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Isonomia entre honorários advocatícios e salários

Agenda 22/06/2015 às 19:53

Aborda-se a evolução jurisprudencial no sentido de reconhecer a igualdade entre os créditos relativos a honorários advocatícios e as verbas salariais, em razão de ambas possuírem natureza alimentar e funcionarem como retribuição pelo trabalho.

Os créditos relativos a honorários advocatícios, sejam contratuais[1], sejam sucumbenciais[2], possuem natureza alimentar amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.

A consequência natural deste reconhecimento seria a equiparação, sem maiores indagações, do regime jurídico da remuneração do advogado com as demais remunerações de natureza alimentar que servem de retribuição por qualquer tipo trabalho humano, a exemplo do “salário”, que é a retribuição paga ao trabalhador celetista (art. 3º da CLT).

Inclusive o caput do art. 24 da Lei 8.906/94 (EOAB – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) diz o seguinte:

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial. (Grifos nossos)

Ocorre que a jurisprudência pátria ainda tem certa relutância em reconhecer as consequências lógicas de tal constatação, atribuindo-se constantemente uma indevida primazia às verbas de natureza salarial em relação aos honorários advocatícios, dizendo que os honorários possuem um privilégio geral no concurso de credores[3], enquanto os salários possuem privilégio especial[4].

Entretanto, o panorama jurisprudencial sobre o tema tem mudado mais recentemente, e o STJ possui algumas decisões atribuindo a mesma hierarquia entre os créditos decorrentes de honorários e os decorrentes das relações trabalhistas em caso de concurso de credores.

Inclusive tal matéria restou pacificada pela Corte Especial do STJ, conforme já mencionado, sob o procedimento de recursos repetitivos, na forma do art. 543-C do CPC, tendo ocorrido, portanto, o overruling, conforme a ementa da decisão que segue:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. ART. 24 DA LEI N. 8.906/1994. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITO TRABALHISTA. 1. Para efeito do art. 543-C do Código de Processo Civil: 1.1) Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei n. 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei n. 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido Diploma legal. 1.2) São créditos extraconcursais os honorários de advogado resultantes de trabalhos prestados à massa falida, depois do decreto de falência, nos termos dos arts. 84 e 149 da Lei n. 11.101/2005. 2. Recurso especial provido. (REsp 1152218/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2014, DJe 09/10/2014)

Apesar de se tratar de processo de falência, a ratio decidendi é a mesma para o concurso de credores comum, ou seja, os fundamentos são aplicáveis para além das causas estritamente falimentares regidas pela Lei 11.101/2005, assim, deve-se aplicar a regra ubi eadem ratio ibi idem jus, estendendo-se a isonomia para todos os tipos de concursos de credores, devendo a jurisprudência se render, ainda que tardiamente, ao art. 5º da Constituição de 1988.

Neste sentido o STJ já decidiu de forma correta, observando a isonomia entre os honorários advocatícios e o salário do trabalhador celetista:

Processual Civil. Recurso Especial. Ação de execução. Prequestionamento. Ausência. Súmula 282/STF. Concurso de credores. Honorários advocatícios. Natureza alimentar. Equiparação dos honorários advocatícios com os créditos trabalhistas para fins de habilitação em concurso de credores. Possibilidade. - Cinge-se a lide em determinar se os honorários advocatícios possuem natureza alimentar e se, em concurso de credores, podem ser equiparados a créditos trabalhistas. - Os honorários advocatícios, contratuais e de sucumbência, têm natureza alimentar. Precedente da Corte Especial. - Assim como o salário está para o empregado e os honorários estão para os advogados, o art. 24 do EOAB deve ser interpretado de acordo com o princípio da igualdade. Vale dizer: os honorários advocatícios constituem crédito privilegiado, que deve ser interpretado em harmonia com a sua natureza trabalhista-alimentar. - Sendo alimentar a natureza dos honorários, estes devem ser equiparados aos créditos trabalhistas, para fins de habilitação em concurso de credoresRecurso especial provido. (REsp 988.126/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 06/05/2010)

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Recentemente o egrégio TJ/RS já entendeu neste sentido, em processo com a nossa participação como advogado em causa própria:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. DECLARAÇÃO DE PREFERÊNCIA DESTE ÚLTIMO. INVIABILIDADE. EQUIPARAÇÃO, EM CONCURSO, DIANTE DA NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA HONORÁRIA. QUESTÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL Nº. 1.152.218/RS. ARTIGO 543-C DO CPC. DECISÃO A QUO REFORMADA. RECURSO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70064066970, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 02/04/2015).

Entender de modo diverso violaria o princípio da isonomia previsto no art. 5º da CF, além de discriminar a classe dos advogados, os quais recebem sua verba alimentar por meio dos denominados “honorários advocatícios”, que estão para os advogados assim como o salário está para os trabalhadores regidos pela CLT.

Além disso cria-se discriminação interna, dentro da mesma classe dos advogados, pois há aqueles que trabalham sob vínculo de emprego, fazendo o mesmo trabalho que qualquer outro advogado, mas no caso do advogado empregado, este teria privilégio tão só pelo nome da verba que recebe, ou seja, “salário” e não “honorários”.

Sendo assim, poderia haver uma debandada eticamente injustificável de advogados para o regime da CLT, pois a decisão acaba por dar mais valor ao “rótulo” do que ao “conteúdo”, mais valor ao rótulo “salário” do que ao conteúdo “verba alimentar”.

Ora, se honorários advocatícios são verbas de natureza alimentar conforme declinado na decisão recorrida, não há razão jurídica e nem ética para se atribuir efeitos diferentes daqueles conferidos aos salários.

A única e profundamente reprovável consequência que produziria esta orientação – no sentido do preterimento dos honorários em face dos salários – só poderia ser o incremento do preconceito que já é disseminado contra a classe dos advogados, a qual, há muito tempo, vem sendo alvo de discriminação por parte de diversos setores da sociedade.

Sendo os créditos de mesma hierarquia (honorários e salários) deve prevalecer aquele que primeiro conseguiu a penhora, pela regra prior tempore, potior jure, prevista nos arts. 612 e 613 do CPC:

Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Art. 613. Recaindo mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de preferência.

Neste sentido a doutrina:

A penhora atribui ao credor o direito de preferência sobre o bem penhorado (art. 612 do CPC). Cria para o credor uma preferência sobre os bens penhorados, em relação aos demais credores quirografários do devedor comum. É manifestação do princípio do ‘prior tempore, potior iure’ (o primeiro no tempo é o direito mais forte)[5].

Caso não haja privilégio decorrente da penhora, aplica-se o art. 962 do CPC:

Art. 962. Quando concorrerem aos mesmos bens, e por título igual, dois ou mais credores da mesma classe especialmente privilegiados, haverá entre eles rateio proporcional ao valor dos respectivos créditos, se o produto não bastar para o pagamento integral de todos.

O reconhecimento da igualdade de tratamento entre os honorários advocatícios e os salários é um imperativo decorrente do princípio da isonomia previsto no art. 5º da CF, além de ser importante para a valorização do trabalho e da dignidade da pessoa do advogado, o qual é figura indispensável à administração da justiça (arts. 1º III e 133 da CF).


[1] Ver, por exemplo: “… 3. Os honorários advocatícios, contratuais ou sucumbenciais, têm natureza alimentícia. Precedentes 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 632.356/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 13/03/2015)”.

[2] Como pode ser visto em: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR. PRECEDENTES. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacífico de que os honorários advocatícios sucumbenciais possuem natureza alimentar. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 622055 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 05-03-2015 PUBLIC 06-03-2015)”.

[3] Com base no citado art. 24 do EOAB.

[4] Neste sentido: “…3. "Inobstante sejam, tal como os salários, contraprestação por serviços prestados, a lei não equiparou a verba advocatícia a salário" (REsp 550.389/RJ, DJ de 14/3/2005). 4. Recurso especial não conhecido. (REsp 612.923/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2007, DJ 11/02/2008, p. 89)”.

[5] DIDIER JR., Fredie et all. Curso de Direito Processual Civil - Execução. v. 5, 4. ed, São Paulo: Editora Juspodivm, 2012.

Sobre o autor
Rafael Ioriatti da Silva

Advogado, MBA em Business Law pela Fundação Getúlio Vargas e especialista em Direito Administrativo pela Anhanguera-Uniderp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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