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O lugar dos direitos humanos na escola: novas possibilidades na rede pública de ensino no Município de Fortaleza

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Agenda 13/09/2015 às 22:55

Temas abordados na disciplina de Projetos Especiais

A provocação das ideias de Candau (2005) ao destacar que é importante promover processos de EDH em que se trabalhe a sensibilização, a consciência da dignidade de toda pessoa humana, a promoção de uma cultura dos DH e o estudo do material desenvolvido para os professores no curso de Formação Continuada em DH[7] Foram fundamentais para a elaboração do nosso trabalho e nos ajudou a orientar os demais professores.

 Toda essa abordagem teórica nos fez trabalhar DH na escola partindo das próprias narrativas dos educandos. Portanto, buscamos processos de ensino aprendizagem abrangendo os aspectos pessoal e social, ético e político, bem como o desenvolvimento da consciência da dignidade humana de cada pessoa (CANDAU,2013).

Junto com esses elementos foram reunidos os professores e discutido como iniciaríamos nosso trabalho, quais eram as dificuldades encontradas por eles. Foi unânime a constatação: os educandos estavam muito indisciplinados, não estavam se respeitando mutualmente e que primeiro teríamos que fazer um trabalho de sensibilização, pois muitas agressões eram vistas como naturais entre eles.

A EMEIF Denizard Macedo de Alcântara está situada à Rua Deputado Matoso Filho, nº 450, bairro Quintino Cunha, no Município de Fortaleza, Estado do Ceará. A Escola está localizada em um bairro popular situado na Secretaria Executiva Regional III (SER III) da cidade de Fortaleza, capital do Ceará. O bairro Quintino Cunha, segundo o IBGE, é um dos cinco bairros da SER III que possui um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal-Bairro (IDHM-B) - ou seja, entre 0 e 0,499. É o segundo maior da SER III com 50.289 habitantes e considerado como um dos mais violentos, principalmente com relação a homicídios[8].

Considerando todo o contexto desses educandos, foi elaborado o primeiro projeto que teve como objetivo geral resgatar o convívio pacífico entre a comunidade escolar, incentivando os alunos ao respeito ao ser humano, bem como, às normas estabelecidas nas salas de aulas e no regimento escolar (CANDAU, 1995).

O projeto teve as seguintes estratégias:

1-Construir consolidado de direitos e deveres dos alunos;

2- Agendar palestras com os temas: respeito mútuo, violência, intolerância;

3-Valorizar e divulgar os dons artísticos apresentados pelos alunos.

As metas principais foram: atingir ao final do bimestre um nível satisfatório nas relações interpessoais e realizar todas as ações propostas com qualidade e eficiência.

Tabela. 2

Ações

Período

Responsável

Tornar público a toda comunidade escolar as regras de convivência;

março

Professores da disciplina projeto

Possibilitar um ambiente limpo e organizado;

março

Professores da disciplina projeto

Registrar as angústias e as sugestões apresentadas pelos alunos para a melhoria da escola e do convívio;

março

Professores da disciplina projeto

Trabalhar os valores éticos, respeito às diferenças raciais, sexuais, religiosas e à inclusão;

abril

Professores da disciplina projeto

Tornar as aulas mais agradáveis, dinâmicas e vídeos;

março

Professores da disciplina projeto

Começamos em expor para os educandos a seguinte afirmação “O desrespeito e a desvalorização do com ser humano nos últimos anos tem sido um grave e angustiante problema nas escolas e sociedades da maior parte do mundo. O que fazer? De quem é a culpa? Não adianta transferir responsabilidades, é necessário mudar de postura diante essa situação e buscar coletivamente a resposta para as questões abordadas.”

A avaliação foi feita durante os planejamentos no mês de abril, onde os professores constataram uma significativa melhora no convívio em sala.

Depois desse projeto inicial, foi abordado outro tema na disciplina de PE: sexualidade. Esse tema foi sugerido inicialmente pelo professor de matemática, pois o referido professor sentiu a necessidade de trabalhar esse tema a partir das colocações dos próprios alunos. Outra observação feita foi que na escola havia muitas adolescentes grávidas. Gravidez ora desejada, ora não. Concluímos que esse assunto seria pertinente no momento.

Trabalhos acadêmicos resultantes da pesquisa sobre comportamento sexual têm apontado para uma revisão da compreensão de uma nova abordagem por parte dos professores no que diz respeito a orientação sexual de crianças e adolescentes. (VILELA, 2014). Buscamos não estigmatizar, nem tão pouco impor nossa cultura, mas esclarecer e refletir sobre as consequências de uma relação sexual sem segurança.

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Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) colocam a orientação sexual para ser abordada como tema transversal, no caderno de “Pluralidade Cultural e Orientação Sexual” (1997) desde as séries iniciais.  O grande desafio era debater sobre as diferentes dimensões da sexualidade partindo das experiências dos próprios educandos, suas dúvidas e anseios.

A disciplina de PE abriu esse espaço para problematizar essa questão e descobrir quais direcionamentos a escola tem dado aos temas da sexualidade, bem como, transformar a sala de aula um espaço reflexivo e participativo.

De acordo com informação divulgada pelo estudo Juventudes e Sexualidades, feito pela UNESCO em 2004, meninas e meninos costumam buscar a ajuda de seus professores quando descobrem a gravidez. Dessa forma, os professores se veem forçados a orientar temas que muitas vezes não são aprofundados nos cursos de licenciaturas.

Por um lado os alunos necessitam de profissionais dentro das escolas capacitados para dar-lhes uma orientação adequada e, por outro, o professor, em especial, o do ensino fundamental precisa refletir sobre a importância da orientação sexual desses estudantes, perder o medo e enfim, mudar sua mente. (BRITZMAN, 2001).

  Vale salientar que segundo estudos, a gravidez na adolescência é um dos fatores que levam os jovens brasileiros a abandonarem os estudos. Na maioria dos casos, por serem de famílias de baixa renda, os adolescentes, deixam a escola em busca de trabalho e novas formas de sustento. De acordo com o estudo Juventudes Brasileiras, realizado pela UNESCO em 2006, 25% das meninas que engravidam na adolescência abandonam a escola (BRASIL,2007).

   Segundo dados publicados nos relatórios mundiais, cerca de 700 mil adolescentes (10 a 19 anos de idade) tornam-se mães a cada ano no Brasil. De 1980 a 2000, houve um aumento de 15% no índice de gravidez na adolescência na faixa etária de 15 a 19 anos (UNICEF, 2004). O assunto, portanto, é motivo de preocupação para toda a sociedade, especialmente para pais, jovens e professores.


Considerações finais

Na atual conjuntura, a responsabilidade da escola vai muito mais além que ensinar os conteúdos da base comum nacional. As unidades de ensino, a cada dia sentem a necessidade de educar e de cuidar para a vida social. Esse papel tem se ampliado, principalmente, nas escolas públicas porque muitos alunos não têm, por diversos fatores, o acompanhamento e/ou uma orientação adequada por parte da família.

A disciplina de PE tem proporcionado o trabalho DH nas escolas, porém não exclui a necessidade de incluir na matriz curricular do ensino fundamental a EDH. Não porque a EDH está em uma situação privilegiada para a disseminação destes valores entre os educandos, mas para direcionar o trabalho pedagógico e a formação continuada desses profissionais.

Acreditamos que a inclusão da EDH na grade curricular irá garantir ao professor a oportunidade de construção de conhecimento e de profissionalização da carreira docente aplicando o saber construído no próprio ambiente de trabalho, visto que muitos não obtiveram esses conhecimentos em suas licenciaturas. Logo, acreditamos que a formação inicial do docente precisa ser acrescentada por outros saberes, principalmente, saberes atuais sobre como trabalhar os DH no âmbito escolar.

Dessa forma, concluímos que educar significa uma reflexão constante sobre o ato de ensinar. Este por sua vez é permeado por contradição entre o discurso e a prática, numa tensão permanente, pois não há fórmula a aplicar, mas um sentido coletivo a construir (FRANCO apud MEIRIEU, 2002). Corroboramos com Rodrigues (2001), que compreende que a Ação Educativa, enquanto Ação Formativa, é uma atividade complexa e de alta responsabilidade. Segue um percurso não espontâneo e casual e deve ser conduzido por pessoas qualificadas para exercer a função de Educar.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENEVIDES, Maria Victória. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? Disponívelem:http://www.aems.edu.br/conexao/edicaoanterior/Sumario/2013/download/2013/3/6.pdf. Acesso em: 14/02/2015.

______________.  Educação para a Democracia. FEUSP, 1996. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451996000200011. Acesso: 13/02/2015.

Brasil. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais (3º e 4º ciclos): introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC;1998.

BRASIL. Juventudes outros olhares sobre a diversidade. Coleção Educação para Todos. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad). Secretaria Nacional de Juventude (SNJ/SGPr) Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2007.

Britzman, D. (2001). Curiosidade, sexualidade e currículo. In: Guacira Lopes Louro (Org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. BH: Autêntica, 2ª ed.

CANDAU, Vera Maria, et al. Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 1995.

CANDAU, Vera e SACAVINO, Susana (orgs.). Educar em Direitos Humanos. Rio de Janeiro: D& P Editora, 2000.

____________. Educação em direitos humanos e formação de educadores. Porto Alegre: Educação, v. 36, n. 1, p. 59-66, jan./abr. 2013.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Philippe Meirieu: Fragmentos de uma conversa. Disponível em < http://www. periodicos.unisantos.br/index.php/pesquiseduca/.../pdf >. Acesso em 07 de julho de 2012.

FRITZSCHE, Karl-Peter. O que significa educação em direitos humanos. 15 teses. In: GIORGI, Viola; SEBERICH, Michael. (Eds.). International Perspectives in Human Rights Education. Alemanha: Bertelsmann Foundation Publishers, 2004.

HADDAD, Sérgio. Direitos humanos vai ser ensinado nas escolas e universidades do país.Disponível em:http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2012/06/aprovacao-das-diretrizes-nacionais-de-educacao-em-diretos-humanos.   Acesso em: 02 /02/2014.

RABENHORST, Eduardo Ramalho. O que são Direitos Humanos? Disponível em: www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/.../01_rabenhorst_oqs_dh.pdf.Acesso:1/12/14.

RODRIGUES, Neidson. Educação: Da formação humana à construção do sujeito ético. Educ. Soc. vol.22 no.76. Campinas Oct. 2001.

SANTANA, A.A, ARAÚJO, J. J. P, et al. O Contexto e o Intertexto na Música Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores. Revista Graduando nº2 jan./jun. 2011.

UNICEF. Perfil da População Jovem Brasileira. Fundo de População das Nações Unidas. 2001. Disponível em http://www.fnuap.org.br/popjovem.asp. Acesso em 21 de setembro de 2013.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ-COVIO-UECE, Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará-LEV-UFC, 2011.Disponível em: www.uece.br/labvida/dmdocuments/regional_III.pdf. Acesso em: 26/02/ 2014.

VILELA, Maria Helena. Educação sexual se faz a cada dia. Disponível em: revistaescola.abril.com.br/.../educacao-sexual-cada-dia-432338.shtml. Acesso em: 02/2/2014.


Notas

[2] Aqui fazemos referência aos 10 anos que passamos lecionando no município de Caucaia, onde presenciamos o termo Tapeba sendo usado pelos alunos com sentidos pejorativos, falta de higiene, roubo ou alcoolismo.

[3]  A autora cita como exemplo o regime soviético.

[4]  Benevides entende “democracia” no sentido mais radical – radical no sentido de raízes – ou seja, como o regime da soberania popular com pleno respeito aos direitos humanos.

[5] Em entrevista como presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos e coordenador da ONG Ação Educativa. (REDE BRASIL,2012).

[6] A música "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores", tem grande importância na história político-social do Brasil e suas contribuições para a transformação da sociedade brasileira perduram até os dias atuais. A letra de uma música traz consigo pensamentos de uma época, ideologias e características da cultura de um povo. (SANTANA, A.A,et al,2011).

[7] Cf. Material desenvolvido pela UFC Virtual e distribuído para os alunos do Curso de Formação Continuada  em Direitos Humanos- 2012.

[8] Cf. CARTILHA DA REGIONAL III. Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza – Perfil da SER III, Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará-LabVida-UECE, Laboratório  de Estudos da Conflitualidade da Universidade Estadual do Ceará-COVIO-UECE, Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará-LEV-UFC, 2011.


Abstract:The intent of this paper is to report our experience as coordinator teacher at a public school in the city of Fortaleza in the first semester of 2014, in front of a new course in the curriculum for Junior High School: Especial Projects. This report detail its structure, present a locus of Human Rights this Course and the possibility to include matters about human values in daily school.

Key words: Experience- Human Rights- School Curriculum.

Sobre a autora
Erineuda do Amaral Soares

Mestra em Gestão Educacional ( UNISINOS), Especialista em Metodologia do Ensino fundamental e Médio (UVA), Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica (FGF), Licenciada em Letras/Português (UFC) e Pedagogia( UVA). Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza | soareserineuda@hotmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Erineuda Amaral. O lugar dos direitos humanos na escola: novas possibilidades na rede pública de ensino no Município de Fortaleza. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4456, 13 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42211. Acesso em: 5 nov. 2024.

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