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Arma de fogo que não funciona não pode ser considerada como arma de fogo?

Agenda 04/07/2015 às 14:39

Considerações sobre a recente decisão, da 10ª Vara Criminal de Goiânia/GO, que afirma que uma “arma de fogo” que não funciona não pode ser considerada como arma de fogo.

A Lei nº 10.826 (Estatuto do Desarmamento), que entrou em vigor no ano de 2003, prevê alguns tipos penais, dentre eles a posse irregular e o porte ilegal de armas de fogo de calibres permitidos e restritos. (1)

A posse irregular de arma de fogo de calibre permitido está tipificada no art. 12, com pena cominada de 1 a 3 anos de detenção e multa; o porte ilegal de arma de fogo de calibre permitido está disposto no art. 14, com a pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa; já a posse ou o porte de arma de fogo de calibre restrito estão previstos no art. 16 (ambos da referida Lei), com pena de 3 a 6 anos de reclusão e multa.

Para diferenciar a posse do porte basta verificar onde está a arma. Se a arma estiver (sem a devida autorização) no interior da residência ou dependência desta ou, ainda, no local de trabalho (desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa) o indivíduo estará incidindo no delito de posse irregular; se estiver em qualquer local fora destes limites, incidirá no porte ilegal. (2) (3)

Todos os tipos penais supramencionados são aplicáveis à posse ou ao porte de armas de fogo e também aos seus acessórios ou munições. Contudo, a Lei em comento não informa o que são armas de fogo, nem o que são acessórios, nem munições. Ainda, não apresenta quais calibres são considerados “permitidos” e quais são restritos.

Estes conceitos são encontrados no Decreto nº 3.665 de 2000 (R – 105), que regulamenta a fiscalização de produtos controlados. (4)

Os calibres de uso restrito estão previstos no artigo 26, do mencionado Decreto (ex: .357 Magnum, 9 Luger, .40 S&W, 44 Magnun, .45 Colt...). Já os “permitidos” estão previstos no artigo 17(ex: .22 LR, .32 S&W, .38 SPL, .380 Auto...).

Segundo o art. 3º, inciso LXIV, do referido Decreto, munição é o “artefato completo, pronto para carregamento e disparo de uma arma, cujo efeito desejado pode ser: destruição, iluminação ou ocultamento do alvo; efeito moral sobre pessoal; exercício; manejo; outros efeitos especiais;”.

O inciso II, do mesmo artigo, refere que acessório de arma é o “artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma”.

Já o conceito de arma de fogo está no inc. XIII, do mesmo artigo, informando que arma de fogo é a “arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil;”.

Analisando literalmente o dispositivo acima é possível chegar à conclusão de que uma “arma de fogo” que não possua “condições de arremessar projéteis através do emprego da força expansiva de gases gerados pela combustão de um propelente” não pode ser considerado como arma de fogo.

Esta é a lógica que serviu de base para a recente (e tão comentada) decisão da Exma. Juíza da 10ª Vara Criminal de Goiânia. (5)

Segundo o Centro de Comunicação Social do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, a Magistrada absolveu um indivíduo da acusação de que estaria portando ilegalmente uma “arma de fogo” defeituosa.

Se “a arma de fogo apreendida com o acusado não estava apta a realizar disparos, seria incapaz de colocar em risco a segurança pública e a paz social”, afirmou a respeitável sentença.

Ainda, aduziu que “a tipicidade material é afastada não devido à inexistência de perigo concreto, exigência que a lei não fez, mas devido à impossibilidade de conceituar o objeto apreendido em poder do acusado como arma de fogo, vez que, ineficaz para detonar projéteis. Ou seja, só é considerado arma de fogo o engenho mecânico que cumpre a função de lançar projéteis à distância com grande velocidade, sendo, portanto, atípica a conduta de portar ilegalmente um artefato incapaz de produzir disparos”.

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Segundo a decisão, este instrumento deveria ser equiparado às armas obsoletas, não podendo ser considerado como arma de fogo para efeitos de aplicação da Lei Penal.

O art. 3º, inciso XXI, do mesmo Decreto, informa que “arma de fogo obsoleta” é a “arma de fogo que não se presta mais ao uso normal, devido a sua munição e elementos de munição não serem mais fabricados, ou por ser ela própria de fabricação muito antiga ou de modelo muito antigo e fora de uso; pela sua obsolescência, presta-se mais a ser considerada relíquia ou a constituir peça de coleção;”.

É evidente que um instrumento que se assemelhe a uma arma de fogo pode possuir um poder intimidador, o que deverá ser considerado na apuração de cada caso concreto.

Um indivíduo que realiza um roubo, por exemplo, empregando uma arma danificada, um simulacro ou, ainda, uma arma de brinquedo, não coloca a integridade física de um terceiro em risco, entretanto, é considerado como se estivesse portando uma arma de fogo em razão do efeito intimidador que este objeto causa.

Uma vítima sem conhecimentos técnicos em armas de fogo ou até mesmo um perito, em longa distância ou baixa luminosidade, não conseguiria diferenciar um objeto do outro e agiria partindo do pressuposto de que se trata de uma arma de fogo, com poder letal.
Entretanto, o simples fato de possuir ou portar uma “arma” nestas condições, sem praticar nenhum delito, deve ser considerado atípico, segundo a Magistrada.

Neste sentido, o mesmo deveria ser aplicado aos acessórios e munições. A posse ou o porte de uma luneta quebrada ou de um cartucho sem pólvora não poderia ser considerado como se incidisse nos tipos penais previsto na “Lei do Desarmamento”.

A munição (cartucho) compreende, no mínimo, quatro elementos: o projétil (o objeto sólido que será arremessado), o estojo (a cápsula que une todos os demais elementos da munição), o propelente (a pólvora, cuja queima arremessa o projétil) e a espoleta (que aciona o propelente quando é “esmagada” pela ação da arma de fogo).

Na mesma lógica, um “cartucho” sem um, ou mais de um, destes elementos não poderia ser considerado como munição para fins legais.

Contudo, esta decisão em comento não possui poder vinculante e gerou efeitos apenas para os envolvidos. A maior parte da doutrina e jurisprudência ainda segue em sentido contrário, por considerarem os crimes previstos no Estatuto, como sendo de perigo abstrato (onde não há a necessidade de comprovação de que efetivamente alguém foi exposto ao risco de dano) e coletivo (onde um número indeterminado de pessoas é exposta a perigo de dano), objetivando a preservação da incolumidade pública.


REFERÊNCIAS

(1) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm

(2) http://jus.com.br/artigos/36458/passo-a-passo-para-o-cidadao-comum-que-deseja-adquirir-uma-arma-de-fogo-para-defesa-pessoal-consideracoes-legais-e-administrativas

(3) http://jus.com.br/artigos/32055/posse-de-arma-de-fogo-com-o-registro-vencido

(4) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm

(5) http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/9823-juiza-absolve-homem-por-porte-ilegal-de-arma-pelo-artefato-ser-defeituoso
 

Sobre o autor
Ivan Pareta de Oliveira Júnior

Advogado; Presidente da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul - ACRIERGS - www.acriergs.com.br (2019 - 2022); Sócio do Escritório Pareta & Advogados Associados - www.pareta.adv.br; Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Penal e Política Criminal: sistema constitucional e direitos humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Público pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis; Membro de Comissões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio Grande do Sul; Pesquisador e autor de livros e artigos nas áreas do Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

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