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Um caso concreto sobre a possibilidade de aplicação de reincidência

Agenda 06/08/2015 às 14:28

As propinas em contratos de prestação de serviço ligados à Petrobras teriam ocorrido antes ou depois do trânsito em julgado da condenação pelo mensalão? Estaríamos diante de maus antecedentes ou de reincidência?

Que dizer com relação às consequências dos fatos delituosos que hoje são alegados contra José Dirceu diante de uma eventual condenação e fixação de pena?

Já se disse que o ponto crucial é a data do recebimento de propinas em contratos de prestação de serviço ligados à Petrobras. Se isso ocorreu antes do trânsito em julgado da  condenação pelo mensalão ou depois, os efeitos diferem. Mas a questão não é tão simples: há crimes que devem ser apurados de forma a se saber se foram anteriores ou posteriores à condenação no chamado “mensalão”, pelo qual foi apenado. 

Se tiverem ocorrido antes, é juridicamente chamado de maus antecedentes. Se depois, é reincidência: o réu que voltar a praticar crimes mesmo depois de condenação com trânsito em julgado incide em reincidência.

O  artigo 59 do Código Penal dispõe sobre a fixação da pena. São as chamadas circunstâncias judiciais.

O artigo referenciado, como explicou Paulo José da Costa Jr.(Comentários ao Código Penal, 2ª edição, pág. 309), reconheceu  ao juiz, na aplicação da pena, larga margem de discricionariedade. Mas essa discricionariedade não poderá ser livre, não é arbitrariedade.

Por certo, há limitações impostas ao juiz, na fixação da pena, pois deverá fazê-lo, primeiramente, dentro das balizadas estabelecidas pelas margens do tipo penal. Ainda deverá  levar em consideração os fatos elencados de maneira taxativa pelo artigo 59 do Código Penal referenciado.

Mas deverá o juiz motivar a sentença.

A pena, sabe-se, deve ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime de forma que ela deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa. Para tanto, a pena deve ser estabelecida com base na intensidade e nos graus de culpabilidade, não podendo excedê-la. De forma que é a culpabilidade que deverá estabelecer os limites da pena que não poderão ser transpostos.

Leva-se em conta na fixação da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime; comportamento da vítima.

Os antecedentes criminais são fatos anteriores da vida do agente. Serve este componente, de forma específica, para se verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com frequência, ou mesmo de forma habitual, infringe à  lei. 

Prescreve o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que “toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado”.

Nessa matéria, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 444, segundo a qual: “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Por sua vez, o artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, prevê que “nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organizações criminosas”.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, na decisão relativa ao caso Ricardo Canese (Sentença de 31 de agosto de 2004, Série C, nº 111, parágrafo 154), por exemplo, referiu-se ao princípio consubstanciado no artigo 8º, item 2, do Pacto de São José da Costa Rica, promulgado entre nós pelo Decreto nº 678/2002, como um elemento essencial para a realização efetiva do direito à defesa, a acompanhar o acusado durante toda a tramitação do processo, até que o título condenatório no qual assentada a culpabilidade transite em julgado. Em pronunciamento alusivo ao caso Cabrera García e Montiel Flores (Sentença de 26 de novembro de 2010, Série C, nº 220, parágrafo 184), entendeu vulneradora da garantia a decisão judicial em que refletida opinião a selar a culpa do acusado antes de este vir a ser pronunciado como tal. No julgamento dos casos Tibi (Sentença de 7 de setembro de 2004, Série C, nº 114, parágrafo 182) e Cantoral Benavides (Sentença de 18 de agosto de 2000, Série C, nº 69, parágrafo 120), assinalou ser defeso ao Estado condenar informalmente uma pessoa ou emitir juízo de valor à sociedade, de molde a formar opinião pública, enquanto não chancelada a responsabilidade penal.

De mesma maneira, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas recomenda, no Comentário Geral nº 32, acerca do direito a um julgamento justo (HRI/GEN/1/Rev.9, volume I, página 303, parágrafo 30), que o Poder Público deve abster-se de prejulgar o acusado, instando as autoridades a demonstrarem a contenção que o artigo 14, nº 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/1992), preconizou.

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Observe-se, de toda sorte, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 444/DF, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu que “a mera sujeição de alguém a simples investigações policiais (arquivadas ou não) ou a persecuções criminais ainda em curso não basta, só por si - ante a inexistência, em tais situações, de condenação penal com trânsito em julgado  - para justificar a exacerbação da pena, pois com o trânsito em julgado, descaracteriza-se a presunção “juris tantum” de inocência do réu, que passa, então, a ostentar o “status’ jurídico-penal de condenado com todas as consequências legais daí decorrentes”.

No passado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.297 – SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, em 6 de fevereiro de 1996, entendeu que “É elemento caracterizador de maus antecedentes o fato de o réu responder a diversos inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado, justificando-se, assim, a exacerbação de pena-base”.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 97.665 Relator Ministro Celso de Mello, em 4 de maio de 2010, já havia entendido que “processos penais em curso, ou inquéritos em andamento, ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais, suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu”.

Caso os inquéritos ou processos criminais considerados como antecedentes tenham desfecho favorável ao acusado, ainda assim ele sofrerá prejuízo, pois os procedimentos terão sido utilizados para aumentar sua pena em processo no qual foi efetivamente condenado. “O lançamento no mundo jurídico de enfoque ainda não definitivo e portanto sujeito à condição resolutiva potencializa a não mais poder a atuação da polícia judiciária e a precariedade de certos pronunciamentos judiciais”, como advertiu o Ministro Marco Aurélio, em voto no julgamento do RE 591.054, com repercussão geral.

A divergência foi aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, o artigo 59 do Código Penal compreende diversos aspectos que devem ser considerados pelos juízes para dosar a pena, entre os quais a culpabilidade, os antecedentes, a conduta pessoal e a personalidade do sentenciado. “Esse artigo entrega ao prudente arbítrio do juiz a possibilidade de dosar a pena de maneira a fazê-la suficiente para a reprovação e prevenção do crime”, argumentou.

No entendimento do ministro, os antecedentes mencionados no artigo 59 do Código Penal, que trata da fixação da pena, não podem ser confundidos com o artigo 61, que fala das circunstâncias agravantes. Em seu voto, destacou que não é incomum que os juízes criminais se deparem com extensa ficha criminal de um determinado réu, muitas vezes por fatos semelhantes ao que são objeto do julgamento, e que essas circunstâncias devem ser levadas em consideração na dosimetria da pena.

Nesse mesmo sentido votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux.

Assim, ao examinar o Habeas Corpus nº 81.974/SP, relatado, em 22 de outubro de 2002, perante a Segunda Turma, o ministro Gilmar Mendes, designado para redigir o acórdão, aventou, ao indeferir o pedido, a possibilidade de rever a posição então sufragada, o que efetivamente veio a ocorrer quando, em 29 de novembro de 2005, Sua Excelência defrontou-se, uma vez mais, com a problemática, ao relatar o Habeas Corpus nº 84.088/MS. Em que pese a óptica prevalente não ter sido alterada, verificou-se flexibilização na orientação, no que o redator do acórdão, ministro Joaquim Barbosa, consignou que apenas a análise do caso concreto revelaria se a existência de inquéritos e processos em andamento poderiam ser considerados antecedentes para agravar a pena-base.

No julgamento do HC 122.940, Segunda Turma,  o Ministro Gilmar Mendes, concedeu a ordem com base no princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência, uma vez que considerou inviável o reconhecimento de maus antecedentes referentes a inquéritos  e ações penais em fase que ainda seja permitida a apresentação de novos recursos.  Por sua vez, a Ministra Cármen Lúcia apresentou pedido de vista.

Posteriormente, em julgamento no Recurso Extraordinário 591.054/SC,  Relator Ministro Marco Aurélio, publicado em 26 de fevereiro de 2015, entendeu-se que “ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais”.

Na doutrina, Cezar Roberto Bittencourt (Código Penal Comentado, 2004) sustentou não ser “a melhor corrente, embora respeitável, o entendimento de que ‘inquéritos instaurados e processos criminais em andamento’, ‘absolvições por insuficiência de provas’, ‘prescrições abstratas, retroativas e intercorrentes’ não podem ser considerados como ‘maus antecedentes’”. Porém, na edição de 2014, pág. 294, Cezar Roberto Bittencourt reformulou a passagem. Lê-se agora que, “embora tenha sido válido ao seu tempo, hoje, em um Estado Democrático de Direito, é insustentável o entendimento de Nelson Hungria, segundo o qual devem ser apreciados como antecedentes penais os ‘processos paralisados por superveniente extinção da punibilidade antes da sentença irrecorrível, inquéritos arquivados por causas impeditiva da ação penal, condenações ainda não passadas em julgado (...), processos em andamento, até mesmo absolvições anteriores por deficiência de prova’”, ao argumento de que, “sob o império de uma nova ordem constitucional e ‘constitucionalizando o Direito Penal’, somente podem ser valoradas como ‘maus antecedentes’ decisões condenatórias irrecorríveis”, não podendo ser considerados como tais “quaisquer outras investigações preliminares, processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal”.

Nessa matéria, ainda registre-se que, no acórdão, veiculado no Diário da Justiça de 17 de maio de 1996, proclamou-se  que a incidência penal só servirá para agravar a medida da pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver sido dada como firme em momento prévio. Em síntese, é considerado o quadro existente na data da prática delituosa. Leia-se o julgamento, a respeito, do HC 73.174/RJ, Relator Ministro Francisco Rezek.

Discute-se  a questão da reincidência.

A reincidência é uma circunstância agravante da pena que é fator que a agrava, quando não constitui ou qualifica o crime (artigo 61 do Código Penal).

É de se considerar circunstância de um crime todo aquele elemento previsto em lei que não integra o tipo penal, não está previsto como parte da conduta, mas deve subsidiar o agravamento ou abrandamento da pena a ser fixada, caso esteja presente no caso concreto.

 A presença das circunstâncias do artigo 61 do Código Penal, em um delito, demonstra um grau maior de reprovação da conduta do delinquente, daí advindo a necessidade de uma pena mais severa em face dele.

Em determinados crimes, o tipo penal pode prever alguma circunstância como elemento do delito, como parte dele, ela será, então, uma circunstância elementar do tipo penal.

 Noutros casos, a norma penal, em sua redação, já inclui no tipo uma circunstância como causa à imposição de uma pena mais severa, nessa hipótese se fala em circunstância qualificadora, em crime qualificado.

A doutrina apresenta duas espécies de reincidência: a real, que ocorre apenas quando o agente cumpriu a pena correspondente ao crime anterior, e a ficta, que existe com a simples condenação anterior. Segundo o artigo 63, onde se adotou essa segunda corrente, “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença, que, no País, ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Para que ocorra a reincidência, com a consequente agravação da pena a ser imposta ao autor de determinado crime, é necessário que já tenha transitado em julgado uma sentença condenatória contra ele proferida no pais ou no estrangeiro, por outro crime (crime antecedente).

A agravante de reincidência prevista no artigo 61, inciso I, para que seja aplicada, exige que tenha trânsito em julgado a anterior sentença condenatória antes do cometimento do segundo crime. Não se caracteriza a reincidência se, na ocasião da prática de novo crime, estiver pendente de julgamento de qualquer recurso sobre o delito anterior, inclusive o extraordinário (RT 503/350).

Entende-se que, para o reconhecimento da reincidência, é indispensável a comprovação da condenação anterior por documento hábil, exigindo-se, daí, a competente certidão cartorária em que conste a data do trânsito em julgado.

Por certo, havendo a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, não prevalece a sentença anterior para o efeito da reincidência, já que nessa hipótese desaparecem os efeitos da decisão. Mas, tratando-se de prescrição da prescrição executória, que extingue somente a pena, não fica excluída a agravante quando do cometimento de novo crime (RT 432/377). .

A teor do artigo 64, inciso I, do Código Penal, não prevalece para efeito de reincidência “a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou livramento condicional, se não ocorrer a revogação”.

Adota-se, pela redação dada pela Lei 6.416/77, o sistema da temporariedade com relação à caracterização da reincidência. Sendo assim, a condenação anterior somente será considerada para o reconhecimento da agravante de reincidência, se não houver decorrido cinco anos entre a data do cumprimento da pena referente ao delito anterior e a prática de crime posterior.

A lei determina que se passe a computar no prazo de cinco anos o período de prova de suspensão ou livramento condicional, se não ocorreu a revogação do benefício.

Necessário distinguir o que se chama de criminoso primário e criminoso reincidente. Criminoso primário é aquele que jamais sofreu condenação irrecorrível. Chama-se reincidente aquele que cometeu um crime após a data do trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior enquanto não transcorrido o prazo de cinco anos contados a partir do cumprimento ou da extinção da pena.

Não  será considerado primário ou reincidente aquele que já foi condenado anteriormente por sentença transitada em julgado e comete o delito posterior após o prazo de cinco anos a contar do cumprimento ou extinção da pena.

Caso reconhecida a agravante de reincidência, são seus efeitos: agrava a pena (artigo 63); prepondera essa circunstância na fixação da pena (artigo 67); quando em crime doloso, impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou multa (artigo 44, inciso II, e 60, § 2º); impede a concessão do sursis quando se tratar de crimes dolosos (artigo 77, inciso I); impede que se inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto (a não ser que se trate de detenção) ou aberto (artigo 33, § 2º, b e c); aumenta o prazo para a concessão de livramento condicional (artigo 83, inciso II); aumenta o prazo para a prescrição da pretensão executória (artigo 110, última parte); interrompe o prazo da prescrição (artigo 117, inciso V); revoga o sursis, obrigatoriamente, em caso de condenação por crime doloso (artigo 81, inciso I) e facultativamente na hipótese de crime culposo ou contravenção (argigo 81, § 1º); revoga o livramento condicional, obrigatoriamente, em caso de condenação a pena  privativa de liberdade (artigo 86) e, facultativamente, na hipótese de crime ou contravenção, quando aplicada pena que não seja privativa de liberdade (artigo 97); revoga a reabilitação, quando o agente for condenado a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade (artigo 44, § 5º); possibilita o reconhecimento da infração penal prevista no artigo 25 da LCP; impede a liberdade provisória para apelar (artigo 594 do CPP); impede a prestação de fiança em caso de condenação por crime doloso; impede o reconhecimento de causas de diminuição da pena (artigos 155, § 2º, 171, § 1º), dentre ouros efeitos.

É essencial que se saiba se os crimes que hoje são objeto de apuração que, porventura, foram  cometidos por José Dirceu, ocorreram  antes ou depois do trânsito em julgado da condenação no chamado “mensalão” para que se possa dizer se há ou não aplicação da agravante de reincidência. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso concreto sobre a possibilidade de aplicação de reincidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4418, 6 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41518. Acesso em: 22 nov. 2024.

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