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Greve do servidor público nas atividades essenciais à luz do princípio da continuidade do serviço público

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Agenda 23/08/2015 às 15:59

4 GREVE NOS SERVIÇOS ESSENCIAIS NO BRASIL

4.1 A Lei n. 7.783/89 e a caracterização dos serviços essenciais 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, especificamente em seu artigo 9º, § 1º, autorizou-se o exercício da greve em serviços ou atividades essenciais, o que posteriormente veio a ser regulamentado pela Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989. A regulamentação promovida pela referente lei trouxe algumas controvérsias, principalmente no que tange a sua compatibilidade com a Lei 4.330/2004 e o Decreto Lei n. 1.632/1978 que até aquele momento disciplinava a greve nas atividades essenciais.

Muito embora e Lei 7.783/89 tenha definido expressamente (art. 10) quais são as referidas atividades essenciais, questiona-se o que vêm a ser serviços ou atividade essências.

Com o objetivo de trazer maiores esclarecimentos, Amauri Mascaro Nascimento diz que:

Atividade essencial deve ser o serviço cuja interrupção poderá colocar em perigo a vida, a segurança e a saúde das pessoas, em parte ou na totalidade da população, e não os serviços cuja cessação possam causar mero incômodo ao cidadão.[30]

Sob o mesmo diapasão, encontra-se e definição de Otávio Pinto e Silva:

[...] pode-se dizer que serviços ou atividades essenciais sejam aqueles em que a cessação do trabalho represente um confronto entre o direito de greve, assegurado aos trabalhadores, e outros direitos constitucionais, assegurados à população (direito à saúde, à vida, à segurança).[31]

Como se observa, muito embora as definições sejam próximas, pois todas têm fulcro na proteção da população, estabelecer o que vem a ser serviços essenciais não é tarefa muito simples, principalmente por tais atividades estarem diretamente relacionadas à noção de serviço público, pois como se tem conhecimento, este segmento possui algumas peculiaridades se comparado a iniciativa privada, pois é oportuno lembrar que este ramo segue regime jurídico diferenciado.

É pertinente ressaltar que a caracterização dos serviços essenciais sempre esteve umbilicalmente ligada à evolução da sociedade, e às necessidades a serem supridas em cada momento ao longo dos anos.

Grandes inovações nas mais diferentes áreas de desenvolvimento, como, por exemplo, o tecnológico, o que a trinta anos atrás não tinha grande repercussão e relevância na vida em sociedade, hodiernamente pode ser reputado como imprescindível ao adequado funcionamento da mesma. Ou seja, para que consiga caracterizar coerentemente os serviços essenciais deverá ser observada a forma de vida e necessidades inerentes a cada sociedade, levando em consideração o momento histórico, econômico, político e cultural vivido. Enfim, cabe ressaltar que no ordenamento pátrio tal definição esta prevista na Lei n. 7.783/89, especificamente no seu art. 10, que estabeleceu quais as atividades reputadas essenciais, o que naquele momento histórico foi considerado o mais adequado para satisfação das necessidades da comunidade.

4.1.1 A Taxatividade do rol dos serviços essenciais constante da Lei n. 7.783/89

Em regra, todo país adepto ao regime democrático de direito tem com tendência a ampliação dos direitos que compõe seu sistema jurídico, dando assim maior aplicabilidade e utilidade às regras dispostas pelo ordenamento nacional e por consequência natural impondo poucas limitações e barreiras a efetiva aplicabilidade, obedecendo assim os ideais democráticos. No caso específico do direito de greve, nosso ordenamento jurídico também segue a mesma linha de pensamento, buscando a maior abrangência deste direito e impondo o menor número de limitações possíveis. No entanto, quando nos referimos ao rol do artigo 10 da Lei n. 7.783/89 podemos observar certas restrições ao exercício da greve:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustível;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e matérias nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.

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Percebe-se, nitidamente que este dispositivo serve para mitigar o exercício da greve aos que laboram nas denominadas atividades essenciais, pois tais serviços estão diretamente relacionados ao interesse da coletividade.

Importante ressaltar que esse entendimento quanto à aplicabilidade e abrangência deste dispositivo ora em análise poderá ter duas interpretações, que por um longo período foi objeto de discussão no meio da doutrina e ordenamento pátrio. O impasse consistia na natureza do rol do artigo 10 observado acima, sendo interpretado por alguns como taxativo e para outros meramente exemplificativo. Essa dissonância interpretativa provocava efeitos de grande repercussão na aplicação concreta desta norma, pois se considerada meramente exemplificativa poderá ser interpretada extensivamente, trazendo assim situações análogas e por consequência lógica ampliando as hipóteses dos serviços essenciais. Em sentido oposto, encontram-se aqueles que interpretam esse dispositivo como norma de natureza taxativa, limitando-a as hipóteses expressamente contidas no preceito ora analisado.[32]

Atualmente já não existem grandes discussões a respeito da natureza deste dispositivo, sendo praticamente pacífico o entendimento de que ele é taxativo. Nesse sentido, leciona Yone Frediani:

[...] a relação das atividades contidas no dispositivo legal supra é taxativa, o que significa asseverar que inobstante possam existir outros serviços ou atividades de igual grandeza e importância para a população, apenas as legalmente enumeradas é que ensejarão a observância do comando inserto do art. 11 do mesmo diploma legal, ou seja, as prestações de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.[33]

Posto isto, como pode se observar o rol do artigo 10 da Lei n. 7.783/89 é taxativo, pois se fosse considerado meramente exemplificativo estaríamos diante de uma imensa limitação ao direito de greve conquistado a duras penas pelos trabalhadores.

4.2 Condições para deflagração da greve nos serviços essenciais 

A legislação brasileira, dando a devida importância às paralisações que eventualmente possam ocorrer nas atividades ou serviços essenciais, impõe algumas restrições e estabelece requisitos que devem ser observados, para que o exercício do direito de greve seja considerado legitimo e não seja abusivo, sob pena das sanções aos que descumprirem o definido em lei.

Os requisitos para deflagração da greve nas atividades essenciais estão precipuamente estampados na Lei n. 7.783/89, em especial no artigo 11, caput:

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

No entanto, existem outras requisitos que devem ser observados para a efetiva deflagração da greve neste segmento, que como bem aduz Carlos Roberto de Oliveira, são:

Convocar e realizar, na forma de seus estatutos, assembleia geral da categoria; cumprir quórum mínimo de deliberação; exaurir negociação coletiva sobre o conflito; comunicação prévia à parte contrária e à comunidade em caso de greve em serviço essencial; manutenção em funcionamento de maquinário e equipamento cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável; atendimento a necessidades inadiáveis da comunidade nos serviços essenciais; comportamento pacífico; garantia da liberdade de trabalho aos que quiserem participar da greve; não continuidade da greve após solução do conflito.[34]

Muito embora existam vários requisitos para deflagração da greve nos serviços essenciais, os principais itens a serem observados devem ser o maior tempo de aviso prévio, sendo ele de 72 horas (art. 13), e a prestação mínima dos serviços indispensáveis a comunidade, resguardando desta forma maior segurança e prevenção quanto a paralisações neste setor.

4.2.1 A tentativa prévia de negociação

Com o intuito de minimizar os efeitos danosos que eventualmente a greve poderá causar, a Lei de Greve estabelece em seu art. 3º, parágrafo único, que a entidade patronal deverá ser notificada com antecedência mínima de 48 horas da paralisação. No entanto, este prazo deverá ser respeitado na nas atividades não abrangidas pelo rol taxativo dos serviços essenciais.

O legislador, atento à importância dos serviços classificados com essenciais, intencionalmente buscou atenuar os efeitos nocivos que porventura paralisações neste segmento poderão causar, e estendeu o tempo de aviso prévio antes da efetiva paralisação como também procurou dar ciência aos empregadores e usuários de tais serviços, conforme dispõe o artigo 13 da referida lei:

Art. 13. Na greve em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.

Essa precaução por parte do legislador é plenamente justificável, pois paralisações nos serviços essenciais poderão causar grandes transtornos no natural desenvolvimento da sociedade.

4.3 Consequências do desatendimento aos requisitos para deflagração da greve 

Antes de adentrarmos propriamente nas consequências, é interessante observar o direito de greve propriamente dito, amparado constitucionalmente. No entanto, o uso desta ferramenta à disposição do trabalhador não se revela de caráter absoluto, devendo se subsumir aos demais preceitos constitucionais, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Sendo assim, os abusos cometidos nos movimentos paredistas poderão e deverão ser penalizados conforme a previsão legal.

Possíveis penalidades estão previstas na própria Constituição Federal, especificamente no art. 9, § 2º, que a assim dispõe:

Art. 9, § 2º. Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

 A Lei de Greve também contém previsão expressa neste sentido, como se observa abaixo:

Art. 15. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Pela leitura dos preceitos acima, se extrai o entendimento de possíveis sanções por abusos que venham a ser praticados durante as paralisações, podendo ser este ônus suportado tanto pelos trabalhadores, como por aqueles que legitimamente os representem.

As sanções no âmbito trabalhista se limitam basicamente em advertências, suspensões disciplinares e, constituindo a mais severa delas a dispensa por justa causa.

Na esfera civil eventuais atos ilícitos serão penalizados, por observância dos artigos 186, 187 e 927, todos do Código Civil, além de outros dispositivos que poderão ser utilizados a depender do caso concreto. É interessante notar que por força dos artigos citados acima o órgão representante dos trabalhadores poderá responder com seu próprio patrimônio caso ocorra abuso e dano, e desde que tal dano tenha nexo de causalidade com o movimento paredista. 

Na seara penal, a responsabilidade será apurada de forma individualizada, ou seja, apenas aquele que cometer fato típico previsto no Código Penal ou em outras legislações relacionados será responsabilizado, não passando a pena do infrator. Como nunca é demais lembrar, a greve em si não constitui delito, mas, sim, representa um direito previsto na própria Constituição Federal. Ainda sobre a responsabilidade penal, a Lei n. 7.783/89 em seu art. 15, parágrafo único, aduz:

Art. 15, parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

Por fim, esses mecanismos de controle, seja ele trabalhista, civil ou penal, constituem barreiras a eventuais excessos que venham a ser cometidos durante as paralisações, pois mesmo se tratando de um direito essencial a todo trabalhador, o mesmo deverá ser utilizado de forma responsável e de acordo com as necessidades básicas da população. 

4.4 Os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional 

Com o escopo de suprir lacunas deixadas pela Lei n. 7.783/89 o legislador pátrio vem buscando algumas alternativas, principalmente no que se refere à regulamentação por lei do direito de greve do servidor público, dada suas peculiaridades.

 As principais questões, suscitadas nos diversos Projetos de Lei que seguem expostos abaixo, se referem precipuamente, na classificação das atividades reputadas essenciais, questionando-se a efetividade do rol existente atualmente (art. 10); na fixação da prestação mínima de serviços necessários ao atendimento da população, que até o presente momento é definido conforme o caso concreto; na definição precisa das necessidades inadiáveis a comunidade, o que também traz alguns questionamentos, além de outras questões pertinentes ao tema.

Como pioneiro, o Projeto de Lei n. 4.497/01 de iniciativa da deputada Rita Camata anseia buscar soluções, especialmente no que corresponde à  regulamentação do exercício do direito de greve do servidor público, as regras para o exercício do direito de greve nas atividades essenciais e principalmente a ampliação dos serviços de caráter essencial.

Após essa iniciativa, surgiram outras, sendo as principais o Projeto de Lei n. 5.662/01, de autoria do deputado Airton Cascavel; o Projeto de Lei n. 6.032/02 enviado pelo Poder Executivo; o Projeto de Lei n. 6.141/02 da deputada Iara Bernardi; o Projeto de Lei n. 6.668/02 da deputada Elcione Barbalho e o Projeto de Lei n. 6.775/02, oriundo da Comissão de Legislação Participativa. Todos possuem basicamente os mesmo objetivos, quais sejam, solucionar as lacunas então deixadas pela Lei n. 7.783/89 e que também não foram totalmente esclarecidas com o Mandado de Injunção n. 712 proferido pelo Supremo Tribunal Federal.[35]

 É importante ressaltar que muito embora tenham sido tomadas algumas medidas com o fito de solucionar a falta de regulamentação especifica, até o presente momento questões de fundamental importância sobre o assunto, como, à regulamentação do direito de greve do servidor público, o exercício do direito de greve nas atividades essenciais, à fixação da prestação mínima de serviços necessários ao atendimento da população durante os movimentos paredistas, a negociação coletiva neste segmento, entre outras indagações, ainda não foram solucionadas. O Poder Legislativo, utilizando de sua função precípua, deverá se manifestar de forma concreta e precisa, tendo em vista a solução definitiva deste limbo legislativo provocado pela sua própria inércia.

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Monografia apresentada com exigência parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld

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