Greve do servidor público nas atividades essenciais à luz do princípio da continuidade do serviço público

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23/08/2015 às 15:59
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5 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA E O DIREITO DE GREVE 

5.1 Conceito de princípio 

Muito embora o ordenamento jurídico brasileiro seja pautado basicamente em normas positivadas, cumpre ressaltar a inquestionável importância dos princípios inerentes à atividade jurídica, que, segundo Miguel Reale, são: [...] “certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.[36]

Pela definição, podemos observar atualmente, que devido ao grande número de transformações ocorridas no meio social no decorrer dos anos, sejam estas de cunho cultural, político, religioso, ideológico, cada qual com sua repercussão no plano fático, se tornou extremamente difícil ao legislador, no desempenho de sua função típica, acompanhar tantas mudanças.

Sendo perceptível a importância dos princípios gerais de direito, constituindo fonte integradora, pois, ao passo que situações imprevistas surgem, tais princípios poderão e deverão ser utilizados como fonte a solucionar essas situações inesperadas. 

5.2 Os princípios norteadores da atividade administrativa

Por estar a atividade administrativa extremamente vinculada aos serviços públicos e a satisfação das aspirações comuns da comunidade, entendeu por bem a Constituição Federal de 1988, estabelecer certos princípios a Administração Pública, com o intuito de servirem como parâmetro de comportamento para aqueles que laboram neste segmento.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Como pode ser observado, o caput do art. 37 da Constituição Federal referiu-se expressamente a cinco princípios, sendo eles, o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. No entanto, outros princípios devem ser observados, por estarem logicamente vinculados à Administração Pública.

Devido a uma decorrência lógica do preceito constitucional citado acima, é justificável uma simples referência dos demais princípios norteadores da atividade administrativa, sendo eles, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, da boa administração e o princípio da segurança jurídica.[37]

5.2.1 Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado

No âmbito das relações do Poder Público com os indivíduos beneficiados por sua atuação, certos parâmetros deverão ser seguidos, para que, apenas desta forma seja realmente exteriorizada a vontade da maioria. É nesse sentido que se apreciará doravante o principio da supremacia do interesse público sobre o privado, como pressuposto fundamental do Poder Público frente aos seus administrados. O referido princípio é inerente à qualquer sociedade, sendo condição da sua própria existência. Mesmo não estando expressamente previsto na Constituição, percebe-se claramente sua aplicação concreta em alguns dispositivos do mesmo Diploma, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou meio ambiente (art. 170, III, V e VI, da CF/88), como também, no art. 5, XXIV e XXV, que tratam especificamente dos institutos da desapropriação e da requisição.

Nesse sentido, aduz Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade de nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado. Demais disso, trazem consigo a decorrente exigibilidade, traduzida na previsão legal de sanções ou providenciais indiretas que induzam o administrado a acatá-los. Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto-executoriedade dos atos administrativos.[38]

Por fim, esse entendimento vincula o administrador, que no uso de suas prerrogativas constitucionais, terá o poder-dever de agir conforme os interesses da coletividade, visando o bem comum.

5.2.2 Princípio da legalidade

Distintamente do que ocorre nas relações entre particulares, pois os mesmos podem fazer tudo o que a lei não proíbe, com fundamento no princípio da autonomia da vontade, a Administração Pública, no uso de suas atribuições, esta subordinada ao princípio da legalidade, por este, o Poder Público apenas poderá agir em conformidade com a lei, sob pena do ato eventualmente praticado ser considerado abusivo ou ilícito, sendo passível de apreciação administrativa e judicial. Esse entendimento esta relacionado à segurança jurídica e nesse mesmo sentido prevê a Constituição Federal:

Art. 5° [...] II - ninguém será obrigado a fazer o deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Esse dispositivo tem o escopo de impedir arbitrariedades do Estado, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Visto por este prisma, o Poder Público, embora possa atuar de forma discricionária através de seus agentes, apenas poderá atuar de acordo com a lei.

Em suma, a atividade administrativa consiste na submissão dos seus atos à lei, pois apenas desta forma estará assegurada maior segurança jurídica na relação com seus administrados. 

5.3 Princípio da continuidade do serviço público 

Para que se possa fazer uma análise correta deste princípio ora exposto, se faz necessário interpretá-lo em conjunto com os outros princípios que fundamentam a Administração Pública.

Inicialmente é importante delimitarmos o que significa e qual a real amplitude deste princípio. Odete Medauar, neste sentido, esclarece:

De acordo com esse princípio, as atividades realizadas pela Administração Pública devem ser ininterruptas, para que o atendimento do interesse da coletividade não seja prejudicado. Durante muito tempo o princípio da continuidade do serviço público justificou a proibição da greve nos serviços públicos. Hoje, em muitos ordenamentos já se reconhece o direito de greve dos servidores públicos; a Constituição Federal de 1988, no art. 37, VII, remete a lei específica os termos e limites em que o direito de greve na Administração Pública será exercido; em geral, a conciliação do direito de greve com o princípio da continuidade se realiza pela observância de antecedência mínima na comunicação do início da greve e pela manutenção de um percentual de funcionamento das atividades.[39]

O Estado, quando assume o encargo da prestação do serviço público à população, seja esse realizado através de concessão, permissão ou autorização, se obriga a todos os princípios inerentes a essa atividade, em especial ao princípio da continuidade.

Sendo assim, conjugando-se o atendimento das necessidades inadiáveis da população com o princípio da continuidade do serviço público, chega-se a conclusão de que é perfeitamente possível a greve dos servidores públicos civis, até mesmo nos denominados serviços essenciais, desde que seja cumprido o requisito estabelecido em lei, ou seja, de se estabelecer um percentual mínimo da prestação dos serviços considerados indispensáveis à comunidade durante os movimentos paredistas.

Ante o exposto, não resta dúvida da possibilidade do exercício do direito de greve do servidor público civil, no entanto, será defeso a paralisação total dos serviços prestados pela Administração Pública ou por que lhe faça as vezes, em respeito ao princípio da continuidade do serviço público, sob pena de manifestações em desacordo com esse fundamento constitucional serem reputados ilegítimos, abusivos e ilícitos.

5.3.1 O atendimento às necessidades inadiáveis da população

Inicialmente é oportuno definirmos o que vem a ser considerado às necessidades inadiáveis da população. A Lei n. 7.783/89 assim dispõe:

Art.11 [...] Parágrafo Único. São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Muito embora o legislador traga essa definição, como uma leitura atenta deste preceito, percebe-se nitidamente a sua inconsistência, pois o legislador deveria trazer uma maior definição, pormenorizando tais necessidades inadiáveis à comunidade em paralelo com os respectivos serviços públicos que a representam. Afastada essa falha legislativa, cumpre ressaltarmos doravante as necessidades inadiáveis propriamente ditas.

O atendimento das necessidades inadiáveis à população esta logicamente ligado aos serviços essenciais (art. 10, incisos) e à prestação mínima dos serviços indispensáveis a comunidade (art. 11, caput). No entanto, o art. 11 da Lei n. 7.783/89 não estabeleceu quais os serviços realmente inadiáveis ao atendimento das necessidades da comunidade, como também não estipulo o percentual mínimo de prestação dos serviços durante as paralisações. Isso implica que os trabalhadores que desempenham atividades neste setor, deverão ser cautelosos quando do efetivo exercício do direito de greve  neste segmento, evitando assim abusos e ilegalidades durante as paralisações. [40]

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.

Por fim, a leitura dos dispositivos acima, traz consigo, indubitavelmente, o respeito ao princípio da continuidade do serviço público no atendimento das necessidades inadiáveis a população. No entanto, cabe a reiteração no sentido de que o ideal será a edição de lei específica disciplinando a greve no setor público, dada suas especificidades e relevância para toda sociedade.

5.3.2 A continuidade do serviço público como dever da Administração Pública

Da mesma forma que ao Poder Público são atribuídas prerrogativas para desempenho de suas atividades, em igual proporção ao mesmo também serão impostos alguns encargos, sendo o principal deles, no que se refere à prestação do serviço público, a observância do principio da continuidade. Por este princípio, a adequada prestação do serviço público é objetivo a ser perseguido incansavelmente pela Administração, seja por ela própria, seja pelo concessionário ou permissionário. [41]

Nesse sentido esta o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma nprevista neste Código.

Rizzatto Nunes, neste sentido, esclarece:

No art. 22, a lei consumerista regrou especificamente os serviços públicos essenciais e sua existência, por si só, foi de fundamental importância para impedir que os prestadores de serviços públicos pudessem construir “teorias” para tentar dizer que não estariam submetidos às normas do CDC. [42]

 Paralisações realizadas de forma leviana neste segmento poderão ocasionar danos inestimáveis à comunidade, desta forma, o referido preceito extinguiu qualquer possibilidade de isenção de responsabilidade aqueles que deixarem de prestar serviços considerados essenciais.

Esse entendimento é também expressado pela própria Constituição Federal, que assim diz:

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

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Parágrafo único. A lei disporá sobre:

[...] IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Pela interpretação sistemática do ora analisado, nota-se nitidamente o poder-dever da Administração Pública manter o serviço regular e contínuo, constituindo esse dever em uma obrigação legal e não simples favor frente aos seus administrados.

Nesse sentido estão as decisões abaixo transcritas:

ADMINISTRATIVO. BENS IMPORTADOS. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. GREVE DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL. LIBERAÇÃO DOS BENS. NECESSIDADE. - Em que pese à ausência de regulamentação, há que se considerar legítimo o direito de greve, assegurado pelo artigo 37, inciso VII, da Carta Política. Todavia, em observância ao Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos, deve a Administração assegurar a manutenção dos serviços mínimos, mormente os considerados essenciais. - Não cabe ao particular, alheio às disputas dos servidores públicos com o Governo, arcar com qualquer ônus em decorrência do exercício do direito de greve, o qual tem como limitador, dentre outros, o livre exercício de atividade econômica, igualmente assegurado pela Lei Maior.- Sendo o desembaraço aduaneiro serviço público essencial, compete ao Estado dar-lhes prosseguimento, zelando para que a eventual deflagração de movimento grevista não cause prejuízos aos particulares, de modo a permitir a continuidade de suas atividades. - Não se revela razoável impor ao administrado gravames e danos que, por vezes, são irreparáveis, por conta da interrupção da prestação de serviço essencial, bem como pela aparente ausência de medidas tendentes ao seu restabelecimento. - Remessa improvida.[43]

GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS. EXPEDIÇÃO DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS QUÍMICOS. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. Compete à ré, e ao próprio comando de greve, manter em atividade um número mínimo de servidores para o atendimento de situações emergenciais, pois, ainda que o direito de greve seja uma garantia constitucional, a sua efetividade é limitada pelo princípio da continuidade do serviço público.[44]

Ante o exposto, cumpre ressaltar que se a Administração se omitir na tentativa de manter os serviços de forma regular e contínua, mesmo com a adoção de medidas extraordinárias, poderá o usuário acionar o Poder Judiciário, suscitando o descumprimento do princípio da continuidade, para que seja corrigida tal conduta ilegal.[45]

5.4 A colisão aparente de direitos: continuidade do serviço público e o direito de greve do servidor público  

O art. 37, inciso VII da Constituição Federal assegura ao servidor público o exercício ao direito de greve, muito embora exista a necessidade de da edição de lei especifica para efetiva regulamentação deste dispositivo. O direito de greve, porém, deverá ser compatibilizado com as peculiaridades inerentes a própria atividade administrativa, em especial aos seus princípios norteadores.

O Mandado de Injunção n. 712 do STF, buscando atenuar a inércia legislativa, proferiu decisão autorizando a greve dos servidores públicos civis, por essa, esses trabalhadores poderão utilizar a Lei de Greve que regulamenta a iniciativa privada naquilo que for compatível as suas atividades. No entanto, muito embora nossa Corte Maior tenha regulamentado tal situação, por não haver lei especifica disciplinando o instituto no setor público e por ser impreciso o que foi decidido pelo STF, no que se refere à compatibilidade desde diploma privado se comparado ao setor público, dúvidas continuam surgindo quanto ao tema, especialmente no que se refere ao limite abrangido pela decisão do STF e quais as atividades realmente passíveis de sofrerem paralisações.

Em face do direito de greve do servidor público, encontra-se o princípio da continuidade do serviço público, estabelecendo-se como umas das garantias basilares a todo Estado Democrático de Direito, frente a seus administrados. Por esta, a Administração Pública, através de seus representantes deverão suprir as necessidades inadiáveis à comunidade, independentemente da ocorrência de movimentos paredistas neste segmento, ou seja, eventuais paralisações neste setor deverão respeitar, dentre outros, o princípio ora exposto, suscitando neste exato momento a principal dificuldade de compatibilização destes direitos.

Dentre as alternativas pra possível solução deste aparente conflito, sem dúvida alguma, a primeira delas e a mais coerente seria a edição de lei específica, disciplinado paralisações realizadas por essa classe de trabalhadores. Os principais pontos a serem abordados, deverão se referir, por exemplo, na definição das atividades que não poderão ser realizadas greve, no percentual mínimo de prestação dos serviços durante as paralisações no setor público, na comunicação prévia aos usuários dos serviços etc. No entanto, nota-se que devido à inércia do Poder Legislativo, a medida imediata a ser adotada, com o escopo de adequar estes direitos, será a relativização do caráter absoluto do princípio da continuidade no cenário paredista atual.

Enfim, muito embora esse não seja o procedimento adequado à solução de tal conflito, essa medida, a relativização, se mostra urgente frente a pouca ou nenhuma importância atribuída ao direito de greve do servidor público desde as primeiras Constituições.  

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Monografia apresentada com exigência parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Jurídicas do Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB) Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld

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