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As novas possibilidades jurídicas decorrentes da relação entre propriedade intelectual e direito da moda

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Agenda 02/06/2015 às 15:02

Qual a proteção que a lei dá às criações do ramo da moda? Os designers podem se defender do enriquecimento ilícito de terceiros que se utilizam indevidamente do seu esforço criativo.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar a eficácia das leis de Propriedade Intelectual, vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, para a proteção do design de moda. Para tanto, o trabalho aborda a eficácia protetiva da lei às criações do ramo da moda, por meio da aplicação dos conceitos necessários acerca da Propriedade Intelectual ao Design de Moda, ponderando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, determinando, por consequência, o instituto legal mais favorável à solução da problemática.

Palavras-chave: Propriedade Intelectual, Fashion Law, Proteção legal, Moda.


1. INTRODUÇÃO

O mercado da moda vem exercendo notória influência sobre a economia. A moda é uma indústria que cresce com rapidez peculiar e, com o desenvolvimento, surge o dever do Estado em disciplinar a nova área, cabendo ao Poder Judiciário dirimir os conflitos inerentes, dentre os quais se destacam os relativos à ausência de reconhecimento intelectual às criações de moda, o que enseja a ocorrência excessiva de cópias e contrafações. Neste sentido, é importante a imposição de uma delimitação jurídica às situações da realidade social que não se enquadram diretamente às regras já existentes, como é o caso das cópias no ramo do design de moda.

O reconhecimento jurídico das criações do intelecto humano, em âmbito brasileiro, é regulamentado segundo as normas de Propriedade Intelectual, vertente jurídica da qual são integrantes a Propriedade Industrial, responsável pela proteção dos produtos originados da criatividade humana possuidores de cunho evidentemente comercial; e o Direito Autoral, que salvaguarda as expressões intelectuais artístico-emocionais, que se dispersam dos demais produtos por não possuírem a mera comercialidade como característica.

Frente aos problemas apresentados, questiona-se: de que formas as leis de Propriedade Intelectual vigentes no ordenamento jurídico brasileiro são eficazes para a proteção do design de moda? Os designers fazem jus a uma proteção jurídica eficaz para o reconhecimento dos seus modelos, afastando o enriquecimento ilícito de terceiros que se utilizam indevidamente do seu esforço criativo. Nasce, por consequência, a hipótese de que as normas de Propriedade Intelectual são eficazes para a proteção jurídica do design de moda por meio de suas patentes e registros, como também da aplicação dos Direitos Autorais. No entanto, aos designers é escasso o saber fazer legal acerca do trâmite viabilizador da certificação do seu trabalho inventivo. Surge, por conseguinte, a exigência de que o advogado, conhecedor e operador do Direito, atue apresentando aos designers as mais novas e oportunas interpretações legais, ajustando as normas aos conflitos característicos da nova área e propiciando a efetiva proteção legal do design de moda.

Neste enfoque, o objetivo geral do trabalho é analisar a eficácia das leis de Propriedade Intelectual vigentes no ordenamento jurídico brasileiro para a proteção do design de moda, sendo necessária a demonstração dos conceitos do instituto, com a posterior aplicação de tais conceitos ao design de moda, para determinar, por consequência, o instituto legal mais favorável à solução da problemática.

O trabalho possui natureza teórica e a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, utilizando como fontes legislações, doutrinas, jurisprudências e sites confiáveis, procedendo à leitura do material conduzida de forma seletiva e elaborando fichas. A abordagem do estudo foi realizada através do método dedutivo, onde parte-se de uma ideia geral para explicar uma específica, tendo como universo a propriedade intelectual aplicada ao design. Utilizou-se levantamento de informações, pesquisa doutrinária retirada de livros como “Direito de Autor no Design” (SILVEIRA, 2012), “Fashion Law: A Guide for Designers, Fashion Executives and Attorneys” (JIMENEZ, KOLSUN, 2013) e “Curso de Direito Comercial” (COELHO, 2010); de diversos endereços eletrônicos confiáveis, a exemplo do Cornell Law Review, além de pesquisa a jurisprudências e princípios constitucionais.

Este trabalho, portanto, possibilita a ambos os profissionais, designers e advogados, uma maior compreensão acerca do tema em comento, permitindo o trabalho conjunto em prol de sanar problemáticas sociais tão frequentes, como a contrafação e a cópia dos produtos da indústria fashion, aplicando as leis de Propriedade Intelectual.


2. A PROTEÇÃO LEGAL DO DESIGN DE MODA

O mercado da moda influencia em grandes proporções a economia brasileira e uma indústria que produz tamanho impacto financeiro urge uma proteção eficaz aos seus conflitos. A cópia no ramo da moda ocorre tanto que não há como se eximir da obrigação legal em dirimir essa problemática, ainda que inexista lei específica e que as jurisprudências sobre o assunto sejam escassas. Esse artigo tem o condão de apresentar soluções à problemática das cópias de criações intelectuais dos estilistas, para que tanto esses profissionais quanto profissionais do Direito possam se utilizar da tutela jurisdicional.

2.1. A Moda Protegida pela Propriedade Industrial

A propriedade industrial é o sub ramo do direito, ligado à propriedade intelectual, no qual são tuteladas as criações do intelecto humano que são de domínio da indústria.

Tais criações podem ser protegidas, dentro da propriedade industrial, por meio do Registro, que tutela marcas e desenhos industriais; e por meio da Patente, responsável por tutelar as invenções e modelos de utilidade. Registro e Patente são, por sua vez, atos constitutivos de direito (direito de propriedade sobre bens incorpóreos ou intelectuais, que garante exclusividade legal temporária de uso, gozo e a disposição de tais bens) realizados perante o INPI - Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, autarquia federal.

As invenções são originadas da junção criativa de objetos que já estão ao alcance do ser humano, para que se forme uma nova matéria responsável por suprir as carências da coletividade, seja ela uma nova fórmula química, ou qualquer concepção intelectual, desde que anteriormente desconhecida.

O Modelo de Utilidade, por sua vez, tratado pela Lei de Propriedade Industrial, já mencionada, em seu artigo 9º, caracteriza-se por uma melhoria inovadora na função de produto já conhecido no mercado, um aperfeiçoamento, ora na sua destinação, ora em sua fabricação.

O Desenho Industrial (DI) é um objeto de caráter meramente ornamental que, sozinho, seria considerado fútil, sem finalidade, conforme explicita Coelho (2010) e então caracterizado como obra de arte, passível de Direitos Autorais, mas difere-se em virtude da sua aplicação utilitária a um produto da indústria. Porém, este deve estar desvinculado de qualquer função técnica no produto que está inserido, haja vista seu caráter ilustrativo-comunicativo (SILVEIRA, 2012).

As Marcas são quaisquer sinais distintivos visualmente perceptíveis (artigo 122, LPI) utilizados por fabricantes, comerciantes, profissionais autônomos, entidades ou empresas para identificar os serviços ou produtos de suas atividades. Estas marcas podem ser classificadas em três tipos. As marcas de produtos ou serviços são usadas para diferir produtos e serviços de mesma natureza; marcas de certificação, certificam qualidade de produtos ou serviços; e marcas coletivas, usadas para atestar que certos produtos ou serviços são de mesma origem.

Cada uma das classificações de marca, por sua vez, pode ser subclassificada em figurativa ou nominativa, quando composta, respectivamente, por uma figura ou por uma palavra; ou ainda mista, quando composta por palavras escritas de forma singular, formando uma figura. Há de se mencionar, ainda, as marcas tridimensionais, inovação da LPI, assim reconhecidas quando verificamos um desenho industrial que acaba por identificar a marca (como, por exemplo, o formato da caneta BIC).

Para um breve modelo de como seria a aplicação dos institutos mencionados, as golas e recortes aplicados em um vestido que ofereçam um novo design à peça, tornando-a distinta dos demais vestidos, podem ser protegidas pelo registro de desenho industrial; mas se a criação for de um novo zíper que, ao fechar, se torne invisível aos olhos dos observadores, por exemplo, essa é uma melhoria à peça que poderá ser tutelada pela patente de modelo de utilidade, apesar de não ser este um design de moda propriamente dito, conforme veremos adiante. Já o estilista que aplique em suas peças um sinal distintivo, individualizando o seu trabalho, poderá proteger suas criações por meio do registro de marca.

Apesar do breve demonstrativo, cada forma de proteção aplicada ao design de moda será minuciosamente demonstrada a seguir.

2.1.1. Patente de Invenção

As invenções, segundo Silveira (2012), são entendidas como criações originais e úteis, de cunho industrial, concebida pelo seu inventor como forma de satisfazer as necessidades da vida prática do homem.

Há, para a aplicação desse instituto, a necessidade de existência de certos requisitos na peça a ser protegida, quais sejam: a novidade, ou seja, o desconhecimento da população acerca daquele novo produto; a atividade inventiva, ou a impossibilidade de que qualquer pessoa do povo viesse a produzi-lo facilmente, como uma decorrência obvia daquilo de já existe do estado da técnica; e a utilidade industrial, ou seja, a sua aplicação em uma atividade econômica.

O design de moda propriamente dito, de acordo com os conhecimentos atuais, não comporta uma proteção através da patente de invenção. São dois os principais motivos. O artigo 10, IV, da LPI afirma que não se considera invenção nem modelo de utilidade: (...) IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética (grifei).

Outra barreira à proteção patentária de invenção ao design de moda é o fato de o produto não atender aos requisitos da novidade ou da atividade inventiva. Eguchi (2011) afirma que um design de moda não é tão substancialmente diferente dos designs já existentes a ponto de ser considerado uma invenção. Isso porque a maioria dos itens da moda têm parâmetros pré fixados - como por exemplo, uma camisa deve ter mangas, uma bolsa costuma ter alças – e existem limites substanciais nos argumentos de existência de novidade que os designers vão encontrar para obter proteção patentária.

A new fashion design is not substantially different enough from prior designs to be termed an “invention”. Because many fashion items have fixed parameters – a shirt must have sleeves, a bag must have handles – there are substantial limits on the novelty and obviousness arguments that designers can make to obtain patent protection. (EGUCHI, 2011)

No entanto, a indústria da moda não é livre das proteções de patente por invenção, conforme revela a pesquisa realizada no banco de patentes do INPI, onde se verifica a patente pela criação da fibra de spandex, tecido com alta elasticidade, que contempla o “método de tratamento de têxteis de spandex, método de tratamento de fibra de spandex, têxtil de spandex tratado e fibra de spandex” (registro: PI9812491-9 B1); e a patente por “processo para tingimento contínuo de fio de urdume e reator de tingimento para realização do processo”1 (INPI, 2012).

Para que se consiga a patente de determinada invenção é importante saber que qualquer pessoa do povo pode proceder ao registro, sem a necessidade de advogado. No entanto, se presente esse profissional, ele acompanhará o processo da forma devida, seguindo todo o procedimento legal necessário, analisado a seguir.

Devido à lentidão dos processos perante o INPI, que iam de encontro ao princípio constitucional da eficiência, e buscando esclarecer os procedimentos de um pedido de patente perante o órgão, foi publicada a Instrução Normativa nº 30/2013, com o intuito de explicitar e cumprir os dispositivos da LPI no tocante às especificações dos pedidos de patente.

A norma supra trata da necessidade de que a redação do pedido de patente deve conter o relatório descritivo, as reivindicações, o resumo, desenhos, fluxogramas e diagramas e esquemas gráficos.

2.1.2. Patente de Modelo de Utilidade

O Modelo de Utilidade, conforme anteriormente mencionado, caracteriza-se por uma melhoria inovadora na função de produto já conhecido no mercado, um aperfeiçoamento, ora na sua destinação, ora em sua fabricação.

Por ser também protegido pela Patente, o modelo de utilidade urge os mesmos requisitos da invenção já mencionados, e o design de moda não pode ser por ele protegido pelos mesmos argumentos expostos acima, qual sejam, a expressa previsão do artigo 10, IV, da LPI e a inexistência de novidade e atividade inventiva. Mas a moda também não é completamente alheia ao mecanismo, e a prova se verifica na patente por modelo de utilidade concedida ao “solado com encaixe rápido para substituição de tiras em sandálias, chinelos e congêneres”2.

As características do pedido de patente de modelo de utilidade deverão, segundo a “Revisão das Diretrizes de Exame de Patente” (INPI, 2012), seguir o mesmo procedimento adotado quando do depósito de pedido de patente de Invenção.

2.1.3. Registro de Marca

As Marcas são quaisquer sinais distintivos visualmente perceptíveis (artigo 122, LPI) utilizados por fabricantes, comerciantes, profissionais autônomos, entidades ou empresas para identificar os serviços ou produtos de suas atividades. Na indústria da moda, portanto, as marcas podem proteger a integridade do nome de um designer, mas não garante direitos de exclusividade suficientes sobre seus bens a ponto de prevenir a cópia de seus designs. Isso não significa que o registro de Marca negue proteção a todos os elementos do produto: se esse elemento é constantemente produzido por um período de tempo suficiente a levar os consumidores a associá-lo à um estilista em particular, então esse elemento deve obter a proteção do registro de Marca. É o que aduz Aya Eguchi (2011) quando afirma:

The primary objective of trademark law is to prevent customer confusion as to the source or quality of certain goods; hence, trademark law can protect the integrity of a designer’s brand name but does not provide enough rights of exclusivity over the goods to prevent the copying of their actual designs. This is not to say that trademarks law completely denies protection for all design elements: if a design element is consistently produced over a period of time to an extent that it becomes associated with a particular designer, it can obtain trademark protection. (EGUCHI, 2011)

Um exemplo de elemento de design como um sinal de associação ao seu criador reside nas estampas. É o caso da grife francesa Louis Vuitton e sua visualmente perceptível estampa denominada “Canvas Monogram”. O padrão foi criado em 1896 por Georges Vuitton, filho de Louis, com o intuito de proteger suas criações das cópias, que já ocorriam mesmo naquela época.

A marca, que combate veementemente as cópias, possui departamento de Propriedade Intelectual próprio, que atualmente possui cerca de 12.000 direitos de Propriedade Intelectual reconhecidos, dentre os quais inúmeras marcas registradas, a exemplo da estampa “Canvas Monogram”, além de vários Direitos Autorais, e conta com o apoio de 250 agentes, dentre eles advogados e outros profissionais. Segundo a Maison, seu departamento especializado foi responsável por fechar mais de 2.000 sites duvidosos no ano de 2012 e por cancelar mais de 100.000 leilões por todo o mundo3.

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Figura 1 – Estampa “Canvas Monogram” da Maison francesa Louis Vuitton

Foi julgada pela Câmara de Direito Empresarial de São Paulo apelação sobre violação da propriedade industrial da Louis Vuitton. A questão girou em torna da utilização indevida do “Canvas Monogram” além de outro padrão denominado “Damier”, ambos de propriedade da grife. Apesar de, neste caso, não haver a condenação em danos morais ou à lucros cessantes, a violação ao direito de exclusividade da marca foi reconhecida, havendo a condenação da ré à vedação na continuação do uso da marca copiada.

No caso da jurisprudência abaixo acostada, houve a aplicação do Princípio da Anterioridade, para que fosse reconhecido como válido o registro de nome empresarial da Louis Vuitton, realizado em data anterior ao registro da empresa Viviton, ainda que o registro da primeira marca fosse em território forasteiro, e não no Brasil. Verifica-se, aqui, o respeito à Convenção de Berna, que estabeleceu a proteção de obras literárias e artísticas entre nações soberanas e foi promulgada, no Brasil, pelo Decreto nº 75.699/75.

MARCA - Nominativa e mista. Colidência entre as marcas notórias da autora ("Louis Vuitton", "Vuitton") e da ré ("Viviton"). Prescindibilidade de registro da marca notória para receber proteção. Aplicação do princípio da especialidade. Atuação das litigantes no mesmo segmento de mercado da moda. Semelhança gráfica e fonética entre as marcas. Possibilidade de associação entre as marcas, embora o público-alvo seja diferente. Hipótese, ademais, em que coautora depositou suas marcas em data anterior aos depósitos das marcas mistas da recorrente. Ação de obrigação de não fazer procedente. Apelação improvida neste tocante. MARCA - Figurativa Desenho intitulado "Monograma Canvas". Elemento figurativo identificador da marca "Louis Vuitton" reproduzido em bolsas comercializadas pela ré. Violação do direito de exclusividade da marca pertencente à cossuplicada. Ação de obrigação de não fazer procedente. Apelação improvida neste tocante. MARCA - Figurativa Desenho intitulado "Damier". Elemento identificador da marca "Louis Vuitton" caracterizado pelo desenho xadrez em cores diversas (marrom e bege). Desenho xadrez pertencente ao domínio público. Diferencial presente na padronagem das cores, dotadas de originalidade e novidade. Estampa idêntica utilizada em baú comercializado pela recorrente, que usa a marca "Viviton". Violação do direito de exclusividade da marca pertencente à cossuplicada. Ação de obrigação de não fazer procedente. Apelação improvida neste tocante. MARCA - Coleção de moda "Grafitti". Inspiração da estilista na arte da grafiti, notoriamente de domínio público. Estamparia de bolsas lançadas pela "Louis Vuitton" não dotadas de novidade e, portanto, não passíveis de proteção, especialmente porque não levada a registro no órgão competente. Hipótese, porém, em que ré reproduz estampa com a expressão "Viviton", marca que colide com a marca notória da coautora. Vedação à reprodução da estampa pela suplicante. Ação de obrigação de não fazer procedente. Apelação improvida neste tocante. DENOMINAÇÃO SOCIAL - Colidência entre nome empresarial ("Viviton") e marca notória internacional ("Louis Vuitton" ou "Vuitton"). Atuação das litigantes no mesmo segmento da moda. Hipótese em que empresa francesa não conta com registro no território brasileiro com a denominação social francesa (Louis Vuitton Malletier), atuando sob denominação diversa, formada pelas iniciais de seu fundador (LVMG Fashion Group). Registro do nome empresarial da ré superveniente ao registro da marca da empresa estrangeira. Aplicação do princípio da anterioridade. Obrigação da recorrente de alterar sua denominação social. Condenação à obrigação de fazer. Apelação improvida neste tocante. RESPONSABILIDADE CIVIL - Lucros cessantes. Marca Direito de exclusividade violado pela ré. Situações descritas no art. 210 da LPI não comprovadas no caso concreto. Desconhecimento da data do início da violação do direito e falta de prova dos benefícios que as apeladas deixaram de auferir ou que a apelante auferiu. Inadequação da fase de liquidação da sentença para constituição da prova do prejuízo. Improcedência do pedido de condenação ao pagamento de royalties pelo uso não licenciado da marca. Pedido de indenização por dano material improcedente. Apelação parcialmente provida neste tocante RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano moral Marca. Direito de exclusividade violado pela ré Simples fato da violação da propriedade industrial inapto para abalar a imagem e reputação da demandante. Desvalorização da marca não demonstrada pela autora. Pedido de indenização por dano moral improcedente. Apelação parcialmente provida nesse tocante. Dispositivo: recurso parcialmente provido.

0212964-86.2010.8.26.0100 Apelação Relator(a): Ricardo Negrão Comarca: São Paulo Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial Data do julgamento: 07/08/2012 Data de registro: 09/08/2012

Cumpre mencionar, ainda, que, apesar da efemeridade das criações na indústria da moda, existem peças que se tornam clássicas (a saber o modelo de bolsa 2.55 da grife Chanel e o modelo “Kelly”, da marca Hermès), cujo design pode ser reconhecido por longos anos. A essas peças cogita-se a proteção mediante registro de marcas tridimensionais, tratadas pelo INPI como “o sinal constituído pela forma plástica distintiva do produto ou (...) da sua embalagem”, estando essa forma dissociada de efeito técnico (INPI, 2010). O exemplo mais conhecido de produto protegido pela marca tridimensional é a garrafa “contour” da Coca-Cola, que é embalagem, mas, frise-se, somente pôde ser protegida pelo instituto por ser de uso exclusivo da empresa. Caso a embalagem seja de uso comum do segmento comercial a qual faz parte (a exemplo das garrafas pet), a concessão de registro de marca tridimensional será inviável.

É esse o limite encontrado no artigo 124, VI, da LPI, segundo o qual não são registráveis como marca

VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

Quanto à proteção das peças icônicas de moda em questão, questiona-se se as mesmas tenham caráter suficientemente diferenciado em relação a outros produtos, vez que uma bolsa sempre será uma bolsa. Foi o que ocorreu quando o INPI negou a concessão de registro de marca tridimensional à bolsa da empresa Longchamp, modelo Le Pliage4.

Figura 2 – Registro de Marca Tridimensional: Bolsa “Le Pliage”, Longchamp. Imagem retirada da Revista RPI Marcas, nº 1961, INPI. disponível em: https://revistas.inpi.gov.br/pdf/marcas1961.pdf

Por esse motivo, alerta Joanna Paul, em seu “The Piracy Paradox is so last year: Why the Design Piracy Prohibition Act is the new Black”, que alguns designers cobrem suas criações com suas logomarcas. Ela cita as bolsas da marca Coach, que possuem o sinal distintivo comparado a dois “c´s” por toda a superfície do produto, já que afirma que a proteção por marca por vezes não é estendida ao design dos produtos:

For a lack of more comprehensive protection, some designers have taken to covering whole items with logos. Coach bags are a notable example,

the distinct intertwined double C logo covers the whole surface of a majority of the company’s products. Trademark protection does extend in some cases to certain design elements, such as distinctive stitching patterns on jean pockets, but not to overall product design (PAUL, p. 8)

De todo modo, apesar de haver decisões negativas, não é alheio o registro de marca tridimensional a itens da indústria da moda, citando, aqui, o registro nº 8245868755.

Figura 3 - Registro de Marca Tridimensional: Perfume “Chance”, Chanel. Imagem retirada da Revista RPI Marcas, nº 1953, INPI. Disponível em: <https://revistas.inpi.gov.br/pdf/marcas1953.pdf

O registro em embalagem do perfume “Chance” da Maison Chanel levou ao entendimento de que o registro de marca tridimensional em itens da indústria da moda, além de viável, pode trazer inúmeros benefícios, haja vista a proteção por um período de tempo mais longo, 10 anos, com infinitas prorrogações, segundo a LPI, garantindo eficaz zelo pelas criações fashion de maior durabilidade.

Conforme já anteriormente explicitado, antevindo qualquer depósito de pedido para registro de marca perante o INPI, deverá ser realizada uma busca prévia no bando de dados do órgão, a fim de confirmar a exclusividade daquela marca a ser registrada.

Uma vez depositado o pedido, o acompanhamento do processo deverá ser recorrente. Nesse momento nasce a figura das empresas de assessoria especializadas nesse ramo, formadas geralmente por advogados atuantes. Essas empresas não são as únicas. Existem, também, associações como o Museu dos Inventores, responsável por todo o trabalho burocrático de registro de marca, fazendo a busca prévia no bando de dados, preparando relatório de desenhos da criação e até mesmo encontrando “usuários”, para quem farão contratos de concessão de uso, uma vez concedido o registro, mediante o pagamento dos devidos royalties.

Com o depósito, haverá um exame formal preliminar pelo INPI (art. 156 da LPI), que analisará os requisitos do pedido, os mesmos que deverão ser apresentados no pedido de patente, quais sejam o relatório descritivo, as reivindicações, o resumo, desenhos, fluxogramas e diagramas e esquemas gráficos.

2.1.4. Registro de Desenho Industrial

Até 1950, Desenho Industrial e design eram conceitos que se interpenetravam. Hoje, conforme já mencionado, o termo design não é mais suficiente para abranger o conceito de Desenho Industrial, sendo, por sua vez, um objeto de caráter meramente ornamental que, sozinho, seria considerado fútil, sem finalidade, conforme explicita Coelho (2010) e então caracterizado como obra de arte, passível de Direitos Autorais, mas difere-se em virtude da sua aplicação utilitária a um produto da indústria. Porém, este deve estar desvinculado de qualquer função técnica no produto que está inserido, haja vista seu caráter ilustrativo-comunicativo (SILVEIRA, 2012). No entanto, apesar das diferenças proporcionais entre os dois institutos, desenho industrial e design, é visualmente perceptível que, por vezes, eles se interpenetrem. É o que podemos entender quando verificamos doutrinadores que até hoje tratam essas palavras como sinônimo.

O design pode ir além do Desenho Industrial, mas esse é a forma mais eficaz de proteção jurídica que aquele irá encontrar dentro do ordenamento brasileiro.

Esse instrumento se adéqua perfeitamente à velocidade de criação da indústria da moda, vez que a concessão do registro de Desenho Industrial toma período bem menor que o da patente. Seu prazo, de 10 anos, prorrogáveis por três períodos de 5 anos, garante tempo necessário para a proteção do design de moda (excluindo-se os itens clássicos, de designs duradouros, que, apesar de serem exceções, se mantém por décadas. Estes, conforme supra mencionado, pode receber proteção mediante registro de marcas tridimensionais, cujas possibilidades foram amplamente discutidas alhures).

É preciso frisar que o registro de Desenho Industrial é concedido apenas com a demonstração dos requisitos formais, mas a LPI, em seu artigo 111, permite que haja um posterior exame de mérito em que o INPI emitirá parecer com o intuito de verificar a existência comprovada de novidade e originalidade do desenho, que, caso não existentes, concluirá na nulidade do registro.

Aya Eguchi (2011) acredita que nem sempre o design de moda apresenta tais requisitos. Para ela, os designers constantemente reciclam suas ideias em suas criações, e essas ideias são feiras a partir de um repertório de peças pré existentes – mangas, bolsos, golas6.

Além desse obstáculo à proteção do design de moda pelo Desenho Industrial, é preciso alertar, ainda, que afasta o requisito da novidade e da originalidade exigidos pela LPI a divulgação da criação antes de depositado o pedido de registro.

Apesar de não afastar completamente a incidência da proteção pelo registro de Desenho Industrial às criações de moda, esse instituto jurídico não é tão abrangente quanto os designs em geral. As inspirações para a criação de peças podem, por vezes, ser interpretadas como uma impossibilidade de cumprimento aos requisitos da originalidade e novidade, exigidos pelo Desenho Industrial.

Figura 4 - Quadro demonstrativo – Design registrável pelo Desenho Industrial. Retirado da dissertação de Mestrado em Design (Moraes, 2012, p. 60)

Moraes (2012, p. 97) analisa o trabalho de uma designer de joias que, para a criação de suas peças, buscou inspiração em obras de arte plástica. Sobre o trabalho, Moraes conclui que o requisito da novidade não está presente no trabalho e que, portanto, o registro pelo desenho industrial deve ser afastado. Em comparação, o mesmo poderia ser dito acerca da criação na indústria da moda. A reciclagem de ideias inerente às criações dessa indústria afasta, na maioria das vezes, a proteção legal pelo Desenho Industrial.

No entanto, Silva e Fernandes (2012) apontam que a ideia acima exposta não é absoluta. Afirmam que comumente são publicadas em semanais do INPI novas concessões de registro de Desenho Industrial a solados, além de mostrarem que a empresa de calçados Grandene SA registra seus produtos desde meados de 1973, comprovando a ocorrência desse registro de forma cada vez mais frequente.

Figura 5 – Registros de Desenho Industrial de sapatos. Quadro retirado do artigo de Silva e Fernandes (2012, p.123), onde são demonstrados 33 processos relacionados a Desenhos Industriais de sapatos da marca Grandene.

Asseverando o anteriormente dito, apesar de diversas doutrinas afirmarem não existir o requisito da novidade em uma peça de roupa, impossibilitando sua proteção pelo desenho industrial, devemos explicitar que são as inovações aplicáveis às criações fashion que as tornam únicas.

Analisando mais uma vez o artigo 95 da LPI, retiramos do conceito de desenho industrial que este é considerado “(...) a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa (...)”(Grifei).

Portando, mesmo que não seja registrável um vestido por completo, vez que ao vestido falta o requisito da novidade, a criação de uma nova configuração aplicada a esse vestido, seja ela uma diferenciação em sua alça ou decote, pode ser protegida pelo registro de desenho industrial. Assim entende o próprio INPI, conforme se verifica dos registros concedidos pela autarquia, abaixo demonstrados.

Figura 6 – Registro de Desenho Industrial: Sapato Valentino. Imagem retirada da Revista RPI Patentes do INPI, nº 2290. Disponível em https://revistas.inpi.gov.br/pdf/PATENTES2290.pdf. Trata-se de sapato criado por Valentino Garavani, designer mundialmente reconhecido, proprietário da marca homônima, Maison Valentino. São protegidos pelo registro de DI os adornos que o caracterizam.

Figura 7 – Registro de Desenho Industrial: Bolsa Valentino. Imagem retirada da Revista RPI Patentes do INPI, nº 2290. Disponível em https://revistas.inpi.gov.br/pdf/PATENTES2290.pdf. Trata-se de bolsa criada por Valentino Garavani, designer mundialmente reconhecido, proprietário da marca homônima, Maison Valentino. São protegidas pelo registro de DI as aplicações que a caracterizam. Frisa-se que, caso a proteção visasse o formato da bolsa, o mecanismo eficaz seria o do registro por marca tridimensional, conforme anteriormente demonstrado7.

O registro demonstrado não tem sua aplicabilidade restrita a acessórios como bolsas e sapatos. Designers cuja criatividade extrapolam a barreira do senso comum podem e devem registrar suas criações. Por todos, cita-se o Estúdio Orbitato, já conhecido no sul do Brasil e cujas criações com alto grau de originalidade são assinadas pela designer Celaine Refosco.

Figura 8 – Criação da designer Celaine Refosco. Imagem retirada do site Brasil Fashion News (Disponível em: https://brasilfashionnews.blogspot.com.br/).

A gola da peça em questão (figura 11) é uma perfeita aplicação do conceito de Desenho Industrial, promovido pela LPI. A arte, que retrata pessoas em diferentes momentos, foi aplicada ao vestido se tornando sua gola. Presentes os requisitos da novidade, originalidade e viabilidade de industrialização exigidos pela LPI para o registro de Desenho Industrial.

O depósito do pedido de registro de Desenho Industrial deverá seguir o mesmo rito já exaustivamente mencionado de descrição das características do objeto a ser registrado, devendo conter o requerimento, o relatório descritivo, as reivindicações, desenhos ou gráficos em boa qualidade, ressalvando aqui o instituto chamado Período de Graça, segundo o qual “Não será considerado como incluído no estado da técnica o desenho industrial cuja divulgação tenha ocorrido durante os 180 (cento e oitenta) dias que precederem a data do depósito ou a da prioridade reivindicada” (Art. 96, § 3º, LPI).

2.2. A Moda Protegida pelo Direito Autoral

Em primeiro momento, cumpre destacar que o Direito Autoral não exige qualquer registro para a devida proteção, sendo sua proteção iniciada no momento exato da criação do objeto (EGUCHI, 2011). Necessário frisar, ainda, que, conforme afirma Moraes (2012), as custas do registro por meio dos mecanismos da Propriedade Industrial não podem ser por todos abarcadas.

A propriedade industrial foi criada dentro de um panorama de produção em massa, assim, produção em pequena escala e produção artesanal apenas comportam tutela legal do registro do desenho industrial se for demonstrado na documentação do pedido de registro a sua viabilidade industrial, novidade e originalidade (requisitos da LPI ao registro do desenho industrial). Em tese, a legislação pode ser utilizada para produções pequenas, porém, o pequeno produtor não tem vantagens ao se valer do sistema, pois desviaria sua energia da produção para a realização direta dos controles legais –conforme relato de Áurea Sacilotto, em entrevista: “enquanto copiam já estou fazendo outra coisa” (MORAES, 2012, p. 107).

O obstáculo nessa proteção seria a inserção do design de moda na indústria e no comércio, haja vista o Direito Autoral proteger peças de caráter unicamente estético. No entanto, é inviável, atualmente, que se tenha objeto do comércio de criações de design sem a presença do seu caráter estético.

Comprovando o mencionado, Löbach (2001) afirma que a estética dos produtos da indústria tem direta relação com sua comercialização. Segundo ele, há uma facilitação no ato da compra quando o consumidor percebe a beleza existente no produto, ou seja, o seu caráter estético. O objetivo da estética nos bens do comércio é o de “aumentar as vendas, atraindo a atenção das pessoas para o produto e provocando o ato da compra”, sendo muitas vezes “o fator que deflagra a compra” (LÖBACH, 2001, p. 63). Sendo assim, a estética dos bens explicitados pode ser objeto do Direito Autoral, haja vista estar presente o requisito da esteticidade.

Vale lembrar ainda que, naqueles casos onde não se configura a originalidade como requisito de proteção pelo Desenho Industrial, afirma Mariot (2010) que trata-se uma criação de espírito, e que, mesmo sem registro algum pela Propriedade Industrial, serão protegidas pela LDA.

Há, ainda, o caso das peças de Alta Costura, que, em virtude da complexidade de elaboração e do alto custo de suas peças, patente a qualidade, os exemplares deste domínio não atendem ao requisito da possibilidade de comercialização, já que o trabalho absolutamente artesanal não permite a fabricação de número superior a 15 peças (DILLAN, 2013). A realidade é que tais peças são fruto das expressões intelectuais artístico-emocionais dos estilistas, que as criam como forma de saciar a sua ânsia inventiva, e não almejam serem inseridas no mercado. Quem compra tais peças, as compram como se adquirissem uma verdadeira obra de arte e, por isso, podem ser assim classificadas.

Jimenez e Kolsun (2010, p.55) explicitam, ainda, que o Direito Autoral também tutela os desenhos e criações aplicadas nas estampas de tecidos, utilizados na confecção de roupas ou outros objetos aplicados à industria da moda.

Ademais, quando afirma Silveira (1982) que “esta forma que utiliza como suporte material um produto industrial e que é dotada de caráter expressivo deverá encontrar guarida também na lei de Direitos Autorais”, podemos retirar de tal entendimento a ideia de que o design de um produto da indústria pode ser protegido pelo Direito Autoral. Nesse caso, segundo o entendimento, o registro da peça por meio de Desenho Industrial não seria empecilho para se reivindicar o mesmo objeto por meio das regras da LDA. Para que a reivindicação prospere, no entanto, é aconselhável que o designer tenha em suas mãos o registro de todo o seu processo de criação, a fim de que, quando apresentado em juízo, não reste dúvidas acerca da autoria da peça.

A LDA, em seu artigo 22, garante ao autor de criações protegidas pelo Direito Autoral os direitos patrimoniais sobre aquele bem, bem como, em seu artigo 28, assegura-lhe exclusividade de uso, fruição e gozo sobre a coisa.

Nascem, dessas garantias, o direito subjetivo do autor que possuem natureza de Direitos da Personalidade e, neles, encontram-se inseridos os direitos morais. Sobre esses, Bittar (2005) conceitua-os como “os vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade”. Ainda segundo o autor, “esses direitos constituem a consagração, no ordenamento jurídico, da proteção dos mais íntimos componentes da estrutura psíquica do seu criador” (BITTAR, 2005, p. 47).

É razoável explicitar, ainda, que os direitos morais do autor, segundo Szaniawski (2005), não são direitos inatos, ou seja, não surgem com o nascimento da pessoa, mas sim com a criação do objeto tutelado. São caracterizados pela pessoalidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, perpetuidade e imprescritibilidade (SZANIAWSKI, 2005, p. 200).

O artigo 24 da LDA numera as espécies de direitos morais do autor, sendo mencionados o direito de paternidade sobre a obra, o direito ao anúncio do nome do autor ou equivalente, o direito de inédito, o direito de conservar a integridade da obra, o direito de modificação da obra, o direito de arrependimento e o direito de acesso a exemplar único e raro que esteja em poder de terceiro, entendendo BITTAR (2005, p. 132) que o rol é meramente exemplificativo, apesar de haver discussão doutrinária.

Qualquer das espécies pode ser reivindicada perante o poder judiciário por meio de ação de indenização por danos morais, onde deverão ser demonstrados todos os indícios de autoria do autor sobre sua obra, como também a lesão sofrida.

2.3. Desenho Industrial e Direito Autoral: Aplicação Concomitante para a Garantia de uma Proteção Completa

Foi transcrito em tópico acima o entendimento de Silveira (1982) segundo o qual “esta forma que utiliza como suporte material um produto industrial e que é dotada de caráter expressivo deverá encontrar guarida também na lei de Direitos Autorais”. Extrai-se do trecho a ideia da dupla proteção do design de moda, tutelado pelo Desenho Industrial e protegida pelos Direitos de Autor, ambos os institutos anteriormente estudados.

Silveira (1982) ainda afirma que “não há como negar valor artístico a certas criações no campo da indústria, as quais, reconhecidamente, são dotadas de valor estético” (SILVEIRA, 1982, p. 133). Apesar de haver divergência doutrinária, deve-se entender que as criações no âmbito da moda urgem proteção eficaz, haja vista movimentarem parcela tão significativa do mercado brasileiro. Solução adequada seria o registro da criação pelo desenho industrial, quando possível, combinado com a possibilidade de reivindicação pelo Direito Autoral, sendo evidenciada a lesão moral sofrida sempre que assim ocorrer, nos moldes do que foi acima exaustivamente explicitado. Nesse caso, os institutos devem ser aplicados de modo a não se anularem, apenas se somarem, complementando-se.

Esse é também o entendimento de Cerqueira (2010), quando afirma que “a dualidade de proteção não se justifica apenas pelos motivos teóricos, fundados na diferença entre as obras de arte e os produtos industriais, mas fundamenta-se principalmente nas razões de ordem prática (CERQUEIRA, 2010, p. 653-4).

Adotando a dualidade de proteção, tão combatida pelos autores franceses, a lei, entretanto, não exclui a possibilidade da cumulação das leis sobre a propriedade artística e sobre desenhos e modelos, em casos especiais. As obras artísticas, e só elas, continuam protegidas pelo Código Civil e lei especial; os desenhos e modelos industriais regem-se pela sua lei especial. Nada impede, porém, que, tratando-se de obra artística aplicada a um objeto industrial ou posta no comércio como modelo industrial, seu autor invoque a proteção do Código Civil para a obra considerada sob a sua natureza intrínseca de obra de arte, e a da lei especial para o modelo. A reprodução de uma obra de arte por processos industriais ou a sua aplicação à indústria não a desnaturam, não lhe tiram o caráter artístico. Não se pode, pois, negar ao autor o reconhecimento do seu direito, nos moldes da lei civil, nem a proteção do desenho ou modelo, como tal, no campo da concorrência (CERQUEIRA, 2010, p. 656)

Enquanto as discussões não se esgotam a nível doutrinário, cumpre mencionar que tramita hoje perante a câmara dos Deputados o Projeto Lei nº 1391/11, que trata sobre a regulamentação da profissão do designer. Em vigendo, a proposta vai determinar que a profissão de designer somente poderá ser exercida mediante diploma de curso superior reconhecidos pelo MEC, como Comunicação Visual, Desenho Industrial, Programação Visual, Projeto de Produto, Design Gráfico, Design Industrial, Design de Moda e Design de Produto, além de ampliar a LDA para que os projetos de design sejam por ela protegidos. A consequência será a pacificação do entendimento de que direitos morais autorais serão aplicados às criações de design, incluindo o design de moda, sejam eles anteriormente registrados pela Propriedade Industrial ou não.

A última movimentação do projeto em debate se eu em 29 de abril de 2013, quando foi remetido ao Senado Federal e aguarda retorno para a Câmara desde então.

2.4. A possibilidade da concessão de tutela antecipada no processo judicial e administrativo

Cumpre ainda evidenciar que, apesar de a Propriedade Intelectual ser o ramo jurídico eficaz a proteger as criações intelectuais da moda, os dois institutos, moda e propriedade intelectual, apresentam algumas incompatibilidades, mas que podem ser sanadas pela aplicação de certos instrumentos processuais, conforme será proposto.

A princípio, surge a ideia de descompasso entre a demora no andamento dos processos de Propriedade Industrial e a transitoriedade das criações de moda. Hoje, é notório o atraso no andamento de pedidos de registros e patentes no INPI, de forma que a doutrina afirma que o lapso temporal não respeita a razoável duração do processo. Os registros, por exemplo, podem demorar de 2 a 8 anos, enquanto que a concessão de patentes pode levar até 15 anos. Surge, nesse cenário, a tutela antecipada como instrumento necessário a assegurar tutela eficaz à problemática no âmbitos dos processos administrativos.

Sobre essa hipótese cumpre ressaltar que não se figura razoável que a autarquia demore mais de 5 anos para exarar decisão acerca do registro ou patente de um bem. A demora fere o princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII da Carta Magna.

Apesar de escassa a doutrina sobre o assunto, é razoável entender que, se o processo administrativo falha em cumprir seu objetivo, no caso em comento exarar decisão acerca de pedido de registro ou patente formulado, então o mecanismo da antecipação de tutela é aplicável, vez que presentes estarão os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, anteriormente mencionado.

Elucidando o mencionado, vide as decisões de tribunais entendendo pela necessidade de o INPI proferir sua decisão de maneira antecipada:

Ante o exposto, nego provimento ao recurso (do INPI), mantendo na íntegra a sentença recorrida. Outrossim, tendo em vista que a executoriedade do mandado de segurança é imediata, deve o INPI proferir decisão final no Processo Administrativo de Nulidade do registro nº 822.859.416, no prazo de 10 (dez) dias 1."

Vide voto da Desembargadora Federal Nizete Carmo, vencido, a favor da tutela antecipada em processo administrativo perante o INPI:

Embora até possa compreender as dificuldades do INPI quanto pede maior tolerância aos prazos mínimos para o exame do registro, devo observar que a dinâmica comercial ou industrial reclamam a ética de maior celeridade. Nem poderia ser diferente ou destoar dos princípios cardeais que condicionam a administração pública, fazendo conviverem no mesmíssimo patamar os princípios da impessoalidade - que a autarquia invoca - e o da eficiência e moralidade, sobre os quais silencia.

O INPI não pode pretender o reconhecimento judicial de sujeitar-se a prazos meramente programáticos, submetidos ao só poder discricionário das injunções burocráticas, porque isso importaria, em ultima ratio, na negação da razão finalistíca da sua própria existência.

O máximo admissível, acorde ao bom senso, é mirar-se a fórmula aristotélica da equidade, segundo a qual o tratamento justo deve ser o igual pelo igual e o diferente pelo diferente, que inspirou Rui Barbosa na frase tantas vezes referida: “os iguais devem ser tratados desigualmente, na medida das desigualdades”.

Mas o INPI insiste, injustificadamente, em situar a todos no mesmo saquitel, convencido de que todos devem ser tratados em ordem cronológica, sem distinção de nenhuma espécie.

É inquestionável o equívoco desse proceder, tanto mais iníquo quando quer justificá-lo com fulcro no principio da impessoalidade. Há casos, indubitavelmente, que reclamam pronta e imediata atuação. Visto o recurso administrativo da impetrante, interposto em 13/4/2007, insurgindo-se contra o indeferimento do registro da sua marca, depositada em 4/11/2002, tem-se um longo lapso temporal de cerca de 10 (dez) anos, a contar do depósito, circunstância a exigir da autarquia ao menos a diligência de explicitar maiores razões para o retardamento do exame do pleito recursal, que remonta ao ano de 2007, alongando-se, portanto, em mais de quatro anos.

Os dados estatísticos a que se apega o INPI, afirmando a tramitação atual de 40.000 recursos pendentes de decisão, tendo instituído, em 2010, Grupo de Trabalho pela Portaria nº 513/10 (cf. fl. 33verso), justo para reduzir essa estocagem, que designa de backlog, não é bastante para eximir-se perante as partes interessadas, havendo de prestar maiores e melhores informações relativas ao processo visado, comparativamente aos demais, por igual pendentes de decisão definitiva.

Pensar de outro modo importaria em ampliar o poder discricionário do INPI, frustando as partes interessadas, no complexo de suas pretensões, da faculdade de obterem, perante o Poder Judiciário, o controle finalístico dos motivos determinantes invocados para justificar o atraso no exame conclusivo de seus pedidos de registro e/ou recursos administrativos.

Já não se pode olvidar o governo do inciso LXXVIII, do artigo 5º da Constituição da República, introduzido pela EC no 45/2004, cioso em que os processos administrativo e judicial terminem em prazo razoável.

Parece óbvio que esse tempo de duração dos processos deve pautar-se pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, até como expressão de moralidade, o que significa dizer, quer aos gestores públicos, quer aos juízes, a adoção de um critério material capaz de observar a natureza e o objeto dos processos em curso de decisão, desse modo identificando aqueles que estão maduros para julgamento sobre outros carecidos de mais instrução ou revestidos de maior complexidade.

Por isso que o INPI deve informar, quantis satis, as peculiaridades dos processos cujo atraso tenha sido objeto de demanda judicial. Mas não pode, com esse fim, a bem ver, valer-se de alegações aterrorizantes, como a de que o deferimento das seguranças terá efeito deletério ou catastrófico, na medida de novos pedidos do gênero, podendo inviabilizar a própria estrutura e o funcionamento regular do órgão.

Há que se melhor compreender a função jurisdicional, que é irrecusável, devendo o juiz atentar aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum (cf. LINDB, art. 5º). Consequentemente, se de um lado impende sopesar as dificuldades operacionais do INPI, de outro, não se pode ignorar as injunções do progresso, determinadas pelo crescimento econômico, que faz surgir novos negócios e empresas, e com essas a pressão de novas marcas, em função das dinâmicas do mercado consumidor, apegado a um modelo de comercialização baseado em campanhas publicitárias, que tem no uso de marcas um poderosíssimo veículo de fácil comunicação com o público.

Para além, não se pode descurar que a hipótese é de registro marcário, sujeito a análise sabidamente mais singela do que a de patentes. Nestes, sim, a verificação dos prazos de qualificação registrária, sob o norte constitucional da razoável duração do processo, deve fazer-se com muito maior largueza, para não prejudicar a qualidade mesma dos inventos e/ou inovação tecnológica.

No caso concreto, tendo a Autarquia se limitado a repetir as razões do apelo, decaindo de apresentar explicações ou fatos novos, com força para infirmar a decisão recorrida, penso que o interesse momentâneo a tutelar é o da empresa que persegue há dez anos o registro da sua marca.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno.

É como voto.

NIZETE ANTÔNIA LOBATO RODRIGUES CARMO, Desembargadora Federal

Vencida a Relatora, que lhes negava provimento.

TRF2, AI 201051018083952, 2ª Turma Especializada, DES. FED. MESSOD AZULAY NETO, Rio de Janeiro, 08 de maio de 2012.

Já este voto foi vencedor:

V O T O

Por ocasião do Agravo de Instrumento nº 2010.51.01.808395-2, manifestei-me sobre o excessivo atraso dos registros em curso no INPI, mas que a autarquia justifica com o só fenômeno mundial do backlog.

Naquela ocasião, reportei-me ao principio constitucional da razoável duração do processo, que deve ser enfrentado como meta e corolário de eficiência administrativa. Parece-me óbvio, e isso ressai do próprio princípio, que o tempo máximo de cada processo há de ser o tempo possível, segundo a ordem das circunstâncias, que envolve, não apenas o aparato burocrático, como também a natureza e a complexidade do próprio processo em demanda.

O que desperta minha atenção, na difícil questão do backlog, é que a sua afirmação não pode paralisar toda e qualquer iniciativa de controle judicial do fato, quando este se revelar conflituoso a ponto de provocar a instauração de um processo com vistas ao destravamento do registro pendente.

A observância rigorosa das datas de protocolo dos pedidos, embora seja um critério democrático, traz nele o risco de misturar situações desiguais, violando o principio da igualdade, que se apresenta como um dos mais relevantes e representativos dos estados republicanos.

Por tudo isso, não posso aceitar, com a devida vênia, a só alegação do backlog, como fator exclusivo de justificação dos atrasos. Com efeito, para além do backlog, é curial que o INPI indique as outras razões relativas à natureza e à complexidade do processo demandado, permitindo ao judiciário, munido desses elementos, a decisão final sobre se o tempo despendido é ou não razoável.

Como o INPI, neste caso, outra vez, acena apenas com o backlog, sem prestar nenhuma outra informação complementar, por coerência, mantenho meu voto já anteriormente explicitado no agravo retro aludido, pelo que, e nesses termos, nego provimento à apelação e à remessa.

É como voto.

NIZETE ANTÔNIA LOBATO RODRIGUES CARMO, Desembargadora Federal

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO PARA EXAME DE RECURSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA EFICIÊNCIA. EXCESSO DE REGISTROS PENDENTES DE EXAME. O FENÔMENO DESIGNADO DE BACKLOG. A REGRA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. CONCESSÃO DA ORDEM

Nº CNJ: 0803242-13.2010.4.02.5101, RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ

Tendo em vista o cumprimento da ordem constitucional da razoável duração do processo e sob pena de causar dano de improvável reparação, é possível que o julgamento administrativo perante o INPI seja antecipado, a fim de que o registro seja, ou não, conferido para que, assim, a proteção da criação seja eficaz.

Quanto à tutela antecipada perante os processos judiciais, sejam eles para combater ameaças ao registro de propriedade industrial ou para reivindicação de Direitos Autorias, nota-se perfeitamente possível a sua concessão, desde que comprovados os requisitos necessários.

A própria LPI contempla o instrumento em seu artigo 209, parágrafo 1º, senão vejamos:

Art. 209 § 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.

Nesse sentido, a demonstração dos requisitos do instrumento da tutela antecipada para a concessão da liminar, quais sejam o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a verossimilhança das alegações, não é complexa no âmbito da moda. A indústria da moda cria até cinco coleções por ano e a demora na concessão da tutela ensejaria dano irreparável, o primeiro requisito do instrumento trazido pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, vez que ao tempo da decisão final já estaria caracterizada perda da receita do estilista, por vender menos seu produto, já que existe outro copiado no mercado, além de, nesse tempo, já haver ocorrido uma diluição da marca do designer, vez que as cópias são geralmente vendidas a preços irrisórios e os produtos originais passam a ser questionados por seu valor mais alto, valor esse que, na realidade, é o justo.

O segundo requisito, qual seja a prova inequívoca de que a sua alegação seja verossimilhante, ou seja, que haja provas suficientes a evidenciar o direito do designer, tem a sua demonstração diretamente ligada à segunda incompatibilidade a ser discutida.

As tendências e referências estão quase que sempre presentes na indústria fashion. Apesar de serem importantes processos no sistema de criação de peças, os institutos também podem vir a ser usados como argumentos de defesa do copiador, levando o julgador a confundir a cópia com meras inspirações. No entanto, a diferenciação entre inspiração e cópia é de grande valor quando do julgamento de uma ação.

A dificuldade da justiça em punir empresas copiadoras é a falta de conhecimento no assunto, não sendo hábil em distinguir inspirações de cópias. Essa distinção, no entanto, pode ser alcançada no momento da visualização: se, ao analisadas e comparadas as peças, a semelhança for de imediato percebida, está-se diante de uma cópia. À justiça falta a figura de um perito na área, com os conhecimentos dos “cool hunters”, ou caçadores de ideias para tendências, contratados pelas empresas para frisar os estilos que venham a surgir, previsões e adaptações dos produtos para as próximas estações, sendo, hoje, os responsáveis por conhecer o que cada indivíduo do mundo fashion produz.

Com a capacitação de peritos com tais conhecimentos, a análise dos casos será mais completa, permitindo a devida punição das empresas copiadoras.

Diante da necessidade de superação das incompatibilidades entre moda e propriedade intelectual, é necessário que o designer faça um registro pessoal de todo o processo criativo, guardando desde as primeiras ideias e registrando todas as reuniões, testes de tecidos e provas de roupas que venham a ocorrer, de forma que o registro vincule diretamente o produto ao criador e, além de demonstrar o requisito da verossimilhança para a concessão de tutela antecipada, possa também derrubar quaisquer dos argumentos a serem utilizados pelo copiador.

Sobre a autora
Maria Clara de Miranda Medeiros

Advogada. Graduada em Direito pela FACID/DEVRY.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Maria Clara Miranda. As novas possibilidades jurídicas decorrentes da relação entre propriedade intelectual e direito da moda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4353, 2 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39668. Acesso em: 22 nov. 2024.

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