De acordo com os cálculos encontrados, as chamadas “pedaladas fiscais” chegaram a quarenta bilhões. Isso era um dos instrumentos, porque não dizer, ferramentas, que o governo federal usava para maquiar as contas públicas.
O Executivo com essa conduta flertou com a improbidade (artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa), por violação ao disposto no artigo 36 da Lei Complementar 101/00, devendo ainda ser apurada a responsabilidade penal no que concerne a incidência do artigo 359 – A do Código Penal. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. Pode-se ainda falar na incidência do artigo 359 – D do Código Penal.
Há ainda o crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11 da Lei 1.079, de 14 de abril de 1950, que envolve a fiel guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos e o fato de contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
O fato deve ser objeto de investigação pelo Ministério Público Federal para análise da materialidade e autoria delituosa em todas as suas circunstâncias. Com a investigação feita deverá se concluir se houve ou não conduta criminosa e suas consequências no Direito Penal.
As condutas referenciadas exigem na prática da conduta o dolo.
Não há dúvida alguma com relação a aplicação do dolo direto. Somente se realiza o tipo penal através do resultado.
No entanto, surgem dúvidas com relação ao chamado dolo eventual.
No dolo direto ou determinado, o agente prevê o resultado(consciência) e quer o resultado(vontade). No dolo eventual o agente prevê o resultado(consciência), não quer, mas assume o risco(vontade). O dolo eventual, espécie de dolo indireto ou indeterminado(dolo alternativo ou dolo eventual) distingue-se da culpa consciente, quando o agente não prevê o resultado(que era previsível) e não quer, não assume risco e pensa poder evitar.
Reportagem do jornal “Valor Econômico” revelou a existência de nota técnica assinada pelo ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin, em 30 de dezembro de 2014, em que o então secretário diz ser dele a responsabilidade por fazer a liberação e a transferência de recursos pelo tesouro.
Na nota técnica referenciada, redigida pela Coordenadoria Geral de Programação Financeira (Cofin) e pela Subsecretaria de Política Fiscal (Supof), Arno reitera que “cumpre à Supof e à Cofin procederem na operacionalização da liberação/transferência desses recursos, posteriormente à autorização de liberação pelo secretário do Tesouro Nacional”.
A discussão surge dentro do que se intitulou de “pedaladas fiscais”, forma de maquilagem identificada na execução da programação financeira do Executivo.
Parece, para alguns intérpretes, que tudo teria se passado de forma centralizada pela pessoa do ex-secretário do Tesouro que deteria o domínio do fato.
Estaria a Presidente da República sem saber do fato e alheia ao que aconteceu a seu redor com relação a todas as suas circunstâncias?
Fala-se em “cegueira deliberada”, que “seria uma espécie de dolo eventual, onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar a sua representação dos fato”. A doutrina lançou o exemplo do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes possam lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não ter ciência de qualquer informação mais precisa sobre os usuários de seus serviços ou sobre a procedência do objeto de câmbio.
Assim é possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos. Dessa forma é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer. Se ele incorrer em desídia ou negligência, na formação dessas barreiras, não haverá dolo eventual, podendo haver culpa consciente.
Alerte-se que a programação financeira e o contingenciamento são matérias de competência do presidente da república e a conduta dolosa que desrespeita os seus preceitos o sujeita a crime de responsabilidade.