1. RESUMO:O presente trabalho pretende fazer uma análise acerca das penas restritivas de direitos e sua função ressocializadora. Lançadas como uma tentativa de oferecer alternativas ao cárcere, as penas restritivas de direitos possuem importância que deve ser destacada e estudada de forma mais profunda, dada a sua importância na aplicação de penalidade aos crimes de menor potencial ofensivo.
2. INTRODUÇÃO
Sempre permeou a sociedade a ideia da necessidade de punir. Assim, aquele que infringisse alguma de suas leis caberia arcar com a penalidade correspondente.
A punição funciona, assim, como uma forma de fazer com que o indivíduo sinta o peso de sua conduta desviada e, ao mesmo tempo, fique intimidado de cometê-la, uma vez que passa a temer a penalidade que poderá vir a suportar caso incorra em fato que implique no desrespeito ao ordenamento jurídico vigente.
Podemos destacar três momentos históricos com características bastante peculiares no que concerne à aplicação da pena. São elas a vingança privada, a vingança pública e a prisão.
Na vingança privada, tinha-se a desproporção entre o ato delitivo e a penalidade aplicada. Ocorrido um ato que infringisse as normas sociais, despertava-se a ira contra o infrator, que suportaria uma repressão sem ponderar para a correspondente gravidade do ato que praticara. Estava a pena vinculada a critérios místicos. Acreditava-se que ao cometer um ato reprovável, o indivíduo estava desrespeitando a própria divindade.
A vingança pública veio em uma época um pouco mais organizada. Surge a figura de um chefe capaz de coordenar a esfera política. Assim, a pena dissocia-se, ainda que parcialmente, do caráter religioso, a fim de se tornar fruto de um ato público praticado em prol da sociedade como um todo.
A pena de prisão foi surgindo aos poucos, inicialmente utilizada como forma de prevenção. Aos poucos, foi tomando a forma que hoje nos deparamos na reprimenda de ilícitos.
3. DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
A legislação penal brasileira estabelece, atualmente, três modalidades de penas: a privativa de liberdade, a restritiva de direitos e a multa.
A pena privativa de liberdade é alvo de numerosas críticas. Desde o seu nascedouro, vem cunhada de censuras quanto à efetiva recuperação daquele que a ela é submetida. Representa, em síntese, o fracasso da sociedade em lidar com aqueles que infrinjam suas normas legais.
A pena restritiva de direitos representa uma alternativa ao cárcere. Através dela, busca-se reprimir a conduta sem o desgaste e sem os desnecessários traumas decorrentes da restrição da liberdade, quando aplicada a crimes de menor potencial ofensivo.
A multa, por sua vez, atende a necessidade subsidiária em relação à aplicação de penalidade.
As penas restritivas de direitos estão previstas nos artigos 43 a 48 do Código Penal. Atuam de forma autônoma em relação à pena privativa de liberdade, somente podendo ser aplicadas após a delimitação da respectiva pena privativa de liberdade, uma vez que esta é um dos elementos a se avaliar na concessão ou não da conversão da pena.
Para a concessão da pena restritiva de direitos, deverão ser observadas as exigências do artigo 44 do Código Penal Brasileiro.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1o (VETADO)
§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
Da análise do inciso I do artigo, depreende-se que a pena privativa de liberdade não poderá ultrapassar quatro anos nos casos de crimes dolosos para que se possa aplicar a substituição pela pena restritiva de direitos, e, ainda, não poderá o ilícito ter ocorrido com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Em relação a crimes nessa modalidade, há a vedação do emprego do instituto também em relação à reincidência (inciso II, artigo 44 do Código Penal Brasileiro). Porém, o § 3° do mesmo artigo faz uma ressalva: em caso de reincidência, poderá se operar a substituição se a medida for socialmente recomendável e a reincidência não se tratar do mesmo crime. Em casos de crime culposo, poderá ser feita a substituição sem limite temporal de condenação.
Na substituição da pena, deverá o juiz, ainda, atentar para a “culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.” (artigo 44, II, do Código Penal).
Segundo Capez, a culpabilidade pode ser entendida como a possibilidade de se considerar alguém culpado por uma infração penal. Em relação aos antecedentes, remetem estes a qualquer envolvimento que o indivíduo já tenha efetuado na esfera penal. A conduta social e a personalidade do condenado servem como parâmetros a fim de determinar o risco inerente à aplicação de uma penalidade mais branda; servem para delimitar se a pena será ou não suficiente no intento de reprimir a prática delituosa por ele praticada.
Os motivos e circunstâncias que levaram o indivíduo a cometer o ilícito determinarão o grau de envolvimento do mesmo com a prática do ato a ser reprimido. Sobrelevarão eles se a conduta foi efetuada de modo desarrazoado ou desproporcional, caminhando para uma melhor configuração da atividade delituosa e sua melhor adequação ao tipo de pena a ser aplicada.
O § 2° do mesmo artigo traz regras que orientarão a operacionalização da substituição. Assim, em caso de pena privativa de liberdade de até um ano, poderá ser feita a substituição por pena de multa ou por uma restritiva de direitos; em caso de pena privativa de liberdade de período superior, poder-se-á aplicar uma pena restritiva de direitos e multa ou duas restritivas de direitos.
Em caso de descumprimento da pena restritiva de direitos, a pena converter-se-á em privativa de liberdade. O tempo em que o apenado cumpriu a pena restritiva de direitos será descontado no saldo total na conversão, sendo obrigatório o cumprimento mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
O § 5° traz a possibilidade de condenação por crime ao tempo do cumprimento da restritiva de direitos. Nesse caso, caberá ao juiz da execução penal decidir sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir pena substitutiva anterior.
O artigo 43 do Código Penal traz um rol das penas restritivas de direitos. São elas:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (VETADO)
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana.
Prestação pecuniária
A primeira espécie de pena restritiva de direitos trazida pelo Código Penal é a prestação pecuniária.
Segundo Rogério Greco,
a prestação pecuniária [...] consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada, com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. (p. 529)
Na fixação da prestação pecuniária, deverá o juiz dar prioridade ao pagamento à vítima ou seus dependentes, não podendo determinar que o valor seja repassado a entidades públicas ou privadas na hipótese de existir aqueles. Esse repasse a entidades poderá ocorrer na hipótese de inexistência de vítima determinada ou determinável. Se, porventura, vier a ocorrer uma reparação civil, o valor pago à vítima ou a seus dependentes deverá ser deduzido no valor.
Perda de bens e valores
A perda de bens e valores dar-se-á em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Tal perda não poderá ultrapassar o valor do prejuízo causado pela infração penal ou do proveito obtido pelo agente.
Cabe-se ressaltar que tal modalidade está quase em desuso, tendo-se a ela sido levantadas numerosas críticas, destacando-se a mais feroz pela sua associação a uma pena de confisco.
Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas
Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.
§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.
Da leitura do artigo, inferimos ser a pena aplicável apenas às condenações cuja pena privativa de liberdade seja superior a seis meses. O seu cumprimento será feito nas instituições relatadas no §2° do artigo supratranscrito, devendo o juiz, na aplicação da pena, ponderar para as aptidões do condenado.
O cumprimento da pena dar-se-á à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação. Em penalidades cuja duração exceda um ano, o condenado poderá cumprir a pena substitutiva em tempo inferior, mas deverá cumprir ao menos a metade da pena privativa de liberdade fixada inicialmente.
Interdição temporária de direitos
A interdição temporária de direitos admite cinco formas de aplicação, segundo o Código Penal Brasileiro. São elas: proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.
Atente-se para o fato de que a duração da interdição de direitos será a mesma da pena privativa de liberdade originária.
No que se refere à proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, cumpre destacar que trata-se de pena específica, uma vez que só pode ser aplicada ao crime cometido no exercício do cargo ou função, com violação de deveres a estes inerentes.
A proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público trata de punição específica, pois só se aplica aos crimes cometidos no exercício da profissão ou atividade e se houver violação de deveres a estas relacionados (CP, art. 56).
A suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo só se aplica aos delitos culposos de trânsito e se estiverem relacionados a veículos automotores.
A proibição de frequentar determinados lugares é, dentre as penalidades constantes na interdição temporária de direitos, a que recebe mais críticas, dada a dificuldade de executar sua fiscalização.
Por fim, a proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos impõe um dever negativo. Ficará o condenado impedido de se inscrever nesses certames caso incorra na condenação por esse dispositivo legal.
4. CONCLUSÃO
As penas restritivas de direitos podem ser compreendidas como uma tentativa de promover penalidades compatíveis com a infração penal praticada. Além disso, podem representar uma solução ao inchaço do nosso sistema prisional.
A restrição de liberdade deve ser encarada por exceção. Somente deve ser empregada se o potencial delitivo e a conduta praticada pelo agente a indicarem como única solução plausível e eficaz na reprimenda do ilícito.
5. REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1, parte geral: 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.