Com a recente mudança, todas as pessoas físicas que atuam em setores sensíveis devem estar vigilantes e prestarem comunicação de indícios de lavagem de dinheiro.

Assim pontua Bottini:

Na esteira das normativas internacionais, a lei de lavagem de dinheiro brasileira estabeleceu regras de cooperação privada para o combate à lavagem de dinheiro. As pessoas ou instituições que atuam em setores considerados sensíveis ao crime, mais utilizados nos processos de reciclagem, tem obrigações de guardar e sistematizar informações sobre os usuários de seus serviços (know your client), de informar as autoridades competentes sobre atividades suspeitas de lavagem de dinheiro efetuadas através de suas instituições, e desenvolver sistemas de compliance que facilitem o cumprimento das normas impostas.155

Estas pessoas que constam do art. 9 da lei estão obrigadas a comunicar, isto é, tem o dever de fazer a notificação ao COAF de indícios de lavagem de dinheiro. Esta notificação é importante vez que subsidiará o referido órgão para que em posse destes dados possa sistematizar informações, produzir análise de riscos e tomar as providências que julgar cabíveis.

7.2. A POSSÍVEL PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADOS NOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO.

Em face da alteração promovida pela Lei 12.583/2012, existe a possibilidade da responsabilização dos advogados pelo crime de lavagem de dinheiro, conforme a redação do art. 9º, XIV da lei 9.613/98. “Trata-se, sem dúvida, de tema tão importante quanto delicado”.156

Embora a legislação não faça referência específica ao advogado é fato que ele presta assessoria e consultoria jurídica, em especial aqueles que militam na área tributária e empresarial.

Assim o entendimento de Rodrigo de Grandis, em recente artigo:

A imposição de deveres de identificação e comunicação de operação que veicule “lavagem” de dinheiro não é inconstitucional. Dada a enorme gama de atividades desempenhadas pelos advogados e o fato de os Estados terem estabelecido clara política-criminal de combate ao delito de branqueamento de capitais e a realização de uma interpretação razoável do dispositivo legal em tela demanda resposta à seguinte pergunta: a quais advogados podem ser impostas tais restrições?157

Infelizmente, acobertados pelo pretenso “sigilo profissional”, alguns advogados, podem utilizar dos seus escritórios, sociedades, e movimentarem ativos sujos, ou com origem ilícita. Receberiam uma porcentagem destes valores e poderiam alegar tratar-se de honorários advocatícios.158

Há quem afirme que o dever de comunicação que recai sobre o advogado afeta sobremaneira a proteção da atividade advocatícia, vez que diminuiria a confiança que deve permear a relação entre cliente e advogado, ao mesmo tempo em que afrontaria alguns princípios constitucionais, a inviolabilidade do direito à segurança (art. 5º, caput), o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com as devidas qualificações profissionais, conforme o art. 5º, XIII, como também a inviolabilidade da liberdade sem o devido processo legal (art. 5º, LIV) e por última, mas nem por isto menos importante, o art. 133 que versa sobre a indispensabilidade do advogado à administração da justiça.159 Ao tratar de tal controvérsia há o entendimento de que existiria uma distinção entre duas categorias de prestação de serviços advocatícios, assim Jara Díezel Gomes, citado por Bottini:

Ao tratar do dever de comunicação, imposto aos advogados referente a atividades suspeitas de lavagem praticadas pelo cliente, a doutrina costuma distinguir duas categorias de prestação de serviço advocatício:

(i) advogados de representação contenciosa, assim denominados aqueles que atuam em contencioso judicial ou extrajudicial, ou que prestam consultoria ou proferem pareceres como instrumentos para litígios judiciais ou extrajudiciais ou para determinação da situação jurídica do cliente,

(ii) advogados de operações, caracterizados como aqueles que colaboram materialmente para consolidar operações financeiras, comerciais, tributárias ou similares, sem que essa atividade tenha relação direta com um litígio, ou processo.160

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A Europa editou a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro de 2006161. Uma análise da normativa internacional revela a tendência de exonerar os advogados que atuam na representação contenciosa ou extrajudicial do dever de comunicação, e mantém a obrigação aos advogados de operações, como sendo aqueles que colaboram materialmente para consolidar operações financeiras, comerciais, tributárias ou similares.162 Assim Greco Filho:

Incide, ainda, a necessidade de se fazer a ponderação dos bens jurídicos envolvidos. O advogado tem a seu favor (e contra ele às vezes) o dever do sigilo profissional, garantia, não apenas do exercício profissional, mas principalmente dos eventuais envolvidos em infração penal. Entendendo-se o contrário, comprometer-se-ia o Direito Constitucional à ampla defesa. Quem consulta um advogado não pode estar contando fatos a um delator.163

Neste entendimento, está desobrigado do dever o profissional que atuar no contencioso judicial e extrajudicial, e obrigado aquele que atuaria na esfera consultiva. O entendimento de Iochida Lacerda:

Sem embargo, parece inquestionável no cenário atual que os advogados postulantes ao Poder Judiciário, ou que tenham sua atuação de qualquer forma relacionada a litígios e atividades contenciosas, não são alcançados pelas obrigações de identificação/cadastro de clientes e comunicação de atividades suspeitas.164

Embora o Brasil não esteja sujeito às Diretivas Europeias, mas esta tem sido a tendência de entendimento, até em face dos compromissos que o Brasil assumiu.165 Assim, “o advogado não tem o dever de comunicar atos suspeitos de lavagem, mas tem o dever de se abster de contribuir com eles” 166. E ainda o mesmo autor faz a seguinte observação:

Note-se: não se exige que o advogado se certifique permanentemente de que todos os atos com os quais contribui- ou os valores objeto de sua atuação- sejam lícitos. Isso não é sua função e nem se espera tal fiscalização permanente do profissional. Há uma presunção de legalidade da origem dos bens, e do uso de seus serviços, que pode ser afastada diante de elementos que revelem o contrário.167

Questão interessante esta, mesmo porque parece existir um conflito aparente de normas, vez que o sigilo profissional estaria em choque com a recente mudança legislativa, mas isto resta dirimido com o entendimento de que o advogado está desobrigado quando for advocacia contenciosa, mas deve abster-se da prática em caso de consultoria. Mas a despeito disto assim Bottini:

No entanto, a inexistência do dever de comunicar não torna a advocacia um porto seguro para práticas de lavagem de dinheiro, nem significa a impunidade do profissional que contribui materialmente para tais atos. O advogado como qualquer outro profissional, deve agir dentro das normas atinentes a sua atividade profissional para que não crie um risco não permitido de lavagem, e não lhe seja imputado qualquer resultado típico.168

O sigilo profissional não pode servir de subterfúgio para que o advogado pratique a ilegalidade e nada lhe aconteça. Como pode ser visto o sigilo não é absoluto. O advogado é essencial para o exercício da justiça, mas até em função disto às vezes ele pode envolver-se, voluntariamente ou não nesta prática nefasta. “Não se pode atribuir imunidade ao advogado para a prática da conduta de lavagem de dinheiro”.169


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste estudo, houve a preocupação em se compreender o crime de lavagem de dinheiro, a sua origem histórica, a evolução das gerações de leis, assim como o fato de que ele hoje é uma preocupação mundial.

A celeridade tecnológica faz com que os recursos não fiquem mais adstritos a uma só posição geográfica, mas que transite por países com legislação mais permissivas em relação à prevenção e repressão ao crime em discussão. Verificou- se a necessidade de se prevenir e reprimir o branqueamento de capitais. Uma análise de algumas das tipologias mais recorrentes na lavagem de recursos, sem esgotar o assunto, mesmo porque a criminalidade não encontra limites.

Verificou-se que este delito coloca em risco a administração da justiça, assim como a solidez socioeconômica dos Estados, e neste caso a Lei Penal vêm tutelar justamente estes bens jurídicos.

A Recente mudança legislativa, em que houve a troca da palavra crime por ilícito penal e a supressão do rol taxativo de crimes antecedentes, fez com que a lei estivesse alinhada aos acordos e tratados internacionais, logrando alcançar práticas que antes eram cotidianas no Brasil, mas que se encontravam à margem da lei, como exemplificativamente a contravenção penal do jogo do bicho.

Analisou-se algumas das políticas implementadas a nível internacional e localmente para a repressão do ilícito, sendo que a primeira delas foi a Convenção de Viena em 1998, sendo ela o primeiro instrumento a lançar luz sobre a prática deletéria que era a ocultação, dissimulação e consequente reintegração ao mercado econômico dos recursos com origem ilícita.

Observou-se nos aspectos processuais que não há a necessidade de condenação penal no crime antecedente para que seja feita a denúncia do crime principal, bastam indícios do cometimento crime antecedente. Assim também o crime anterior pode estar prescrito, mesmo porque o que prescreve é a punibilidade e não o cometimento do crime.

O crime de lavagem de dinheiro esteve na pauta recente do judiciário, com o julgamento da ação penal 470, o chamado “mensalão”. Com isto se percebe que o STF está atento em coibir e deter este crime, uma vez que ele é pernicioso não apenas a uma pessoa, ou grupo muito específico, mas que ele corrói as estruturas da sociedade economicamente organizada e atenta contra a administração da justiça. Como percebido não é um ilícito adstrito a uma posição geográfica, mas tem alcance transnacional.

Questão pertinente é o caso do advogado, uma vez que de um lado há o dever de sigilo do advogado, e de outra o dever legal de comunicar indícios, viu-se que a prática recorrente é a de que o profissional não está obrigado em caso de contencioso judicial ou extrajudicial, mas deve comunicar em casos em que estiver ligado diretamente com as operações, sejam elas consultivas, e naqueles casos em que envolvam as atividades sensíveis, quais sejam, as operações financeiras, comerciais ou tributárias.

O combate a lavagem de dinheiro deve ser uma prática contínua, uma vez que ela coloca em risco a administração da justiça, e atenta contra os direitos mais comezinhos da sociedade, quais sejam, aqueles necessários a uma estabilidade socioeconômica, assim o Brasil com a legislação vigente está preparado e alinhado com os esforços internacionais para o combate a lavagem de dinheiro.


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Sobre o autor
Leomir Alves da Silva

Servidor do tribunal de Justiça do Paraná- Graduado em Direito- FESP-PR. Pós Graduado em Direito do Trabalho- FESP-PR. Pós Graduado em Filosofia-UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leomir Alves. Lavagem de dinheiro: considerações sobre a Lei 9.613/1998 e as recentes modificações da Lei 12.683/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7640, 1 jun. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38205. Acesso em: 1 nov. 2024.

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Monografia apresentada a Faculdade de Educação Superior do Paraná, como um dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profa. Msc. Ana Carolina Elaine dos Santos.

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