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Dispensa do trabalhador e alegação de assédio moral - inversão do ônus da prova.

Agenda 30/06/2015 às 17:54

Possibilidade de inversão do ônus da prova, de modo análogo ao disposto na Súmula nº 443 do TST, no caso de dispensa do trabalhador, em que se alega a ocorrência de assédio moral.

Discute-se aqui a possibilidade de se aplicar a inversão do ônus da prova, de modo análogo ao disposto na Súmula nº 443 do TST, em caso de dispensa do trabalhador com assédio moral.

A Convenção nº 111 da OIT define (art. 1º, “a” e “b”) a discriminação nos seguintes termos:

“Para os fins desta Convenção, o termo ‘discriminação’ compreende:

a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”;

b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou tratamento no emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo País membro concernente, após consultar organizações representativas de empregadores e trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados".

Adotada em 2012, a Súmula nº 443 do TST consolidou o entendimento vigorante naquela Corte no sentido de presumir discriminatória a dispensa imotivada dos trabalhadores portadores de HIV e de outras doenças que causam estigmas ou preconceitos.

Sabidamente, a discriminação por doenças no ambiente de trabalho é uma realidade, em completo descompasso com o nosso ordenamento jurídico, que prima pela dignidade da pessoa humana e pelos valores sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da Constituição).

As doenças crônicas em geral causam estigmas, pois, não raras vezes diminuem a capacidade laborativa do empregado, o qual, mesmo quando readaptado, passa a ser visto pelo empregador e também pelos colegas como não apto para acompanhar a dinâmica da atividade empresarial, e, de certa forma, como um sobrepeso a ser carregado.

O ônus da prova é um dever processual, cabendo ao autor provar o fato que constitui seu direito, e ao réu os fatos modificativos, extintivos e impeditivos de tal direito. Quando a parte que tinha esse dever deixa de fazê-lo, ou o cumpre insatisfatoriamente, gera uma situação processual desfavorável para si e favorável para a parte contrária. Isso porque as regras do ônus probatório orientam o juiz a decidir contrariamente a quem deixou de fazer prova sobre determinado fato.

De acordo com o art. 818 da CLT e com o art. 333 do CPC, cabe, em princípio, ao empregado provar que fora vítima de discriminação, tendo, dessa forma, que provar o ato ilícito e o nexo causal.

Conforme leciona Fredie Didier (Curso de direito processual civil. v. 2. 6. Salvador: Jus Podvim, 2011. p. 85), a inversão do ônus da prova dá vazão ao princípio constitucional da isonomia, tratando desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

Essa inversão encontra-se positivada no art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990 (CDC), tendo como premissa a inferior condição processual do consumidor (hipossuficiente do ponto de vista técnico).

De acordo com Mauro SCHIAVI (Provas no processo do trabalho. São Paulo: LTr. 2010), no processo do trabalho a inversão do ônus da prova depende da presença de dois requisitos: hipossuficiência da parte e verossimilhança da alegação.

Essa inversão, a rigor, já ocorre em relação a outras questões laborais, a exemplo do que dispõe a Súmula nº 212 do TST, que atribui ao empregador o dever de provar a causa da ruptura do contrato de trabalho, quando ele nega que despediu o empregado. Adota-se, no caso, o princípio da continuidade da relação de emprego.

A constatação da verossimilhança pode ser buscada nas regras ordinárias de experiência, tal qual estabelecido no inciso VIII do art. 6º do CDC. De outra parte, é plausível o entendimento de que o trabalhador que sofre discriminação seria hipossuficiente para provar suas alegações.

O TST, ao considerar a inversão do ônus da prova em relação à dispensa imotivada dos trabalhadores portadores de HIV e de outras doenças que causam estigmas ou preconceitos, parte também de uma premissa concreta, isto é, a existência de um fato: a doença.

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Assim, se o trabalhador é portador de uma doença que causa estigma, e é dispensado, parece-me razoável presumir discriminatória a dispensa. Nessa hipótese, o empregador é que terá de provar que não o foi. Tem-se, portanto, uma presunção relativa, que admite prova em sentido contrário.

Não obstante, na alegação de assédio moral, sem nenhuma correlação com doenças que causam estigmas ou preconceitos, mesmo na hipótese em que o trabalhador é dispensado, entendo que deve prevalecer a regra geral quanto ao ônus da prova, ou seja, não caberia a inversão de que trata a Súmula nº 443 do TST, pelo menos não de forma generalizada.

Não é difícil imaginar que a aplicação dessa súmula, sem se levar em consideração aspectos casuísticos, isto é, as especificidades geralmente existentes nas relações de emprego, pode dar azo a decisões por demais injustas.

Uma grande dificuldade diz respeito à defesa do empregador. Como poderia ele provar que não assediou o empregado. Isso é justamente fazer prova de fato negativo, o que, pela clássica teoria da prova, é inadmissível. Sabe-se que isso já não é visto mais assim. Como observa Carlos Henrique Bezerra Leite (Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012), segundo a moderna doutrina, em verdade, a toda negação corresponde uma afirmação, pelo que estaria superada a impossibilidade da prova do fato negativo.

Mas dúvida não há de que a aplicação pura e simples da Súmula nº 443 do TST nos casos de assédio moral dificultaria sobremaneira a demonstração do não assédio, que o, a rigor, contraria o principio do devido processo legal (ampla defesa e contraditório).  De qualquer modo, considero possível essa aplicação, analogicamente, no casos em que há pelo menos fortes indícios do assédio, como uma fotografia, um e-mail etc.

Sobre o autor
Francisco Galvão

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Pelotas. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Economia do Trabalho.

Informações sobre o texto

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