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A ação declaratória de união estável movida na Justiça Estadual não faz coisa julgada perante o INSS na Justiça Federal.

Limites subjetivos da coisa julgada: seu efeito secundum eventum litis e secundum tenorem rationis

A sentença declaratória de união estável (ou qualquer outra relativa ao estado da pessoa) movida na Justiça Estadual faz coisa julgada secundum eventum litis, somente para favorecer o INSS, sob pena de ofensa à garantia fundamental do contraditório.

Diante do falecimento de João, Maria moveu ação declaratória de união estável na Justiça Estadual, sobrevindo sentença com trânsito em julgado.

Questiona-se:

a) Acaso julgada procedente a ação na Justiça Estadual, o INSS será obrigado a aceitar seus termos, sendo a questão impassível de revisão pelo Juízo Federal em ação de concessão de pensão por morte ?

a.1) Isso se dá ainda que o INSS não tenha sido sequer citado na ação da Justiça Estadual ?

a.2) E se houver um pensionista (Pedro) já recebendo a pensão do falecido, a situação se altera ? Ou estaria ele também vinculado à coisa julgada formada em processo no qual não integrou a lide, sendo obrigado a dividir sua pensão com Maria ?

b) Por outro lado, caso se entenda que não há vinculação do INSS e/ou do pensionista à coisa julgada formada na Justiça Estadual (já que não integraram a lide), isso ocorre também nos casos em que a demanda foi julgada improcedente ? Ou seja, permite-se que a questão seja discutida novamente na Justiça Federal por Maria, não importando se foi favorável ou desfavorável a decisão do Juízo Estadual ?

Passemos ao desenvolvimento.

São inúmeros os julgados que reconhecem a impossibilidade de se rediscutir a coisa julgada formada na Justiça Estadual em ações declaratórias de união estável. Respondem, assim, afirmativamente ao questionamento "a" feito acima.

Colacionamos alguns (cinco) arestos a título exemplificativo, sendo possível encontrar julgados nesse sentido em todos os Tribunais Regionais Federais:

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA.
(…) 2. A autoridade da coisa julgada prevalece para todos, não podendo a Administração Pública contra ela opor restrições ou embaraços, pois o reconhecimento da união estável é matéria da competência da justiça estadual, e as sentenças das suas Varas de Família constituem prova inequívoca da entidade familiar, oponível à União para fins de concessão de pensão, mesmo sem atrair o interesse do ente federativo naquele processo. Precedentes. (…)
(AC 200651010148930, Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, TRF2 — SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R — Data::11/07/2013.)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. SEGURADO. CONCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. PROVA MATERIAL. RECONHECIMENTO NA JUSTIÇA ESTADUAL. (…) 4. A condição de companheira da parte autora encontra-se devidamente comprovada, tendo em vista o reconhecimento judicial da união estável existente entre ela e o falecido (fls. 08/10), o qual está amparado pelo manto da coisa julgada. (…)
(AC 00003956920124059999, Desembargador Federal Walter Nunes da Silva Júnior, TRF5 — Segunda Turma, DJE — Data::01/03/2012 — Página::187.)

ADMINISTRATIVO — PROCESSUAL CIVIL — SERVIDOR PÚBLICO — PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRA — RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL — COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL — AÇÃO DECLARATÓRIA JULGADA PROCEDENTE — COISA JULGADA MATERIAL — TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO — CORREÇÃO MONETÁRIA — JUROS DE MORA — HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
(…) 2. Concluindo a Justiça Estadual pela existência de união estável, mediante decisão transitada em julgado, não há que se fazer pronunciamento diferente sobre a questão, sob pena de ferir a segurança jurídica, cabendo, tão-somente, adotar a sentença proferida nos autos daquele processo. (…)
(AC 200151010177348, Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS, TRF2 — SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, DJU — Data::07/05/2008 — Página::341.)

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. COISA JULGADA MATERIAL. ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Devidamente comprovada nos autos a condição de dependência econômica da autora em relação ao falecido companheiro, por meio da ação declaratória de união estável juntada aos autos. 2. Não poderia a ré pretender rediscutir a condição de companheira da autora, tendo em vista a ocorrência de coisa julgada material, a teor do disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. (…)
(AC 200404010460967, NÉFI CORDEIRO, TRF4 — QUINTA TURMA, DJ 16/03/2005 PÁGINA: 709.)

ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO.
1. A Justiça Estadual possui competência para declarar a união estável, ainda que para fins de requerimento junto a ente federal.
2. A sentença transitada em julgado que declara a existência de união estável, quando lavrada por juiz competente para reconhecê-la, vincula a terceiros, inclusive a União, produzindo todos os efeitos inerentes e inafastáveis ao reconhecimento dessa situação jurídica, incluindo-se entre eles aqueles verificados no plano previdenciário.
(APELREEX 200771100058631, MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, TRF4 — TERCEIRA TURMA, D.E. 11/11/2009.)

Deste inteiro teor, colhem-se as seguintes razões de decidir:

A autora postula o benefício previdenciário de pensão por morte, em razão do falecimento de Francisco Antônio Nunes, que, segundo sustenta, era seu companheiro. Embasa sua pretensão na existência de sentença proferida pela Justiça Estadual, reconhecendo a existência de união estável entre ela e o ex-segurado. Embora a União não tenha sido parte do processo em que foi reconhecida a existência de união estável entre a autora e o ex-servidor, sua vinculação ao decisum decorre da própria eficácia declaratória da sentença lá proferida.Com efeito, a eficácia declaratória de uma sentença, em maior ou menor grau, dependendo do direito posto em causa, atinge terceiros em geral. Daí dizer Ovídio Baptista da Silva (in Curso de Processo Civil, RT, 4ª edição, p. 507) que “os terceiros deverão considerar, em suas eventuais relações jurídicas com as partes, a existência da coisa julgada”, salientando a seguir que a sentença atinge o terceiro “não como coisa julgada, mas como eficácia declaratória relevante”. (…) E não poderia ser diferente. Quando uma sentença decreta o divórcio, dissolvendo o vínculo matrimonial antes existente (eficácia constitutiva negativa), é evidente que os efeitos declaratórios dessa decisão irão atingir não apenas aqueles que foram parte no processo, mas também todos que doravante venham a se relacionar juridicamente com qualquer um dos ex-cônjuges (caso contrário todo aquele que viesse a casar com o divorciado, por não haver sido parte no processo e não sofrer os efeitos da coisa julgada, estaria cometendo adultério). Da mesma forma, se ao fim de uma ação negativa de paternidade a decisão declara a inexistência do estado de filiação, o Instituto Nacional do Seguro Social tem de cancelar a pensão que por ventura tenha concedido àquele que se dizia filho, ainda que a autarquia não tenha sido parte e, por isso, não tenha sido atingida pelos efeitos da coisa julgada ali produzidos. No processo em tela não ocorre diferentemente. O efeito declaratório da sentença proferida na Justiça Estadual, isto é, a declaração de que a autora e o ex-segurado viviam em regime de união estável, vincula não apenas aqueles que foram parte no processo, mas também terceiros como é o caso da União. Despropositado seria cogitar-se da existência de união estável apenas para efeitos civis, e não para efeitos previdenciários, ou vice-versa, situação que decorreria de eventual sentença de improcedência na presente ação. Primeiramente, porque não existe reconhecimento da união estável exclusivamente para esse ou aquele efeito. O que existe é a declaração por sentença da existência de uma situação jurídica — a união estável, sendo os efeitos, civis ou previdenciários, mera decorrência dessa declaração. Ademais, a justiça competente para declarar a existência ou não dessa situação jurídica é a Estadual, não me parecendo aceitável, por esse motivo, a prolação de sentença pela Justiça Federal que, ao examinar incidentalmente a existência ou não de união estável, como questão prejudicial ao reconhecimento do direito à pensão por morte, desconsidere decisão já trânsita em julgado, proferida pela justiça competente para dirimir a questão em caráter definitivo. Conclui-se, portanto, nessa linha, que a sentença trânsita em julgado que declara a existência de união estável, quando lavrada por juiz competente para reconhecê-la, como ocorreu no caso concreto, vincula a terceiros, inclusive a União, produzindo todos os efeitos inerentes e inafastáveis ao reconhecimento dessa situação jurídica, incluindo-se entre eles, por óbvio, aqueles verificados no plano previdenciário.
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Com as devidas vênias, não concordamos com esta conclusão.

Ainda que haja uma aparente coerência sistêmica em afirmar que o “Estado-Administração” (INSS) não pode ignorar uma sentença declaratória proferida pelo “Estado-Juiz” (ação de jurisdição voluntária movida na Justiça Estadual, ainda que o INSS não tenha sido citado), sob pena de violação da coisa julgada (a qual em por intuito a proteção da segurança jurídica na sua feição objetiva), o fato é que o desacerto desse entendimento fica evidenciado quando se insere na questão uma parte privada.

Imagine-se que já havia um pensionista recebendo a pensão de João: um filho dele com outra mulher (Pedro), menor impúbere.

Questiona-se: O filho Pedro não foi parte na ação declaratória movida na Justiça Estadual por Maria. Ainda assim seria ele vinculado aos efeitos da coisa julgada formada na Justiça Estadual, ação para a qual sequer foi citado e cuja existência ignorava por completo ?

A resposta sói ser negativa. O menor já pensionista não pode ser obrigado a ratear sua pensão por força de coisa julgada formada em relação processual para a qual sequer foi chamado a integrar, já que não pode exercer o contraditório e nem a sua ampla defesa.

Ainda que se procure ao máximo evitar a aplicação atécnica da ponderação de valores, crê-se estar diante de hipótese em que há nítida colidência entre princípios constitucionalmente assegurdos; de um lado, a segurança jurídica (coisa julgada expressa sua feição objetiva); de outro lado, o contraditório, ampla defesa devido processo legal.

Ao nosso ver, não há como se impor a imutabilidade da coisa julgada em face de terceiro que não integrou a lide como parte e, por essa razão, não pôde exercer o contraditório e a ampla defesa.

Nossa opinião encontra respaldo doutrinário.

Ao explanar os limites subjetivos da coisa julgada, o professor Daniel Amorim Neves esclarece que a razão pela qual a eficácia da coisa julgada é circunscrita às partes que integraram a lide se dá justamente em razão dos princípios do contraditório e da ampla defesa, e não alcança os terceiros interessados que não tenham sido citados:

A eficácia inter partes justifica-se em razão dos princípios da ampla defesa e do contraditório, não sendo plausível que a sentença de mérito torne-se imutável e indiscutível para sujeito que não participou do processo.

Essa justificativa só tem algum sentido quanto aos terceiros interessados (que tem interesse jurídico na causa), porque no tocante aos terceiros desinteressados (não mantém nenhuma relação jurídica interdependente com a relação jurídica objeto da demanda), número infinito de pessoasfaltará interesse processual para discutir a decisão transitada em julgado, de forma que a sua imutabilidade torna-se uma consequência natural da impossibilidade processual de modificar a decisão.

(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 6ª ed., 2014, p. 619)

Ao nosso ver, o principal elemento para se distinguir um terceiro desinteressado de um terceiro interessado reside, principalmente, na possibilidade de experimentar uma redução em seu patrimônio jurídico como efeito decorrente da sentença.

Caso haja essa possibilidade, trata-se de terceiro interessado, que só será atingido pela imutabilidade da coisa julgada caso integrado à lide mediante citação regular, podendo assim exercer seu contraditório e ampla defesa. É o caso do INSS e do pensionista atual em relação ao habilitando, já que ambos sofrerão redução jurídica em seu patrimônio.

Noutro giro, em não havendo possibilidade de experimentar qualquer diminuição em sua esfera jurídica, tratar-se-á de terceiro desinteressado, que deverá respeitar a autoridade da coisa julgada pelo simples fato de ser ato proveniente do Estado-Juiz acerca do qual não tem interesse jurídico para se opor legitimamente. É o caso do número infinito de pessoas que não tem qualquer diminuição em sua esfera jurídica diante de uma sentença que decreta o divórcio de um casal, pelo que não lhes restando outra alternativa senão respeitar a autoridade da coisa julgada formada pelo Estado-Juiz.

Já sob a perspectiva do devido processo legal, calha transcrever o direito fundamental insculpido no art. 5º, inc. LIV da CF/88:

LIV - ninguém será privado (…) de seus bens sem o devido processo legal;

Ao nosso ver, impor ao INSS o pagamento de uma pensão sem que este possa ao menos contestar o pressuposto fático e jurídico invocado pelo pretenso beneficiário (a união estável, que confere qualidade de dependente) e nem produzir provas em sentido contrário implica em privar a autarquia de seus bens sem o devido processo legal.

Igualmente, e ainda mais evidente, impor a um menor pensionista que abra mão de metade (ou mais) de sua pensão sem que possa contestar a inexistência da qualidade de dependente dos beneficiários habilitandos implica em privá-lo de seus bens sem o devido processo legal.

Para além disso, não se precisa dedicar mais do que um parágrafo para dizer que o entendimento jurisprudencial majoritário (que é contrário ao aqui defendido) implica por violar também o contraditório e a ampla defesa dos pensionistas e do próprio INSS, que se vêem forçados a abrirem mão de parte de seus patrimônios sem que sequer tenham sido previamente ouvidos, não podendo também produzir contraprova.

Do litisconsórcio necessário em jurisdição voluntária

Paradoxalmente, é pacífico o entendimento da Jurisprudência quanto à imprescindibilidade de citação dos atuais pensionistas na ação de concessão de pensão por morte, sob pena de nulidade por ausência de constituição de litisconsórcio passivo necessário.

Ora, sendo assim, idêntico raciocínio deve ser aplicado quando se opta por não mover ação diretamente em face do INSS e atuais pensionistas, e sim ajuizar procedimento de jurisdição voluntária na Justiça Estadual. Evidentemente que esta ação não pode implicar em redução na esfera jurídica do INSS e atuais pensionistas quando estes não forem citados no procedimento de jurisdição voluntária, sendo a coisa julgada simplesmente ineficaz perante eles.

Nesse sentido dispõe claramente o art. 1.105 do CPC:

TÍTULO II
DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
(…)

Art. 1.105. Serão citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como o Ministério Público.

Como se vê, o art. 1.105 do CPC está para a jurisdição voluntária tal como o art. 47 do CPC está para a jurisdição contenciosa.

Em outras palavras, tal como o manejo de ação de jurisdição contenciosa não tem o condão de formar coisa julgada prejudicando terceiros interessados sem que estes tenham sido citados (art. 47 do CPC), sob pena de ofensa ao contraditório e à ampla defesa, o mesmo deve ocorrer nos processos de jurisdição voluntária (art. 1.105 do CPC).

Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. AÇÃO REVISIONAL. ALTERAÇÃO DO MONTANTE REPASSADO AOS BENEFICIÁRIOS. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.
1. É indispensável a presença no pólo passivo da ação do terceiro eventualmente atingido em sua esfera jurídica pelo provimento jurisdicional.
2. Hipótese em que a alteração, para maior, do percentual de pensionamento repassado aos autores da ação revisional afeta os interesses jurídicos da ex-esposa do instituidor, visto que somente será viável com a redução, em proporção equivalente, de sua parcela do benefício.
3. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 965.933/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 05/05/2008)

Dito isso, haveria algum óbice remanescente para que a união estável fosse reconhecida pelo Juízo Estadual e negada pelo Juízo Federal ?

Entendemos que não. É que não há vedação no ordenamento jurídico para que as decisões sejam incoerentes entre si; o Direito as aceita como consequência natural dos limites subjetivos da coisa julgada, dentre outros fatores; noutro giro, o que não se pode admitir é que as decisões sejamincompatíveis entre si, ou seja, cujas execuções não possam coexistir por impossibilidade material.

Em outras palavras, significa dizer que não há qualquer impedimento para a união estável restar reconhecida pelo Juízo Estadual e simultaneamente negada pelo Juízo Federal, pois as decisões, apesar de incoerentes, são plenamente compatíveis na sua execução; o resultado será que a primeira decisão vinculará todos os terceiros desinteressados, mas não vinculará o INSS ou demais pensionistas que já recebem pensão (terceiros interessados), já que estes, por sofrerem diminuição em seu patrimônio jurídico, deviam ter sido integrados à lide, podendo contestar a pretensão e produzir prova em sentido contrário.

O que não seria admissível, apenas, seriam duas sentenças perante o mesmo ente (INSS) dispondo em sentido contrário; nessa hipótese, perante o INSS Maria não pode ser e não ser companheira simultaneamente, sendo tais opções mutuamente excludentes quando diante do mesmo réu. Como o INSS não foi integrado à lide no processo da Justiça Estadual, e se trata de terceiro interessado, não há coisa julgada vinculando Maria e o INSS acerca da união estável.

Em grau de arremate, propomos, assim, a seguinte conclusão:

A sentença declaratória de união estável (ou qualquer outra relativa ao estado da pessoa) movida na Justiça Estadual faz coisa julgada secundum eventum litis, nos moldes seguintes:

a) Se julgada PROCEDENTE, não afeta terceiros interessados que não tenham sido citados como litisconsortes necessários (art. 1.102 do CPC); assim, a união estável reconhecida na Justiça Estadual pode ser negada em processo na Justiça Federal, na hipótese em que o INSS (ou qualquer outro pensionista) não tenha sido citado para integrar a demanda, sob pena de redução de seus patrimônios jurídicos sem a observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, os quais, por ponderação, devem prevalecer sobre a segurança jurídica (coisa julgada);

b) Se julgada IMPROCEDENTE, a questão se resolveu em definitivo e a união estável não pode vir a ser reconhecida na Justiça Federal; é que embora não integrados à lide, os terceiros interessados carecem de interesse de agir para questionar a coisa julgada que lhes favoreceu; assim, não havendo necessidade de ponderar a segurança jurídica (coisa julgada) com quaisquer outros princípios (contraditório e ampla defesa dos terceiros interessados), resta apenas reconhecer a imutabilidade da coisa julgada, já que integra o patrimônio jurídico daquele que ajuizou a ação perante a Justiça Estadual, de cujos efeitos não pode se furtar.

Ressalte-se que essa coisa julgada que só atinge o terceiro interessado que foi citado como litisconsorte necessário, a não ser que a coisa julgada o favoreça, é nomeada pela doutrina como coisa julgada secundum tenorem rationis (MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 4ª ed, 2012, p. 453, comentário 1 ao art. 472).

No caso concreto sob julgamento, a declaratória de União Estável foi julgada improcedente na Justiça Estadual, sob entendimento de que se trava de mero namoro, faltando o requisito do objetivo de constituir família.

Assim, entendeu-se pela impossibilidade de rediscussão da questão na Justiça Federal perante o INSS e o pensionista menor já habilitado (filho do falecido com outra mulher), nos moldes da conclusão “b” delineada acima; ressalte-se que, na espécie, o pensionista havia sido citado na ação que tramitou na Justiça Estadual, o que veio a ser um reforço argumentativo: tendo sendo parte naquele processo, estava sem dúvida sob a autoridade da coisa julgada lá formada, podendo invocá-la em seu favor.

Inobstante, como visto, ainda que o pensionista não tivesse integrado aquela demanda, o resultado deveria ser o mesmo, já que o édito de improcedência da Justiça Estadual formou coisa julgada que lhe favoreceu, não havendo porquê superar a imutabilidade daquela coisa julgada material proferida pelo Estado ante a inexistência de prejuízo para seu contraditório e ampla defesa, assim como do INSS.

Aparentemente, a segunda parte do art. 472 do CPC excepcionaria essa regra, estabelecendo que nas ações relativas ao estado de pessoa a sentença produziria coisa julgada em relação a terceiros. A inadequada redação do dispositivo legal, entretanto, somente consagra a regra da coisa julgada inter partes, porque exige que todos os interessados sejam citados no processo em litisconsórcio necessário. Dessa forma, somente os terceiros desinteressados não participam do processo como parte, e estes, conforme já afirmado, não suportam a coisa julgada material, porque não tem legitimidade para discutir judicialmente a decisão.
Sobre os autores
Felipe Raul Borges Benali

Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região - TRF3

Michelle Camini

Juíza Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região - TRF3

Informações sobre o texto

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